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HERPES

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PINESC VIII – Daniela Junqueira Gomes Teixeira
Herpes vírus
HERPES SIMPLES
A família herpesviridae é formada por vírus DNA medindo 100-200 nm e contém importantes agentes patogênicos para o ser humano, sendo este o seu único reservatório. São os chamados Herpesvírus Humanos (HHV) e os principais exemplos são: Vírus Herpes-Simplex (HSV-1 e HSV-2), Vírus Varicela-Zóster (VZV), Citomegalovírus (CMV), Vírus Epstein-Barr (EBV), o vírus herpes 6 (agente do exantema súbito) e o vírus herpes 8 (agente do sarcoma de Kaposi). Vamos descrever neste momento as lesões decorrentes dos HSV-1 e HSV-2 (herpes simples). Há dois tipos de vírus herpes-simplex: 
tipo 1 (HSV-1), responsável principalmente por infecções na face e no tronco;
tipo 2 (HSV-2), relacionado especialmente às infecções genitais. 
Entretanto, ambos podem infectar qualquer parte da pele ou das mucosas.
INFECÇÕES PELO HSV-1 
A transmissão do HSV-1 é por contato pessoal, próximo ou íntimo. Por não resistir à secagem e à temperatura ambiente, a transmissão por fômites ou aerossol é difícil. Os indivíduos portadores do HSV-1 transmitem o vírus pela saliva ou qualquer outra secreção infectada, ou ainda pelo contato direto com as lesões. Cerca de 70% dos adultos com mais de 40 anos são soropositivos para o HSV-1 e muitos o excretam de forma intermitente na saliva ou secreções, mesmo quando assintomáticos. As partículas virais (vírions) penetram facilmente as mucosas e pequenas soluções de continuidade da pele (abrasões). Uma vez adquirido, o HSV-1 penetra nas células da epiderme e derme, multiplicando-se e atingindo terminações nervosas locais. 
A maioria (cerca de 75% dos casos) não desenvolve sintomas e a infecção permanece subclínica. A principal característica do vírus é a sua persistência no organismo do hospedeiro: ele simplesmente não é eliminado. Ao invés disso, caminha pelos axônios neurais e ganha os corpos celulares dos neurônios do gânglio do trigêmio (gânglio de Nasser), onde o seu genoma permanece em estado latente incorporado no genoma celular. A qualquer momento, por mecanismos ainda não conhecidos, o vírus pode voltar a se replicar nos neurônios do gânglio e descer pelos nervos periféricos e terminações nervosas para novamente atingir a pele e causar lesões. As manifestações clínicas são distintas e estão relacionadas ao estado imunológico do paciente. Na primoinfecção herpética, pela imaturidade do sistema imunológico específico contra o vírus, as manifestações clínicas, quando ocorrem, são floridas e mais prolongadas. Na reativação herpética, o quadro clínico é mais brando, pelo uso da memória imunológica. 
Embora o HSV-1 esteja mais relacionado à gengivoestomatite, ao herpes orolabial e ao herpes cutâneo, e o HSV-2 mais ao herpes genital, ambos os vírus podem causar qualquer das manifestações! O sexo oral é geralmente o responsável pelo herpes oral por HSV-2 e pelo herpes genital pelo HSV-1.
Gengivoestomatite herpética (primoinfecção) 
Afeta principalmente crianças. O período de incubação entre a exposição e o aparecimento dos sintomas é de 3-10 dias (média de 6-8 dias). O quadro inicia-se abruptamente com febre alta, dor de garganta, mialgia, adenopatia cervical e aparecimento de lesões vesiculares dolorosas múltiplas envolvendo lábios, região perioral e cavidade bucal. As lesões clássicas do herpes simples são vesículas com base eritematosa que posteriormente podem se romper, evoluindo para pequenas lesões ulceradas, por vezes formando-se pequenas crostas. Pode haver acometimento do palato e da faringe, provocando dificuldade para deglutir alimentos e odinofagia. O principal diagnóstico diferencial é com a herpangina (enterovirose por coxsackie A que produz vesículas no palato, mas poupa a mucosa anterior da cavidade oral e a região labial). A síndrome do HSV-1 é autolimitada, durando cerca de 10-14 dias, mas pode se estender por até seis semanas. A desidratação é uma complicação comum e deve ser evitada. Alguns quadros de primoinfecção herpética podem ser brandos, com poucas vesículas e sem febre ou comprometimento do estado geral.
Herpes orolabial (reativação herpética) 
Esta forma é mais comum em adultos. Pode ser desencadeada por exposição ao sol, trauma, estresse emocional ou por uma infecção respiratória febril. Iniciando-se com um pródromo de uma dor em queimação ou ardência na região labial ou perilabial, cerca de 24h antes do surgimento das lesões. Surgem vesículas agrupadas, com base eritematosa, acometendo uma pequena área orolabial unilateral (FIGURAS 2A, 2B e 2C). Não há sinais e sintomas sistêmicos. A dor melhora após as primeiras 24h e as lesões regridem após 5 dias. A frequência de episódios recorrentes é extremamente variável. Um estudo mostrou que em 25% dos casos a recorrência era uma por mês, e em 20%, duas por ano (a maioria oscilava entre estes extremos). 
Panarício herpético e herpes cutâneo 
O HSV-1 pode causar lesões típicas (vesículas agrupadas com base eritematosa) em qualquer parte da pele, geralmente após inoculação direta do vírus. Predomina neste grupo o panarício herpético, adquirido pelo contato do dedo com secreção contaminada ou lesão herpética. Pode ocorrer por autoinoculação. Médicos, dentistas, enfermeiros são grupos de risco para este tipo de manifestação. O panarício herpético também pode ser causado pelo HSV-2. Surge abruptamente dor, edema e eritema da extremidade do dígito com aparecimento das vesículas. Sintomas sistêmicos e adenite satélite podem ocorrer.
Erupção variceliforme de Kaposi (eczema herpético) 
A erupção variceliforme de Kaposi é um quadro de herpes simples que se dissemina em lesões cutâneas preexistentes, geralmente em indivíduos com dermatite atópica. Aparecem vesículas por toda área da dermatite e que logo se transformam em pústulas.
INFECÇÕES PELO HSV-2 
A transmissão é por contato sexual, geralmente se manifestando como herpes genital (que é uma DST). Embora na primoinfecção genital 30% dos casos sejam pelo HSV-1, a reativação herpética genital quase sempre é pelo HSV-2. Estima-se que 20-50% dos adultos com vida sexual ativa sejam portadores do vírus e podem transmiti-lo mesmo quando assintomáticos. Tal como no caso do HSV-1, a infecção por SV-2 também é persistente, com o vírus mantendo-se no estado de latência nos gânglios sacrais. Este pode ser reativado a qualquer momento, justificando os casos de herpes genital recorrente.
Herpes genital 
O período de incubação é de 3-14 dias e a duração dos sinais e sintomas é em média de 12 dias para a primoinfecção e de 9 dias para a infecção recorrente. No homem, as lesões ocorrem na glande e prepúcio, e na mulher, nos grandes e pequenos lábios, clitóris e colo uterino. As lesões são vesículas com base eritematosa, que evoluem para úlceras e crostas seroemorrágicas. O quadro da primoinfecção é mais proeminente e pode cursar com febre, adenopatia inguinal e queda do estado geral. Disúria e secreção uretral no homem e corrimento aquoso na mulher são relatados.
Herpes simples neonatal 
Ocorre quando a mãe apresenta herpes genital com a contaminação do neonato durante o parto. Pode se manifestar de três formas: (1) envolvimento de pele, olho e mucosa oral; (2) encefalite; e (3) doença disseminada. Atinge mais frequentemente cabeça ou região glútea. É contraindicado o parto normal em gestantes apresentando herpes genital.
OUTRAS MANIFESTAÇÕES DA INFECÇÃO HERPÉTICA 
Eritema polimorfo herpético 
O eritema polimorfo ou multiforme é uma erupção cutâneo-mucosa por hipersensibilidade disseminada que se caracteriza por lesões papuloeritematosas, algumas do tipo em alvo (centro mais proeminente ou vesiculoso), predominantemente na palma das mãos e membros – FIGURA 6). Pode ser provocada por reação a drogas ou por agentes infecciosos, destacando-se o vírus herpes-simplex. A forma grave desta dermatose é a síndrome de Stevens-Johnson, caracterizada pela disseminação das lesões para o tronco, que podem ser eritematosas, purpúricas e bolhosas, e acometimento da mucosa orogenital. Sempre que estivermos diante de um paciente apresentando um quadrode eritema polimorfo, temos que investigar história de herpes, por ser uma das principais causas. O quadro surge, em geral, 7-10 dias após o herpes. 
Herpes simples em imunodeprimidos 
O HSV em latência surge frequentemente pela imunossupressão. É uma das complicações mais frequentes na Aids. A característica clínica muitas vezes torna-se bem diferente do habitual, as lesões podem se apresentar de forma verrucosa ou úlceras crônicas (FIGURAS 7A e 7B) com mais de um mês de evolução, e acompanhado de dor. É a causa mais frequente de úlceras orais na Aids. 
DIAGNÓSTICO 
O diagnóstico é clínico. Na dúvida, realiza-se o método de Tzanck (raspado do assoalho de uma vesícula, corando-se pelo Giemsa, Leishman ou HE; o exame é positivo na presença de células multinucleadas que indicam infecção pelo vírus herpes-simplex ou pelo VZV). 
tratamento do herpes-zóster 
O tratamento específico só é indicado se iniciado até 72h após o início dos sintomas. Visa reduzir o tempo dos sinais e sintomas e o risco de neuralgia pós-herpética. As opções são: 
Aciclovir VO 800 mg a cada 4h, 5x/dia por 7-10 dias; 
Fanciclovir VO 250 a 500 mg a cada 8h, 3x/dia por 7 dias; 
Valaciclovir VO 1.000 mg a cada 8h, 3x/dia por 7 dias. 
O tratamento com antivirais diminui o tempo de evolução da vesiculação, reduz as complicações sistêmicas, diminui a dor do zóster durante o tratamento e pode reduzir a chance da neuralgia pós-herpética quando administrado dentro dos primeiros dias (menos de 48 a 72 h), principalmente com o fanciclovir em doses mais altas (500 a 750 mg a cada 8 h) ou o valaciclovir.
Alguns autores recomendam associar corticoide no seguinte esquema: 
Prednisona 30 mg 2x/dia até o 7º dia + 15 mg 2x/dia até o 14º dia + 7,5 mg 2x/dia até completar 21 dias. 
O uso da prednisona serviria para prevenção da neuralgia pós-herpética e este benefício seria mais evidente nos pacientes acima de 50 anos. Entretanto, este assunto permanece controverso. Estão indicadas compressas com antissépticos para evitar infecção secundária, e analgésicos, se necessário, em função da intensidade da dor. 
Herpes-Zóster em Imunodeprimidos
É comum em pacientes com Aids e nos transplantados. Manifesta-se com acometimento extenso por mais de um dermátomo e tende a ser recorrente. Estas características devem sempre aventar a suspeita de imunodeficiência, indicando a solicitação do anti-HIV nos casos apropriados. O tratamento, especialmente nos casos graves, é feito com Aciclovir IV 10 mg/kg 8/8h por 10-14 dias. O corticoide está contraindicado.
HERPES-ZÓSTER
O Vírus Varicela-Zóster (VZV) causa dois tipos de doença no ser humano: (1) varicela; e (2) herpes-zóster. A varicela é uma doença febril com exantema vesicular disseminado que ocorre quase sempre na infância e foi devidamente descrita na apostila de Pediatria. A varicela é a primoinfecção pelo VZV, enquanto o herpes-zóster é a reativação do vírus. O VZV, tal como o HSV-1 e HSV-2, permanece latente nos neurônios ganglionares. A diferença é que qualquer gânglio da medula espinhal e mesmo gânglios dos pares cranianos (trigêmio e geniculado) podem conter o vírus. A partir desses gânglios, o vírus desce pelos nervos periféricos ou pares cranianos para novamente acometer a pele, sempre respeitando um determinado dermátomo.
Quadro Clínico 
O herpes-zóster ocorre vários anos depois do episódio de varicela. É mais comum após os 40 anos de idade, especialmente nos idosos. O quadro se manifesta em um dermátomo unilateral (esta é a principal característica da doença!!). O paciente refere um pródromo de dor em queimação na área do dermátomo acometido, por vezes associada à febre. Dias depois aparecem as lesões: vesículas agrupadas com base eritematosa, dolorosas (FIGURAS 8C e 8D). A dor é decorrente da necroinflamação do gânglio reativado. Os nervos mais frequentemente atingidos são os intercostais (50%), vindo, em seguida, trigêmio (15%), cervical, lombar e lombossacro. As vesículas tornam-se crostas e as lesões tendem a desaparecer em 2-4 semanas, podendo haver infecção bacteriana secundária.
A complicação principal é a neuralgia pós-herpética, ocorrendo em 10-15% dos casos (mais comum nos idosos). Definida pela persistência (> 30 dias) de dor em queimação e disestesia na área afetada após o desaparecimento das lesões. Pode persistir por meses ou anos se não tratada e, eventualmente, é bastante limitante. O herpes-zóster oftálmico atinge a região do ramo oftálmico do trigêmio, acometendo também a córnea e por vezes outras estruturas do olho, com risco de amaurose. O envolvimento do ramo nasociliar leva à formação de vesículas no lado ou na ponta do nariz – sinal de Hutchinson. Na síndrome de Ramsay-Hunt, o território do gânglio geniculado é contemplado, surgindo lesões no ouvido externo, associadas a paralisia facial periférica e sintomas vestibulococleares (vertigem, zumbido, hipoacusia). Outras possíveis complicações são: Guillant-Barret e pupila de Argyll-Robertson. 
Herpes-Zóster em Imunodeprimidos 
É comum em pacientes com Aids e nos transplantados. Manifesta-se com acometimento extenso por mais de um dermátomo e tende a ser recorrente. Estas características devem sempre aventar a suspeita de imunodeficiência, indicando a solicitação do anti-HIV nos casos apropriados.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico é clínico ou confirmado pelo método de Tzanck.
tratamento
O tratamento específico só é indicado se iniciado até 72h após o início dos sintomas. Visa reduzir o tempo dos sinais e sintomas e o risco de neuralgia pós-herpética. As doses são dobradas em relação ao herpessimplex. As opções são: 
Aciclovir VO 800 mg 5x/dia por 7-10 dias; 
Fanciclovir VO 500 mg 3x/dia por 7 dias; 
Valaciclovir VO 1.000 mg 3x/dia por 7 dias. 
Alguns autores recomendam associar corticoide no seguinte esquema: 
Prednisona 30 mg 2x/dia até o 7º dia + 15 mg 2x/dia até o 14º dia + 7,5 mg 2x/dia até completar 21 dias. 
O uso da prednisona serviria para prevenção da neuralgia pós-herpética e este benefício seria mais evidente nos pacientes acima de 50 anos. Entretanto, este assunto permanece controverso. A neuralgia pós-herpética é tratada com anticonvulsivantes (carbamazepina 200 mg 2x/ dia) e aplicação tópica de creme de capsaicína 0,025-0,075%.
NEURALGIA PÓS-HERPÉTICA (NPH)
A neuralgia pós-herpética (NPH) é conceituada como dor persistente por mais de três meses após a resolução das lesões de pele observadas no herpes-zoster (HZ). 
HERPES-ZOSTER
O HZ é uma erupção cutânea dolorosa na distribuição do dermátomo. Após infecção primária com a varicela, o vírus fica quiescente nos gânglios de nervos sensoriais cranianos e nos gânglios da raiz dorsal espinhais. A imunidade celular para o vírus da varicela-zoster diminui com a idade ou devido à imunossupressão. Nesta situação, o vírus reativa-se e migra por meio dos nervos sensitivos acometidos até a pele, causando pródromos de dor, seguido por erupção e eritema cutâneos. 
Estima-se que um em cada três indivíduos irá desenvolver HZ durante a vida. A localização e a distribuição das lesões de pele são distintas. Tipicamente o HZ é unilateral, não atravessa a linha média, e é localizado em um único dermátomo, observando-se acometimento de dermátomos adjacentes em 20% dos casos. Os dermátomos mais comumente acometidos são aqueles da região torácica e o ramo oftálmico do nervo trigêmeo. 
As complicações neurológicas do HZ podem incluir encefalite aguda ou crônica, mielite, meningite asséptica, neuropatias motoras, síndrome de Guillain-Barré, hemiparesia e paralisia de nervos periféricos ou cranianos. As complicações mais comuns incluem infecção bacteriana por Staphylococcus aureus ou Streptococcus pyogenes, formação de cicatriz e hiperpigmentação. 
EPIDEMIOLOGIA
Os fatores de risco para a neuralgia pós herpética incluem idade avançada, erupção cutânea, dor durante a fase aguda. O envolvimento do nervo oftalmico é um fator de risco para o desenvolvimento de neuralgia. Outros fatores de risco possíveis incluíram lupus eritematoso sistêmico, diabetes e trauma recente. Os pacientes imunocomprometidos apresentammaior risco de reativação do varicela e complicações neurológicas. Os fatores de risco para desenvolver neuralgia pós herpética após herpes zóster incluem a presença de um pródromo (definido como dor e/ou sensações anormais antes do início da erupção cutânea), erupção cutânea grave (definida como> 50 lesões: pápulas, vesículas ou vesículas confinadas) e dor intensa durante a fase aguda. Sexo feminino, extensão da erupção cutânea, e sexo feminino não se relacionam com fatores de risco para a neuralgia.
FISIOPATOLOGIA
A fisiopatologia da NPH é pobremente compreendida. A replicação do vírus da varicela-zoster latente no gânglio sensorial resulta em lesão no sistema nervoso periférico e central (SNP, SNC). Diferentes processos fisiopatológicos parecem estar envolvidos no desenvolvimento do HZ e da NPH. No HZ agudo, a pele é inflamada e parcialmente desnervada. Este processo inflamatório inicial tem duração variável, podendo persistir por semanas ou até mesmo meses. Mediadores inflamatórios como bradicinina, substância P, histamina, citocinas e íons H+, são liberados após a lesão tissular, contribuindo para a ativação de nociceptores e para a redução do limiar de dor. Tem início o processo de sensibilização periférica, com consequente exacerbação da resposta aos estímulos nóxicos e não nóxicos.
No gânglio da raiz dorsal observa-se inflamação, necrose hemorrágica e perda neural, sobretudo de fibras C. Como consequência há brotamento de fibras A-beta no local das conexões aferentes das fibras C, ampliando o campo receptivo do neurônio e facilitando a interpretação de estímulos mecânicos periféricos inócuos como agressivos, fenômeno conhecido como alodínea mecânica, tão observado nos pacientes portadores de NPH. Acredita-se que a alodínea e a perda sensitiva no dermátomo afetado estejam associadas com o fenômeno de desaferentação, o qual é decorrente da reorganização dos campos receptivos presentes na coluna dorsal.
As fibras nervosas A-delta e C estão primariamente envolvidas na nocicepção e as fibras A-beta estão relacionadas à sensação de tato. Estas fibras partem da periferia e se dirigem para o corno posterior da medula espinhal, o qual está organizado de forma laminar. Esta organização foi reconhecida inicialmente por Rexed e recebeu o seu nome. As lâminas de Rexed são numeradas de I a X. Numa situação fisiológica, as lâminas I, II e V são responsáveis pela transmissão do estímulo de dor, enquanto as lâminas adjacentes estão associadas à transmissão da sensação de tato. Na presença de uma agressão neural, observa-se uma reorganização dos campos receptivos, o que permite que um estímulo de tato seja percebido e interpretado pelo organismo como sendo uma informação de dor. As fibras A-beta conectam-se com tratos espinhais transmissores de sensações dolorosas e originam alterações sensoriais e alodínea.
O processo de sinalização normal do sistema nervoso está alterado na NPH. Acredita-se que o brotamento de axônios noradrenérgicos simpáticos no gânglio da raiz dorsal, ao redor de fibra A-delta, seja responsável pela ativação de fibras aferentes sensitivas após a estimulação do simpático. Além disto, a perda de neurônios gabaérgicos e a lesão nos elementos que compõem o sistema inibitório descendente da dor contribuem para um aumento da sensibilidade na área afetada.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A NPH pode manifestar-se de diferentes formas, embora nenhuma seja patognomônica. A dor pode ser constante ou intermitente e ter como relato dor tipo queimação, dor latejante, dor cortante, dor penetrante ou dor em choque. Ela pode ser evocada por estímulos táteis, o que caracteriza o fenômeno de alodínea. Este é muitas vezes debilitante, comprometendo a qualidade de vida do paciente.
Alterações na sensibilidade, tais como parestesia, disestesia, hiperalgesia térmica ou mecânica têm sido descritas. Dor musculoesquelética pode ocorrer em pacientes com NPH, como resultado de proteção excessiva da área afetada. Pontos-gatilho miofasciais, atrofia e reduzida amplitude de movimento articular têm sido observados.
Alguns pacientes apresentam prurido crônico, o qual persiste ou aparece após o HZ, comprometendo a qualidade de vida do individuo. Ao exame físico evidenciam-se áreas de hiperpigmentação, hipopigmentação ou cicatrizes nos dermátomos afetados previamente pelo HZ. Vermelhidão e tonalidade acastanhada também têm sido descritas.
Embora menos estudada a alteração da função motora pode ocorrer nos indivíduos portadores de NPH, podendo persistir após a resolução do eritema cutâneo. Um exemplo é a paralisia facial evidenciada por meio da ptose e do apagamento do sulco nasolabial nos casos de envolvimento do nervo facial. 
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da NPH é eminentemente clínico. Histórico de HZ e dor persistente no dermátomo acometido define esta entidade clinica. A recorrência da dor no dermátomo acometido não está apenas associada ao episódio recorrente de HZ, podendo coincidir com alterações no estado emocional ou físico dos pacientes.
História clara de eritema cutâneo pode não estar presente. Neste caso, o diagnóstico definitivo de NPH exige avaliação sorológica seriada onde deve ser pesquisada a presença de DNA do vírus do HZ (VZV-DNA) ou anticorpo anti-VZV no líquor. É importante enfatizar que o diagnóstico completo da NPH envolve a observação do seu impacto na qualidade de vida do individuo. Sabe-se que a NPH tem o potencial de comprometer o desempenho físico, emocional e social do paciente, levando inclusive a comorbidades psiquiátricas.
Diagnóstico Laboratorial
Testes diagnósticos têm aplicação limitada no manuseio clínico de pacientes com NPH. Uma variedade de estudos tem sido usada, em ambientes de pesquisas clínicas. Dentre estes se destacam o teste sensorial quantitativo (TSQ), a biópsia de pele e os estudos de condução de nervos. O TSQ tem aplicabilidade na identificação do subtipo de fenótipo em pacientes com NPH. Acredita-se que no futuro esta informação possa orientar o seu tratamento, o qual passaria a ser baseado no conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos.
TRATAMENTO
A NPH é um tipo de dor neuropática crônica. Trata-se de uma entidade complexa, que envolve múltiplos fenômenos fisiopatológicos e que, como tal, necessita ser abordada de forma multimodal. 
Tratamento farmacológico
O tratamento deve ser feito com fármacos para o controle e alívio da dor. Os fármacos de primeira linha para o tratamento da NPH são os anticonvulsivantes (gabapentina e pregabalina) e os antidepressivos tricíclicos (principalmente amitriptilina). Os opioides são classificados como analgésicos de segunda linha e também podem ser utilizados.
Embora existam vários tratamentos farmacológicos para o alívio sintomático da dor neuropática, muitas vezes esses agentes não oferecem alívio satisfatório em todos os pacientes. A natureza complexa e heterogênea dos mecanismos da NPH sugere que alívio adequado dos sintomas dolorosos por uma única medicação é improvável. Na prática clínica, as combinações de analgésicos são usadas para obter alívio da dor.
Antidepressivos tricíclicos
Os antidepressivos tricíclicos em baixas doses têm sido usados para NPH como monoterapia ou associados a outros fármacos. Seu uso exige pelo menos três meses para o efeito positivo. 
Mecanismo de ação: ocorre pelo bloqueio de recaptação de serotonina e noradrenalina e também pela inibição dos canais de sódio voltagem dependente. 
A amitriptilina é o fármaco mais comumente utilizado, no entanto, todos tem eficácia terapêutica semelhante. Os antidepressivos tricíclicos prescritos para HZ incluem a amitriptilina, nortriptilina, imipramina e desipramina.
Efeitos adversos: boca seca, turvação visual, tontura, fadiga, sedação, retenção urinária, constipação, ganho de peso, palpitações, hipotensão ortostática e prolongamento do intervalo QT. Embora não haja recomendação formal de solicitar um exame de eletrocardiograma (ECG) antes de iniciar a terapêutica com antidepressivos tricíclicos, é prudente obter um ECG de pacientes com doença cardíaca.
AnticonvulsivantesOs fármacos anticonvulsivantes têm sido usados em diversas condições que causam dor neuropática. A gabapentina e a pregabalina são fármacos análogos ao ácido gama aminobutírico (GABA), porém não agem no receptor GABA.
Gabapentina
Mecanismo de ação: é incerto, acredita-se que ela atue na subunidade α-2-δ dos canais de cálcio voltagem dependentes, diminuindo o influxo do cálcio e inibindo a liberação de neurotransmissores excitatórios nos aferentes primários no corno posterior da medula, assim como a pregabalina. É possível que a gabapentina tenha um efeito sobre os receptores do tipo N-metil-D-aspartato (NMDA), diminuindo os níveis de glutamato, atuando no melhor controle da alodínea.
A dose diária de gabapentina pode variar de 1800-2400 mg. Ela é eliminada integralmente pela urina. A combinação de gabapentina e um opioide, em doses mais baixas de ambos, fornece analgesia superior do que cada fármaco usado como agente único.
Efeitos adversos: sonolência, tontura, ataxia e edema periférico.
Pregabalina
A pregabalina revelou-se eficaz e segura para NPH, pois atua no controle da dor e interage pouco com outros fármacos. A dose recomendada é de 300-600 mg/dia. 
Efeitos adversos: comumente não são graves, porém podem ocorrer, como edema periférico, tontura e sonolência.
Carbamazepina
Mecanismo de ação: atua antagonizando os canais de sódio, estabilizando as membranas neuronais pré e pós-sinápticas. 
É utilizada em várias doenças que cursam com dor neuropática. É muito efetiva em dores paroxísticas e lancinantes e menos efetiva em dor em queimação e alodínea. A dose recomendada é 600-1600 mg/dia, dividida em 2 a 3 tomadas. 
Efeitos adversos: tonturas, visão turva, náuseas e vômitos. Podem surgir erupções cutâneas, porém as reações graves, como Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica são raras.
Lidocaína
A lidocaína tópica é um fármaco de primeira linha para o tratamento da NPH, com ação bloqueadora nos canais de sódio, reduzindo as descargas ectópicas anormais. Ela é usada na forma de adesivos cutâneos de lidocaína a 5% ou na forma de creme, como uma mistura eutética de anestésicos locais, Eutectic Mixture of Local Anesthetics (EMLA), contendo prilocaína a 2,5% e lidocaína a 2,5%. 
O adesivo de lidocaína a 5% é licenciado para os pacientes com NPH nos Estados Unidos. O adesivo contém 750 mg de lidocaína, das quais apenas 5% é liberada. A administração tópica da lidocaína tem se mostrado eficaz, segura e com baixa incidência de reações adversas sistêmicas e poucos efeitos colaterais; comumente os pacientes apresentam reações locais leves. Mesmo com múltiplas aplicações de lidocaína, os níveis sistêmicos desse fármaco permanecem baixos. A lidocaína a 5% deve ser aplicada na área de pele dolorosa por um período máximo de 12h ao dia. Pode ser usada em associação com anticonvulsivantes, opioides e antidepressivos tricíclicos.
Opioides
Muitos estudos demonstram que os opioides são eficazes no tratamento da dor neuropática, principalmente se a dor for de moderada a forte intensidade, entretanto, algumas considerações devem ser realizadas como titulação da dose para minimizar os efeitos colaterais, a tolerância e o abuso de fármacos. O uso de opioides deve ser realizado de forma racional.
Efeitos adversos: náuseas, vômitos, obstipação, tontura e sedação. 
Uma recomendação comum é usar codeína (30-60 mg) a cada 6 horas, quando necessário. A codeína pode ser associada ao paracetamol. Outros opioides (morfina, oxicodona, metadona) também são utilizados. 
A ação analgésica do tramadol ocorre nos receptores opioides μ-agonista e na inibição de recaptação de norepinefrina e serotonina, promovendo redução da intensidade da dor e melhora da qualidade de vida. Nos casos de dificuldade no manuseio da dor, uma combinação de tramadol e amitriptilina tem sido utilizada.
Capsaicina
A capsaicina é um alcaloide derivado da pimenta (Capsicum frutescens) que age na dor neuropática provocada por sensibilização periférica, realizada pela substância P nos receptores periféricos primários, gerando os sintomas dolorosos. 
Mecanismo de ação: estimula uma descarga periférica de substância P, levando ao esgotamento do estoque desta. A indisponibilidade da substância P nas fibras aferentes primárias (fibras C) inibe a geração do fenômeno doloroso. 
No início do tratamento tópico com a capsaicina ocorre um aumento na sensação álgica, especialmente de queimação, devido a descarga de substância P antes do seu esgotamento. Muitas vezes, isso dificulta a aderência ao tratamento. No entanto, esse efeito inconveniente diminui ou desaparece com o tempo. 
A capsaicina tópica em baixa concentração (0,025%-0,075%) tem sido usada por décadas como um dos tratamentos de segunda linha para a NPH, porém com resultados divergentes. A capsaicina a 8% é aplicada via transdérmica na área dolorosa durante 30 minutos nos pés e 60 minutos nas restantes áreas do corpo. O tratamento pode ser repetido com intervalo de 3 meses e tem como efeito adverso dor e eritema no local de aplicação, portanto necessita de anestesia tópica antes da aplicação. Não deve ser aplicada na pele lesada ou inflamada. Esse tratamento pode reduzir a dor durante muitos meses, porém o uso do adesivo de capsaicina a 8% não foi estudado para NPH trigeminal e para aplicação na face e na cabeça. A capsaicina a 8% não se encontra disponível no Brasil.
Toxina botulínica
A toxina botulínica tipo A (BTX-A) é um produto de origem biológica utilizado para os tratamentos das diferentes enfermidades neurológicas (espasticidade, tiques, distonias, espasmos hemifaciais, blefarospasmo, etc), em medicina geral e em medicina cosmética.
Mecanismo de ação: bloqueio pré-sináptico da liberação de acetilcolina na união neuromuscular. O efeito sobre a dor neuropática estaria produzido pela redução na liberação de glutamato e pela diminuição da atividade dos neurônios de amplo espectro da asta dorsal de medula. Estes resultados explicariam o mecanismo da ação da toxina botulínica reduzindo o fenômeno de sensibilização periférica (glutamato, substância P, prostaglandinas, bradiquinina, adenosina, óxido nítrico, serotonina) e central (glutamato, substância P) no neurônio de amplo espectro da asta dorsal de medula contribuindo no controle ou modulação da inflamação neurogênica.
Tratamento intervensionista
Bloqueios analgésicos
Os bloqueios simpático-neurais também podem ser considerados no tratamento para alívio da dor aguda do HZ e na NPH. Embora os mecanismos precisos pelos quais o sistema nervoso simpático contribua para dor neuropática não sejam claros, dados indicam uma ativação anormal dos receptores alfa-adrenérgicos nos neurônios aferentes primários. Os bloqueios neurais têm sido utilizados no alívio da dor em pacientes com NPH, embora com menos eficácia analgésica do que nos casos de HZ. Quando o bloqueio é realizado na fase aguda do HZ, além de diminuir a intensidade da dor, teoricamente previne o desenvolvimento de NPH.
A administração de anestésico local promove alívio da dor por 12- 24h. Em longo prazo, o alívio pode ser alcançado realizando o procedimento semanalmente e numa fase inicial da doença. A incidência de complicações graves causadas pelo bloqueio é baixa e depende da localização do nervo bloqueado. A administração única no espaço peridural de um corticoide associado a um anestésico local na fase aguda do HZ pode ter um efeito na redução da dor por um mês, mas não é eficaz para prevenção em longo prazo da NPH. Apesar da injeção subaracnóidea do acetato de metilprednisolona aliviar a dor na NPH, sua segurança tem sido debatida, pois contém álcool benzílico e polietilenoglicol como conservantes, por isso sua utilização tem sido questionada.
Estimulação medular
A estimulação medular tem sido realizada para tratar a dor neuropática crônica, seu mecanismo de ação não está claro, porém sua ação baseia-se na teoria do portão de controle da dor, em que a estimulação de fibras mielinizadas Aβ interfere na transmissão do estímulo nociceptivo conduzido pelas fibras C e Aδ da periferia para o cornodorsal da medula. O impulso elétrico é transmitido a partir de um gerador implantado no subcutâneo para os eletrodos colocados no espaço peridural. A estimulação medular apresenta taxa de complicações que variam entre 30% e 40%.
As principais complicações são: problemas no funcionamento de hardware, principalmente a migração dos eletrodos, infecção e estimulação dolorosa. As complicações são mais significativas quando associadas às lesões neurológicas, devido a lesão de raiz ou da medula espinhal no intraoperatório. Na tentativa de evitar infecção, utiliza-se uma técnica estéril rigorosa e profilaxia com antibióticos por via venosa antes do procedimento. Pode ocorrer perfuração acidental da dura-máter durante a implantação do estimulador medular, o que resulta em cefaleia pós-punção dural. Primeiramente, adota-se tratamento conservador, porém, nos casos refratários, é recomendado realizar blood pacth peridural. Quando ocorre estimulação dolorosa, deve-se reposicionar ou remover o eletrodo.
Tratamento Psicológico E Terapias Comportamentais
A associação dos fatores emocionais aos fatores biológicos é de extrema relevância na manutenção e na modulação da NPH. Portanto, os benefícios potenciais do apoio psicológico para os pacientes com NPH não devem ser ignorados. As terapias comportamentais, como relaxamento, meditação e massagens também têm sido utilizadas com efeitos positivos na NPH. 
Resumindo...
O tratamento de neuralgia pós-herpética inclui carbamazepina em doses de 100 a 400 mg/dia, amitriptilina em doses de 12,5 a 75 mg/dia, benzodiazepínicos, opiáceos e, até mesmo, bloqueio ganglionar. A capsaicina, uma depletora da substância P, parece ser efetiva no tratamento da neuralgia pós-herpética moderada quando aplicada 3 a 5 vezes/dia durante 4 semanas, na dose de 0,025 a 0,075%. Lidocaína gel a 5% também pode ser utilizada.
PREVENÇÃO
Ainda controverso, o uso de antivirais na fase aguda do HZ levanta a hipótese de interromper a replicação viral, reduzir as lesões nervosas e por consequência o surgimento de NPH. A prevenção da NPH está intimamente relacionada à prevenção do HZ. Medidas preventivas incluem a vacinação infantil contra o vírus da varicela-zoster, a imunização passiva contra a varicela (varicela-zoster imune globulin - VZIG) e vacinação contra o herpes-zoster para adultos.
Vacinação infantil
A vacinação infantil deve ser feita em duas doses, sendo a primeira com um ano e a segunda entre quatro e seis anos de idade. A vacina contra a varicela advém de vírus atenuado, sendo desenvolvida em células diploides humanas, derivada da cepa do vírus OKA (vOKA), que permanece latente nos gânglios sensoriais.
A VZIG está indicada para os comunicantes de varicela ou HZ disseminado, que sejam portadores de imunodepressão, gestantes suscetíveis, nos recém-nascidos (RN) de mães que apresentam varicela nos últimos cinco dias antes e até 48h após o parto; RN prematuros com 28 semanas de gestação, cuja mãe não teve varicela; RN com menos de 28 semanas de gestação, independente de história materna de varicela. A VZIG provê benefício máximo quando administrada precocemente após a exposição presumida. A proteção esperada após a administração da VZIG tem duração aproximada de três semanas. Em algumas situações, deve-se considerar a necessidade de vacinação adicional.
Vacinação para adultos
A vacina contra o HZ contém altas doses de vírus vivo da varicela atenuado, é bem tolerada e apresenta poucos efeitos adversos, sendo o mais comum a dor no local da aplicação. Ainda é limitado o entendimento atual de quais fatores de risco podem maximizar o surgimento de NPH. Alguns estudos indicam que imunossupressão, lúpus eritematoso sistêmico, diabetes e trauma local recente podem estar associados com maior risco de NPH. O aumento da idade é o único fator de risco estabelecido para NPH que tem sido quantificado com suficiente rigor para justificar a política de vacinação. A vacinação está contraindicada em mulheres grávidas, em pacientes com grave imunossupressão e nos pacientes com tumores de medula óssea ou linfático que estivessem recebendo mais de 20mg de prednisona/dia.

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