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POLÍCIA CIENTÍFICA: PROVA E LOCAL DO CRIME AULA 1 Prof. Thiago Massuda CONVERSA INICIAL Neste módulo, teremos uma noção de qual é o panorama brasileiro em relação aos índices de criminalidade e sua relação com a taxa de resolução de crimes no país. Destacaremos a importância da prova técnica no processo penal e seu auxílio no combate à impunidade, relacionando a legislação processual penal aplicada ao tema. TEMA 1 – A CRIMINALIDADE NO BRASIL O Brasil apresenta-se como um dos países com maiores índices de criminalidade mundial. A violência, seja ela cometida na e pela sociedade ou pelo próprio Estado, é muitas vezes legitimada como resposta ao crime e há uma enorme distância entre discursos e práticas; entre o reconhecimento do problema e sua conversão em medidas concretas para o seu enfrentamento. As mortes violentas intencionais no Brasil beiram 60 mil ao ano, com crescimento no número de latrocínios e de mortes decorrentes de intervenção policial, cuja proporção já superou a de, ao menos, nove pessoas mortas todos os dias pelas polícias brasileiras. E essa marca nos singulariza até mesmo em relação às nações com índices e características parecidas. Conforme definido no 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2016) As taxas de mortes decorrentes de intervenções policiais de Honduras, a nação mais violenta do mundo proporcionalmente, e da África do Sul são inferiores à taxa brasileira. Sob todas as métricas, a ação do Estado resulta no Brasil em um número muito elevado de mortes. Como outra face de um mesmo problema, a presente edição traz também um dado que é um quase tabu e que não é discutido, ou seja, a de que os policiais morrem três vezes mais fora de serviço. Não há um acúmulo de estudos sobre as condições em que estão ocorrendo estas mortes e sobre qual a responsabilidade do Estado em evitá-las. Mais ainda, mesmo em serviço, o policial brasileiro morre duas vezes mais do que os policiais dos EUA. Negar esse mata e morre é negar direitos civis não só para a população como um todo, mas aos quase 700 mil policiais e guardas municipais do país. Vários indicadores corroboram para a premissa de que o Brasil é um país com altas taxas de criminalidade, mas certamente a taxa de homicídio é o indicador que mais choca. Embora as estatísticas nacionais não sejam totalmente confiáveis e existam diferenças regionais significativas, de longe, nenhum indicador nos agrada, e a falta de insatisfação da sociedade com esse absurdo nos leva a refletir sobre essa banalização do crime no Brasil. 3 TEMA 2 – A IMPUNIDADE NO BRASIL A impunidade no Brasil é outro fato notório, mas que não apresenta quaisquer estatísticas confiáveis. Inicialmente, há uma grande subnotificação de infrações penais no país, seja pelo descrédito que a população tem na polícia e na justiça, seja pela dificuldade de acesso e burocracia do sistema. Superado esse desafio da notificação do delito, nascem várias outras dificuldades, como a falha no isolamento de local de crime, falta de estrutura das polícias judiciárias (polícia civil), falta de estrutura dos órgãos periciais, um sistema judiciário. Essa somatória de dificuldades acaba por gerar inquéritos policias frágeis que, em sua grande maioria, acabam sendo arquivados por não haver demonstrada a materialidade ou a autoria do crime. Os poucos inquéritos que acabam por gerar denúncia, muitas vezes, têm frágil conjunto probatório, o que facilita as teses da defesa no pedido de absolvição. Tudo isso faz com que o Brasil tenha vergonhosos números referentes à resolução de crimes. Enquanto países como a Inglaterra resolvem aproximadamente 90% dos seus homicídios, a França 80%, os EUA 65%, no Brasil, esses valores não chegam a 10%, o que significa que em mais de 90% dos casos ninguém é punido. Essa impunidade acaba por gerar uma série de consequências, como o aumento da criminalidade, pelo fato de o Estado não aplicar medidas corretivas adequadas à pessoa que delinque. Isso acaba estimulando um círculo vicioso do crime, em que as vítimas acabam fazendo justiça com as próprias mãos por meio de outra conduta delituosa por conta dessa omissão. TEMA 3 – A IMPORTÂNCIA DA PROVA TÉCNICA PARA O PROCESSO PENAL O artigo 155 do Código de Processo Penal – CPP – diz que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Ao analisarmos esse artigo de forma mais ampla e associada a uma visão técnico-pericial, percebemos que o juiz, 4 ao considerar todo o conjunto das provas carreadas para o processo judicial, será, no entanto, livre para escolher aquelas que julgar convincentes. O artigo 158 do CPP determina: “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Essa determinação legal evidencia, de forma direta, a importância e a relevância que a perícia representa no contexto probatório. 3.1 A Prova É a busca da verdade, ou o meio utilizado para a percepção de uma verdade, ou seja, tudo que pode conduzir a uma certeza. Prova material: é todo vestígio que ofereça a oportunidade de constatação, sujeitos ou não a realização de exames periciais, dependendo de análises específicas. Prova pericial: pode ser entendida como os elementos materiais diretamente relacionados à ação delituosa e que, após processados pericialmente, obtenha a certeza científica, ou não, da sua relação com o crime ou com seu autor. Prova documental: é consubstanciada em um papel escrito ou registro por meio eletrônico, demonstrado um fato em que a sua produção pode estar ou não vinculada à ação criminosa, ou ter algum tipo de relação, servindo para demonstrar fato alegado na investigação. A prova pericial é dependente da qualidade das amostras e dos cuidados a ela inerente. Esta qualidade depende dos processos de: • coleta; • acondicionamento; • identificação; • armazenagem; • encaminhamento (transporte); • entrega – exame/laboratório. 5 3.2 Classificações da prova Diretas: são aquelas que mostram de maneira precisa o que se procura esclarecer, permite conclusões, com o objetivo de constatar a existência do crime (objetivas, materiais, periciais). Indiretas ou subjetivas: são chamadas indiciarias ou circunstanciais as que dão a entender alguma coisa relacionada com um crime, também denominada informativa. Complementares ou mistas: possuem parcela de subjetividade – reprodução simulada, retrato falado, investigação da vida pregressa do acusado. 3.3 Base legal da prova material A prova material, portanto, assume real importância, como se observa nos artigos que prescrevem a sua aplicação no direito subjetivo (Código de Processo Penal, art. 386): Art. 386: O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I – estar provada a inexistência do fato; II - não haver prova da existência do fato; III - não constituir o fato infração penal; IV - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal [...] Base Legal CPP (Código de Processo Penal): Art. 6 - Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade deverá: I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos. II - apreender os objetos que tiverem relação com ofato, após liberados pelos peritos. Prova Art.158 - quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame do corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Art.169 - para efeito do exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir os seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas. Parágrafo único: os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos. Art.175 - serão sujeitos a exames os instrumentos empregados para a prática da infração, a fim de verificar a natureza e eficiência. 6 Art.182 - o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeita-lo, no todo ou em parte. 3.4 Conceitos importantes de local de crime No manual de local de crime do Instituto Geral de Perícias do RS, temos os seguintes conceitos: Corpo de delito: Originalmente, como aparece no Código de Processo Penal, um decreto-lei publicado em 3 de outubro de 1941, “a expressão referia-se, com certeza, apenas ao ser humano. Todavia, do ponto de vista técnico pericial atual, entende-se corpo de delito como qualquer ente material relacionado a um crime e no qual é possível efetuar um exame pericial”. [...] É o delito em sua corporação física. O corpo de delito é o elemento principal de um local de crime, em torno do qual gravitam os vestígios e para o qual convergem as evidências. É o elemento desencadeador da perícia e o motivo e razão última de sua implementação. Exemplificando, em um local em que ocorreu um atropelamento, o corpo de delito será, naturalmente, o cadáver da vítima. Casos em que o veículo fugiu do local do delito de tráfego e que, posteriormente, é efetuada uma perícia em um automóvel suspeito para verificar a sua participação, ou não, naquela ocorrência têm por corpo de delito o veículo. Em perícias internas, efetuadas nos diversos órgãos periciais, o corpo de delito poderá se constituir em uma fita de videocassete, uma fita k-7, um CD-ROM em uma pessoa vítima de lesões corporais, em elementos de munição, armas, documentos etc., dependendo do tipo de perícia solicitada e os propósitos a que se destina. Resumindo, podemos dizer que o corpo de delito é aquele objeto que, removido da cena do crime, descaracterizaria por completo a ocorrência, tornando-a até, em alguns casos, inexistente. “Vestígio: Sinal que homem ou animal deixa no lugar onde passa; rastro, pegada, pista; no sentido figurado, indício, pista, sinal, [...]” (Novo Dicionário da Língua Portuguesa). Os vestígios constituem-se em qualquer marca, objeto ou sinal sensível que possa ter relação com o fato investigado. A existência do vestígio pressupõe a existência de um agente provocador (que o causou ou contribuiu para tanto) e de um suporte adequado (local em que o vestígio se materializou). 7 Os conceitos de corpo de delito e vestígios nem sempre são facilmente distinguíveis. Contudo, segregando-se um deles, o outro por exclusão é facilmente reconhecido. Evidências: Conforme o dicionário, evidência é a “qualidade daquilo que é evidente, que é incontestável, que todos veem ou podem ver e verificar”. No âmbito da criminalística, porém, constitui uma evidência o vestígio que, após analisado pelos peritos, se mostrar diretamente relacionado com o delito investigado. As evidências são, portanto, os vestígios depurados pelos peritos. Observamos que as evidências, por decorrerem dos vestígios, são elementos exclusivamente materiais e, por conseguinte, de natureza puramente objetiva. Indícios: O termo indício encontra-se explicitamente definido no artigo 239 do Código de Processo Penal: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstância.” Num primeiro momento, o termo definido pelo art. 239 do CPP parece sinônimo do conceito de evidência. Contudo, a expressão “indício” foi definida para a fase processual, portanto para um momento pós-perícia, o que quer dizer que a palavra “indício” carreia consigo, além dos elementos materiais de que trata a perícia, outros de natureza subjetiva, próprios da esfera da polícia judiciária. Nesse contexto, cabe aos peritos a alquimia de transformar vestígios em evidências, enquanto aos policiais reserva-se a tarefa de, agregando-se às evidências informações subjetivas, apresentar o indiciado à Justiça. Disto conclui-se que toda evidência é um indício, porém, nem todo indício é uma evidência. TEMA 4 – DO EXAME DO CORPO DE DELITO E DAS PERÍCIAS EM GERAL 4.1 Perícia A perícia consiste em um conjunto de procedimentos técnicos solicitado pela autoridade policial ou judiciário cujo objetivo é o esclarecimento de fatos de interesse à justiça. Dessa forma, todas as áreas de conhecimento humano têm condições de oferecer subsídios para tal fim (medicina, biologia, toxicologia, engenharia, física, química, bioquímica etc.) 8 As perícias podem ser realizadas no vivo, no cadáver, no esqueleto, no local, em objetos. Perícias em vivos: exames de lesão corporal, estimativa da idade, conjunção carnal, ato libidinoso, violências sexuais em geral, gravidez, parto, infortúnios do trabalho, dosagem alcoólica, exames toxicológicos. Perícias em cadáveres – identificação da vítima, diagnóstico da realidade da morte (tanatognose), cronologia da morte (cronotanatognose), causa morte, exames toxicológicos das vísceras e outros complementares, necropsia em mortes violentas e suspeitas. Perícias no esqueleto: identificação antropológica, diagnóstico da espécie, sexo, estatura, idade, achados de violência. Perícias em local e objetos: levantamento de locais de homicídio suicídio e acidentes, exames em armas de fogo, impressões digitais, vestes, manchas, etc. 4.2 Credibilidade da perícia Conforme preconiza os Art. 182 do CPP e 436 do CPC, o juiz poderá aceitar a perícia em todo ou em parte, podendo nomear outros peritos para a realização de novo exame. 4.3 Perícia contraditória Quando os peritos chegam a conclusões diferentes sobre o mesmo assunto. Quando isso ocorre suas soluções são apresentadas, tanto em matéria civil como penal. 4.4 Falsa perícia Segundo o Art. 342 do Código Penal consiste em declarações falsas ou na ocultação da verdade, constituindo crime contra a administração da Justiça. 4.5 Peritos Os peritos são profissionais especializados com profundo conhecimento técnico em uma área da ciência. São os peritos que têm por missão realizar exames, cujos resultados são de interesse num processo. O perito não defende nem acusa. Sua função limita-se a verificar o fato, indicando a causa que o 9 motivou. Deve realizar todas as indagações que julgar necessárias, devendo consignar, com imparcialidade, todas as circunstâncias, sejam favoráveis ou não ao acusado. A execução de uma perícia requer tranquilidade e ambiente livre de interferências de pessoas não incumbidas na tarefa. Peritos oficiais: São os peritos investidos em cago público, ou seja, fazem parte dos quadros do funcionarismo público, tendo seu ingresso dado mediante concurso, atuando na área criminal. Peritos nomeados: São peritos nomeados pelo juiz, também denominados de peritos louvados. Estes prestam o compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e geralmente atuam na área civil. Assistentes técnicos: às partes é facultado o direito do assistente técnico. Deveacompanhar a perícia, formular quesitos, orientar o advogado da parte. Também prestam compromisso. Sua figura está presente nas lides de âmbito civil e também no âmbito penal a partir da fase processual. TEMA 5 – O LAUDO O laudo é o produto final da perícia, local onde o perito deve descrever uma breve história do processo, ou seja, os fatos que motivaram e deram andamento ao processo judicial, além das conclusões a que o perito chegou. É recomendado que a “história” seja contada com início, meio e fim, mas sem se tornar demasiado extensa, pois corre o risco de não ser lida. O laudo será lido por pessoas que pouco ou nada entendem de sua especialidade, assim, se tiver muitas expressões científicas, corre o risco de ser lido, mas não entendido. Estrutura genérica de um laudo pericial contempla: Preâmbulo Histórico Objetivo Exames periciais Discussão (se necessário) Conclusão ou resposta aos quesitos 10 NA PRÁTICA O profissional de segurança pública vivencia diariamente a criminalidade e as consequências da impunidade na sua atuação profissional. Neste módulo, fomos levados a refletir sobre a importância da prova técnica no processo de persecução penal e como isso pode contribuir para a segurança pública. Identifique no seu dia a dia profissional casos em que a perícia contribuiu de forma significativa para o esclarecimento do fato e, consequentemente, para uma resposta social adequada. FINALIZANDO Com esta aula, compreendemos a importância da prova material para o processo penal, bem como toda a legislação que regra sua atuação neste processo. Com estudos de indicadores de criminalidade e de taxa de resolução de crimes, conseguimos entender as deficiências na investigação criminal do Brasil e como a perícia está inserida nesse processo. 11 REFERÊNCIAS ANUÁRIO Brasileiro de Segurança Pública. ISSN 1983-7364. Ano 10. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2016. BRASIL. Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal, Poder Executivo, Brasília, 13 out. 1941. ESPINDULA, A. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 2. ed. Campinas: Millennium, 2006. TOCHETTO, D.; FILHO, H. G.; ZARZUELA, J. L.; MENDES, L.; ARAGÃO, R. F.; QUINTELA, V. M. D. O.; STUMVOLL, V. P. Tratado de perícias criminalísticas. ABDR, 1995. VELHO, J. A.; GEISER, G. C.; ESPINDULA, A. Ciências forenses: uma introdução às principais áreas da criminalística moderna. Campinas: Millenium, 2017.