Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
saberes.senado.leg.br Fundamentos da Integração Regional: O Mercosul Sumário MÓDULO I - CONTEXTUALIZANDO A INTEGRAÇÃO .................................................. 1 Unidade 1 - Aspectos introdutórios; Regionalismo e multilateralismo; Os blocos econômicos. ............................................................................................................ 2 Unidade 2 - teoria de referência; teoria da integração regional; etapas da integração... ....................................................................................................................... 17 MÓDULO II - O MERCOSUL............................................................................................... 27 Unidade 1 - Antecedentes ............................................................................................. 28 Unidade 2 - Análise dos marcos jurídicos constitutivos do Mercosul. ......... 58 Unidade 3 - Estrutura institucional do Mercosul; Solução de Controvérsias ................................................................................................................................................. 69 MÓDULO III - A DIMENSÃO PARLAMENTAR DO MERCOSUL ............................... 81 Unidade 1 - A norma Mercosul; Procedimentos de produção da norma Mercosul. .............................................................................................................................. 82 Unidade 2 - O Parlamento do Mercosul; Definição. ............................................ 96 MÓDULO IV - ANÁLISE DA TRAJETÓRIA E PERSPECTIVAS PARA O MERCOSUL ............................................................................................................................ 109 Unidade 1 - Sucessos e debilidades. ...................................................................... 110 Unidade 2 - O Futuro do Mercosul .......................................................................... 119 MÓDULO I - CONTEXTUALIZANDO A INTEGRAÇÃO Ao término do módulo você estará apto a: Ao término do módulo você estará apto a: o Identificar, com base na análise do contexto internacional, como se deu a formação dos Blocos Econômicos e a criação da Organização Mundial do Comércio; o Discutir a teoria da integração regional; o Distinguir os dois modelos de integração existentes no cenário internacional. Temas do Módulo I Neste módulo, estudaremos o contexto internacional que veio a dar origem aos fenômenos da conformação de blocos econômicos, como o Mercosul e a União Europeia, e do multilateralismo comercial, que se traduz na criação da Organização Mundial do Comércio. Examinaremos, ademais, a teoria da integração regional, tanto do ponto de vista econômico como político, e discorreremos, finalmente, sobre os dois modelos de integração existentes hoje no cenário internacional: o intergovernamental e o supranacional. Unidade 1 - Aspectos introdutórios; Regionalismo e multilateralismo; Os blocos econômicos. Regionalismo e multilateralismo O cenário internacional contemporâneo, caracterizado pelo fenômeno da globalização, apresenta duas tendências paralelas no que tange às negociações comerciais: por um lado, a regionalista, que tende à formação de blocos econômicos, e por outro, a multilateralista, que prefere levar a cabo essas negociações em âmbito mais amplo e se expressa, sobretudo, no foro da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ambas tendências despontam como resultado de certas condições que vieram a prevalecer no mundo a partir de meados do século XX. Algumas delas são condições de natureza política, outras referem-se a recentes avanços tecnológicos. Entre as primeiras, o fim da Guerra Fria e a queda da chamada "Cortina de Ferro" constituem as principais. O mundo, antes dividido em blocos antagônicos, passa a ser percebido e a funcionar como um todo. Com o consenso prevalecendo entre as superpotências, as relações internacionais fazem das trocas e dos investimentos o seu grande objetivo. Consequentemente, intensificam-se de forma exponencial os fluxos do comércio no mundo. Por outro lado, os recentes avanços no campo da tecnologia, com a descoberta de novos produtos e de novas técnicas de produção, a partir das vertiginosas transformações verificadas nos meios de comunicação, implicaram uma verdadeira 'reestruturação da economia mundial', com base nas duas tendências a que já nos referimos acima: a multilateralização das relações de comércio, que convive com a sua regionalização. Em outros termos, notamos que todos esses fenômenos vêm ocorrendo em um cenário de crescente globalização, a qual, vista de um prisma puramente econômico, consiste na internacionalização da produção, sendo que tanto a regionalização quanto a multilateralização são respostas encontradas pelos países para fazerem face à nova realidade internacional. O binômio 'pesquisa e desenvolvimento' (P&D) passou a constituir-se em fundamental componente nos custos de produção, superando mesmo, em importância, fatores mais tradicionais, como mão-de-obra e matéria-prima. Assim, a regionalização, além de viabilizar investimentos cada vez maiores em P&D, para a obtenção de produtos mais baratos e de melhor qualidade, permite ganhos em escala, o que também barateia a produção, favorecendo a colocação dos produtos no mercado. A integração econômica, portanto, não é um fim em si mesma, constituindo-se em instrumento para uma melhor inserção dos países do bloco no mercado internacional. Precursores da Integração Saiba mais sobre Abade de Saint-Pierre Saiba mais sobre Abade de Saint- Pierre Os Blocos Econômicos A formação dos blocos econômicos é tendência representativa de um modelo de integração regional próprio do mundo globalizado, apresentando- se sob a forma de agrupamento de vários países de uma região com vinculação econômica e entendimentobase orientados para o desenvolvimento, a integração econômica e a liberalização econômica. Uma das principais características de um bloco econômico é a busca incessante de fórmulas ágeis de discussão e acordo entre seus parceiros, que lhes permitam negociar, entre si e com outros países, através de mecanismos multilaterais, a defesa de seus interesses econômicos, bem como a obtenção de vantagens comerciais que facilitem e fortaleçam a promoção integrada de seu desenvolvimento. Destacaremos, na linhas seguintes, alguns blocos econômicos do cenário globalizado. Cuidaremos apenas de poucos exemplos, com destaque para a formação da União Europeia, bloco em estágio mais avançado de integração. Ademais, por ora, nos absteremos de descrever sobre o Mercosul, tendo em vista que os módulos seguintes a ele se dedicarão de forma detalhada. ACORDO DE LIVRE COMÉRCIO DA AMÉRICA DO NORTE (NAFTA) O Acordo de Livre Comércio da América do Norte, o NAFTA (North America Free Trade Agreement), foi planejado para ser um instrumento de integração das economias dos EUA, do Canadá e do México. Iniciou em 1988, entre norte-americanos e canadenses, e por meio do Acordo de Liberalização Econômica, assinado em 1991, formalizou-se o relacionamento comercial entre os Estados Unidos e o Canadá. Em 13 de agosto de 1992, o bloco recebeu a adesão dos mexicanos, tendo entradoem vigor em janeiro de 1994. O NAFTA consolidou o intenso comércio regional no hemisfério norte do continente americano, beneficiando grandemente a economia mexicana, ao mesmo tempo em que aparece como concorrente ao bloco econômico europeu, à ascendente economia chinesa e à fortíssima economia japonesa. Este bloco não constitui uma organização internacional de cooperação econômica nos moldes clássicos. A meta essencial de seu acordo constitutivo é construir, em prazo específico, uma zona de livre comércio com ampla abrangência, se possível, atraindo outros países das Américas, regulando os investimentos, a propriedade intelectual e o comércio de bens e serviços entre os Países Membros do bloco. Para maiores informações consulte o site do NAFTA. COMUNIDADE ANDINA (CAN) Em 26 de maio de 1969, pelo Acordo de Cartagena, foi criado o Pacto Andino, que recebeu depois o nome de Grupo Andino, mais tarde Comunidade Andina de Nações, e, enfim, Comunidade Andina. Era inicialmente formado pelos seguintes países: Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia e Chile. Criou-se, assim, uma União Aduaneira e Econômica para fazer restrições à entrada de capital estrangeiro, com base em estudos da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), órgão da ONU. Com a subida ao poder do General Augusto Pinochet, em 1973, o Chile retirou-se do Pacto, abrindo sua economia ao mercado externo, principalmente ao norte-americano. A Venezuela desligou-se da Comunidade Andina para aderir ao Mercosul. Hoje, o grupo de países remanescentes objetiva criar um mercado comum em função do processo de globalização econômica, que exige sua formação em bloco para melhor defesa de seus interesses e promoção integrada do seu desenvolvimento. Com a Aliança do Pacífico, a Comunidade, abrangendo também o Chile e o México, e abrindo-se à adesão da Costa Rica e do Panamá, vem sendo concebida como instrumento voltado a promover uma maior inserção comercial de seus participantes em regiões consideradas estratégicas comercialmente, principalmente a Ásia. No momento, o Mercosul busca acelerar sua integração com a Aliança do Pacífico a partir da criação de uma zona de livre comércio. A atual onda de liberalização econômica reacende e atualiza no Continente, ainda que de forma incipiente e muitas vezes conflituosa, a realização do ideal panamericano. São Países Membros da CAN: Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. Site da Comunidade Andina A União Europeia negociou a adesão dos seguintes países ao bloco, quais sejam: Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia e República Tcheca, já considerados aptos para adesão desde o início de 2003, com ingresso definitivo em 1º de maio de 2004. O décimoprimeiro país seria a Turquia, que, no entanto, ainda não preenche os critérios mínimos estabelecidos pela União Europeia para início das negociações com vistas à sua aceitação como país membro. A Bulgária e a Romênia concretizaram sua entrada na União Européia a partir de 2007. O órgão máximo da União Europeia é o Conselho Europeu. Agrupa os UNIÃO EUROPEIA (UE) A União Europeia representa o estágio mais avançado do processo de formação de blocos econômicos no contexto da globalização. Comunidade Originada da Econômica Europeia CEE), ( fundada em 1957 pelo Tratado de Roma, até 2003 a União Europeia era formada por 15 países da Europa Ocidental, e sua população estimada em 374 milhões de habitantes. Hoje, após a incorporação de mais 13 países do Leste Europeu, passou a con tar com 28 Países Membros e uma população de aproximadamente 500 milhões de habitantes. Chefes de Estado ou de Governo, além do Presidente da Comissão Europeia, sendo responsável pela definição das grandes orientações políticas e cabendo-lhe a responsabilidade de abordar os problemas da atualidade no âmbito internacional. O Conselho Europeu reúne-se, em princípio, quatro vezes por ano, ou seja, duas vezes por semestre. Em circunstâncias excepcionais, o Conselho Europeu pode reunir-se em sessão extraordinária. Outras instituições existem para que a União Europeia possa cumprir seus objetivos de integração. O Conselho de Ministros (Conselho da União Europeia, ou simplesmente Conselho) é o órgão que dispõe de poder de decisão, assumindo a coordenação geral das atividades da União. O Conselho, juntamente com o Parlamento Europeu, fixa a legislação da União Europeia, inicialmente proposta pela Comissão Europeia. O Parlamento Europeu, atualmente composto por delegados eleitos, atendidos por um secretariado formado por mais de quatro mil funcionários, possuí três tipos de poder: o orçamentário, o de controle da Comissão Europeia, e o legislativo. Este último é exercido diferentemente segundo a natureza da matéria em questão, indo de instância de consulta à co-decisão, quando divide o poder decisório com o Conselho. Uma das mais importantes funções do Parlamento Europeu consiste em aprovar e autorizar a indicação de projetos que consomem cerca de 45% do orçamento oficial da União Europeia. A contribuição de cada cidadão da União Europeia corresponde a 1,5 Euros por ano, significando apenas um por cento do montante total do orçamento comunitário. O Parlamento Europeu, com sede em Estrasburgo, na França, para sessões plenárias, é formado por parlamentares eleitos pelas populações dos Países Membros da União Europeia. Em Luxemburgo, funciona a Secretaria Administrativa, e em Bruxelas, na Bélgica, realizam-se reuniões das Comissões Temáticas. Lá se reúnem também o Conselho de Ministros da União Europeia e seu braço executivo, a Comissão Europeia. A Comissão Europeia é o órgão executivo e tem como função a iniciativa na elaboração da legislação em comum, controlando sua aplicação e coordenando a administração das políticas comuns. Além disso, conduz as negociações da União Europeia no plano das relações exteriores. Complementam as instituições da União Europeia: 1. Tribunal de Justiça; 2. Tribunal de Contas; 3. Comitê Econômico e Social; 4. Comitê das Regiões; 5. Provedor de Justiça Europeu; 6. Banco Central Europeu (BCE); e 7. Banco Europeu de Investimento (BEI). Em 1992 é consolidado o Mercado Comum Europeu, com a eliminação das últimas barreiras alfandegárias entre os países-membros. Pelo Tratado de Maastricht (cidade da Holanda), a União Europeia entra em funcionamento a partir de 1º de novembro de 1993. Três outros tratados complementam o Tratado de Maastricht: os Tratados de Amsterdam(1996), Nice(2001) e Lisboa(2007). O Euro é a moeda única criada pela União Europeia, sendo utilizada, desde 1º de janeiro de 2002, em substituição às demais moedas da maioria dos Países Membros, circulando em cédulas e moedas na comunidade financeira internacional. Já se consolidou e se afirma, a cada dia, como alternativa ao dólar norte-americano nas transações comerciais. Por temer as consequências da perda da sua soberania, três países ainda resistem ao fim da emissão de sua própria moeda: Reino Unido, Suécia e Dinamarca. Embora a crise econômica mundial, deflagrada no ano de 2009, tenha causado sérios impactos à estabilidade da Zona do Euro, não podemos negar a força desta moeda, lastreada em economias poderosas, que passa a competir com o dólarnorte-americano em condições de igual aceitação no mercado internacional. Para admissão à União Econômica e Monetária, o país membro da União Europeia deve atender aos seguintes pré-requisitos: a. déficit público máximo de 3% do PIB; b. inflação baixa e controlada; c. dívida pública de no máximo 60% do PIB; d. moeda estável, dentro da banda de flutuação do Mecanismo Europeu de Câmbio; e, por último, e. taxa de juros de longo prazo controlada. ACONTECIMENTOS MARCANTES 1. Em 1º de julho de 2001, a União Europeia deu início as negociações sobre livre comércio com o Mercosul, estando previstos inúmeros acordos de intercâmbio comercial entre a UE e o Bloco Econômico do Mercado Comum do Sul, embora se tenha presente as dificuldades nas negociações que envolvam o setor agrícola, pois a União Europeia não admite abrir mão dos muitos instrumentos criados para proteger o agricultor europeu. 2. A Comissão Europeia adotou o RIP, programa que conta com significativos recursos provenientes da União e que se destina a ajudar na conclusão do Mercado Interno do Mercosul, a seu fortalecimento institucional e à efetiva participação da sociedade civil no processo de integração interna do Mercosul e birregional com a União Europeia. São Países Membros da UE: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda (Países Baixos), Irlanda, Itália, Luxemburgo, Portugal, Reino Unido*, Suécia, Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, Romênia e República Tcheca e Croácia. Site da União Europeia *Em 29 de Janeiro de 2018, a União Europeia começou Segunda Fase das Negociações do Brexit e adotou um conjunto de medidas que visa detalhar seu posicionamento sobre o período de transição da saída do Reino Unido da UE. A data proposta para o fim desse período é 31/12/2020, durante essa transição o Reino Unido continuará membro completo. Fonte: https://europa.eu/newsroom/highlights/special-coverage/brexit_en Não é intenção deste trabalho – e nem poderia ser – esgotar o estudo sobre os blocos econômicos existentes. Assim, apenas a título de curiosidade, citamos outros blocos, tais como Mercado Comum CentroAmericano (MCCA), Mercado Comum e Comunidade do Caribe (CARICOM), Comunidade dos Estados Independentes (CEI), Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), Fórum Econômico da Ásia e do Pacífico (APEC), Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), Acordo Comercial sobre Relações Econômicas entre Austrália e Nova Zelândia (ANZCERTA), Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). A Organização Mundial do Comércio (OMC): a participação do Brasil no contencioso comercial da OMC Criada em 1º de janeiro de 1995, a Organização Mundial do Comércio tem por objetivo geral formular as regras de comércio no mundo globalizado. A Organização foi criada para cumprir as seguintes metas: • Contribuir para a liberalização gradual do comércio multilateral, mediante rodadas de negociações; • Desencorajar a discriminação no comércio, evitando cláusulas como a da "nação mais favorecida"; • Estabelecer um órgão para a solução de conflitos comerciais. A OMC é sucessora do GATT - o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio -, criado em 1948, logo após a Segunda Grande Guerra. Ao longo do período entre 1948 e 1994, foram as regras do comércio multilateral estabelecidas no âmbito do Acordo, uma vez que a Carta de Havana, que criava uma Organização Internacional do Comércio, jamais logrou ser ratificada pelos Estados Partes. Nos primeiros anos de existência do GATT, suas rodadas de negociações buscaram basicamente a redução de tarifas comerciais. A Rodada Kennedy, realizada de 1964 a 1967, produziu um Acordo Anti-Dumping e a Rodada Tóquio, que se estendeu de 1973 a 1979, constituiu-se na mais importante tentativa já encetada para lograr a eliminação das barreiras não-tarifárias. Da Rodada Uruguai, iniciada em 1986, e que alcançou o seu final em 1994, nasceria a Organização Mundial do Comércio. Sua especificidade em relação ao GATT reside no fato de que, enquanto o GATT debruçava-se apenas sobre o comércio de bens, a OMC inclui em sua agenda, entre outros temas, serviços, compras governamentais, propriedade intelectual e meio ambiente. Também não se pode deixar de lembrar que um diferencial relevante entre o antigo GATT e a OMC se refere ao fato de esta última contar com um mecanismo de solução de controvérsias sensivelmente mais efetivo que aquele com que contava o antigo GATT. A OMC realizou duas grandes reuniões ministeriais: em Cingapura, em 1996, e em Genebra, em 1998. A terceira, que marcou o início da "Rodada do Milênio", foi realizada em Seattle, nos Estados Unidos, entre os dias 30 de novembro e 3 de dezembro de 1999. Posteriormente, em 2001, foi lançada a “Agenda de Doha para o Desenvolvimento”, conhecida como Rodada de Doha, cujas negociações ainda estão em curso. Para os 159 países membros da OMC, as tarifas que aplicarão às suas importações, registradas no âmbito da Organização, revestem-se de efeito vinculante e não podem ser desrespeitadas. Caso um dos membros se sinta prejudicado em virtude de iniciativa tomada por outro Estado Parte no Acordo, a ele caberá acionar o sistema de solução de controvérsias da OMC. Nas vitais relações comerciais entre Estados, a consolidação da OMC representa importante momento de sobreposição do poder jurídico sobre o poder político. Adotando um inusitado aparato jurídico, já testado e comprovado em sua efetividade, o organismo internacional aplica um modelo racional de solução de controvérsias, mediante sugestão de sanções - ou seja, sem ser impositivo - sob medida para as peculiaridades de conflitos entre Estados soberanos. Fomenta, ademais, um pluralismo jurídico ordenado, com os Estados comprometendo-se a abster-se de medidas unilaterais de retaliações e medidas abruptas indesejáveis ao equilíbrio e harmonia internacionais. Fruto da experiência obtida no direito do comércio internacional, somada aos melindres e limites do direito internacional público, o "panel" propõe uma original forma de decisão vinculante, em que inexistindo a pacificação do conflito pelos meios político-diplomáticos, profere-se, ao fim de um sumário processo de conhecimento, relatório com prescrições elaboradas por juristas a serviço da OMC. O relatório final do "panel" comina sanções compensatórias a quem violou as regras do comércio internacional, causando prejuízo a outrem, expressas em valores monetários. De natureza impositiva sob condição, já que podem ser negociadas interpartes, em busca da construção do consenso, sempre declaratórias e eventualmente constitutivas, tais Países membros da OMC O Brasil, ativo cliente do sistema de solução de controvérsias da organização, tende a ampliar sua litigiosidade, seja pelo que tem a defender, seja pelo que tem a conquistar. Embora não cheguemos a participar em 1% do comércio mundial, já somos autores ou réus em cerca de 8% dos famosos "panels" genebrinos, atualmente tão citados quanto desconhecidos. decisões conformam algo inusitado no direito tanto interno como internacional, não se tratando de laudo arbitral e tampouco de simulacro de sentença judicial. Sujeitos ainda a uma cautela política francamente assumida pela OMC, os relatóriosfinais dos "panels" não serão implementados se vetados pelo querer de todos os Estados Partes, na dialética forma do consenso invertido, o que não constitui novidade no direito internacional, haja vista, por exemplo, o poder de veto do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Na prática, contudo, o consenso invertido é extremamente difícil de ser alcançado, o que facilita a aprovação dos relatórios finais. Há que se ter presente que a âncora contratualista da relação entre Estados - pacta sunt servanda - permanece incólume, com o consentimento sendo determinante para que se integre e permaneça na OMC, submetendose ao seu sistema de solução de controvérsias. E mais: só os Estados, blocos econômicos (atualmente apenas a Comunidade Europeia) e territórios aduaneiros com autonomia para conduzir relações comerciais externas têm legitimidade ad causam, embora saibamos que no mais das vezes são as empresas que conflitam (Bombardier x Embraer, Kodak x Fuji), sendo representadas pelos Estados, blocos econômicos ou os citados territórios aduaneiros, através das fórmulas ordinárias do direito internacional público. Com uma legislação específica - o "Dispute Settlement Understanding", DSU, aprovado no bojo da Rodada Uruguai, em sua manifestação jurídica por excelência, o Encontro de Marraquesh, no primeiro semestre de 1994 - , a OMC tende a transformar-se no grande fórum mundial, onde se estima serem pacificados os macroconflitos comerciais internacionais, agravados pelas duras contendas de manutenção e acesso a mercados. O Órgão de Solução de Controvérsias, sempre que provocado, passará a buscar solução consensual, observando um calendário rígido, sem procrastinações unilaterais. Passando pela fase de conhecimento e do contraditório, em que os Estados expressam livremente suas razões, formando a prova na forma ordinária do due process of law, chega-se ao relatório final, que indica condutas e comina sanções comerciais na forma de direitos a serem ou não exercidos pela parte vencedora, aqui bem ao sabor das relações flexíveis do direito internacional. O exercício facultativo dos direitos concedidos à parte vencedora é, de fato, prática de difícil percepção, senão àqueles habituados à realidade do direito do comércio internacional. Nele, em especial no contencioso comercial, ganhar não significa simplesmente aplicar-se a decisão. Há, em verdade, toda uma gama de circunstâncias que condicionam o que se fará. Está-se claramente em um outro espectro de prestação jurídica, onde a coação continua essencial ao direito, conquanto empregando meios muito mais sofisticados. De toda sorte, e em que pese seu breve período de vigência, não há mais como duvidar da eficácia e efetividade do sistema de solução de controvérsias da OMC, como se aufere do grande respaldo internacional que vem recebendo. Considerados os vinte e sete países signatários do GATT, em 1947, primeira tentativa de ordenar-se o comércio internacional, aos atuais signatários da OMC, e com especial significado para a adesão da China, não há mais espaço para qualquer tipo de ceticismo. Unidade 2 - teoria de referência; teoria da integração regional; etapas da integração... Teoria da Integração Regional Além das considerações de ordem econômica, faz-se necessária também uma discussão do papel dos fatores políticos, não apenas no que concerne aos processos decisórios que levam certos países a optar por um processo integracionista, como também no que diz respeito à continuidade e aprofundamento dessa integração. O caso da Europa é paradigmático para a ilustração de processos de integração determinados por motivos de caráter político. Entre estes, cabe lembrar a necessidade de se evitar futuras guerras no continente europeu e a criação de uma terceira força na política mundial mediante o fortalecimento da Europa Ocidental, em um quadro, então, de polarização entre a União Soviética e os Estados Unidos. Nesse cenário, ressurge o Movimento Federalista Europeu após o final da I Guerra Mundial, que se baseava nas ideias de precursores como o abade de Saint-Pierre (1658-1743), Immanuel Kant (1724-1804) e Victor Hugo (18021885), entre outros. Porém, os federalistas do século XX são impulsionados pelos horrores sofridos pelo continente europeu por força das duas guerras mundiais que o assolaram no intervalo de apenas 25 anos. Vários políticos posicionam-se a favor da criação dos "Estados Unidos da Europa", postura fortalecida pelo apoio dos Estados Unidos e pela pressão das crescentes ameaças de Moscou. Foi o temor de uma terceira guerra mundial, decorrente do expansionismo soviético, que levou Winston Churchill a proferir memorável discurso em Zurique, em 1946, quando apresenta o projeto de "Recriar a família europeia em uma estrutura regional tal que venha a chamar-se Estados Unidos da Europa". Sem dúvida alguma, as ideias federalistas permearam toda a trajetória da integração europeia, muitas vezes por meio de figuras políticas presentes no Parlamento Europeu, como Altiero Spinelli, autor do famoso Manifesto de Ventotene (1941), que defendia a união dos países da Europa em uma Federação Europeia. Saiba mais sobre Immanuel Kant Saiba mais sobre Victor Hugo Outra vertente da teoria da integração deve-se ao cientista político David Mitrany, formulador da teoria funcionalista. Embora Mitrany tenha formulado a sua teoria com vistas à unidade mundial, e não apenas europeia, suas ideias influenciaram fortemente os primeiros militantes pela união da Europa e teóricos da integração, dando origem, mais tarde, à teoria neofuncionalista. A "alternativa funcional" de Mitrany vislumbra uma ampla teia de agências internacionais, onde tecnocratas de países diversos se dedicariam, em conjunto, de maneira racional, pragmática e flexível, ao desenvolvimento de atividades vinculadas a vários setores voltados ao bem-estar público. A soberania dos Países Membros de tais agências seria, gradualmente, transferida para tais reuniões intergovernamentais. Exemplo paradigmático desse sistema é o Tratado de Paris (1951), que cria a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e uma Alta Autoridade destinada a administrar a sua produção e comercialização nos Estados Partes. A soberania passa a ser então compartilhada para determinadas decisões, por um ato de vontade dos próprios Estados envolvidos. Mais tarde, Ernst Haas elabora a teoria neofuncionalista, que enfatiza o aprendizado, pelas elites de um país, dos benefícios da integração. Esta se estenderia a outros setores, em consequência de uma percepção favorável dos seus resultados. É o célebre efeito spill over, identificado por Haas como o principal propulsor de um projeto integracionista. O Mercosul oferece interessantes exemplos de spill over, na medida em que foi incorporando novos setores ao processo de integração que antes se encontravam alijados do mesmo, como relações trabalhistas, turismo e meio ambiente. Em sua análise da integração do ponto de vista político, afirma Karl Deutsch, por sua vez, que a integração é um processo pelo qual se obtém determinado tipo de relacionamento entre as partes componentes, capaz de alterar o comportamento destas relativamente ao que este seria, se essas partes componentes não estivessem integradas. Etapas da integração Antes de mais nada, caberia definirmos alguns termos relacionados à formação de blocos econômicos. Segundo Bela Balassa, a integraçãoeconômica é um processo que implica medidas destinadas à abolição de discriminações em uma determinada área. Assim, de início, um processo de integração econômica caracteriza-se por um conjunto de medidas que têm por objetivo promover a aproximação e a união entre as economias de dois ou mais países. O grau de profundidade dos vínculos que se criam entre as economias dos países envolvidos em um processo de integração econômica permite que se visualize, ou determine, as fases ou etapas do seu desenvolvimento. A teoria do comércio internacional registra a classificação de cinco tipos de associação entre países que decidem integrar suas economias: 1) A Zona de Preferência Tarifária é o mais elementar dos processos de integração, apenas assegurando níveis tarifários preferenciais para o grupo de países que conformam a Zona. Assim, uma ZPT estabelece que as tarifas incidentes sobre o comércio entre os Países Membros do grupo são inferiores às tarifas cobradas de países não membros. A ALALC, por exemplo, procurou estabelecer preferências tarifárias entre seus onze membros, ou seja, entre todos os Estados da América do Sul que aderiram à tentativa de integração comercial, excluídos apenas a Guiana e o Suriname, e incluindo-se ainda o México. 2) A Zona de Livre Comércio (ZLC), uma segunda modalidade, consiste na eliminação das barreiras tarifárias e não-tarifárias que incidem sobre o comércio entre os países que constituem a ZLC. O NAFTA (North America Free Trade Area), ou Acordo de Livre Comércio da América do Norte, firmado entre os Estados Unidos, o México e o Canadá, é um exemplo de ZLC. 3) A União Aduaneira é uma Zona de Livre Comércio que adota também uma Tarifa Externa Comum (TEC). Nessa fase do processo de integração, um conjunto de países aplica uma tarifa para suas importações provenientes de países não pertencentes ao grupo, qualquer que seja o produto, e, por fim, prevê a livre circulação de bens entre si com tarifa zero. O exemplo mais conhecido desse tipo de integração foi a Zollverein (União Aduaneira, em alemão), idealizada e impulsionada por Otto von Bismarck, o grande líder responsável pela unificação política da Alemanha, em 1850. A Zollverein foi criada em 1835 e dissolvida em 1866. 4) O Mercado Comum, quarto estágio de integração econômica, difere fundamentalmente da União Aduaneira porque, além da livre circulação de mercadorias, requer a circulação de serviços e fatores de produção, ou seja, de capitais e pessoas. Porém, deve-se ressaltar que, além da livre circulação de bens, serviços e fatores de produção, todos os Países Membros de um Mercado Comum devem seguir os mesmos parâmetros para fixar a política monetária (fixação de taxas de juros), a política cambial (taxa de câmbio da moeda nacional) e a política fiscal (tributação e controle de gastos pelo Estado), ou seja, os Países Membros devem concordar com o avanço integrado da coordenação das suas políticas macroeconômicas. A União Europeia, até 1992, foi um exemplo acabado de integração pela via do Mercado Comum, quando, então, prosseguiu para o estágio mais avançado, passando a se constituir em uma União Econômica e Monetária. 5) A União Econômica Monetária é a etapa mais avançada dos processos de integração econômica, até agora alcançada apenas pela União Europeia. A União Econômica e Monetária ocorre quando existe uma moeda comum e uma política monetária com metas unificadas e reguladas por um Banco Central comunitário. Desde 2002, a União Europeia tem como moeda corrente o Euro, cuja emissão, controle e fiscalização dependem do Banco Central Europeu. De acordo com a classificação exposta nos parágrafos anteriores, o Mercosul é, desde 1º de janeiro de 1995, uma União Aduaneira, mas o objetivo dos países que o integram, e que está consubstanciado no primeiro artigo do Tratado de Assunção, é a construção de um Mercado Comum. Assim, de modo resumido, pode-se afirmar que o Mercosul é um projeto de construção de um Mercado Comum, cuja execução encontra-se na fase de União Aduaneira imperfeita. Além das cinco etapas de integração, entendemos que uma sexta fase deve ser acrescentada à teoria sobre a qual nos apoiamos, que será a União Política. A União Política poderá ser a etapa conclusiva de um processo de integração regional. Ao alcançá-la, o modelo intergovernamental, típico instrumento de cooperação internacional sempre liderado pelo Executivo, terá sido substituído pelo chamado modelo supranacional, que implica a existência de órgãos, no seio da estrutura institucional da integração, independentes dos Estados Membros e encarregados de zelar pelos interesses da região em sua totalidade. A união política poderá tomar a feição de uma federação, assentada sobre um pacto federativo, isto é, sobre uma constituição. A União Europeia assinou, em 29 de outubro de 2004, o Tratado da Constituição Europeia, que, no entanto, ainda não logrou a sua aprovação em todos os Estados Membros, tendo sido rejeitado pelo voto popular por ocasião de referendos realizados na França (29 de maio de 2005) e na Holanda (1º de junho de 2005). Ressalte-se, entretanto, que até o presente momento 15 Países Membros já ratificaram o Tratado: Áustria, Bélgica, Chipre, Estônia, Alemanha, Grécia, Hungria, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Eslováquia, Eslovênia e Espanha. Após a tentativa fracassada do Tratado da Constituição Europeia, foi assinado, em 2007, o Tratado de Lisboa, que pretendia, com algumas alterações, reviver o primeiro tratado. A população irlandesa, no entanto, rejeitou o Tratado de Lisboa e pôs em dúvida o modelo de expansão institucional e normativa da União Europeia. Parece certo que novas formas precisam surgir para que o projeto integracionista europeu não se estagne. Modelo supranacional x intergovernamental Segundo a visão intergovernamentalista, os Estados soberanos, principais atores no cenário internacional, lançam-se à integração a partir do reconhecimento de que as vantagens da cooperação e da identificação de interesses comuns superam os custos da situação de conflito. Mas, em linhas gerais, na perspectiva intergovernamental os Estados devem esforçar-se por fazer valer, acima da visão regional, o interesse nacional. Desta noção decorre, naturalmente, o raciocínio segundo o qual a preservação da soberania nacional constitui um princípio essencial a ser observado ao longo das negociações da integração. O modelo intergovernamental constitui, portanto, típico instrumento de cooperação internacional, pautando-se pelos princípios do direito internacional clássico, tais como a igualdade dos Estados e o direito de veto. Cabe assinalar a pronunciada importância conferida pelos países da América Latina ao conceito da soberania nacional absoluta, que emerge indissoluvelmente ligado às suas raízes históricas e que até hoje permanece como princípio basilar de sua cultura política. O modelo supranacional implica a inclusão de um ou mais órgãos, no seio da estrutura institucional da integração, independentes dos Estados Partes e encarregados de zelar pelos interesses da região em seu conjunto. No caso da União Europeia, o órgão supranacional por excelência é a Comissão Europeia (chamada pelo Tratado de Paris, que criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, de "AltaAutoridade"), apresentando também o Parlamento e o Tribunal de Justiça (bem como o Tribunal de Primeira Instância) aspectos de supranacionalidade. A Comissão tem o poder de emitir "Diretivas" e "Resoluções", sendo que estas últimas se sobrepõem ao ordenamento jurídico interno dos Estados Partes, nos quais têm aplicação direta e imediata. Contudo, é inegável a centralidade dos Estados nacionais nas formulações que determinam os destinos da integração. As negociações que conduzem às revisões dos tratados ocorrem em âmbito intergovernamental, e as entidades supranacionais são criadas pelos próprios governos, que lhes delimitam as competências. Paulo Roberto de Almeida, em artigo escrito em 1994, aponta os seguintes aspectos de supranacionalidade no modelo comunitário europeu: • presença de instituições independentes dos Estados Membros (Comissão, Parlamento, Tribunal de Justiça); • métodos decisórios supranacionais (possibilidade de votação no Conselho segundo o princípio majoritário, superando eventuais oposições de Estados individuais); • sistema próprio de recursos e transferência de certas competências à Comunidade; • normas que vinculam diretamente os indivíduos, agentes econômicos e empresas. Como mencionamos, o referido artigo data de 1994, momento em que o Mercosul preparava a arquitetura institucional que figuraria no Protocolo de Ouro Preto, firmado em 17 de dezembro de 1994, e que acompanharia a implantação da união aduaneira. Segundo o autor, não se poderia impulsionar no Mercosul, sem consideráveis riscos políticos, inclusive e principalmente de perda de credibilidade internacional, um processo de definição supranacional de instituições e métodos como os anteriormente enumerados. Assim, o Protocolo de Ouro Preto veio a reiterar a natureza intergovernamental do Mercosul e a metodologia do consenso para os seus processos decisórios. Síntese Neste Módulo, estudamos os movimentos paralelos em curso no cenário mundial, de multilateralização do comércio e de formação de blocos econômicos. No que se refere ao multilateralismo, examinamos a Organização Mundial do Comércio e seu inédito mecanismo de solução de controvérsias, com destaque para a participação do Brasil nos contenciosos. Estudaremos, em seguida, a teoria da integração e suas diversas correntes, as etapas da integração e os modelos de que se podem revestir os blocos econômicos. Parabéns! Você chegou ao final do Módulo I do curso Fundamentos da Integração Regional: Mercosul. Como parte do processo de aprendizagem, sugerimos que você faça uma releitura do mesmo e responda aos Exercícios de Fixação, que o resultado não influenciará na sua nota final, mas servirá como oportunidade de avaliar o seu domínio do conteúdo. Lembramos ainda que a plataforma de ensino faz a correção imediata das suas respostas! Para ter acesso aos Exercícios de Fixação, clique aqui. MÓDULO II - O MERCOSUL Ao término do módulo você estará apto a: o Identificar os antecedentes históricos e os tratados fundadores do Mercado Comum do Sul; o Analisar o processo de integração do Mercosul. Temas do Módulo II Neste módulo, estudaremos o Mercosul (Mercado Comum do Sul) detendo-nos em seus antecedentes históricos e tratados fundadores. Em seguida, analisaremos a estrutura institucional adotada pelos negociadores do bloco para impulsionar o processo de integração. Também será objeto de nosso estudo o sistema de solução de controvérsias adotado pelo Mercosul. Unidade 1 - Antecedentes A Operação Pan-Americana (OPA), a Aliança para o Progresso, a ALALC e a ALADI As raízes do pan-americanismo podem ser identificadas na pré-história política do continente, com mais precisão no Tratado de Madri de 1750, firmado entre Portugal e Espanha, por força da comum origem ibérica dos colonizadores de quase todo o seu território. A concretização dos vagos ideais, apenas esboçados nos três primeiros séculos de vassalagem às potências europeias, começa com as guerras da independência que o sacudiram de um extremo a outro, durante cerca de vinte anos, a partir de 1810. Assim, no primeiro quartel do século XIX a América Latina se tornou independente das metrópoles europeias. Toussaint L`Ouverture no Haiti, Francisco de Miranda na Venezuela, Joaquim José da Silva Xavier (o Tiradentes) no Brasil, foram os iniciadores do movimento de emancipação, logo seguidos por Bolívar, Sucre, O'Higgins, Rivadavia, San Martín, Artigas, Delgado, Francia, Hidalgo, Morelos, e vários outros líderes. Sem dúvida foi Simón Bolívar o mais representativo deles, não só pela ação guerreira como pelas suas singulares virtudes de estadista, expressando, admiravelmente, sentimentos existentes de longa data e que eram patrimônio comum de grande número de americanos, como Thomas Jefferson, representante da América do Norte. Com o decorrer do tempo, a doutrina defendida por Bolívar, que contou entre seus auxiliares diretos com o general brasileiro, José Ignácio de Abreu e Lima, filho do revolucionário Padre Roma, ficou consagrada sob a designação de "ideais bolivarianos". Vale destacar que Simón Bolívar é a grande figura do pan-americanismo. Não foi apenas um fundador de nações, um Libertador, pois defendeu o ideal de formar, reunindo os países sul-americanos, uma só nação, um Novo Mundo. A primeira reunião pan-americanista, convocada por Bolívar, foi realizada em dezembro de 1826, no Congresso de Panamá, que reuniu apenas representantes do México, América Central, Colômbia e Peru. Daí em diante, apesar de tantos esforços e inúmeras retomadas, o projeto do pan-americanismo ficou apenas no plano dos ideais de alguns líderes, sem nunca avançar para uma consolidação, chegando-se, assim, à IX Conferência Pan-americana, em Bogotá, Colômbia, em 1948. A X Conferência Pan-Americana aconteceu em 1954, em Caracas, na Venezuela, e além desta, outras conferências econômicas se sucederam sem alcançar resultados concretos. Até o instante em que a roda da história no espaço geográfico sul-americano aproximou dois acontecimentos que permitiram o surgimento de iniciativa política destinada a acelerar o projeto pan-americanista pela via do desenvolvimento econômico: o primeiro deles, a eleição do presidente brasileiro Juscelino Kubitschek de Oliveira, que tomou posse em 1956; o outro, a visita do vicepresidente norte-americano Richard Nixon, em maio de 1958, a países sulamericanos, após 21 dias de visitas no Continente Africano. O presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira envia carta, em 28 de maio de 1958, ao presidente Dwight D. Einsenhower, expressando solidariedade ao vice-presidente Richard Nixon, mas aproveitando para vincular as referidas manifestações a prejuízos causados perante a opinião pública mundial, à ideia da unidade pan-americana, que, segundo sua interpretação, somente podia ser resgatada se algo de relevância fosse feito para recompor a face da unidade continental. Em Lima, no Peru, e em Caracas, na Venezuela, o vice-presidente norteamericano foi agredido, e, contra sua pessoa, os manifestantes repudiaram a omissão do governo dos EUA em relação a investimentospara o desenvolvimento no território sul-americano, ao mesmo tempo em que aquele país declarava prioridade para a África, após implantar o Plano Marshall de recuperação da Europa devastada pela Segunda Grande Guerra. Nessa carta, o presidente Juscelino Kubitschek revelou não ter "plano detalhado para esse objetivo" de recomposição da unidade continental, de criação de "algo mais profundo e duradouro em prol de nosso destino comum". O presidente Einsenhower respondeu ao presidente brasileiro, em 6 de julho de 1958, entendendo ser de fundamental importância a "adoção imediata de medidas que determinem, através de todo o continente, uma reafirmação do devotamento ao Pan-Americanismo e um melhor planejamento na promoção dos interesses comuns e do bem-estar de nossos diferentes países". Memorial Juscelino Kubitscheck (Brasília) O presidente brasileiro aproveitou então a oportunidade da declaração norte-americana para, em missivas a chefes de Estado, conferências, discursos e declaração à imprensa, a partir da carta de 28 de maio de 1958, provocar um movimento continental denominado, por ele mesmo, de "Operação Pan-Americana" (OPA), que, rapidamente, alcançou ressonância mundial porque "seus objetivos correspondem às aspirações e às necessidades de todos os povos" (Embaixador Negrão de Lima, perante a Assembléia das Nações Unidas, em 18/09/1958). Os resultados da Doutrina Kubitschek começaram a surgir quando, em 1959, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, com a aprovação do governo de Einsenhower, criaram em 1° de novembro do ano em referência a Associação Internacional de Desenvolvimento (AIF), com o endosso de 63 Países Membros daquelas entidades, com um capital de US$ 1 bilhão, com a finalidade de auxiliar as nações subdesenvolvidas no mundo inteiro. Em grande parte a reboque do movimento iniciado pelo presidente brasileiro, mais resultados se apresentaram, tais como a oficialização do Banco Interamericano de Desenvolvimento e a criação da Associação Latino Americana de Livre Comércio, a ALALC, surgida graças ao Tratado de Montevidéu, de 18 de fevereiro de 1960, seguindo a orientação da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), que, desde 1955, elaborou trabalhos técnicos e manteve reuniões com os governos dos principais países da região, com o objetivo de adotar mecanismos de planejamento para vencer o processo de subdesenvolvimento que caracterizava o espaço geográfico latino-americano. Para a CEPAL, os projetos de integração regional deviam enfatizar duas questões relevantes que, segundo ela, qualquer iniciativa desenvolvimentista na região seria obrigada a observar: - a industrialização, como condição indispensável para o desenvolvimento dos países latino-americanos, teria que dispor de mercados mais amplos que os nacionais, uma exigência básica para uma maior eficiência do processo de industrialização, desde que se lograsse, inicialmente, incrementar o comércio intrazona mediante acordos preferenciais; e - solução para a situação geral de intransferibilidade das moedas destes países, por causa das dificuldades para efetivar os pagamentos intrarregionais que incidiam negativamente sobre as iniciativas de comércio recíproco. No entanto, a Operação Pan-Americana não se consolidou, e, em seu lugar, surgiu um programa de cooperação multilateral, criado em agosto de 1961 pelos signatários da Carta de Punta del Este, com o objetivo de incrementar o desenvolvimento econômicosocial da América Latina. A ideia da Aliança para o Progresso foi lançada pelo sucessor de Einsenhover, o presidente John Kennedy, em março de 1961, já como uma resposta aos acontecimentos revolucionários em Cuba, com a tomada do poder pelo grupo liderado por Fidel Castro, e também pelas pressões de setores políticos e governamentais latino-americanos preocupados com a situação econômica e social da região. Como veremos, pode-se afirmar que o Mercosul é o resultado de pelo menos três décadas de tentativas de integração regional sob a forma de associações de livre comércio congregando todos os países da América do Sul, tais como a ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio) e a ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), tendo a segunda destas organizações surgido da transformação ou refundação da primeira delas. Aliás, o Mercosul tem vínculos com a ALADI na forma de um Acordo de Complementação Econômica (ACE n° 18) entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, datado de 29 de novembro de 1991. A ALALC perseguia um objetivo muito claro, pelo menos na sua definição: diminuir as tarifas alfandegárias entre os parceiros e criar uma área de livre comércio. Contudo, dois fatores obstaculizaram o progresso da ALALC, uma associação que durou de 1960 a 1980: 1. A rigidez dos mecanismos estabelecidos para a liberalização comercial; e 2. a instabilidade política vivida pela região sul-americana, sempre alimentada pelos ventos da Guerra Fria entre os blocos políticos liderados pelos Estados Unidos e pela ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS. Em resumo, para além da questão da instabilidade política alimentada pela bipolaridade ideológica e militar EUA versus URSS, no período de vigência da ALALC os Países Membros só estavam dispostos a engajar-se na proposta de abertura comercial até um certo ponto: todos os associados queriam abrir o mercado dos demais países para os seus produtos, mas nenhum queria abrir o seu próprio mercado. Em 18 de fevereiro de de 1960 cidade na , Montevidéu, foi firmado o ato constitutivo de criação Latino da Associação - Ameri cana de Livre Comércio, a ALALC, uma organização para a cooperação econômica inspirada nas sugestões oriundas da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), que tinha a liderança do grande economista argentino Raul Prebisch, assessorado diretamente p or outro reconhecido economista sul - americano, o brasileiro Celso Furtado. Assim, impossibilitados de cumprir com o acordado em 1960, os Países Membros decidiram, vinte anos depois, extinguir a organização e substituí-la pela Associação Latino-Americana de Integração, a ALADI. Nesse contexto, cumpre lembrar que, antes da decisão de substituição da ALALC pela ALADI, frente às dificuldades encontradas pela ALALC para consolidar seus objetivos fundamentais, no final da década de 60 alguns Países Membros se convenceram da necessidade de constituir blocos subregionais de integração. Assim, em 20 de maio de 1969 cinco países andinos firmaram o Acordo de Cartagena, que ficou conhecido como "Pacto Andino", com o objetivo de "promover o desenvolvimento equilibrado e harmônico dos Países Membros, acelerar seu crescimento mediante a integração econômica, facilitar sua participação no processo de integração previsto no Tratado de Montevidéu, e estabelecer condições favoráveis para conversão da ALALC em um mercado comum" (art. 10 do Acordo de Cartagena). Os países signatários do ato constitutivo do Acordo de Cartagena, ou Pacto Andino, são, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. Em 1973, a Venezuela aderiu ao acordo, retirando-se em 2006 para ingressar no Mercosul. O Chile, em 1976, retirou-se do grupo. Cartagena (Venezuela) A nova organização, a ALADI, aproveitou os ensinamentos da anterior, a ALALC, e propôsuma pauta modesta, porém objetiva e pragmática. A ALADI tinha a intenção de ser tão somente uma associação entre Estados soberanos, e de transformar-se em zona de livre comércio, já que os signatários tinham "como objetivo de longo prazo o estabelecimento, em forma gradual e progressiva, de um mercado comum latino-americano" (art. 10 do ato de criação da ALADI). A ALADI, inaugurada em 12 de agosto de 1980, tinha por objetivo a total liberalização do comércio entre os onze Países Membros. Para tanto, adotou um mecanismo geral flexível: os acordos sub-regionais, isto é, acordos de liberalização comercial firmados apenas entre um grupo de Países Membros, e não entre os onze, embora respeitando-se princípios e conceitos comuns. Além da flexibilidade proporcionada pelo mecanismo dos acordos subregionais, que gerou, por exemplo, o Protocolo de Expansão do Comércio (PEC) entre o Brasil e o Uruguai, e o Convênio Argentino-Uruguaio de Complementação Econômica (CAUCE), dois fatores novos contribuíram, na década dos anos 80, para criar um ambiente mais propício a propostas de integração regional: 1. O processo de redemocratização, que arrebatou o continente num curto espaço de tempo; e 2. a crescente diversificação da produção industrial daqueles países que, na região, souberam aproveitar o modelo da substituição de importações, com destaque para Brasil, Argentina e México. Assim, a redemocratização regional, ao gerar ambiente propício para a estabilidade com legitimidade, levou os governos locais à busca de melhor relacionamento, como vizinhos, e não mais como peças secundárias no tabuleiro internacional do xadrez geopolítico engendrado pelo confronto EUA versus URSS. As nações sul-americanas passaram a enxergar que têm problemas e objetivos de desenvolvimento que se assemelham. A diversificação industrial, por sua vez, significava que era possível, sim, propor-se uma maior complementaridade das economias entre os países sulamericanos, visando o desenvolvimento regional integrado, e, para tanto, a ideia da redução de barreiras tarifárias poderia produzir aumento efetivo de comércio, como ensinavam os resultados dos acordos sub-regionais propostos no âmbito da ALADI. Brasil e Argentina iniciaram, nessa década de 80, a negociação de preferências comerciais, ou seja, de reduções tarifárias recíprocas. Deve- se destacar que, em 1986, os governos Raúl Alfonsín e José Sarney decidiram que a aproximação das economias brasileira e argentina devia constituir um dos pilares de suas políticas externas e firmaram o Tratado de Cooperação Econômica, que se mostrou muito eficiente no incremento e diversificação do comércio bilateral entre os dois países, em especial nos setores-chave de bens de capital, trigo e automóveis. O êxito alcançado por esse acordo sub-regional, sob o amparo do sistema jurídico da ALADI, proporcionou os fundamentos para a ampliação do Tratado de Integração brasileiro-argentino, projetando-se, assim, a formação de um Mercado Comum entre os dois países, o Mercosul, sobre o qual nos deteremos mais adiante. Por fim, para concluir o elenco de informações sobre a ALALC e a ALADI, listaremos os instrumentos construídos para liberalizar o comércio na região sob o amparo dos tratados constitutivos das referidas associações Segundo o Tratado de Montevidéu de 1960 (ALALC): Listas nacionais de produtos, com alcance multilateral, o que significava estabelecer um sistema de preferência regional; Lista comum, formada com produtos comuns resultantes das listas nacionais; Listas de vantagens não extensivas, que deveriam beneficiar os chamados países de menor desenvolvimento relativo (PMDR), incluindo a Bolívia, o Equador, o Paraguai e o Uruguai; Acordos de complementação, que podiam ser firmados por pares de países, cujas preferências se agregavam às listas nacionais dos Países Membros participantes, buscando-se assim a multilateralização. Conforme o Tratado de Montevidéu de 1980 (ALADI): Acordos de Preferência Aduaneira Regional, assim denominados por estabelecerem as preferências outorgadas reciprocamente por todos os Países Membros, ainda que em porcentagens diferentes, para atender a três categorias classificatórias de graus de desenvolvimento: Países de Menor Desenvolvimento Relativo (PMDR), o que incluía Bolívia, Equador e Paraguai; Países de Desenvolvimento Médio (PDM5), que englobava Colômbia, Chile, Peru, Uruguai e Venezuela; e Países em Desenvolvimento (PDs), categoria formada por Argentina, Brasil e México; Acordos de Alcance Regional, que, de acordo com o Tratado, são aqueles em que participam todos os Estados Membros, como no acordo de alcance parcial, e podem ser comerciais, de complementação econômica, agropecuários, de promoção do comércio, de cooperação científica e tecnológica, de promoção do turismo e de preservação do meio ambiente, entre outros. Acordos de Alcance Parcial, que deram inicio à obrigação de se prever meios para agilizar a multilateralização destes acordos e buscar sua convergência para alcançar a finalidade de integrar as economias de todos os participantes da ALADI. Assim, os Acordos de Alcance Parcial podem ser: de renegociacão do patrimônio histórico, que abarcam os preferências já outorgadas na ALALC e que são renegociados na ALADI; comerciais, cujo único objetivo é aumentar o comércio e o âmbito de aplicação de cada acordo, se limita a um setor produtivo, a respeito de cujos produtos se concedem as preferências; de complementacão econômica, para aumentar o comércio, mas também promover a complementação das economias; de preferências para países não membros, previstos no art. 25 do Tratado de Montevidéu de 1980, para conceder tratamento preferencial a países latino-americanos; agropecuários, para regular o comércio desse setor, mas sem incluir preferências, podendo referir-se a produtos específicos ou a setores agropecuários; de promoção do comércio, voltados para temas não alfandegários, podem compreender cooperação aduaneira, facilitação do transporte de mercadorias, conduta comercial, normas sanitárias e fitosanitárias, e outras; sobre outras matérias, previstos no art. 14 do TM 1980, podem referir-se a cooperação científica e tecnológica, promoção do turismo, preservação do meio ambiente e demais assuntos não abrangidos pelos acordos citados anteriormente. Deve ser ressaltado que os Acordos de Complementação Econômica se transformaram no instrumento mais utilizado na ALADI, e a partir da década de 90 produziu-se uma mudança substantiva, com o início da assinatura de convênios que têm por objetivo a constituição de zonas de livre comércio (ZLCS). Exemplo desses "acordos de nova geração" é o ACE 18 (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, que conformaram o Mercosul em seu início); A ALADI congrega os Países Membros da antiga ALALC, ou seja, Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. A integração bilateral Brasil-Argentina Superada em 1979 a questão Itaipu-Corpus, que mantivera em campos opostos o Brasil e a Argentina, desenhou-se gradualmente a parceria entre esses dois países, com base em crescente convergência das suas políticas interna e externa. No campo interno, tratava-se de restaurar plenamente a vigência da democracia e dos direitos humanosfundamentais. No plano externo, buscava-se superar as desconfianças geradas pela orientação autárquica imprimida aos dois países pelos governos militares, recuperar credibilidade nos foros multilaterais e agilizar a interlocução com os países industrializados. Para colocar em prática esse novo modelo de inserção internacional, privilegiou-se uma parceria brasileiro-argentina construída, inicialmente, mediante propostas e ações no plano da segurança, notadamente na área da energia nuclear, "fomentando um clima de confiança mútua crescente e que ensejou, em seguida, o desmantelamento das hipóteses de conflito entre os dois países". Nesse sentido, houve nítido esforço da parte dos governos de José Sarney (1985-1990) e Raúl Alfonsín (1983-1989) no sentido de conferir prioridade à América Latina em sua atuação político-diplomática. Impulsionada primeiramente pela Ata de Iguaçu, firmada em 30 de novembro de 1985, a integração bilateral traduziu-se, primeiramente, em protocolos bilaterais de natureza setorial (trigo, bens de capital, segurança alimentar e outros), desembocando posteriormente, em 1988, no Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento. Refletindo o objetivo da promoção do desenvolvimento conjunto, esse instrumento internacional lançava as bases de uma integração a ser construída por meio do enlace dos setores produtivos dos dois países e de iniciativas conjuntas - por exemplo, no plano da energia, do transporte e das telecomunicações. O grande desafio com que se confrontavam Brasil e Argentina à época era representado pela alta inflação e pelo endividamento externo. Leia mais sobre a questão Itaip u - Corpu s Deve-se, ainda, ressaltar que esse bloco ergue-se sobre três bases: • a base jurídica está vinculada à ALADI, sob a forma de um Acordo de Complementação Econômica entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, obedecendo a todos os princípios e normas daquela Associação; • a base política sustenta-se na cláusula democrática, acordada pelos seus altos mandatários desde o Tratado de Assunção e consolidada Com a chegada ao poder de Carlos Menem na Argentina (1989) e de Fernando Collor de Mello no Brasil, introduziram (1990) - se novos paradigmas no processo de obedecendo integração, à orientação neoliberal dos novos mandatários. Assim, privilegiou - se a orientação adotada pelo chamado "Consenso de Washington", n o sentido da abertura comercial, desregulamentação econômica e privatização. O objetivo de estabelecer um mercado comum entre o Brasil e a Argentina surge na Ata de Buenos Aires, firmada em 6 de julho de 1990, por ocasião da visita do Presidente Fern ando Collor à capital da Argentina. Nessa ocasião, a abertura econômica e a desregulamentação dos mercados já balizavam a nova orientação imprimida à integração. Um ano mais tarde, os instrumentos consagrados pelo Tratado de Assunção, que criou o Mer cosul, já com a participação do Uruguai e do Paraguai, refletiriam esse redirecionamento do processo de integração. pelo Protocolo de Ushuaia, de 24 de julho de 1998, sobre compromisso democrático no Mercosul - com a qual também concordaram Bolívia e Chile, países que detêm a condição de associados ao bloco, e no compromisso de criar e estimular um processo de integração regional sul-americana; • a base econômica configura-se na crescente diversidade e capacidade produtiva das quatro economias e no grande incremento das trocas comerciais entre seus Países Membros nos quatorze anos de sua vigência. Cronologia da integração no Cone Sul Em três anos e nove meses de existência, ou seja, de 26 de março de 1991 a 31 de dezembro de 1994, o Mercosul saiu da projeção em papel - o Tratado de Assunção - para se transformar, na prática do cotidiano das relações entre os Estados Partes, em um complexo e dinâmico processo de integração regional. Assim, do final do governo José Sarney (1985-1989), passando pelo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), atravessando os dois períodos do governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010), o Mercosul pode ser visualizado em seis fases distintas, cujas principais características detalham-se a seguir. Primeira fase (do Tratado de Assunção ao Cronograma de Las Leñas - março de 1991 a julho de 1992) Na sua primeira fase de vigência, o Tratado de Assunção expôs uma demanda histórica das sociedades que compõem o conjunto dos Estados Partes do Mercosul: a imperiosa necessidade de integração regional dos países sul-americanos, ideia lançada pelos pais fundadores das Repúblicas no continente sul-americano. Na galeria seguinte, você pode visualizar esses pioneiros, cuja biografia e importância no processo de integração você poderá conhecer clicando sobre o respectivo nome. GALERIA DOS PRECURSORES DA INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA (clique nos nomes para saber mais) Simón Bolívar (Venezuela) San Martin (Argentina) José Marti (Cuba) José Gervasio Artigas (Uruguai) Francisco Miranda (Venezuela) Bernardo O'Higgins (Chile) José Ignácio de Abreu e Lima (Brasil) Hipólito José da Costa (Brasil) Assim, a partir de julho de 1992, o programa automático de liberalização comercial ou desgravação tarifária progressiva, isto é, as reduções de tarifas sobre produtos negociados entre as economias dos países do bloco, ocorria inapelavelmente sem que fosse necessário qualquer tipo de renegociação entre os Estados Partes, respeitando-se apenas as exceções listadas de produtos/mercadorias inscritos pelos países. Vale ressaltar que, mesmo com a vigência desse Programa de Liberalização Comercial, Anexo I do Tratado de Assunção (março de 1991), pelo ACE nº18, de 29 de novembro de 1991, os países fundadores do Mercosul obedeceriam a um programa de desgravação progressivo, linear e automático, que se estenderia de 30 de junho de 1991 a 31 de dezembro de 1994, e que seria iniciado com uma redução mínima de 47%, sobre as tarifas já existentes, por mercadoria, até alcançar o limite máximo de 100%, ou seja, tarifa zero. Foram excluídos do cronograma de desgravação os produtos compreendidos nas chamadas Listas de Exceções apresentadas individualmente pelos países signatários, segundo suas apreciações nacionais de bens ou produtos que necessitam de um tratamento diferenciado. De acordo com a NALADI (Nomenclatura ALADI, lista de produtos que cobre todo o universo de bens que podem ser comercializados e torna possível a cobrança de direitos de importação), os países apresentaram os seguintes quantitativos em suas Listas de Exceções: República Argentina, 394 itens; República Federativa do Brasil, 324 itens; República do Paraguai, 439 itens; e República Oriental do Uruguai, 960 itens. Os produtos que forem sendo retirados das Listas de Exceções se beneficiam automaticamente das preferências que resultam do Programa de Desgravação com, pelo menos, o percentual de desgravação mínimo previsto para a data em que se operar sua retirada das mencionadas listas. A partir da adoção da Tarifa Externa Comum(TEC), a lista de exceções à área de livre comércio passou a chamar-se "lista de adequação". Segunda fase (do Cronograma de Las Leñas à Reunião de Colônia - julho de 1992 a janeiro de 1994) Na segunda fase do processo de construção do Mercosul começaram a surgir as primeiras dificuldades para o avanço da integração econômica, pois os setores produtivos que se sentiam ameaçados no curto prazo puseram-se a pressionar seus governos por uma desaceleração das negociações e do programa de desgravação tarifária ou liberalização comercial, meta fundamental do projeto de integração regional. Assim, tanto o setor industrial brasileiro quanto o argentino ofereceram resistências ao processo de integração: os argentinos por se sentirem ameaçados pela concorrência da indústria brasileira, porque vinham sofrendo um processo de desindustrialização desde a gestão de Martínez de Hoz durante o período militar; os brasileiros, não por se sentirem ameaçados pela concorrência dos outros três parceiros, mas porque lhes preocupava o limite que seria negociado como nível máximo para a Tarifa Externa Comum, a TEC, que viria a substituir as tarifas nacionais cobradas sobre as importações provenientes de países não-membros. Ressalte-se que o setor agrícola brasileiro apresentou resistência ao verse exposto à concorrência de produtos agropecuários mais competitivos, sobretudo de produtos argentinos, porém o Mercosul foi um estímulo para a reconversão desse setor. A tendência de cada país membro do Mercosul nas negociações para a fixação do nível máximo da Tarifa Externa Comum era, naturalmente, a de defender uma TEC o mais próxima possível de sua tarifa nacional, pois quanto menores as diferenças entre ambas, menores seriam os custos do ajuste quando da entrada em vigor dessa tarifa comum. As negociações para a fixação de uma Tarifa Externa Comum levaram à compreensão de que a TEC deveria ser pensada para atender a uma nova estrutura tarifária, ou seja, uma estrutura de proteção dotada de coerência interna e adaptada às condições da economia dos quatro países considerados como um todo. Desse modo, substitui-se a lógica individual, defensora dos interesses tarifários de cada parceiro, em favor de uma lógica coletiva da construção fundada no princípio da racionalidade econômica. Enfim, quando os Países Membros fundadores do Mercosul entenderam ser possível criar uma TEC com racionalidade econômica, em fins de 1993, tornou-se possível defini-la para a maioria dos produtos que conformavam as matrizes econômicas de cada parceiro, ainda que os estudos para fixá-la só se completassem no final de 1994. Nas negociações para criar uma TEC, o Governo brasileiro sempre sustentou que a adoção desse tipo de tarifa era imprescindível e necessária à continuidade do projeto do Mercosul, pois seus representantes técnicos argumentavam que somente uma TEC garantiria: a) a equidade de condições de concorrência no espaço geográfico do Mercosul; b) a existência de uma margem de preferência regional; c) o impulso político necessário para a preservação das conquistas alcançadas e para a continuação do processo de integração; d) unidade dos Países Membros em suas relações comerciais com outros países e grupos de países. Assim, apesar da grande complexidade do processo de criação da Tarifa Externa Comum, as negociações nessa segunda fase do período de transição para a construção do Mercosul permitiram, entre julho de 1992 e janeiro de 1994, que se mantivesse o programa de liberalização comercial, que superasse o problema de desequilíbrios da balança comercial e o das discrepâncias macroeconômicas, e que lançasse, por fim, as bases de uma TEC, obedecendo a uma lógica de integração e superando a lógica de confrontação, preservando-se, desta forma, os objetivos centrais do Tratado de Assunção. Na terceira fase, os negociadores buscaram detalhar os temas centrais que deveriam ser solucionados até dezembro de 2004, o que permitiria fazer funcionar o Mercosul já como União Aduaneira e dentro dos prazos previstos. Assim, resolvidas as questões de base pertinentes à eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias e à adoção de uma Tarifa Externa Comum, passou-se, nessa nova etapa, à concentração das discussões específicas sobre o nível tarifário dos bens de capital, sobre o número de exceções permitido na Tarifa Externa Comum, sobre a questão das Zonas Francas e seus impactos sobre o mercado ampliado, e, finalmente, sobre quais critérios balizariam o Regime de Origem, além de se definir e aprovar a nova estrutura institucional do Mercosul, que passaria a vigorar a partir de 1º de janeiro de 1995, conforme fora estabelecido pelo Protocolo de Ouro Preto, de 17 dezembro de 1994. Terceira fase ( da Reunião de Colônia à entrada em vigor da União Aduaneira - janeiro de 1994 a janeiro de 1995) Colônia de Sacramento ( Uruguai ) Em respeito ao consenso internacional sobre comércio, o Regime de Origem do Mercosul obedece à seguinte regra básica: é considerado originário da região, portanto com direito à tarifa zero, qualquer produto que tenha pelo menos 60% de valor agregado regional. Por último, mas não menos importante, deve-se ressaltar que o Regime de Origem só é necessário quando o produto em questão está contido em alguma das listas de exceções à Tarifa Externa Comum. Na Reunião de Colônia não se discutiram os demais temas que constituem o elenco de objetivos que consolidarão o projeto do Mercosul, quais sejam, a coordenação das políticas macroeconômicas, o livre comércio de serviços, e a livre circulação de pessoas e de capitais. Chile, países associados ao bloco, aderido a esse fundamental compromisso democrático. Quarta fase do ( Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso no Democrático Mercosul a até Reunião de Olivos - julho de 1998 a fevereiro de 2002) Os governant es dos Países Membros do Mercosul assinaram a Declaração Presidencial de Las Leñas, em julho de 1992, que declara o imperativo da plena vigência das instituições democráticas como condição indispensável para a existência e o desenvolvimento do Mercosul, te ndo a Bolívia e o Assumido pelos integrantes do projeto Mercosul, esse compromisso contraria a secular tradição de ruptura da ordem democrática nos países do Cone Sul, como revela a história política das sociedades brasileira, argentina, paraguaia e uruguaia e dos demais países no continente sulamericano. Desse modo, o Protocolo de Ushuaia, de julho de 1998, exige que as sociedades mercosulinas respeitem a vigência das instituições democráticas como condição imprescindível ao pleno desenvolvimento dos processos de integração regional, ao mesmo tempo em que sinaliza, para os parceiros associados e para aqueles em potencial, que o bloco dispõe-se a suspender os direitos e obrigações de todo aquele sócio que venha a desrespeitar o princípio democrático, essencial para o reconhecimento pela sociedade do Mercosul de um verdadeiro Estado de Direito. Portanto, qualquer ruptura da ordem democrática em um dos Estados Partes do Mercosul implicará
Compartilhar