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IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 DIREITO CIVIL - PARTE GERAL - PESSOAS JURÍDICAS 1. Considerações iniciais As pessoas jurídicas, também denominadas pessoas coletivas, morais, fictícias ou abstratas, são entes criados pela lei, que lhes fornece a capacidade de serem sujeitos de direitos e obrigações, atuando na sociedade com personalidade jurídica distinta das pessoas naturais que a compõem, mas como são imateriais, necessitam sempre de representação de uma pessoa natural. Ademais, são entidades dotadas de direitos: a) da personalidade: identificação, liberdade, boa reputação; b) reais: podem ser proprietárias, usufrutuárias etc. de coisas; c) industriais: a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégios temporários para a sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos dis, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país; d) obrigacionais: direitos de comprar, vender, alugar, contratar etc.; e) sucessórios: podem, em alguns casos, adquirir bens deixados por causa mortis. Além disso, para tentar explicar a natureza jurídica dessas entidades, existem duas principais correntes: teoria de ficção e da realidade. a) teoria da ficção: somente a pessoa natural é capaz, assim, a pessoa jurídica é uma criação artificial da lei; b) teoria da realidade orgânica: junto às pessoas naturais, há as pessoas jurídicas, que detém identidade organizacional própria, que deve ser preservada. Assim, na atual codificação civil, é adotada a teoria da realidade técnica, que constitui de um somatório entre as outras duas teorias acima. Haja vista que não se pode negar que a pessoa jurídica é um sujeito de direitos e deveres na ordem civil, em conformidade ao art. 1° do CC. 2. Principais classificações gerais da pessoa jurídica 2.1 Quanto à nacionalidade a) pessoa jurídica nacional: é a organizada conforme a lei brasileira e que tem no Brasil a sua sede principal e os seus órgãos de administração; b) pessoa jurídica estrangeira: é aquela formada em outro país, e que não poderá funcionar no Brasil sem autorização do Poder Executivo, interessando também ao Direito Internacional Privado. 2.2 Quanto à estrutura interna a) corporação (universitas personarum): é o conjunto de pessoas que atua com fins e objetivos próprios. São corporações as sociedades, as associações, os partidos políticos e as entidades religiosas; b) fundação (universitas bonorum): é o conjunto de bens IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 arrecadados com finalidade e interesse social. 2.3 Quanto às funções e capacidade a) pessoa jurídica de direito público: é o conjunto de pessoas ou bens que visa atender a interesses públicos, sejam internos ou externos. De acordo com o art. 41 do CC são pessoas jurídicas de direito público interno a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, as autarquias e as demais entidades de caráter público criadas pela lei. No que concerne às pessoas jurídicas de Direito Público, podem ser de direito público externo ou interno. Enuncia o art. 42 do CC que as pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas jurídicas que forem regidas pelo direito internacional público. b) pessoa jurídica de direito privado: é a pessoa jurídica instituída pela vontade de particulares, visando a atender os seus interesses. Pelo que consta do art. 44 do CC, inclusive pelas redações dadas pela Lei 10.825/2003, pela Lei 12.441/2011 e pela revogação efetivada pela Lei 14.382/2022, dividem-se em: fundações, associações, sociedades (simples ou empresárias), partidos políticos e entidades religiosas. 3. Pessoas jurídicas de direito privado São instituições criadas por iniciativa de particulares e estão disciplinadas no art. 44 do CC, divididas em fundações particulares, associações, sociedades (simples ou empresárias), organizações religiosas e partidos políticos. 3.1 Fundações particulares As fundações são universalidades de bens (patrimônio), livres de ônus ou encargos e legalmente constituídos, às quais a ordem jurídica confere personalidade jurídica, devendo obedecer à finalidade estipulada pelo seu fundador, vide art. 62 do CC. IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 Ademais, são criadas a partir de escritura pública ou testamento, pressupondo-se a existência dos seguintes elementos: a) afetação de bens livres; b) especificação dos fins; c) previsão do modo de administrá-las; d) elaboração de estatutos com base em seus objetivos e submetidos à apreciação do Ministério Público que os fiscalizará; único dos requisitos que não é obrigatório, mas facultativo, no ato de instituição. Por outro lado, caso sejam insuficientes os bens para constituição de uma fundação, serão esses incorporados por outra fundação, que desempenha atividade semelhante, salvo previsão em contrário pelo seu instituidor, de acordo com o art. 63 do CC. Portanto, após constituídas por negócio jurídico entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados à fundação, caso não o fizer, serão registrados por mandado judicial, vide art. 64 do CC. Ademais, pelo seu interesse social, há necessidade de os administradores prestarem contas ao Ministério Público, sendo certo que nas fundações não existem sócios propriamente ditos, assim, a atuação cabe, em regra, ao Ministério Público estadual, sendo a exceção feita em dois casos, a saber (art. 66, CC): a) para as fundações que funcionarem no Distrito Federal ou em Território, caberia a atuação do Ministério Público Federal; b) para as fundações que funcionarem em várias unidades da Federação ao mesmo tempo, ou que estenderem sua atividade por mais de um Estado ou Território, cabe a intervenção conjunta do MP de todos os estados envolvidos. IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 Depois de estabelecido o patrimônio pelo fundador, caberá ao responsável ou a MP formular o estatuto da fundação (art. 65, CC). Ademais, este só poderá ser alterado mediante a deliberação de dois terços das pessoas responsáveis pela sua gerência, desde que tal alteração não contrarie ou desvirtue a sua finalidade e que seja aprovada pelo Ministério Público (art. 67, CC). Havendo, ainda, o prazo decadencial de 45 dias para a aprovação do MP, findo esse prazo ou em caso de denegação, poderá o juiz supri-la. Eventualmente, não havendo aprovação unânime, os vencedores quanto à alteração deverão requerer ao MP que dê ciência à minoria, visando impugnações, que devem ser apresentadas no prazo de 10 dias, sob pena de decadência (art. 68, CC). Por fim, tornando-se ilícita, impossível, imoral a finalidade de uma fundação; se a mesma não atender às finalidades sociais a que se destina; for impossível a sua manutenção ou vencer o prazo de sua existência poderá ocorrer a sua extinção, efetivada pelo Ministério Público ou por qualquer interessado. Situação em que os bens devem ser destinados pelo juiz para outra fundação que desempenhe atividade semelhante, salvo previsão de regra em contrário quanto ao destino dos bens no seu estatuto social (art. 69, CC). 3.2 Associações As associações são um conjunto de pessoas (universitas personarum) que buscam interesses não econômicos, podendo alterar a finalidade, diante da liberdade da vontade dos associados. Logo, não tem finalidade lucrativa ou intenção de divisão de resultados, mesmo que tenha patrimônio formado por contribuições dos sócios (art. 53, CC). Ademais, são criadas por estatutos, os quais obrigatoriamente deverão conter requisitos essenciais, sob pena de nulidade, conforme art. 54 do CC, in verbis: IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 Havendo ainda as seguintes determinações: a) todos os associados devem ter os mesmos direitos, podendo o estatuto criar categorias com vantagens especiais (art. 55, CC); b) qualidade de associado somente poderá ser transmissível se o estatuto permitir (art. 56, CC); c) associado titular de cota ou fração ideal do patrimônioda associação, a transferência daquela não importará, de per si, na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa do estatuto (art. 56, CC); d) nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido legitimamente conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos na lei ou estatuto (art. 58, CC); e) exclusão de associado é admissível mediante justa causa, reconhecida em procedimento que assegure o exercício da defesa e recurso, nos termos previstos no estatuto (art. 57, CC). Ademais, extinta a associação, não disciplinando o estatuto as diretrizes de seu acervo, este será destinado a entidades de fins não econômicos designados no estatuto, em caso de omissão, pertencerá à instituição municipal, estadual ou federal de fins idênticos ou semelhante, ou, ainda, caso não exista, à Fazenda Estadual, do DF ou da União (art. 61, CC). Por fim, são exemplos de associações: a) beneficentes ou filantrópicas; b) assistência social; c) organizações religiosas; IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 d) organizações espiritualistas; e) associações secretas; f) estudantis; g) profissionais liberais; h) desportivas; i) recreativas; j) associações de amigos de bairro, municípios ou entidades; k) sindicatos; l) cooperativas; m) associações políticas ou partidos políticos. 3.3 Sociedades As sociedades, assim como as associações, são conjunto de pessoas, distinguindo-se pela finalidade lucrativa. Nesse sentido, as sociedades se dividem em: a) sociedades empresárias: são as que visam a uma finalidade lucrativa, mediante exercício de atividade econômicas organizadas para a produção ou circulação de bens ou serviços; b) sociedades simples: são as que visam, também, a um fim econômico (lucro), mediante exercício de atividade não empresária, ademais, o lucro é repartido entre os sócios. Ademais, as sociedades, sejam elas simples ou empresárias, podem assumir a forma de sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em conta de participação ou sociedade por quotas de responsabilidade limitada. 4. Pessoas jurídicas de direito público As pessoas jurídicas de direito público podem ser interno ou externo, sendo que a primeira é regulamentada pelo Direito Internacional Público, como os Estados soberanos e as organizações internacionais. Por outro lado, as pessoas jurídicas de direito público interno refere-se à administração, direta ou indireta, pública, assim: a) direito público interno de administração direta: União, Estados, DF, Territórios e Municípios (art. 41, I a III, CC); b) direito público interno de administração indireta: órgãos descentralizados criados por lei, com personalidade jurídica própria para o exercício de atividades de interesse público (art. 41, IV e V, CC). Por fim, esse último é dividido em: a) autarquias: criadas por lei específica, com patrimônio próprio, realizando atividades típicas do Estado de forma descentralizada, por exemplo o INSS; b) associações públicas: consórcios públicos com personalidade jurídica de direito público, que conjugam esforços de entidades públicas, firmando acordos para execução de uma finalidade pública, por exemplo o Copati; c) fundações públicas: conjunto de patrimônio voltado à consecução de finalidade de interesse público, devendo ser fiscalizado pelo Tribunal de Contas e indiretamente pelo MP, por exemplo Fundação Biblioteca Nacional; d) agências reguladoras: autarquias federais especiais, incumbidas da missão de normatizar, disciplinar e fiscalizar a prestação de certos bens e serviços de grande interesse público, realizados por agentes IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 econômicos públicos ou privados, por exemplo a Anatel; e) agências executivas: autarquias ou fundações públicas dotadas de regime especial, que lhes fornece mais autonomia de gestão e de recursos orçamentários, necessitando para tal ato do presidente da República, e necessitam ter um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em andamento, e ter celebrado contrato de gestão com respectivo Ministério supervisor. 5. Formação da pessoa jurídica Dá-se, em regra, por um ato jurídico ou surgimento de normas. Sendo preciso salientar a diferença de formação de uma pessoa jurídica de direito público e de direito privado. Isto é, a primeira inicia-se em razão de fatos históricos, em que o Estado soberano surge espontaneamente e suas divisões políticas internas serão delineadas pela sua Constituição. Por outro lado, para que a pessoa jurídica de Direito Privado exista, é preciso a presença de três requisitos fundamentais: a) vontade humana criadora; b) obediência aos requisitos legais; e c) licitude de finalidade. Dessa forma, a vontade humana (affectio societatis) se materializa no ato de constituição das pessoas jurídicas, podendo ser: a) estatuto: associações sem fins lucrativos; b) contrato social: sociedades simples (civis) ou empresariais (comerciais); c) escritura pública ou testamento: fundações. Portanto, para que a pessoa jurídica inicie as suas atividades é necessário que o seu ato constitutivo seja registrado, momento em que se daŕa o início da existência legal da pessoa jurídica (art. 45, CC). Assim, o registro de uma sociedade empresária, por exemplo, faz-se na Junta Comercial do Estado em que a sociedade possui sede. Já os estatutos e os atos constitutivos das demais pessoas jurídicas de direito privado são registrados no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Ademais, algumas atividades necessitam de autorização ou aprovação do Poder Executivo para serem exercidas, como seguradoras, consórcios, instituições financeiras, etc. Por fim, o art. 46 do CC determina que o registro das pessoas jurídicas deveŕa conter: IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 6. Extinção da pessoa jurídica e destinação dos bens No que concerne ao término da existência da pessoa jurídica, é interessante dividir o estudo quanto às corporações e fundações. Inicialmente, a existência das corporações (sociedades e associações) termina: a) pela dissolução deliberada de seus membros, por unanimidade e mediante distrato, ressalvados os direitos de terceiros e da minoria; b) quando for determinado por lei; c) decorrente de ato governamental; d) caso de termo extintivo ou decurso de prazo; e) por dissolução parcial, havendo falta de pluralidade de sócios; f) por dissolução judicial. Sendo preciso ter em mente que não se opera de modo instantâneo, haja visto que se houver bens de seu patrimônio e dívidas a resgatar, ela continuará em fase de liquidação, durante o qual durante a qual subsiste para a realização do ativo e pagamento de débitos. Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica (art. 51, CC). 7. Desconsideração da personalidade jurídica Como visto, pelo seu conceito, a pessoa jurídica é capaz de direitos e deveres da ordem civil, havendo autonomia em relação aos seus sócios e administradores (art. 49-A, CC). Isto é, os seus componentes somente responderão por débitos dentro dos limites do capital social, ficando a salvo o patrimônio individual dependendo do tipo societário adotado. Portanto, entende-se que a regra é que a responsabilidade dos sócios em relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária, ou seja, primeiro exaure-se o patrimônio da pessoa jurídica para depois, e desde que o tipo societário adotado permita, os bens particulares dos sócios serem executados. Somente na hipótese de abuso da personalidade jurídica é que os sócios poderão ser responsabilizados diretamente. Contudo, essa possibilidade de exclusão da responsabilidade dos sócios IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 acarretou no desvio de seus princípios e fins, assim, surgiu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de coibir tais abusos, com isso, alcançam-se pessoas e bens que se escondem dentro de uma pessoa jurídica para fins ilícitos ou abusivos (art. 50, CC). Ademais, a norma passou a viabilizar a desconsideração dapersonalidade jurídica tão somente quanto ao sócio ou administrador que, direta ou indiretamente, for beneficiado pelo abuso. Por desvio de finalidade entende-se a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Acerca de confusão patrimonial, entende-se: a) o cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; b) a transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e c) outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. Ademais, há ainda possibilidade de desconsideração inversa ou invertida, isto é, a responsabilização da empresa pelas dívidas contraídas por seus sócios. Em continuidade, a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos para a desconsideração não autoriza a aplicação da categoria. Essa é a norma que acabou por positivar a sucessão de empresas. Por fim, o novo diploma passou a preceituar que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. Portanto, nos casos de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, o sócio ou administrador que agir em abuso de direito pode ser responsabilizado. 8. Entes ou grupos despersonalizados Não constituem pessoas jurídicas: IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 a) família: seja decorrente de casamento, união estável ou entidade monoparental; b) espólio: conjunto de bens formado com a morte de alguém, em decorrência da aplicação do princípio saisine; c) herança jacente e vacante: nos termos dos arts. 1.819 a 1.823, não deixando a pessoa sucessores, os seus bens devem ser destinados ao Poder Público; d) massa falida: conjunto de bens formado com a quebra ou decretação de falência de uma pessoa jurídica; e) sociedade de fato: grupos despersonalizados presentes nos casos envolvendo empresas que não possuem sequer constituição (estatuto), bem como a união de pessoas impedidas de casar, casos de concubinato; f) sociedade irregular: ente despersonalizado constituído por empresas que possuem estatuto que não foi registrado, caso, por exemplo, de uma sociedade anônima não registrada na Junta Comercial estadual; g) condomínio: conjunto de bens em copropriedade, com tratamento específico no livro que trata do direito das coisas. Os Enunciados 90 e 246 do CJF/STJ, aprovados nas Jornadas de Direito Civil, reconhecem personalidade jurídica ao condomínio edilício.
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