Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
62 Unidade 2 O trabalho Hora de ReFLeTiR A África do Sul sediou a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Xenofobia e a Intole- rância Correlata, organizada pela ONU, em 2001. Na ocasião, organizações africanas exigiram que os países da Europa envolvidos com a colonização pa- guem algum tipo de indenização pelos males cau- sados pelo tráfico negreiro e pela exploração do trabalho de africanos escravizados. Representantes europeus reagiram com indignação à proposta. Em sua opinião, essa reivindicação é justa, ou as ações cometidas há séculos deveriam ser deixadas de lado, considerando que hoje os tempos são outros? Leia agora a descrição de um cirurgião naval, o inglês Thomas Nelson, que presenciou o desembar- que de um navio negreiro no Rio de Janeiro em fe- vereiro de 1841. Amontoados no convés, e obstruindo as passa- gens em ambos os lados, agachados, ou melhor, curvados, trezentos e sessenta e dois negros, com doença, deficiência e miséria estampadas [no rosto] com intensidade de tal forma dolorosa que excedia qualquer poder de descrição. A um canto, um gru- po de miseráveis estirados, muitos nos últimos está- gios da exaustão e todos cobertos com as pústulas da varíola. Observei que muitos deles tinham rastejado até o lugar em que a água havia sido servida, na es- perança de conseguir um gole do líquido precio- so; mas incapazes de retornar a seus lugares, jaziam prostrados ao redor da tina. Aqui e ali, em meio ao aglomerado, havia casos isolados da mesma doen- ça repugnante em sua forma confluente ou pior, e casos de extrema emaciação e exaustão, alguns em estado de completo estupor, outros olhando peno- samente ao redor, apontando com os dedos para suas bocas crestadas. Em todos os lados, rostos esquálidos e enco- vados tornados ainda mais hediondos pelas pál- pebras intumescidas e pela ejeção puriforme de uma violenta oftalmia, da qual parecia sofrer a maioria; além disso, havia figuras reduzidas a pele e osso, curvadas numa postura que originalmen- te foram forçados a adotar pela falta de espaço, e que a debilidade e rigidez das juntas forçaram-nos a manter. NELSON, Thomas. Remarks on the slavery and slave trade of the Brazil. In: CONRAD, Robert Edgar. Tumbeiros. O tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 56. O que significa? Emaciação: magreza extrema. Estupor: paralisia da capacidade de pensar. Crestadas: queimadas. Ejeção puriforme: secreção de pus. Oftalmia: um tipo de inflamação dos olhos. 1. Segundo Thomas Nelson, quais eram as condi- ções de saúde dos cativos encontrados no navio? 2. Quais eram os principais fatores que provoca- vam essa situação tão desumana, denunciada pelo autor? 3. Os escravos eram tratados como mercadorias pelos traficantes; portanto, só tinham valor se estivessem vivos e fossem comercializados. Em sua opinião, por que os traficantes mantinham os africanos escravizados em condições a tal ponto degradantes que levavam uma parte de- les à morte ou a doenças prolongadas? Interpretando dOCUMeNTOs Mundo virtual n Museu Afrodigital – Site sobre o legado dos africanos e seus descendentes no Maranhão. Disponível em: <www.museuafro.ufma.br/index.php>. Acesso em: 8 nov. 2012. HMOV_v2_PNLD2015_054a062_U02_C06.indd 62 3/20/13 4:26 PM 63 Imagine o seguinte almoço: de entrada, sopa de inhame; como prato principal, moqueca de peixe feita com leite de coco e azeite de dendê e temperada com pimenta-malagueta; acompanhada de arroz, pirão e uma salada de quiabo; por fim, como sobremesa, um suculento pedaço de melancia. Uma refeição como essa é de dar água na boca! Além de saborosos e nutritivos, esses pratos têm uma característica em comum: eles foram introduzidos em nossa cultura gastronômica pelos africanos. Foram eles que criaram pela primeira vez esses e muitos outros pratos que hoje fazem parte da alimentação do brasileiro. Os africanos, já vimos, começaram a ser embarcados para o Brasil no século XVI, nos primeiros tempos da colonização. Eram pessoas que pertenciam a diferentes povos, falavam diversas línguas, tinham hábitos e costumes Moqueca de peixe baiana, foto de 2006. Assim como o bobó de camarão, a moqueca é uma das iguarias introduzidas em nossa cultura culinária pelos africanos. J o s é D ia s /O p ç ã o B ra s il I m a g e n s Rogerio Reis/Tyba Capítulo 7 Escravidão e resistência Objetivos do capítulo n Reconhecer a presença do negro na sociedade brasileira tanto no passado como no presente. n Conhecer as principais condições de trabalho dos africanos escravizados na colônia portuguesa na América. n Conhecer as estratégias de resistência empreendidas pelos escravizados. n Reconhecer a importância de culturas africanas na formação da sociedade brasileira, por meio das manifestações musicais, religiosas, literárias, etc. n Refletir criticamente sobre as disparidades sociais entre brancos e negros na sociedade brasileira atual. variados, detinham conhecimentos técnicos, agrícolas e científicos múltiplos. Como veremos neste capítulo, o grande intercâmbio pessoal, familiar e cultural entre esses africanos e seus descendentes e a população que aqui vivia deixou marcas profundas no jeito de ser e de viver do povo brasileiro. HMOV_v2_PNLD2015_063a073_U02_C07.indd 63 3/20/13 4:26 PM 64 Unidade 2 O trabalho Bantos e sudaneses Os africanos escravizados começaram a chegar à América portuguesa ainda no século XVI para traba- lhar principalmente nos engenhos de açúcar instala- dos junto ao litoral, sobretudo nas capitanias de Per- nambuco e Bahia. No início do século XVII, chegavam cerca de 8 mil africanos por ano. A partir de então, o tráfico negreiro aumentou de modo considerável. Al- guns autores afirmam que, só na primeira metade do século XIX, entraram no Brasil 1,5 milhão de africa- nos escravizados. Esses homens, mulheres e crianças integravam dois grandes grupos separados por diferenças linguís- ticas e culturais: bantos e sudaneses. O tratamento dispensado na colônia portu- guesa aos africanos escravizados, assim como sua forma de viver e sua resistência à escravi- dão, variou muito, tanto de uma região para outra como ao longo do tempo. Os dados apre- sentados neste capítulo têm o valor de uma abor- dagem genérica. Não se deve deduzir de sua lei- tura que as informações utilizadas se apliquem de forma homogênea a todos os escravizados e aos quase quatro séculos de escravidão na colô- nia portuguesa. É preciso considerar que existi- ram variações, seja de grupo para grupo, seja ao longo do tempo. Além dessa abordagem mais panorâmica, você verá, nos próximos capítulos de Brasil, situações es- pecíficas vividas pelos africanos e pelos afrodescen- dentes em diversos momentos de nossa história. Advertência necessária Os sudaneses, originários de regiões da Áfri- ca ocidental, a sudoeste do deserto do Saara (veja o mapa na página seguinte), dividiam-se em diver- sas etnias: hauçás, mandingas, iorubás. Muitos eram muçulmanos alfabetizados, vindos do golfo de Benin. Foram levados principalmente para a Bahia. Os bantos provinham de áreas mais ao sul e tam- bém se subdividiam em vários grupos étnicos: cabin- das, benguelas, congos, angolas. Foram levados para as capitanias de Pernambuco e do Maranhão e para o sudeste da colônia. Uma vez em território brasileiro, os colonizado- res passavam a dividi-los em duas categorias: a dos boçais, que reunia os recém-chegados – fossem eles Iemanjá é uma das orixás do candomblé, religião afro-brasileira. No Ano-Novo milhares de pessoas depositam no mar oferendas para a divindade. Na foto, festa de Iemanjá, no Rio de Janeiro, em dezembro de 2007. R ic a rd o A zo u ry /P u ls a r Im a g e n s H u te li n H u re , 1 8 6 9 /R e p ro d u ç ã o /A rq u iv o d a e d it o ra bantos ou sudaneses –, que nada sabiam da culturados portugueses, e a dos ladinos, africanos acultura- dos, que já entendiam a língua do colonizador. Ha- via ainda os crioulos, como eram chamados os des- cendentes de africanos nascidos na colônia. Os recém-chegados eram encaminhados para grandes armazéns, onde seriam negociados. Ini- cialmente, os principais entrepostos escravistas eram os do Recife e de Salvador, mais próximos das grandes lavouras de cana-de-açúcar. Entre os sécu- los XVIII e XIX, a cidade do Rio de Janeiro se tornou o principal entreposto. A violência na vida cotidiana Nas fazendas, em geral, os escravos cumpriam jornadas de trabalho de até 18 horas diárias. Não eram raros os casos de acidentes de trabalho, mui- tas vezes fatais. Africana do grupo mina, integrante da cultura sudanesa, em xilogravura de Hutelin Hure (1869). Bantos e sudaneses compuseram grande parte do contingente de africanos escravizados e transferidos à força para a América portuguesa. HMOV_v2_PNLD2015_063a073_U02_C07.indd 64 3/20/13 4:26 PM 65Escravidão e resistência Capítulo 7 Com o tempo, alguns senhores começaram a ce- der a seus escravos pequenas áreas para que cultivas- sem ali produtos de subsistência. O excedente, quan- do havia, era vendido no mercado local ou ao próprio proprietário. Dessa maneira, em certos casos o escra- vo conseguia reunir algum dinheiro, com o qual po- deria comprar a carta de alforria, que garantiria sua liberdade ou a de algum ente querido. Outra forma de alforria ocorria quando um pro- prietário libertava um filho gerado por uma escraviza- da, ou quando concedia a liberdade a um escravo fiel. Aqueles escravizados que não executassem suas tarefas de modo correto, dessem sinais de cansaço, cometessem furtos, tentassem fugir ou se rebelar, ou que estivessem envolvidos em qualquer situação con- siderada irregular, recebiam severos castigos físicos. Nas minas de ouro, os feitores – pessoas encar- regadas de vigiar o trabalho dos cativos e aplicar-lhes as punições – colocavam máscaras de metal no rosto dos escravos para que eles não engolissem as precio- sas pepitas extraídas da terra. Mal alimentados, extenuados pelo trabalho de sol a sol e vítimas de violência constante, os escra- vos não resistiam muito. Sua expectativa de vida nessas condições era em média de dez anos. Resistência constante Nessas condições, os escravos procuraram, por diversas maneiras, reagir ao cativeiro. Alguns, quan- do escapavam da vigilância do feitor, reduziam seu ritmo de trabalho ou paralisavam a produção. Outros sabotavam as máquinas, destruíam ferramentas, in- cendiavam plantações. Muitas mulheres grávidas, não querendo que seus filhos vivessem na escravidão, praticavam abor- to; também havia casos constantes de suicídio e ten- tativas de assassinato de senhores e feitores. A in- satisfação dos escravos se manifestou também por meio de sua participação em rebeliões, como a Revol- ta dos Malês (Bahia, 1835) e a Balaiada (Maranhão, 1838-1841; veja o capítulo 25). SENEGAL Nova Orleans Cuba Porto Rico Recife Lagos Arguim Cabo Branco GUINÉ Á F R I C A Luanda SUDANESES BANTOS Golfo da Guiné OCEANO ÍNDICO OCEANO ATLÂNTICO OCEANO PACÍFICO Salvador Rio de Janeiro Buenos Aires A M É R I C A Bantos Sudaneses Golfo de Benim Sofala Equador Trópico de Capricórnio Trópico de Câncer fluxo de africanos para o Brasil e outras regiões da américa (séculos xVi-xix) Fonte: ATLAS histórico escolar. Rio de Janeiro: MEC, 1996. 0 1760 QUILÔMETROS ESCALA 3520 Instrumentos utilizados para castigar escravos: algemas, tronco, vira-mundo (onde se prendiam os pés e as mãos dos escravos) e o libambo (corrente que se prendia ao pescoço dos escravos). Santa Rita do Passa Quatro, março de 2009. M a u ri c io S im o n e tt i/ P u ls a r Im a g e n s HMOV_v2_PNLD2015_063a073_U02_C07.indd 65 3/20/13 4:26 PM 66 Unidade 2 O trabalho A forma mais comum de resistência à escravidão, entretanto, eram as fugas. Nos primeiros séculos da co- lonização, os cativos fugiam para as serras ou matas, onde se escondiam ou se misturavam à população mes- tiça do sertão. A partir do século XIX, com o aumento das zonas urbanas, os fugitivos procuravam abrigo nas cidades, onde tentavam se integrar à sociedade. Aqueles que se escondiam nas florestas e ser- ras formavam muitas vezes comunidades conhecidas como mocambos ou quilombos, que reuniam cente- nas, e às vezes milhares, de pessoas, chamadas de qui- lombolas. O primeiro quilombo de que se tem notícia foi formado em 1573 na capitania da Bahia. Nesses lu- gares, africanos e afro-brasileiros passavam a viver da caça, da pesca, da agricultura e do artesanato. Alguns quilombos chegavam a fazer transações comerciais com povoados vizinhos, transformando-se em próspe- ras aldeias. O quilombo era um espaço no qual os ex- -escravos reafirmavam sua identidade étnica e cultu- ral, procurando cultivar e preservar valores, tradições e crenças religiosas de suas nações de origem, na África (veja a seção Olho vivo, nas páginas 68 e 69). Diversas expedições militares foram enviadas contra os quilombos visando destruí-los e reescravi- zar sua população. Essa ação repressiva fez com que muitos mocambos se tornassem itinerantes, mudan- do constantemente de lugar. O Quilombo dos Palmares O maior e mais duradouro dos quilombos foi o de Palmares*, formado na serra da Barriga, em terras hoje pertencentes a Alago- as e Pernambuco. Por sua dura- ção, ao longo de quase todo o século XVII, ele pôde abrigar mais de uma geração. Era composto de vá- rios povoados e ocupava uma área de aproximada- mente 350 quilômetros quadrados, no interior da qual viviam cerca de 20 mil africanos e afrodescen- dentes de diferentes etnias, além de indígenas, par- dos e brancos pobres. Como afirma o cientista social Clóvis Moura, Palmares foi “a maior manifestação de rebeldia e organização política, militar e econô- mica contra o escravismo na América Latina”. Palmares funcionava como um pequeno Estado organizado, contando com uma estrutura militar que lhe permitia resistir contra as expedições enviadas pe- las autoridades coloniais. Reunia diversos mocambos, cada qual com seu chefe. Acima desses líderes estava o rei, ao qual todos obedeciam. Os povoados do grande quilombo eram prote- gidos por paliçadas, muralhas e fossos com estre- pes. A população em seu interior vivia da agricul- tura e negociava armas e outros produtos com os colonos das redondezas. Os negros que fossem para lá espontaneamente eram considerados livres. Os capturados em assaltos contra engenhos e povoa- ções eram escravizados. Descendentes de africanos escravizados dançam na comunidade quilombola de Monte Alegre, em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, em foto de 2008. As comunidades quilombolas são remanescentes de antigos quilombos. A Constituição brasileira assegura aos seus ocupantes a propriedade definitiva dessas terras. C u s c , E s /A rq u iv o d a e d it o ra * Veja o filme Quilombo, de Carlos Diegues, 1984. Detalhe de um mapa da capitania de Pernambuco produzido por Barleus em 1647, no qual estão representados alguns habitantes do Quilombo dos Palmares puxando uma rede de pesca. Ao fundo, se ergue a torre de vigilância. B a rl e u s , 1 6 4 7 /F u n d a ç ã o B ib li o te c a N a c io n a l, R io d e J a n e ir o HMOV_v2_PNLD2015_063a073_U02_C07.indd 66 3/20/13 4:26 PM 67Escravidão e resistência Capítulo 7 Entre 1630 e 1654, por três vezes os holandeses – que dominaram boa parte do Nordeste nesse período, como veremos no capítulo 10 – tentaram sem êxito destruir o quilombo. Quando os portugueses retoma- ram o controle da região, iniciaram ataques sistemá- ticos contra Palmares. Entre 1672 e 1680 houve pra- ticamente uma expedição militar por ano. Em 1694, depois de ataques efetuados por for- çascomandadas pelo bandeirante paulista Domin- gos Jorge Velho, teve início a destruição de Palma- res. Zumbi, líder do quilombo, conseguiu escapar, mas foi morto no ano seguinte (veja a seção Patri- mônio e diversidade, na página 70). Palmares, en- tretanto, sobreviveria por mais duas décadas, perío- do no qual enfrentou outras 29 expedições enviadas pelas autoridades coloniais. A liquidação total do quilombo só ocorreria em 1716. Em 1978, representantes do Movimento Negro Unificado escolheram a figura de Zumbi dos Palmares como símbolo da luta dos negros contra a opressão e a data de sua morte – 20 de novembro – para celebrar o Dia da Consciência Negra. Atualmente, em muitas cidades brasileiras, essa data tornou-se feriado munici- pal. Atitudes como essas têm sido de fundamental im- portância para que a sociedade brasileira se aperceba das desigualdades sociais e étnicas que ainda dificul- tam a construção de uma verdadeira democracia em nosso país (veja a seção Passado presente, a seguir). Existe racismo no Brasil? Apesar de a Constituição de 1988 afirmar que todos os brasileiros são iguais e têm os mesmos di- reitos perante a lei, as estatísticas comprovam que essa igualdade não se verifica quando comparamos as condições de vida dos negros com as dos brancos. Um estudo divulgado em 2011 pelo Ministério do Trabalho, pelo Dieese e pela Fun- dação Seade ajuda a desmitificar a ideia de que vigora no Brasil uma “democracia racial”*. Segundo a pesquisa, embora os negros representem mais da metade da popula- ção economicamente ativa das regiões metropolita- nas brasileiras, os trabalhadores negros recebem sa- lários até 62% inferiores aos dos brancos e estão, em sua maioria, em cargos de baixo escalão. Ao analisar a composição étnica dos cargos mais elevados e mais bem remunerados, outra pesquisa, feita em 2007 pelo Instituto Ethos e pelo Ibope Inteligência, constatou que apenas 17% dos cargos de gerência são ocupados por negros e não chega a 3,5% a presença de negros em cargos exe- cutivos. Entre as mulheres a situação é mais grave ainda: não chega a 0,5% a presença feminina ne- gra nos cargos executivos. Atualmente, representantes do movimento negro e diversos setores da sociedade civil defen- dem a necessidade de se pôr em prática ações afirmativas com o intuito de assegurar aos ne- gros igualdade de direitos. Nessa luta estão também as pessoas e enti- dades que defendem a garantia dos direitos das comunidades quilombolas, encontradas em quase todos os estados brasileiros. Muitas das co- munidades quilombolas são remanescentes de núcleos populacionais de grande concentração de escravos. Esses núcleos transformaram-se em aldeias isoladas, cujos moradores – que totalizam cerca de 2 milhões de afrodescendentes – vivem da agricultura de subsistência, às vezes do co- mércio, e conservam muitos hábitos e costumes de seus antepassados. A Fundação Cultural Palmares reconhece pelo menos 1,8 mil comunidades quilombolas no Bra- sil, mas de acordo com outras fontes esse número pode ser superior a 3 mil. A maior dificuldade dos quilombolas (moradores dessas comunidades) é obter o título de propriedade das terras em que vivem, pois elas são objeto de disputa por parte de grandes latifundiários. Irineia Rosa Nunes da Silva, ceramista da comunidade quilombola de Muquém, em Alagoas, que em 2004 recebeu o prêmio Unesco de Artesanato, e seu marido, Antônio Nunes, em foto de 2008. Passado Presente L u ís M o ra is /A rq u iv o d a e d it o ra * Veja o filme As filhas do vento, de Joel Zito Viana, 2004. HMOV_v2_PNLD2015_063a073_U02_C07.indd 67 3/20/13 4:26 PM 68 Unidade 2 O trabalho Talvez por manterem com a natureza uma estreita relação, os africanos acreditavam que animais e plantas tinham caráter sagrado. Politeístas, para eles os deuses eram parte integrante dessa relação com o meio ambiente. Ao chegarem ao Brasil, suas manifestações religiosas se misturaram com hábitos e crenças do catolicismo e dos povos indígenas, dando origem às religiões afro-brasileiras. Uma delas é o candomblé, trazido pelos escravos oriundos principalmente dos atuais países Nigéria e Benin. Os adeptos do candomblé acreditam na existência de orixás, divindades que representam as for- ças da natureza e têm características humanas: eles são vaidosos, ciumentos, briguentos, etc. Olho vivo Os orixás Oxalá, orixá criador da humanidade. É o maior e mais respeitado dos orixás. Sua cor é o branco e seu dia é a sexta-feira. Segundo a lenda, Oxalá foi um rei africano. Omolu, filho de Oxalá, é o mais temido dos orixás. Segundo a crença, ele tem o poder de afastar as doenças, mas também de trazê-las. Seu dia é a segunda-feira e suas cores são preto, branco e vermelho. Na Bahia é sincretizado com São Lázaro. Paxorô: cajado de metal enfeitado com um pombo no alto; é o símbolo de Oxalá. Segundo a tradição, Oxalá vestiu roupas femininas para conhecer o segredo do Portal da Vida e da Morte, cujo acesso era permitido apenas às mulheres. Descoberto, jamais pôde se desfazer daquelas roupas. O manto de palha esconde as marcas da varíola do rosto do orixá; também impede que as pessoas vejam sua face, uma vez que ele se tornou um ser de brilho tão intenso quanto o Sol. Xaxará, feixe de palha e búzios, com o qual o orixá limpa as doenças e os males espirituais. Os atabaques são considerados entidades poderosas, pois, de acordo com os seguidores do candomblé, eles falam com os orixás. O maior dos atabaques é chamado de rum, e o menor, de lé. O de tamanho intermediário chama-se rumpi. Ritual de candomblé representado em tela de Djanira, 1967. Djanira, 1967/Revista de História, dez. 2005/FBN/Arquivo da editora HMOV_v2_PNLD2015_063a073_U02_C07.indd 68 3/20/13 4:26 PM
Compartilhar