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DIDÁTICA: OBJETO DE ESTUDO, CONCEITOS FUNDANTES E DERIVAÇÕES PARA O CAMPO INVESTIGATIVO E PROFISSIONAL José Carlos Libâneo Pontifícia Universidade Católica de Goiás Resumo O texto discute o objeto de estudo e os conceitos fundantes da didática face aos embates correntes em relação ao seu campo disciplinar e investigativo. A partir de sua identificação como mediação da unidade ensino-aprendizagem na relação com um saber em situações pedagógicas contextualizadas, são extraídas derivações para o campo investigativo e profissional. Palavras chave: didática; mediação pedagógica; relação conteúdos-métodos; ensino em contextos; pesquisa em didática. XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000034 1. Os embates teóricos no campo da didática A didática é abordada neste texto como disciplina pedagógica, campo de investigação e de exercício profissional. Cabe-lhe formular teórica e praticamente os saberes profissionais a serem mobilizados no trabalho docente. A despeito de persistentes questionamentos de seu papel na formação de professores e na pesquisa educacional, essa disciplina mantém-se presente na imensa maioria dos cursos de pedagogia e na maior parte das demais licenciaturas. Além disso, a produção bibliográfica em didática tem sido profícua, abrangendo questões teóricas e epistemológicas, questões do exercício docente, didática das disciplinas, as práticas de ensino, a articulação entre a didática e a pesquisa no âmbito cultural, a relação teoria e prática na formação inicial e continuada, o estágio profissional (Por ex., CANDAU, 2003, 2006, 2007, 2011a, 2011b; OLIVEIRA, 1992, 1997; PIMENTA, 1997, 2010; PASSOS, 1996, 1999, 2010; ANDRÉ, 1995, 1997; OLIVEIRA e ANDRÉ, 2003). No entanto, recentes estudos mostram que a pujança investigativa parece não estar chegando aos professores e nem tem levado a mudanças significativas na formação inicial e continuada (GATTI E NUNES, 2009); GATTI, BARRETTO E ANDRÉ, 2011; LIBÂNEO, 2010), portanto, afetando pouco o campo disciplinar e profissional. Os embates teóricos podem ser exemplificados pelos temas dos Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino. A título de exemplo, no X ENDIPE realizado no Rio de Janeiro em 2000, quatro pesquisadoras fizeram um balanço dos 20 anos desses encontros e das perspectivas futuras (CANDAU, OLIVEIRA, SOARES, SILVA, 2001). Vera Candau mostrou um novo cenário, contraditório e ambíguo, marcado pela globalização e pelas reformas educacionais neoliberais mas, também, pelas propostas de atenção aos grupos sociais excluídos, à diversidade cultural, às questões étnicas, de gênero e sexualidade, à interdisciplinaridade aos múltiplos espaços de educação, à reinvenção da didática escolar. Maria Rita Oliveira demarcou o aparecimento de pesquisas sobre o trabalho docente como objeto de estudo e as relações da didática com os novos paradigmas, as novas tecnologias. Destaca o surgimento entre os anos 1996-98 da área de formação de professores e o desenvolvimento dos estudos de currículo, anunciando alguns dissensos no campo que vão se manter nos anos seguintes e certo distanciamento da pesquisa mais diretamente ligada à sala de aula. Outros embates em torno da didática destacam a questão epistemológica e outras temáticas. Pimenta (2010, p. 16) menciona a falta de clareza de professores e XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000035 pesquisadores em relação à natureza, objeto e método no campo da educação. Desde o entendimento de que a didática tem como objeto de investigação o ensino como prática social complexa em situações historicamente contextualizadas, aponta novas demandas investigativas no início do século XXI como os temas da subjetividade e complexidade, práticas interdisciplinares e multiculturais, tecnologias da comunicação e informação, epistemologia da prática (e da prática de ensinar, professor-pesquisador e professor- reflexivo, novas formas de organização escolar como os ciclos. A pesquisadora defende como foco teórico da didática o ensino com a finalidade de gerar aprendizagem. Aponta, também, embates teóricos na questão das didáticas disciplinares e sua relação com a formação pedagógica. Finalmente, aponta a necessidade de estudos que investiguem a situação do ensino da didática na graduação e pós-graduação, a busca da identidade epistemológica, a relação teoria-prática, a interface com outros campos investigativos (currículo, psicopedagogia, a psicolinguistica, etc.) a serviço dos professores e a didática em meio ao intercruzamento de culturas que perpassam a escola (p 37-40). Candau e Koff discutem as relações entre didática e multiculturalismo contribuindo, no dizer delas, para uma didática crítica “atravessada” pela perspectiva multi/intercultural (2006, p. 472). A idéia é de que “as práticas pedagógico-didáticas possam ser repensadas e/ou reinventadas incorporando, de maneira crítica, a questão das diferenças culturais, na pluralidade de suas manifestações e dimensões. Propõem, que a perspectiva multi/intercultural constitua o eixo central do processo de desconstrução de uma visão dicotomizada entre valores universais e diversidade, tematizando os preconceitos e discriminações, o caráter monocultural e o etnocentrismo, a igualdade e a diferença, os processos de construção das nossas identidades culturais, as experiências de interação sistemática com os “outros”, processos de “empoderamento” (p. 489) Marandino, em sua tese de livre-docência (2011), enfrenta um dos embates mais proeminentes do campo didático entre a didática e as didáticas especiais. Apoiando-se em autores como Chevallard e Bernstein, busca incorporar ao processo de ensino- aprendizagem as dimensões sociológica e epistemológica e firmar sua aposta numa didática que “se coloca na posição de problematizar e investigar, por um lado, as determinações sociais, as formas pelas quais as instituições (inclusive a própria ciência) determinam a constituição das práticas didáticas e, por outro, as influências que o saber específico (...) promove nas maneiras de ensinar e aprender” (p.88). Em relação a XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000036 aproximações necessárias entre a didática e a epistemologia das disciplinas são encontrados, também, os trabalhos de Libâneo (2008; 2010b). Empenhado nesse esforço investigativo no campo da didática, especialmente alinhando-me ao lado de pesquisadores mais sensíveis ao mundo da escola e da sala de aula, permito-me mencionar minha intervenção no XIV ENDIPE em Porto Alegre (LIBÂNEO, 2010a) em que trabalhei a alegoria de que o campo investigativo e profissional da didática enfrentava o dilema entre a fidelidade ao seu objeto e o canto das sereias, representado pelas múltiplas tentativas de outros campos em solapar dela seu objeto ou substituí-lo por outros, reafirmando meu entendimento do objeto da didática: as relações ensino-aprendizagem de conteúdos específicos em situações concretas. No XV ENDIPE em Belo Horizonte (LIBÂNEO, 2010b), levei a discussão sobre as relações entre a didática e a epistemologia das disciplinas, no entendimento de que a apropriação de conhecimentos está intimamente ligada à forma de constituição dos saberes (questão epistemológica) e com a relação do aluno com o objeto de conhecimento (questão psico-pedagógica), buscando o aporte de didatas franceses e, em particular, de V. Davídov. Proponho para esta comunicação retomar a discussão do objetoda didática, firmando uma posição em torno da unidade entre o ensino e aprendizagem (processos nem idênticos e nem separados) na orientação da relação com saberes em situações didáticas contextualizadas. Essa tomada de posição fornece os elementos para o enfrentamento teórico e prático de temas cruciais que continuam em pauta na discussão sobre o campo do didático. 2. Os embates no campo político e social e no campo investigativo da didática A busca de hipóteses explicativas, dentro da investigação educacional brasileira, sobre o enfraquecimento do campo disciplinar e investigativo da pedagogia e da didática tem sido tentada em outros textos (LIBÂNEO, 2010a, 2011). Em relação à problemática abordada aqui, é suficiente destacar a existência de um dissenso ou dispersão entre educadores, legisladores, políticos, técnicos do MEC e Secretarias de educação, pesquisadores, em relação aos objetivos e funções da escola pública, que acaba rebatendo nas concepções da didática e da formação de professores. Duas tendências podem estar explicando este dissenso: o impacto da internacionalização das políticas educacionais na escola e nas questões pedagógico-didáticas e o predomínio no XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000037 campo educacional das análises externas sobre as internas em relação à problemática educacional. Quanto à primeira tendência, a partir de estudos bastante consistentes (DE TOMMASI, WARDE e HADDAD, 1966; FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003; SHIROMA, GARCIA, CAMPOS, 2011; AKKARI, 2011) observa-se a influência crescente de organismos transnacionais nas políticas educacionais para os países emergentes e pobres, expressa em documentos do Banco Mundial, incidindo nos campos da pedagogia, da didática, do currículo e da organização escolar, afetando significativamente as escolas e salas de aula (TORRES, 2001, LIBÂNEO, 2010c, 2012). Tais políticas exercem pressão sobre formuladores de políticas educacionais e setores intelectuais da educação para a adesão a uma visão de escola baseada ora num currículo instrumental ora num currículo de acolhimento e integração social, ambas recusando uma escola baseada no conhecimento e na aprendizagem. Propalando um discurso aparentemente humanista, essas políticas definem, de fato, uma orientação colonialista e pragmática da educação para os países pobres, levando ao esvaziamento dos conteúdos científicos na escola e a uma visão de escola focada em características individuais do aluno e não no conhecimento e na aprendizagem. A segunda tendência é a presença no campo das políticas educacionais e no próprio campo científico da educação do predomínio das análises externas (sociopolíticas e institucionais) sobre as internas (referentes à escola e à sala de aula). Obviamente não se trata de recusar as análises sociopolíticas, mas de se questionar o viés sociológico e político com o descarte de aspectos pedagógicos e didáticos. Minha suspeita é de que os embates já bastante antigos entre a sociologia e a psicologia (Cf. PEREIRA, 1962; BRANDÃO, VALESKA E HENRIQUEZ, 1999) acabaram incidindo no campo da pedagogia e da didática, colocando na sombra as questões pedagógico- didáticas. Com isso, é inevitável a crescente depreciação do pedagógico e do didático no meio acadêmico e institucional, refletindo-se na desvalorização da pesquisa específica sobre aprendizagens e práticas de sala de aula. Induzidos a abordar os fatos educativos ora pelo viés sociológico ora psicológico, os pedagogos, a quem cabe orientar decisões concretas sobre a vida da escola e da sala de aula, foram perdendo a especificidade “pedagógica” de seu trabalho, resultando numa parca tradição teórica na produção. No âmbito propriamente pedagógico-didático, o quadro esboçado acima torna ainda mais complexas as antigas e persistentes antinomias no campo da didática. São apontadas e comentadas, a seguir, algumas delas. XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000038 a) fragmentação entre ensino e aprendizagem - Analisando como se apresenta a problemática do objeto de estudo da didática nos cursos de formação de professores das séries iniciais (pedagogia) nos deparamos nas ementas de didática uma grande dispersão desse objeto, mas, principalmente, uma fragmentação do foco da didática entre o ensino e a aprendizagem (LIBÂNEO, 2010c). Na maioria dos currículos há uma predominância de foco no ensino, já que boa parte das ementas reduz o programa de didática aos elementos do plano de ensino. É visível a falta de unidade conceitual entre ensino e aprendizagem, explicada ora por uma visão ainda apegada à didática instrumental ora pelo viés sociológico das questões da didática já mencionado, o que deixa em segundo plano implicações psicológicas do processo de ensino e aprendizagem (psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento). b) centramento nos interesses e necessidades do aluno x centração no conhecimento e na aprendizagem – Trata-se nesta antinomia da repercussão das políticas educacionais transnacionais, agora na sala de aula, em que o papel da escola voltado para o conhecimento é substituído pelo atendimento às necessidades individuais dos alunos, secundarizando-se o especifico da escola: a formação das capacidades intelectuais dos alunos por meio dos conhecimentos e da aprendizagem de conteúdos científicos. c) separação conteúdo/método da ciência/metodologia do ensino – Esta tripla separação acontece de modo distinto nos cursos de licenciatura para as séries iniciais (pedagogia) e nas licenciaturas para as séries subseqüentes. Na primeira ocorre a ênfase no metodológico sem referência ao conteúdo, na segunda a ênfase no conteúdo sem a metodologia de ensino, principalmente onde as disciplinas de licenciatura acontecem no último ano do bacharelado (3 + 1). Em ambas, o conteúdo ou a metodologia de ensino estão separados do método da ciência, ou seja, em nenhum caso se faz um estudo aprofundado da epistemologia e dos processos de investigação da ciência ensinada nas suas relações com o ensino dessa ciência. d) fragmentação entre o conhecimento do conteúdo (conhecimento disciplinar) e o conhecimento pedagógico do conteúdo (didática e didáticas disciplinares) – Aqui se realça a dissociação entre dois saberes profissionais essenciais do professor: o domínio do conteúdo e o domínio das formas de promover a aprendizagem desse conteúdo pelo aluno. Isso resulta na não existência de vínculos entre didática e epistemologia das ciências ou entre a didática básica e as didáticas disciplinares ou, ainda, entre conhecimento pedagógico e conhecimento disciplinar; XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000039 e) Desconexão (ou distorções) entre aspectos sócio-políticos-culturais e aspectos pedagógico-didáticos implicados no ensino e aprendizagem – Essa questão se refere à já antiga e também difícil interseção entre os conteúdos, os procedimentos de ensino e as práticas socioculturais e instituições nas quais os alunos participam e vivenciam. 3. Uma ideia sobre conceitos fundantes da didática A análise dos percalços envolvendo a didática pode ser mais bem compreendida desde uma determinada visão de seu campo disciplinar, delineado com base na teoria histórico-cultural e em outras contribuições teóricas. Sua especificidade epistemológica é o processo instrucional que orienta e assegura a unidade entre o aprender e o ensinar na relação com um saber, em situaçõescontextualizadas, nas quais o aluno é orientado em sua atividade autônoma pelos adultos ou colegas, para apropriar-se dos produtos da experiência humana na cultura e na ciência, visando o desenvolvimento humano. Este processo é designado mediação didática, isto é, mediação das relações do aluno com os objetos de conhecimento (aprendizagem), em contextos sociais e culturais concretos, em que se articulam o ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento. Entre os elementos constitutivos dessa formulação, o primeiro é a unidade entre ensino e aprendizagem, expressa na palavra russa obutchenie, cuja tradução literal é instrução (PRESTES, 2010). Diferentemente do significado convencional no Brasil de transmissão de conhecimento, de conotação pejorativa, a palavra se refere na língua russa ao processo simultâneo de instrução, ensino, estudo, aprendizagem. A instrução, assim, é a forma de organização do processo de apropriação, na qual está implicados o ensino (o que o professor faz) e a aprendizagem (o que o aluno faz), ou seja, o ensinar por meio da atuação de outra pessoa no processo de aprendizagem. O segundo refere-se ao entendimento, na perspectiva histórico-cultural, de que a aprendizagem envolve a apropriação pelo indivíduo da experiência social e histórica expressa nos conhecimentos e modos de ação que, com a adequada orientação do ensino, leva ao desenvolvimento mental, afetivo e moral dos alunos. Ou seja, no ensino se lida com saberes e com a relação com os saberes. O terceiro elemento diz respeito ao fato de que o processo de apropriação envolve a formação de conceitos científicos para além dos conceitos empíricos, cuja peculiaridade consiste em que a principal função da escola é atuar no desenvolvimento XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000040 do pensamento dos alunos, introduzindo-os no domínio do caráter abstrato e generalizante dos saberes, de modo que os alunos aprendem formando abstrações, generalizações e conceitos. Assim, os objetos de conhecimento (conteúdos) e o método pelo qual são investigados cientificamente são a base da qual decorre o método de ensino e as formas de organização da aprendizagem do aluno. É importante assinalar que o processo de apropriação consiste na reelaboração subjetiva de conhecimentos, capacidades habilidades constituídos socialmente a partir de ferramentas culturais já desenvolvidas socialmente. Uma das questões mais centrais da teoria histórico-cultural é saber de que forma os indivíduos aprendem a fazer abstrações e generalizações de modo a ultrapassar os limites da experiência sensorial imediata e como os professores atuam com a mediação didática para a formação desses processos nos alunos. O quarto elemento da formulação acima põe em relevo que o processo de apropriação ocorre em contextos de práticas sociais, culturais e institucionais, dada a natureza social das funções sociais superiores. Com isso, as atividades de uma disciplina na sala de aula orientadas para a formação de processos mentais por meio dos conteúdos científicos precisam estar articuladas com as formas de conhecimento cotidiano vivenciadas pelos alunos, nas quais estão implicadas a diversidade social e cultural. A contribuição da teoria histórico-cultural à didática é sumamente relevante, indicando o vínculo explícito entre a didática e a lógica científica das disciplinas. Supõe uma relação indissolúvel entre o plano epistemológico (da ciência ensinada) e o plano didático, ou seja, o vínculo essencial entre conhecimento disciplinar e o conhecimento pedagógico-didático. Uma síntese das considerações acima pode ser expressa assim: a) A questão “campo do didático” se resolve, em primeira instância, pelo papel do ensino em criar as condições para assegurar a relação do aluno com um saber (mediação, compartilhamento de significados), levando a uma mudança qualitativa nas relações com esse saber (transformação das relações que o aluno mantém com os saberes); b) não há didática fora dos conteúdos e dos métodos de investigação que lhes correspondem (não há conteúdos fora dos métodos de acessar a esse conteúdo); c) não há didática fora da relação do aluno com o conteúdo (fora da transformação das relações do aluno com o conteúdo); d) Não há didática separada das práticas socioculturais e institucionais em que os alunos estão envolvidos. XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000041 3. Derivações para o campo investigativo e profissional Conforme mencionamos no início, a didática está no centro da formação profissional dos professores, na condição de que seja capaz de investigar, definir e viabilizar os saberes profissionais para a ação profissional. Sua ajuda aos professores depende da rigorosidade como disciplina e como campo investigativo. Somente assim pode ajudar profissionalmente aos professores, formulando marcos teóricos e conceituais e perspectivas metodológicas que os ajudem a compreender como assegurar a unidade do processo de ensino e aprendizagem e como atuar nas situações didáticas com competência. Apresento neste último tópico algumas derivações pontuais sobre pistas para o fortalecimento do conteúdo da didática como disciplina e como campo de investigação. Superação da fragmentação entre a atividade de ensino e a atividade de aprendizagem Trata-se de compreender a unidade entre o ensino e a aprendizagem; não são elementos nem idênticos nem separados. Pimenta escreve que o objeto de estudo da didática é o ensino em situação, “em que a aprendizagem é a intencionalidade almejada e na qual os sujeitos imediatamente envolvidos (professor e aluno) e suas ações (o trabalho com o conhecimento) são estudados nas suas determinações histórico-sociais” (1997, p. 63). A superação da fragmentação mencionada depende do reconhecimento do caráter social do ensino em que está presente a intencionalidade na orientação da atividade dos alunos, no sentido de auxiliá-los em sua aprendizagem por meio de conteúdos de tarefas de aprendizagem, como também de organização do ambiente social para a atividade de aprendizagem e para o desenvolvimento humano. Ao mesmo tempo, reconhece-se que a aprendizagem, enquanto relação do aluno com o processo de conhecimento, implicando especialmente um processo de mudança, de reorganização e enriquecimento do próprio aluno, na dependência de sua participação ativa nesse processo. Ou seja, à didática cabe assegurar a unidade entre o ensino e a aprendizagem, para o que precisa recorrer às dimensões sociológica, psicológica e epistemológica. A referência básica da didática é a relação com os saberes (conteúdos) em situações didáticas contextualizadas Penso que o campo da didática ganhará consistência ao reconhecer que não há didática se ela não estiver focada na relação com o conteúdo. O centro da atividade XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000042 escolar não é o conteúdo em si nem o aluno. Uma visão da didática baseada nos saberes a aprender se opõe a uma forte tradição escalonovista e de educação popular em nosso país, assim como a uma visão tradicional. Os conteúdos devem ser vistos como o conjunto de conhecimentos teóricos de uma disciplina, constituídos social e historicamente, produtos do desenvolvimento mental humano, considerados importantes para a formação geral dos alunos. Davydov escreve que “o ensino realiza seu papel principal no desenvolvimento mental, antes de tudo, por meio do conteúdodo conhecimento a ser assimilado” uma vez que, ainda segundo esse autor, os conteúdos são os meios para a formação dos processos mentais. Por isso dizemos que a didática ocupa-se dos processos de ensino e aprendizagem referentes ao ensino de conteúdos específicos, em situações socioculturais concretas. Inseparabilidade entre conteúdos e metodologias investigativas da ciência ensinada Dissemos anteriormente que a didática e as didáticas disciplinares unem dois planos: a lógica dos saberes (plano epistemológico) e a lógica da aprendizagem (plano psicológico). No primeiro, trata-se da natureza e da organização dos conteúdos a ensinar tendo como referência cada campo científico, ou seja, a gênese, estrutura e processos investigativos do conteúdo; no segundo, das formas de aprendizagem dos alunos em relação à aquisição e internalização desses conteúdos. A didática busca a unidade entre esses dois planos. Especificamente em relação ao primeiro plano, afirma-se que os métodos de ensino são derivados dos processos investigativos pelos quais se chega à constituição de um conteúdo. Isso quer dizer duas coisas: a) que os métodos de investigação de uma ciência estão atrelados ao seu conteúdo: b) que os métodos de ensino de uma ciência são inseparáveis dos métodos investigativos dessa ciência. O didata francês Philippe Meirieu (1998) descreve a mesma idéia de outra forma: “nenhum conteúdo existe fora do ato que permite pensá-lo, da mesma forma que nenhuma operação mental pode funcionar no vazio”. Ou seja, a formação de capacidades mentais supõe os conteúdos, pois essas capacidades estão já presentes nos processos investigativos e procedimentos lógicos da ciência ensinada. A noção de conteúdo, portanto, está associada diretamente à formação de capacidades mentais, no sentido de que o a mediação didática do professor consiste em traduzir os conteúdos de aprendizagem em procedimentos de pensamento. As práticas socioculturais e institucionais, onde estão inseridas a diversidade humana e as diferenças, devem integrar-se nas práticas pedagógico-didáticas XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000043 Não há dúvidas, numa perspectiva histórico-cultural, sobre a relevância das práticas socioculturais vivenciadas pelos alunos na atividade escolar. O mundo sociocultural integra o mundo pedagógico, pois as práticas socioculturais e institucionais que crianças e jovens compartilham na família, na comunidade e nas várias instâncias da vida cotidiana são, também, determinantes na formação de capacidades e habilidades, na apropriação do conhecimento e na identidade pessoal. Dessa forma, as práticas socioculturais aparecem na escola tanto como contexto da aprendizagem quanto como conteúdo, influenciando nas mudanças na aprendizagem e no desenvolvimento dos alunos. A integração entre práticas socioculturais e práticas pedagógicas significa um movimento de ida e volta entre os conceitos cotidianos trazidos pelos alunos e os conceitos científicos presentes na matéria (não importa aqui qual seja), de modo que professor, ao propor tarefas de aprendizagem aos alunos, faz integrar os conhecimentos científicos e as práticas socioculturais de que os alunos participam e vivenciam. Vai-se dos conceitos científicos à realidade concreta, e da realidade concreta do conhecimento local e cotidiano para os conceitos abstratos de um conteúdo. Investigação da investigação pedagógica: o que é ou deveria ser a pesquisa em pedagogia e didática Em que consiste a pesquisa propriamente pedagógica? O que é a pesquisa em didática? Minha hipótese é que no campo da didática e da formação de professores, os procedimentos de pesquisa sobre o ensino têm sido tomados de empréstimo à sociologia. Enquanto isso, as pesquisas sobre aprendizagem e sala de aula realizam-se, mais frequentemente, no campo da psicologia. Procurei argumentar ao longo deste texto que o didático está na confluência do epistemológico, do social e do psicológico. Tenho defendido que a pesquisa em educação, em quaisquer das ciências da educação, deve subordinar-se ao objeto da pedagogia que, a meu ver, são as ações e processos formativos propiciados pelas várias modalidades de educação. O conceito que expressa essa idéia de modo mais completo é o seguinte: a educação é uma prática social, materializada numa atuação efetiva na formação e desenvolvimento de seres humanos, em condições socioculturais e institucionais concretas, implicando práticas e procedimentos peculiares, visando mudanças qualitativas na aprendizagem escolar e na personalidade dos alunos. Desse modo, a especificidade do enfoque pedagógico- didático está nas formas pelas quais a educação e o ensino, como práticas sociais, XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000044 formam o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos indivíduos. O resultado social, pedagógico, cultural, da escola, expressa-se nas aprendizagens efetivamente consumadas. O campo disciplinar e investigativo da didática não pode esquivar-se dessa questão. Mudança radical no formato curricular da formação profissional de professores para a educação básica As considerações feitas neste trabalho indicam a inseparabilidade entre didática e didáticas disciplinares, didática e epistemologia da ciência ensinada, conhecimento pedagógico e conhecimento disciplinar, o que leva a duas exigências para o exercício profissional dos professores em termos de conhecimento do conteúdo e de conhecimento didático do conteúdo. As instituições formadoras no Brasil não têm conseguido superar a dissociação entre o conhecimento pedagógico e o conhecimento disciplinar. Essa separação tem características muito diferentes quando se analisa a concepção de formação e organização curricular do curso de pedagogia e dos cursos de licenciatura. No curso de pedagogia, que forma o professor polivalente, a separação conteúdo-forma é caracterizada pela predominância da forma (do "metodológico"), com pouca preocupação com o conteúdo que será ensinado às crianças. Nas licenciaturas, que forma o professor especialista em um conteúdo, são enfatizados os conteúdos em separado de sua metodologia de ensino; quando há formação pedagógica, ela é deslocada para o final do curso de bacharelado, sem nenhuma relação direta com as disciplinas do bacharelado. Em ambos os casos, verifica-se a dissociação entre aspectos inseparáveis na formação de professores, isto é, entre o conhecimento do conteúdo (conteúdo) e o conhecimento pedagógico do conteúdo (forma). Desse modo, cada um desses percursos formativos encontra o seu dilema. No curso de pedagogia põe-se assim: para entender o problema pedagógico da mediação entre o sujeito e o conhecimento, apenas a formação pedagógica não é suficiente. Esta é precisamente uma questão epistemológica. Nos cursos de licenciatura o dilema põe-se inversamente: para entender como se ensina um conteúdo para que os alunos de apropriem deles de modo significativo, somente o conhecimento do conteúdo é insuficiente. Esta é precisamente uma questão pedagógico-didática. Resulta disso que a formação de professores precisa buscar uma unidade do processo formativo. A meu ver essa unidade implica em reconhecer que a formação inicial e continuada de professores precisa estabelecer relações teóricas e práticas mais XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000045 sólidas entre a didática e a epistemologia das ciências,de modo a romper com a separação entre conhecimentos disciplinares e conhecimentos pedagógico-didáticos. Isso poderá ser assegurado se ambos esses percursos formativos considerarem: a) ênfase no estudo dos conteúdos que serão ensinados nas escolas da educação básica; b) privilegiamento no ensino da relação conteúdo/método; c) garantia na formação profissional da integração entre o conhecimento do conteúdo e o conhecimento didático do conteúdo. Referências AKKARI, Abdeljalil. Internacionalização das políticas educacionais: transformações e desafios. Petrópolis: Vozes, 2011. ANDRÉ, Marli E. D. A. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995. 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