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URGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS INTRODUÇAO Transtornos psíquicos respondem por cerca de 10% de todos os atendimentos de emergência em hospital geral ou serviços de pronto-socorro. Consequentemente, o diagnóstico destas condições irá evitar procedimentos terapêuticos inadequados e custosos. Duas situações chamam de imediato a atenção da equipe socorrista: as tentativas de suicídio e a agitação psicomotora; o suicídio será considerado à parte; as agitações psicomotoras podem ser secundárias a diversos transtornos que serão analisados posteriormente. Os transtornos psiquiátricos agudos podem se manifestar com sintomas produtivos – esquizofrenia paranóide – ou ser encobertos por condições clínicas – estupor em quadros depressivos. Assim, além das informações fornecidas pelo paciente, que podem estar truncadas em presença de confusão mental, é imprescindível complementá-las com relatos de familiares ou acompanhantes. A verificação de situação de emergência ocorrida anteriormente irá contribuir para o estabelecimento da hipótese diagnóstica e de um plano de tratamento adequado. Ao lado do suicídio, tentativas de automutilação são condições graves, exigindo pronta intervenção e, por vezes, o estabelecimento de medidas de terapia intensiva. SITUAÇÕES CLÍNICO-PSIQUÁTRICAS DE EMERGÊNCIA QUADROS PSICÓTICOS AGUDOS São situações de início abrupto que podem corresponder à primeira manifestação de transtorno esquizofrênico ou sua reagudização. Estados paranóides, com delírio persecutório agudo, também ocorrem, se bem que em menor número. Os outros transtornos psiquiátricos que podem chegar ao setor de emergência como situações psicóticas são: - transtornos psiquiátricos orgânicos – delirium, demências e síndromes amnésicas; - mania; - depressão agitada; - síndrome de abstinência ao álcool ou a outros depressores do sistema nervoso central; - abuso de substâncias psicoativas: anfetaminas, supressores do apetite, alucinógenos, cocaína; - ciúme patológico; - simulação. O paciente que chega à emergência necessita de uma avaliação pormenorizada de sinais e sintomas indicadores do quadro subjacente. Geralmente, o paciente não-comatoso oferece poucas informações, mas pode se comportar de forma impulsiva, com agitação ou retardo psicomotor, hiper ou hipoatividade, desorganizado e incoerente. O humor é lábil e incongruente, com delírios, ideias de auto-referência ou fuga de ideias. Os distúrbios de sensopercepção são variados, podendo ocorrer ilusões, alucinações e sentimentos de desrealização e/ou despersonalização. As poucas informações são reticentes e, por vezes, incoerentes, tornando o discurso difícil de ser seguido. O manuseio do paciente em unidades de emergência é bastante árduo, e pode fazer com que a equipe sofra a tentação de sedá-lo imediatamente, sem a correta avaliação da condição ou sem mesmo determinarem as causas que levam o paciente ao hospital. O médico, quando há mutismo ou negativismo, deve preferir uma abordagem segura, questionando as causas do comportamento exibido pelo paciente sem agredi-lo. Uma vez que o paciente se sinta respeitado e mais seguro e não simplesmente etiquetado de “psico”, “histérico” ou “pitiático”, poderá estabelecer um diálogo mais esclarecedor desde que o profissional se mantenha calmo e respeitoso face às expressões de irritabilidade ou interrupções. Em unidades de emergência, o diagnóstico diferencial entre agitação esquizofrênica e maníaca pode ser dificultado, pois o pensamento acelerado com conteúdo delirante e a queixa de insônia podem estar presentes nas duas situações. Normalmente, os maníacos experimentam uma inefável sensação de bem-estar, enquanto os esquizofrênicos se sentem atingidos por mal-estar vago e indefinido. Nos estados paranóides, o paciente não tem grande prejuízo de suas atividades cotidianas e a situação de emergência – delírios de perseguição – não afeta as funções intelectivas. Nas intoxicações por substâncias psicoativas ou pelo álcool, o diagnóstico diferencial é feito por exames laboratoriais que detectarão qual a substância causadora, facilitando o estabelecimento da terapêutica adequada. O ciúme patológico, levando a situação de auto e heteroagressividade, pode estar presente tanto em alcoolistas como em pacientes delirantes paranóides. Os casos de simulação grosseira são facilmente percebidos, mas quando o simulador “estuda” bem o seu papel pode haver necessidade de internação psiquiátrica para esclarecimento do diagnóstico. Nas situações de delirium, de curso rápido, uma atitude conservadora sem necessidade de intervenção dramática conduz à regressão dos sintomas. Na avaliação clínica, o sintoma mais proeminente é a obnubilação de consciência, acompanhada de ilusões e alucinações mal estruturadas que vão desaparecendo com medidas terapêuticas sintomáticas. Nas síndromes demenciais, a situação de emergência pode ocorrer em qualquer período de seu curso. Como os pacientes apresentam progressivo déficit cognitivo e os sintomas podem flutuar durante a evolução, os quadros de emergência, com heteroagressividade, ou tentativas de automutilação, podem assumir características dramáticas, exigindo imediata intervenção para sedar o paciente. Os quadros amnésicos ocorrem caracteristicamente com clareza de consciência, e os sintomas costumam desaparecer em pouco tempo sem deixar sequelas imediatas. TRANSTORNO DE ANSIEDADE A ansiedade aguda generalizada, os ataques de pânico, o transtorno de estresse pós- traumático e as fobias são as condições que mais desembocam em situações de emergências. No transtorno de ansiedade generalizada, a ansiedade patológica está quase cronicamente presente e pode apresentar exacerbações que levarão o paciente a exibir um quadro catastrófico, com diversas somatizações, perplexidade e desorientação, levando-o para uma unidade de emergência. De maneira geral, o paciente apresenta-se com necessidade de falar sobre seus padecimentos, e a escuta atenciosa é o primeiro passo para a recuperação - que pode ser complementada com o emprego de substâncias ansiolíticas. No ataque de pânico, a ansiedade patológica aparece subitamente, sem fatores desencadeadores bem determinados e acompanhada de sensação de morte iminente, taquicardia, sudorese, dificuldade de expansão torácica, extremidades frias e palidez. Este conjunto de sintomas pode conduzir o paciente para a emergência cardiológica, gastando tempo e exames complementares que em nada colaborarão para a resolução do quadro. A ansiedade aguda do transtorno de estresse pós-traumático só aparece quando o trauma é revivido, e pode demandar intervenção rápida por parte da equipe para evitar tentativas de autopunição ou de grande mobilização emocional. Quando o fóbico se vê face a face com os estímulos específicos ou com uma situação que julga dever evitar, pode ocorrer quadro de ansiedade intensa, levando-o até a unidade de emergência. DEPRESSÃO Na depressão, duas situações podem levar o paciente à emergência: o estupor melancólico e a agitação psicomotora da forma agitada de depressão. A primeira é de diagnóstico evidente e a segunda pode ser confundida com outras formas de agitação psicomotora. O deprimido pode, ainda, apresentar-se disfórico, o que pode gerar confusão na equipe de atendimento. A distimia, de evolução mais lenta, sintomas brandos e curso crônico raramente gera situações emergenciais. AGRESSIVIDADE E VIOLÊNCIA Pacientes agressivos e violentos são o problema mais mobilizador para a equipe de emergência. A agressividade tem como característica principal a impulsividade, que promove a ação de machucar ou prejudicar fisicamente outra pessoa, que, consequentemente, tenta se defender, gerando grande confusão. Apesar de responderem a impulsos,a agressividade e a violência apresentam algumas formas de identificação. A primeira delas é a ideação violenta, com o paciente relatando fantasias de agressão e mesmo de mutilações e assassinatos. Outras vezes podem ocorrer quadros delirantes, com vozes imperativas, dizendo ao paciente para matar especificamente esta ou aquela pessoa, como um familiar ou o médico-assistente. Do ponto de vista emocional, os pacientes podem exteriorizar que estão muito irritados, que podem perder o controle e dar vazão a seus impulsos destrutivos. Isso geralmente desemboca em comportamento violento, com o paciente agredindo familiares ou pessoas que lhe são próximas. Agressividade e violência podem ter origem em diversas situações e constituírem sintomas de diversas categorias clínicas. Assim, os diagnósticos mais comumente associados à possibilidade de comportamento agressivo e violento são: transtorno de personalidade antissocial, mania, esquizofrenia (catatônica e paranóide), transtornos de personalidade emocionalmente instáveis, transtornos delirantes paranóides, delirium, demência, transtorno obsessivo-compulsivo, intoxicações, aura epiléptica, abuso de substâncias psicoativas. Na avaliação da violência potencial, diversos outros fatores, além do diagnóstico, devem ser levados em conta: ocorrência prévia de agressividade, delinquência juvenil, agressões familiares, espancamentos frequentes e outros. Antes da crise de violência, o paciente apresenta inquietação motora, deambulação inconsequente, irritabilidade flutuante, voz rápida e estridente, incontinência verbal com palavras de baixo calão, envolvendo os órgãos e atos sexuais, e hipervigilância. O tratamento dos pacientes violentos e agressivos normalmente exige contenção física, que deve ser realizada por pessoal experiente e em número suficiente. SUICÍDIO O médico, psiquiatra ou não, defronta-se frequentemente com um dilema: como dialogar com pacientes suicidas? Ao contrário do constante no senso comum, pessoas que tentam se matar comunicam esta intenção e, geralmente, fazem-no a um médico. De 60% a75% dos pacientes que cometeram suicídio procuraram um médico um a seis meses antes de se auto- aniquilarem. A ideia de que “quem fala, não faz” não é verdadeira no que diz respeito às tentativas de suicídio. Outro mito sobre o suicídio diz respeito a que não se deva valorizar as tentativas canhestras e que seriam feitas apenas com intuito de atrair atenção do universo sócio- familiar; por serem atabalhoadas e potencialmente não-fatais, não devem ser desprezadas, precisam ser interpretadas como pedido de ajuda que necessita de atenção e entendimento. Tantas vezes se tenta, que um dia se é bem-sucedido. A postura de quem ouve a ideação ou o planejamento de tentativas de auto-aniquilação é de grande importância para o paciente controlar seus impulsos suicidas. O paciente precisa de um ouvinte profissional que possa compreendê-lo, orientá-lo e ajudá-lo. Reprimendas morais, apelos à responsabilidade, ameaças de condenação religiosa e críticas à “covardia” representada pelo ato suicida só servirão para convencer o paciente de que seu pleito de ajuda não foi entendido e esta incompreensão e intolerância reforçarão suas intenções, convencendo-o que sua morte é realmente a única solução. Dentro deste contexto, o suicídio deve ser entendido não como a atitude tomada ao acaso ou sem intencionalidade. Para muitos indivíduos, a auto-aniquilação pode ser encarada como única saída para situações críticas, sentimentos de desesperança e de desamparo, estresse intenso e insuportável, e o inexorável fechamento do leque de opções que se oferecem aos problemas existenciais. No Brasil, a ausência de dados estatísticos corretos se prende ao preconceito em relação ao ato suicida e às pressões religiosas. De qualquer modo, acredita-se que nossos números sejam mais próximos das taxas mais baixas. O suicídio vem tendo sua incidência aumentada na população infanto-juvenil de países pós-industrializados, aproximando-se dos 14 por 100 mil habitantes. As perdas familiares, as alterações ambientais – ambientes permanentemente estressores, excessivamente exigentes, violentos, permissivos, negligentes – influenciam para mais a ideação e o comportamento suicida na infância e na adolescência. O mesmo pode ser dito da tendência de adolescentes para copiar o comportamento suicida de seus ídolos e/ou pessoas famosas. Entretanto, os dados estatísticos referentes às tentativas de suicídio estimam que seus números sejam dez vezes mais elevados que os suicídios consumados. O que de melhor se conhece nesta área refere-se aos fatores associados com o ato suicida. Assim, homens cometem suicídio muito mais frequentemente que mulheres, mas estas fazem mais tentativas de suicídio. Indivíduos padecentes de transtornos de humor, esquizofrenia, dependência de drogas ou alcoolistas cometem tentativas e/ou suicídios em percentual muitíssimo mais elevado que aqueles não-acometidos de transtornos psiquiátricos. Na presença de transtorno psiquiátrico, o risco de suicídio é igual, tanto para homens quanto para mulheres. Outro dado importante é que, entre os pacientes psiquiátricos, aqueles mais assíduos frequentadores de serviços de emergência são os que apresentam maior risco de suicídio, incluindo-se aí os acometidos de ataques de pânico ou transtorno de personalidade antissocial. As taxas de suicídio aumentam (pari passu) com a idade, e a maior incidência é observada entre os 45-55 anos de idade. A partir dos 65 anos, as taxas globais aumentam drasticamente: o sucesso de tentativas é bem maior em idosos, apesar de o número de tentativas de suicídio ser menor. Estas estatísticas mostram que o número de idosos que se auto-aniquilam é três vezes maior que a incidência de suicídio em adultos jovens. Isto se deve à fragilidade da saúde física na terceira idade, seu isolamento e sua menor capacidade para criar expectativas. A atividade laborativa é outra variável de peso: quanto maior o número de estressores sociais vinculados à atividade profissional, maior o risco de suicídio. O sentimento de decadência que envolve a perda de status social pode contribuir para aumentar o comportamento suicida. Quanto maior o isolamento da pessoa, maior o risco de suicídio. A orientação religiosa é também fator de importância na determinação de comportamento suicida: católicos e espiritualistas tem taxas históricas e significativamente menores de suicídio que agnósticos, protestantes e judeus. Indivíduos que convivem em núcleo familiar estável também apresentam menor incidência de suicídio. As taxas de suicídio aumentam drasticamente entre indivíduos que já fizeram tentativas prévias e naqueles que tem história familiar de suicídio em seus ascendentes diretos. Nos deprimidos e entre sua ascendência direta, a história familiar evidencia a importância de fatores genéticos. As taxas de suicídio entre deprimidos se situam entre 180 (mulheres) e 400 (homens) por 100 mil habitantes. Estas taxas se reduzem muito quando ocorre sucesso da terapia antidepressiva, se situando entre 15 e 25 por 100 mil habitantes. Dado curioso é que a população deprimida tenta se matar mais frequentemente nos estágios iniciais da enfermidade. De maneira geral, pode-se afirmar que quando se alia a depressão aos outros fatores de risco, o potencial suicida aumenta geometricamente. O risco de suicídio em pacientes medicados com antidepressivos deve ter avaliação constante. Apesar de apenas 14% dos deprimidos que se suicidam o fazerem com doses tóxicas de antidepressivos que estejam utilizando regularmente, há uma preferência pela amitriptilina e, a seguir, os outros antidepressivos tricíclicos, que sem dúvida apresentam maior risco de efeitos colaterais cardiotóxicos. Uma vez quenão há fator preditivo confiável para o impulso suicida, o tratamento de seu risco é feito pelo ajuste das doses dos medicamentos que estão sendo utilizados e com a associação de doses eficazes de antidepressivos. Sempre que for detectado o risco de suicídio, o paciente deverá estar constantemente acompanhado e/ou vigiado, e sua rede de apoio social deve ser imediatamente acionada. Neste aspecto, os autores descrevem algumas variáveis indicadoras de comportamento suicida que podem orientar a postura do médico-assistente. A literatura traz como sendo um paciente pré-suicida: ódio de si mesmo, com sentimentos de culpa e autoacusação, agitação psicomotora com elevado grau de tensão, estreitamento da percepção e limitação das suas capacidades intelectivas que vão levá-lo à conclusão de que a situação existencial presentemente intolerável só pode ser resolvida com a auto aniquilação. A hospitalização pode ser indicada, apesar de um percentual razoável de pacientes cometerem suicídio dentro do ambiente hospitalar em ocasiões onde a vigilância é relaxada, de madrugada ou em horários de refeição ou de recreação. Quando existe ideia prevalente de suicídio ou na vigência de tentativa de suicídio, desde que as condições clínicas do paciente o permitam, deve se instituir a eletroconvulsoterapia (ECT), mantendo-se o tratamento medicamentoso já em vigor. A ECT é a intervenção terapêutica mais eficaz nestas condições e, geralmente, após 3 a 4 sessões o risco de suicídio é eliminado.
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