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LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Trovadorismo, Humanismo e Classicismo: as origens da Literatura em Língua Portuguesa232
diferentes formas de ver e entender o mundo. Embora não fossem ricos como os nobres, os burgueses não eram pobres como
os camponeses. Assim, foram cultivando uma confiança cada vez mais crescente em si próprios e nas oportunidades comerciais,
as quais representavam chances de mudança.
Em meados do século XV, Portugal iniciou as chamadas Grandes Navegações – ou Era dos Grandes Descobrimentos –,
as quais permitiram ampliar cada vez mais o espaço do comércio dentro do reino. Motivados por formas mais lucrativas
de negócios, aventureiros portugueses buscaram novas rotas marítimas que possibilitassem acesso mais direto às mer-
cadorias do Oriente. Após os primeiros resultados positivos, foi aumentando a certeza do valor do ser humano, o qual, a
partir daquele momento, passou a ser visto como força motriz do universo.
O Infante D. Henrique de Avis, um dos príncipes de Portugal, foi a mais importante figura do início das Grandes Navega-
ções, pois encabeçou a conquista de Ceuta, cidade localizada no Norte da África, na altura do Estreito de Gibraltar, e porto
comercial de grande destaque. A partir de Ceuta, Portugal empreendeu grandes disputas com os mouros de Marrocos
e, assim, caiu nas graças do Papa. Dessa maneira, não tardou para que as conquistas ultramarinas portuguesas fossem
vistas como empreendimento sagrado e para que os trâmites comerciais ganhassem o respaldo da fé cristã. Por essa
razão, a orientação humanista e antropocêntrica que a literatura portuguesa vinha ganhando não diminuía a importância
da religião católica no imaginário português; esta apenas ganhava nova roupagem.
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Fig. 5 Nuno Gonçalves, Painéis de São Vicente, c. 1470, óleo (?) e têmpera sobre madeira de carvalho, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, Portugal. É a primeira
grande obra da pintura portuguesa e retrata o encontro entre São Vicente (o patrono de Portugal) e o Infante D. Henrique (o navegador por excelência). Figuram na
imagem nobreza, clero e povo, e os traços realísticos demonstram o estilo humanista do pintor.
Poesia palaciana
No Humanismo, a poesia ganhou ares mais sofisticados; conhecida como poesia palaciana, era feita para ser declamada
nos saraus. Embora continuem sendo conhecidos também como cantigas, os poemas palacianos perdem o acompanha-
mento musical e ganham novas estruturas e figuras estilísticas. O Cancioneiro Geral (1516), com poemas compilados por
Garcia de Resende, traz cantigas desse segundo momento da literatura portuguesa, em que o amor ganha configurações
mais carnais e menos idealizadas e a própria relação amorosa é vista de forma mais complexa.
Nesse período, o galego e o português já se diferenciavam como duas línguas independentes; por isso, apesar da
grafia antiga, os poemas palacianos apresentam uma linguagem mais próxima do português moderno.
Observe, a seguir, uma cantiga de Duarte de Resende, referente a uma mulher a quem ele servia:
Outra cantigua
Nam poffo ter o que quero,
o que tenho nam queria,
ca nam no tendo teria
huũ bem de queu desefpero.
Nam tenho poder ẽ mym,
mas tem no em mym o defejo,
desefpero, poys nam vejo
o efeyto do feu fym.
Afsy tenho o que nam quero,
& nam tenho o que queria,
ca, ffe o teueffe, teria
efte bem, que nam efpero.
RESENDE, Duarte de. In: RESENDE, Garcia de.Cancioneiro geral. Coimbra: Imprensa daUniversidade de Coimbra, 1910. p. 164.
Na cantiga apresentada, é possível notar um maior investimento nos recursos de linguagem. Se o eu lírico ainda la-
menta a distância da mulher amada como nas cantigas de amor trovadorescas, os seus trocadilhos e as suas aliterações
conferem menos gravidade ao sofrimento amoroso. Desse modo, Duarte de Resende investe nos aspectos lúdicos da
poesia, explorando com mais propriedade os seus aspectos semânticos e sonoros. Ficam suavizados, assim, o servilismo
e o desespero em relação à musa.
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Fernão Lopes e a crônica histórica
Fig. 6 Nuno Gonçalves, detalhe dos Painéis de São Vicente, c. 1470, óleo (?) e têmpera sobre madeira de carvalho, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, Portugal.
Destaque dos Painéis de São Vicente em que se vê um possível retrato de Fernão Lopes.
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Além de ter sido o primeiro historiador de Portugal, Fernão
Lopes (c. 1378-c. 1459) foi o cronista que renovou o modo de
contar a história de seu país. Nomeado guarda-mor da Torre do
Tombo, ele era encarregado do arquivo do Estado e fazia o re-
gistro dos feitos, não somente do rei e dos nobres, mas também
da “arraia miúda” (o povo). O método documental de Fernão
Lopes não mostrava uma visão fragmentada da sociedade, em
que apenas os grandes figuravam. À medida que ele descrevia
as pequenas atividades cotidianas, fazia um retrato da vida de
seu país acompanhando todas as classes sociais. A partir
de suas narrativas, é possível entrever, no ponto de vista e nos
discursos das personagens, a força massiva da opinião pública.
O povo e o rei
Da bem-querença e amores que el-rei D. Fernando [nono
rei de Portugal] tomou em Lisboa com D. Leonor Teles [senhora
já casada com um fidalgo, João Lourenço da Cunha], como já
dissemos, foi logo fama por todo o Reino, afirmando que era
sua mulher, e que a tinha recebido a furto. E desprouve muito,
a todos os da terra, da maneira que El-rei nisto teve; e não sò-
mente aos grandes e fidalgos, que amavam seu serviço e honra,
mas ainda ao comum povo, que disto teve gram sentimento.
E não prestou razões que lhe sôbre isto falassem os de
seu conselho, dizendo que não era bem casar com tal mulher
como aquela, sendo mulher de seu vassalo, e deixar tais ca-
samentos de infantes filhas de reis, como achava, assim como
de el-rei d’Aragão e de el-rei de Castela, com tanta sua honra
e acrescentamento do Reino. E vendo que seu conselho não
aproveitava, cessavam de lhe falar mais nisto.
Os povos do Reino, arrazoando em tais novas, cada uns
em seus lugares, juntaram-se em magotes, como é usança,
culpando muito os privados de El-rei e os grandes da terra, que
lho consentiam; e que pois lho êles não diziam, como cumpria,
que era bem que se juntassem os povos, e que lho fôssem dizer.
E entre os que se principalmente disto trabalharam, foram
os da cidade de Lisboa, onde El-rei então estava; os quais,
falando nisto, foram tanto por seu feito em diante, que se fir-
maram todos em conselho de lho dizer, elegendo logo por
seu capitão, e propoedor por êles, um alfaiate que chamavam
Fernão Vasques, homem bem razoado e jeitoso para o dizer.
E juntaram-se um dia bem três mil, entre mesteirais de todos
mesteres, e bèsteiros, e homens de pé.
E todos, com armas, se foram aos paços onde El-rei pou-
sava, fazendo grande arruído em falando sôbre esta cousa.
El-rei, quando soube que aquelas gentes ali estavam, e a
razão por que vinham, mandou-os preguntar, por um seu pri-
vado, que era o que lhes prazia, e a que eram ali assim vindos.
E Fernão Vasques respondeu em nome de todos, dizendo [...]
[que] não tomasse mulher alheia, pois era cousa que lhe não
haviam de consentir. Nem êle não havia por que lhes ter isto
a mal, porque não queriam perder um tão bom rei como êle,
por uma má mulher que o tinha enfeitiçado... [...]
LOPES, Fernão; CAMPOS, Agostinho de (Org.). Crônicas de D. Pedro e
D. Fernando. Lisboa: Livrarias Aillaud & Bertrand, 1921.
p. 91-4. v. 1. (Antologia Portuguesa)
Observe que, no último trecho do excerto apresentado,
fica evidente a opinião pública da época, com uma visão es-
tereotipada da relação entre homens e mulheres: estas eram
culpadas por terem “enfeitiçado” seus amantes, enquanto
aqueles permaneciam descritos como heróis, mesmo que
um deles não tenha conseguido resistir aos seus “instintos”. É
importante refletirmos sobre essa visão, a fim de desconstruir
esse ponto de vista arcaico e preconceituoso.
não prestou razões: de nada valeram as razões.propoedor: proponente; o que havia de propor (expor) as razões do povo.
LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Trovadorismo, Humanismo e Classicismo: as origens da Literatura em Língua Portuguesa234
O teatro de Gil Vicente
Gil Vicente (c. 1465-c. 1536) é considerado o pai do teatro português. Embora esse tipo de arte fosse praticado durante
o Trovadorismo – desde o século I, era comum por toda a Península Ibérica a exibição de autos e farsas populares, princi-
palmente representações coletivas de episódios bíblicos –, foi Gil Vicente quem garantiu o estatuto literário do teatro em
Portugal. Por meio de narrativas tradicionais ajustadas à linguagem coloquial desse período, ele adequou a tradição dos
autos e das farsas medievais à nova mentalidade vigente na época, escrevendo e dirigindo peças que criticavam com
maestria todos os segmentos da sociedade.
Criada para comemorar o nascimento de D. João III, o futuro rei, a primeira peça de Gil Vicente, Auto da visitação, ou
Monólogo do vaqueiro (1502), inaugura um teatro popular, não religioso, em solo português. Com o tempo, suas peças
foram atingindo um público cada vez mais amplo entre os que tinham acesso à literatura, que, naquela época, só alcançava
uma pequeníssima parcela da população europeia.
O teatro vicentino criticava a superficialidade dos nobres e a corrupção do clero e dos magistrados, mas o seu ponto
de vista ainda era pautado pelos valores cristãos e pela confiança na Igreja como instituição. Em suas peças, muitas vezes
Gil Vicente criticava os indivíduos, e não necessariamente a instituição que eles representavam. Dessa forma, definimos
essas obras como uma literatura de transição, ainda não totalmente adepta aos preceitos renascentistas.
Didaticamente, o teatro vicentino é dividido em:
a. Autos: peças teatrais de temática religiosa, tratada de modo sério ou cômico, que tinham como objetivo um efeito
moralizante.
b. Farsas: peças cômicas curtas, de um ato só, com temas extraídos do cotidiano e que visavam à simples diversão.
Além disso, são características importantes do teatro vicentino: o texto metrificado e em versos, o que o aproximava
de um musical ao ser declamado pelos atores; as personagens-tipo, as quais destacavam elementos criticáveis no caráter
de determinada classe social; os diálogos irônicos, que eram carregados de duplo sentido e que, ao construírem a cum-
plicidade com o público, levavam-no ao riso; e as ideias humanistas, que surgiam como uma dissonância e apontavam os
novos valores da época.
Da ampla produção teatral de Gil Vicente, destacam-se obras como Auto da barca do inferno e Farsa de Inês Pereira.
Auto da barca do inferno
O Auto da barca do inferno (1517), obra mais conhecida de Gil Vicente, é uma complexa alegoria dramática que abre
a trilogia das barcas (seguida pelo Auto da barca do purgatório e encerrada com o Auto da barca da glória). Inicialmente,
o texto da peça circulou em folhetins – semelhantes à literatura de cordel nordestina – e, somente em 1562, foi compilado
em livro.
A história contada no Auto da barca do inferno resgata um elemento da mitologia grega – o mito de Caronte – e o
reveste com o universo cristão. Na mitologia grega, Caronte era o barqueiro encarregado de levar as almas humanas para
a vida após a morte –, e sua travessia passava pela divisa entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Na abertura do Auto
da barca do inferno, descreve-se um cais parecido com o do mito grego, mas nele há dois barcos e dois barqueiros: um
dos barcos é guiado por um anjo e tem por destino o Paraíso; e o outro é guiado por um arrais infernal e seu companheiro
e vai em direção ao Inferno.
Desse modo, surgem diferentes personagens-tipo – representantes de determinada classe social com seu linguajar
próprio cuidadosamente diferenciado –, os quais abordam os barqueiros e vão sendo encaminhadas à barca que lhes é
devida. São eles um fidalgo, um onzeneiro, um parvo, um sapateiro, um frade, uma alcoviteira, um judeu, um corregedor,
um procurador, um enforcado e quatro cavaleiros cruzados.
O título da obra decorre do fato de que a maioria dos candidatos embarcam para o Inferno, porém a peça é um
auto de moralidade que aborda o julgamento das almas. Por meio dessa obra, é possível não só vislumbrar a socieda-
de portuguesa das primeiras décadas do século XVI, mas também refletir sobre problemas sociais ainda presentes no
mundo contemporâneo.

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