Buscar

História - Livro 3-097-099

Prévia do material em texto

Em 1891, o papa Leão XIII, na encíclica Rerum Novarum,
reafirmou a validade da religião como instrumento para pro
mover a justiça social e apelou para o espírito cristão dos
capitalistas, advertindo-os de respeitarem a dignidade de
seus operários. Ao mesmo tempo, atacou duramente o socia
lismo marxista, especialmente a doutrina da luta de classes.
O movimento operário
O movimento operário é quase tão antigo quanto a
industrialização. Já pouco após o surgimento das primeiras
máquinas, as reações aos efeitos da entrada da indústria
na sociedade começavam a surgir Uma das respostas foi o
ludismo, que consistia em grupos de trabalhadores, não ne
cessariamente operários industriais, mas também artesãos,
conduzidos à miséria pela industrialização que percorriam
os vários condados ingleses quebrando as máquinas que
encontravam. Evidentemente, tratava-se de uma reação
ainda iniciante, externando um nível baixo de consciência
dos trabalhadores.
Fig. 5 Gravura mostra dois ludistas destruindo maquinário em uma fábrica.
W
ik
im
e
d
ia
 C
o
m
m
o
n
s
É só a partir do início do século XIX que o movimento
operário vai apresentar um salto no nível de organização e
consciência. As greves começaram a surgir com mais inten-
sidade, ao mesmo tempo em que o proletariado industrial
buscava formas eficientes de organização. Paralelamente
a isso, várias concepções teóricas buscavam dar aos tra-
balhadores uma base para sua luta.
Assim, tivemos já ao final dos anos 1820 o crescimento
de um amplo movimento reivindicatório na Inglaterra, que
gerou o chamado cartismo Suas origens remontam ao
ano 1819, quando uma ampla mobilização operária exigia
a concessão do voto universal. Em um primeiro momento,
a reivindicação contava com o apoio de setores médios
urbanos, camadas da população também excluídas da
participação política pelos critérios censitários da época.
A luta operária obrigou o Parlamento a aprovar uma reforma
que reduzia o censo eleitoral (a renda exigida para que o
cidadão tivesse direitos políticos) e ampliava o número de
deputados.
Entretanto, essa redução do censo pouco beneficia-
va os trabalhadores, que, continuando sua luta, fundaram
em 1836 a Associação dos Operários Em 1837, a entidade
elaborou a Carta ao Povo, contendo seis reivindicações
fundamentais: voto universal, equiparação na representati-
vidade dos vários distritos eleitorais, fim do critério de renda
para a definição de quaisquer direitos, eleições anuais para
o Parlamento, voto secreto e pagamento de salários aos
parlamentares eleitos
Fig. 6 Conflito em Londres durante movimento cartista.
C
o
rn
e
liu
s 
B
ro
w
n
/W
ik
ip
e
d
ia
Embora duramente reprimido, o cartismo foi respon-
sável por uma série de conquistas, como a lei de proteção
ao trabalho infantil, a reforma do Código Penal, a liberdade
de organização política e a regulamentação da jornada de
trabalho para 10 horas, obtida em 1847.
Paralelamente à luta do operariado inglês, várias outras
lutas desencadeavam-se em toda a Europa, notadamente
ao longo das décadas de 1830 e 1840. A própria Revolu-
ção de 1848 na França foi diretamente marcada pela ação
dos trabalhadores. No entanto, a derrota dos operários
franceses causou uma profunda frustração para os líderes
socialistas europeus Por outro lado, o ano 1848 assinalava
um dado importante: a tentativa de organização e unifica-
ção de várias correntes operárias, dando origem à Liga
dos Comunistas. Um aspecto relevante é que a fundação
da Liga assinala também um salto teórico no movimento.
Afinal, o Manifesto do Partido Comunista, documento que
tem a essência do pensamento marxista, foi redigido como
o programa da Liga.
Foi a partir de então que se passou a observar uma
organização mais intensa dos trabalhadores, tendo por
base o internacionalismo. Em 1864, em Londres, criou-se
a Primeira Internacional dos Trabalhadores para aliar
os esforços de todos os partidos socialistas, a fim de
organizar a tomada do poder pelo proletariado. Divisões
internas, especialmente entre anarquistas, socialistas
revolucionários e sindicalistas (muito fortes na Ingla-
terra e na Alemanha), marcaram a Internacional desde
o início O fracasso da Comuna de Paris (1871) acirrou o
conflito entre as correntes teóricas Em 1872, os anar
quistas foram expulsos da Internacional, que acabou
sendo dissolvida em 1876.
Encíclica: carta circular do papa abordando algum tema da doutrina
católica
F
R
E
N
T
E
 2
97
Em 1889, foi fundada uma nova associação, a Segunda
Internacional, fortemente influenciada pelo Partido Social
Democrata Alemão, o maior e mais bem organizado partido
socialista, cuja linha de pensamento incluía tendências re-
formistas. No início do século XX, as divergências entre
reformistas e revolucionários dividiram a Internacional, que
se desintegrou com a eclosão da Primeira Guerra (1914),
quando as massas operárias separaram-se entre seus res-
pectivos países.
Em 1919, em plena Revolução Bolchevique na Rússia,
formou se a Terceira Internacional, chamada de Internacio-
nal Comunista, ou Comintern, que agruparia e coordenaria
a ação dos futuros partidos comunistas dos diferentes paí
ses. Os socialistas reformistas fundaram, em 1923, a sua
própria Internacional, base dos demais partidos alinhados
com a mesma ideologia. A criação da Internacional Socia-
lista oficializou o rompimento definitivo entre reformistas e
revolucionários.
Mesmo desorganizado, em grande parte devido a con-
flitos internos, o movimento operário foi ao longo do século
XIX alargando o espaço de participação política do proleta-
riado e garantindo sucessivas melhoras em suas condições
de trabalho Como grande conquista política, podemos citar
o voto universal obtido na Inglaterra, em 1918.
G
ri
g
o
ry
 P
e
tr
o
v
ic
h
 G
o
ld
s
te
in
Fig 7 A Revolução Russa marcou o ponto mais alto da luta do proletariado pelo
poder Na imagem, Lênin discursando para soldados russos em 1920.
As revoluções de 1830 e 1848
Como vimos no estudo do Período Napoleônico, a rea
lidade europeia após 1815 foi marcada por uma trajetória
reacionária, determinada pelo Princípio da Legitimidade e o
processo de restauração instituídos pelo Congresso de Viena.
Entretanto, a ordem de 1815, que já fora contestada
desde a década de 1820 com revoluções liberais na Grécia,
em Portugal e na Espanha, bem como no movimento de
independência das colônias da América, sofreria um golpe
definitivo com a agitação que atingiu a Europa em 1830 e,
posteriormente, em 1848
Em alguns episódios, a burguesia não atingiu plenamen-
te seus objetivos e em outros o proletariado mostrou sua
força política, rivalizando com a burguesia. Mesmo assim, o
fundamental é que as agitações revolucionárias sepultaram
os ultrapassados ideais absolutistas e aristocráticos, impondo
afinal a hegemonia burguesa pela Europa, fincada nas ideias
do liberalismo. Essa série de acontecimentos também está
relacionada com o nacionalismo, que acabou completando a
unificação da Itália e da Alemanha. É interessante frisar que,
nos dois momentos, a Revolução teve a França como foco de
irradiação; dela, estendeu-se para os demais países europeus
A Revolução de 1830 na França
Com a queda de Napoleão, Luís XVIII de Bourbon assu-
miu o trono francês. Não podemos nos esquecer de que se
tratava de um momento muito particular na história francesa
e europeia. Ao mesmo tempo em que se verificava uma reto-
mada aristocrática, imposta pelo Congresso de Viena e pela
Santa Aliança, as conquistas da Revolução ainda eram uma
realidade nova e não poderiam ser sumariamente excluídas.
Dessa forma, Luís XVIII ainda tentou, na Carta Constitucional
outorgada por ele em 1815, conciliar os princípios aristocrá-
ticos com as conquistas básicas da Revolução de 1789. As
liberdades de pensamento, culto e imprensa foram garanti-
das; a igualdade jurídica e a inviolabilidade da propriedade
foram mantidas; e o poder executivo passou a ser partilhado
pelo rei e pelo legislativo, composto da Câmara dos Pares,
com membros nomeados pelo rei, em carátervitalício e he-
reditário, e da Câmara dos Deputados, cujos membros eram
eleitos segundo um critério censitário, que transformava em
eleitores menos de 100 mil franceses, dentro de uma popu-
lação de cerca de 30 milhões de habitantes.
Durante o governo de Luís XVIII, ainda foi minimamente
possível acomodar os interesses em conflito, os quais se
manifestavam em três correntes fundamentais: os ultrar-
realistas, liderados pelo conde de Artois, irmão do rei, que
buscavam recuperar os privilégios perdidos em 1789; os
liberais, que agrupavam republicanos e bonapartistas; por
fim, os constitucionalistas, centristas que pediam um res-
peito estrito à Carta Magna.
A morte de Luís XVIII agravou a tensão política. O conde
de Artois, herdeiro do trono, assumiu como Carlos X, tendo
ao seu lado os ultrarrealistas Seu governo foi marcado por
seguidos ataques às conquistas liberais e por leis altamente
reacionárias, como a indenização plena à nobreza pelos
bens confiscados durante a Revolução.
O crescimento da oposição ao rei ficou latente quando
as eleições legislativas de 1830 deram ampla maioria aos
liberais. Em reação a isso, Carlos X suprimiu a liberdade de
imprensa, alterou o censo eleitoral, dissolveu a Câmara dos
Deputados e convocou novas eleições
Por conta dessas medidas, em 27 de julho, a população
de Paris ergue barricadas, derrota as tropas reais e obriga
Carlos X a fugir, dando início às Jornadas Gloriosas.
Mais uma vez, manifestava-se aquilo que a historiogra-
fia costuma chamar de “jornada dos logrados”. Embora a
derrubada de Carlos X tenha sido um movimento essencial-
mente popular e republicano, foi a burguesia quem acabou
tomando a frente das decisões políticas, impondo a conti-
nuidade da Monarquia. A coroa foi oferecida a Luís Filipe
de Orléans, não por acaso apelidado de “o rei burguês”.
HISTÓRIA Capítulo 8 Ideias e movimentos sociais e políticos no século XIX98
Fig. 8 Pascal Gérard. Rei Carlos X em trajes de gala, 1825 Óleo sobre tela. Museu
do Prado, Espanha
F
ra
n
ç
o
is
 G
é
ra
rd
/W
ik
ip
e
d
ia
As repercussões na Europa
Embora parcialmente frustrada em seus objetivos mais
radicais, a Revolução de 1830 na França provocou uma
onda liberal que se alastrou por toda a Europa, abalando
sensivelmente a ordem estabelecida em 1815.
A Bélgica separou-se da Holanda, formando um Es-
tado independente. A Rússia precisou abafar uma revolta
nacionalista na Polônia.
Fig. 9 Gustave Wappers. Episódio dos dias de setembro, 1830, 1835. Museu de
Artes de Bruxelas. Representação da Revolução Belga.
E
g
id
e
 C
h
a
rl
e
s
 G
u
s
ta
v
e
 W
a
p
p
e
rs
/W
ik
ip
e
d
ia
No sul da Itália, os carbonários, revolucionários liberais
que formavam uma sociedade secreta, provocaram agita
ções que culminaram na imposição de uma Constituição
ao Reino das Duas Sicílias.
A Espanha e os estados alemães também foram palco
de agitações populares e de movimentos constitucionalistas.
A Revolução de 1848 na França
A alcunha de rei burguês dada a Luís Filipe não foi exa-
gerada. Seu governo privilegiou a burguesia, notadamente
os banqueiros, detentores do grande capital. Tal situação
agravou-se com a crise econômica que marcou a Europa
na década de 1840, acentuando não apenas a revolta dos
trabalhadores, mas também o descontentamento de seto-
res da burguesia industrial, cada vez mais endividada e à
mercê do setor financeiro beneficiado pelo governo.
Com isso, cresciam a oposição e as manifestações de
descontentamento com o regime. Os opositores do gover-
no, bonapartistas (que apoiavam Luís Bonaparte, sobrinho de
Napoleão), republicanos (radicais opositores da monarquia)
e socialistas (líderes do proletariado que se agitava, rebelan-
do-se desde 1834) uniram-se exigindo uma ampla reforma
eleitoral e parlamentar, com o fim do critério censitário.
O governo de Luís Filipe reagiu a tudo isso criando a
Guarda Nacional e com uma legislação cada vez mais re-
pressiva, proibindo todas as formas de reunião e organização
política, bem como cerceando a liberdade de imprensa.
A tensão cresceu na segunda metade da década Desde
1846, a Europa passava por uma fase de péssimas colhei-
tas seguidas, o que agravava a penúria da massa operária.
Ao mesmo tempo, havia uma crise de superprodução que
paralisou a produção industrial e provocou desemprego e
queda nos salários. Todos esses fatores contribuíram para o
aumento nos preços dos alimentos. Para que se tenha uma
ideia da situação de miséria dos trabalhadores, em 1847, en-
quanto o salário médio em Paris era de 30 francos mensais,
um pão de cerca de 400 gramas custava 3 francos
Uma das poucas formas de reunião não proibidas pela
legislação repressiva de Luís Filipe eram as festas. Assim, a
oposição começou a realizar festas públicas como forma de
encobrir suas reuniões políticas. Foi a chamada Campanha
dos Banquetes.
A revolta estourou em fevereiro de 1848, quando o mi-
nistro Guizot proibiu a realização de um desses banquetes
em Paris. Manifestantes enfrentaram as tropas, multidões
ocupavam as ruas da capital erguendo barricadas, a Guarda
Nacional aderiu à revolta e, sem apoio, Luís Filipe abdicou.
Republicanos e socialistas formaram um governo pro-
visório, proclamando a Segunda República Convocaram
uma Assembleia Constituinte, que foi eleita em 23 de abril,
pela primeira vez na Europa, por meio de sufrágio universal
masculino, direto e secreto.
Mais uma vez, entretanto, o golpe sobre os interesses
populares iria ocorrer. A Constituinte contava com maioria
burguesa e aristocrática. É importante lembrar que o movi-
mento operário era forte e organizado apenas em Paris e
praticamente inexistente nas províncias. Estas, pelos critérios
de voto distrital, acabavam tendo um peso desproporcional
no legislativo. Assim, a nova Constituição, além de ampliar
os impostos, aprovou mais uma vez o voto censitário
O proletariado revoltou se, tentando assumir o controle
do governo. Diante da situação de emergência, a Assem-
bleia delegou plenos poderes ao general Cavaignac, que
agiu com extrema violência e acabou apelidado de “o car-
niceiro”. A ordem pública foi restaurada, ao custo de 10 mil
revoltosos fuzilados e 15 mil deportados para as colônias.
F
R
E
N
T
E
 2
99

Continue navegando