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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT DEPARTAMENTO TÉCNICO-ESPECIALIZADO DIVISÃO DE CAPACITAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS APOSTILA ALFABETIZAÇÃO ATRAVÉS DO SISTEMA BRAILLE Elaboração: Professora Maria da Gloria de Souza Almeida Apostila atualizada em: 2010 Sumário 1. Inclusão e Cidadania. .................................................................................... 3 2. Educação e o Deficiente Visual. .................................................................... 6 3. A Família frente à Criança Cega: Como Entender esta Relação? ............ 14 4. Alfabetização: uma Reflexão Necessária. .................................................... 17 5. Fundamentos da Alfabetização: uma Construção sobre Quatro Pilares. 22 6. Princípios da Educação do Deficiente Visual. ............................................ 37 7. Prontidão para Alfabetização através do Sistema Braille. ........................ 40 8. Guia Teórico para a Alfabetização em Braille. .......................................... 53 9. Métodos de Ensino. ....................................................................................... 65 10. Noções de Fonética. ........................................................................................ 74 11. Cadernos de Pré-leitura para o Sistema Braille. ......................................... 79 12. A Cela Simulada. ............................................................................................ 88 13. A Literatura em Sala de Aula. ..................................................................... 95 14. Projeto de Literatura: Trabalho sobre o livro “O Circo da Aranha “..... 103 1. INCLUSÃO E CIDADANIA Maria da Gloria de Souza Almeida INTRODUÇÃO Uma sociedade inclusiva exige a formação dos cidadãos que compreendem seu verdadeiro papel na ordem vigente. Fala-se exaustivamente em cidadania, mas o que se vê na prática, é o uso dessa palavra circunscrita a um mero conceito subjetivo, um instrumento, muitas vezes, de manipulação política que não alcança o foco real: a afirmação do homem. A cidadania pressupõe um tratamento igualitário, atingindo a todos. É uma forma de abrir-se oportunidades iguais, mesmo para aqueles que parecem “diferentes”. A cidadania forja-se na consciência do eu, constrói-se nos deveres e valores herdados, fortifica-se no exercício de direitos conquistados, amplia-se na inserção do indivíduo no espaço social que lhe pertence. Um cidadão pleno é aquele que se reconhece como um ser inteiro, como um ser capaz, a despeito da possível “falha” ou “déficit” que carrega. A pessoa com deficiência, tanto quanto outros indivíduos, que integram grupos, vítimas da exclusão em vários níveis, não se pode deixar amesquinhar pela deficiência que o afeta, antes, precisa estar cônscio das suas possibilidades, precisa aprender a enfrenta obstáculos, precisa aceitar desafios, precisa entender e conviver com limites e impedimentos. A construção da cidadania enfeixa em si uma gama variada de questões complexas e estruturais. Banaliza-se o termo e esvazia-se o conceito. As ações, em sua maioria, tornam-se estéreis e, por essa razão, vemos que o discurso, sempre extremamente teórico, dissociado de uma realidade efetiva; vemos ainda a exclusão sob diversas formas sufocando os anseios de muitos e proibindo a ascensão de tantos outros. A educação é a via mais segura para que se possa garantir o crescimento global do ser humano. Educar é abrir caminhos, é apontar probabilidades, é fazer projetos, é trabalhar idéias, é respeitar o homem ante seu meio e às condições que o rodeiam. Como nos revela a raiz da palavra, educar é conduzir. Não entendamos conduzir dentro de um sentido arbitrário, mas como uma atitude de orientação e busca de situações favoráveis de aprendizagem. A atuação do professor nesse processo de desenvolvimento é de suma importância. A ação docente deve estar em consonância com a responsabilidade que lhe é conferida. Assim, faz-se imperativo o preparo desse profissional. A Educação Especial, através dos tempos, trabalhou sobre modelos onde o educando era percebido como um aprendiz condicionável cuja evolução era medida pelo volume de habilidades e comportamentos adquirido. As correntes comportamentalistas ganharam força e ditaram normas. Os valores intrínsecos, a bagagem sociocultural e a capacidade criativa desse indivíduo eram postas de lado, não tinham qualquer relevância. Tal postura pedagógica vem perdendo terreno ao longo das últimas décadas. É preciso ficarm0s atentos e revermos constantemente objetivos e estratégias educacionais. É necessário, portanto, que se reflita sobre o momento histórico por que passamos. A INCLUSÃO chega como uma reparação. Impõe-se como uma necessidade. Para que possamos lograr êxito nesse projeto humanístico, é imprescindível que a ESCOLA alargue seus horizontes para que sejam estabelecidos novos rumos. É uma questão polêmica e delicada. Estarão os professores aptos para encetar essa caminhada? Estarão os professores imbuídos desse desejo? Sabe-se que a educação brasileira vive graves problemas. O magistério debate-se no caos da desmotivação e fica a mercê do esvaziamento da profissão. O ensino da Rede Pública Regular espelha a falta de perspectivas. No âmbito da Educação Especial vê-se ainda uma carência bastante grande de profissionais realmente habilitados para atender a alunos com necessidades educativas especiais. Os cursos de formação de professores não suprem a diversificação desse tipo de atendimento. A procura pela Rede Regular de Ensino cresce, no entanto, o professor sente-se desconfortável diante de uma situação nova, diante de uma realidade infelizmente, um tanto desconhecida. É importante que se discuta a formação do profissional de ensino. Capacita-lo para o exercício do seu mister, deve ser obrigação de todas as esferas que estabelecem e implementam as políticas educacionais. É hora de mudar atitudes, é hora de rever postulados, é hora de fixar metas. O desenho da sociedade dos nossos dias, reflete um perfil altamente competitivo. O conhecimento acumula-se rápido e quase sem controle. O professor destes novos tempos, precisa estar instrumentalizado para cumprir sua tarefa: conduzir o educando na via do saber, levar o educando a construir sua identidade, incentivar o educando a interagir com o mundo que o cerca, faze o educando percebe-se útil e com autonomia para desenvolver suas potencialidades, trabalhar o educando a fim de sentir-se digno perante si mesmo e perante a vida. É um projeto ousado, entretanto, fundamental. A inclusão está diretamente ligada à aceitação do outro. Somente um professor que entenda em profundidade esta questão, poderá seguir em frente. A Educação Especial vem há muitos anos sendo mobilizada por diferentes linhas de ação: - NORMALIZAÇÃO – (maneira de encarar o deficiente dentro de um padrão de normalidade). A educação atua fazendo com que a criança adquirisse comportamentos vistos como normais, afetos a crianças videntes. - INTEGRAÇÃO – (maneira de encarar o deficiente já preparado para integrar-se à sociedade e à educação). - INCLUSÃO – (maneira de perceber a sociedade já pronta para receber o indivíduo com deficiência ). Agora a sociedade e a educação estão abetas para cumprirem o seu papel como veículos de cidadania. São três conceitos, três posicionamentos que cristalizam um único desejo: VER O HOMEM CRESCER ACREDITANDO EM SI MESMO, REALIZANDO SONHOS, BUSCANDO IDEAIS. Não se educa apenas com benevolência ou espírito altruísta. A educaçãoreclama competência, largueza de horizontes e agudo senso profissional. A qualidade do ensino é o alicerce firme no qual dever-se-á tentar qualquer processo educativo. Caso contrário, o que se espera é o fracasso. O professor tem de estar aberto ao novo, disponível para a discussão, consciente na vivência do seu ofício. CIDADANIA E INCLUSÃO: duas palavras, dois conceitos, um direito, jamais uma concessão. 2. EDUCAÇÃO E O DEFICIENTE VISUAL Maria da Gloria de Souza Almeida I – Introdução. A educação é o alicerce em que se fincam as bases da evolução humana. No decurso da História, desde seus primórdios, o homem necessita seguir princípios norteadores que lhe servem como suporte para a construção do seu crescimento e plena tomada de consciência. Nas diversas fases dessa trajetória histórica, percebe-se a complexidade e as múltiplas faces reveladas por esse processo de humanização. Os instintos primários, o sentido de auto-preservação, o sentimento de perpetuidade, mesclam-se; formam-se grupos e deles, ramificam-se inúmeros outros. Aglomeram-se seres, confrontando-se, sobrepondo-se, anulando-se, forjando a sobrevivência e a continuidade. Das experiências vividas, das diferenças ressaltadas, da supremacia física, da força criadora, da capacidade de adaptação, nasce no ser humano o dom de transmudar-se. Na escalada evolutiva a auto-conservação vai cedendo lugar, pouco a pouco, para a convivência (vivência compartilhada). Os seres integram-se, dividem espaços, aceitam aproximações, desenvolvem sentires, apreendem saberes, agregam valores. Despertam-se idéias, avolumam-se desejos, rompem-se barreiras, abre-se um veio de infindáveis possibilidades. O homem adquire pois, condições de pensar, de modificar situações, de criar novos paradigmas, de projetar sua imaginação na concretização de ações fomentadas por seus sonhos e necessidades. Dos aglomerados primitivos, emergem os grupos sociais, as comunidades, a grande sociedade. Com a aquisição e o desenvolvimento da linguagem, estabelece-se a comunicação. Os grupos ou comunidades passam a irmanar-se por interesses comuns, traços culturais afins que fortalecem relações, formulam conceitos e ampliam conquistas. A fala pode considerar-se como o elemento deflagrador da legítima ascensão intelectual da humanidade. O homem só cresce quando em contato com outro homem. O vínculo social firmado através da comunicação, une indivíduos, constrói pensamentos, incrementa discussões, diferencia juízos, alarga as fronteiras do conhecimento e aprimora o burilamento do espírito. A educação, desde os movimentos iniciais, tem por função precípua, a humanização do ser. Humanização no seu estágio mais profundo e delicado. Educar, não é tão somente ensinar. Buscando-se a raiz da palavra, provinda do latim educère, “conduzir”, compreende-se que o ato de educar merece uma ampla revisão. Revisão essa que os educadores precisam assumir como um compromisso de renovação de propósitos para a consecução de uma postura pedagógica compatível com a contemporaneidade e os anseios e demandas do homem desses primeiros anos do século vinte e um. Conduzir não é impor, ensina Paulo Freire: “Não há educação imposta, como não há amor imposto.” O processo educativo tem de apoiar-se nos pilares da formação e da transformação do homem. É um processo que só se fará representativo e verdadeiro, quando construído em perfeita harmonia entre educador e educando. A sociedade dos nossos dias apresenta-se extremamente competitiva. O avanço da tecnologia e a vertiginosa velocidade da informação tornam os valores voláteis e o conhecimento massificado e sem a consistência de uma análise profunda. A educação exige bom senso. O êxito escolar prende-se a formação do educador e a formulação das políticas que estruturam os sistemas educacionais. É preciso que a Escola se coadune com a modernidade, entretanto, é imprescindível que o conhecimento formal não seja relegado a planos secundários, é necessário que não sejam adotadas concepções descartáveis que negligenciam o ensino e negam ao educando a oportunidade de uma escolarização de qualidade, fato que irá impedi-lo de galgar patamares na sociedade e no mercado profissional. II – Deficiência Visual: Caracterização. O conceito de deficiência refere-se a qualquer perda ou anomalia da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica. Desses fatores, pode ocorrer uma limitação ou incapacidade do desempenho normal de uma determinada atividade. Tais fatores não dependem de faixa etária, sexo, condições sociais e meio cultural. A limitação ou incapacidade caracterizam uma “deficiência” em qualquer nível e sob qualquer manifestação. Reportando-nos a visão, uma doença ou trauma que atinjam a estrutura e o funcionamento do sistema visual, podem provocar no indivíduo a incapacidade de “ver” (deficiência total) ou de “ver com limitações” (deficiência parcial). Nos dois casos, havendo impedimentos ou limitações, o indivíduo se vê frente a problemas quanto à aquisição de conceitos, acesso direto à escrita e a leitura, desembaraço necessário a orientação e mobilidade independente, a interação social e ao controle do meio ambiente. Estudos na área revelam que, ocorrendo falhas na construção desses fatores, poderão acontecer significativos atrasos no desenvolvimento normal do indivíduo. A criança deficiente visual precisa contar com um conjunto de medidas que lhe dê possibilidades de desenvolver-se satisfatoriamente, segundo suas potencialidades reais. Dentre essas medidas, impõem-se: professores especializados, escolas aparelhadas, adaptações curriculares e materiais didáticos adicionais que apóiem os conteúdos das diferentes disciplinas que compõem o currículo escolar. Os alunos deficientes visuais não constituem um grupo homogêneo. A deficiência não determina, como muitos supõem, uma padronização no comportamento geral dessas pessoas. Em se tratando do processo de aprendizagem, é outro erro imaginar-se que todas as crianças com deficiência visual tenham as mesmas características. Essa visão distorcida cria mitos e aprofunda o conceito de generalização, no qual as diferenças individuais não são consideradas. Assim, é importante que o professor perceba esse grupo com toda a sua gama de possibilidades e diferenciações. As necessidades educacionais básicas são iguais para crianças deficientes visuais ou videntes. As pessoas com deficiência visual também apresentam grandes diferenças quanto ao aspecto das perdas da visão. São variações que se manifestam em diferentes graus da acuidade visual, que podem ir desde a ausência total da percepção de luz, até 03 “Snellen”, conforme detalhamento contido nas definições médica e educacional. No processo educativo de crianças cegas e de baixa visão, é preciso que se tenha conhecimento técnico-pedagógico de cada um dos grupos. Esse conhecimento propiciará a formulação de planos educacionais verdadeiramente ligados ao atendimento das peculiaridades e necessidades desses educandos. Nesse trabalho, o concurso da família ou responsáveis pela criança é de suma validade. O histórico da criança, suas características, reações, desempenho, etc, fornecem informações que devem ser acolhidas e analisadas. As expectativas dos familiares ante essa criança podem servir, da mesma forma, como índices reveladores do estágio evolutivo em que se encontra o educando e as linhas de ação pedagógica pelas quais ele deverá ser trabalhado durante as etapas do desenvolvimento de sua aprendizagem. Além dos efeitos da deficiência visual, que atingem diretamente o indivíduo,Lowenfeld e Ochaita alertam quanto a existência de algumas variáveis intervenientes que afetam o grau da perda visual. Pode-se apontar, dentre elas, algumas que foram destacadas por Scholl em 1982, são elas: - A idade em que se manifestou o problema visual; - Forma como se manifestou o problema; - Etiologia; - Tipo e grau de visão, quando há resíduo visual. - Idade em que se manifestou o problema visual: Uma criança afetada por cegueira congênita, precisa, fundamentalmente, dos sentidos da audição e do tato para adquirir conhecimentos e formar imagens mentais. Já uma criança que adquiriu a cegueira ou perda significativa da visão depois do nascimento, pode reter imagens visuais e ser capaz de estabelecer relação entre elas e as impressões recebidas através dos outros sentidos. Segundo Lowenfeld (1963), as crianças que perdem a visão antes dos cinco anos, não são capazes de reter qualquer imagem visual. Outro ponto relevante é verificar se a deficiência foi adquirida antes ou depois do período de alfabetização. Isto ocorre porque a criança, já alfabetizada, pode rejeitar ou mesmo sentir maiores dificuldades diante da necessidade de aprender o Sistema Braille. Tais informações são indispensáveis tanto visando os aspectos educacionais, bem como os aspectos psicológicos, uma vez que efeitos danosos podem verificar-se no aparecimento da deficiência e afetar gravemente o estágio de desenvolvimento em que se acha a criança. - Forma como se manifestou o problema: A criança ou o jovem de baixa visão, quando afetados por uma patologia progressiva, podem receber com menor trauma a perda total da visão. Todavia, aqueles que a perdem abruptamente, sofrem reações, via de regra, bastante fortes. A aceitação da deficiência torna-se mais difícil e compreender essa nova situação em que se encontram demanda mais tempo e requer maior apoio por parte de todos. Fica claro contudo, que em ambos os casos, acontecem problemas emocionais cujo ajustamento do equilíbrio interno não é fácil, e às vezes, transforma-se numa passagem longa e penosa. A experiência no trabalho com crianças, jovens ou adultos cuja perda da visão é recente, mostra que somente havendo aceitação da deficiência este trabalho poderá obter êxito. O indivíduo precisa convencer-se do seu novo estado físico e aprender a conviver com a deficiência, principalmente quando esta tiver um caráter definitivo. - Etiologia: Há certos tipos de patologias que necessitam cuidados especiais, como observação atenta e controle permanente. O glaucoma congênito, além de doloroso, em muitas ocasiões, interfere no comportamento da criança. O mal estar causa mudanças de humor, sonolência, uma certa irritabilidade, desconforto geral. Os cuidados especiais com algumas patologias ou problemas decorrentes dessas afecções que modificam a conduta da criança precisam ser do conhecimento do professor, para que ele possa ter a compreensão exata do comportamento do aluno e tenha condições de ajudá-lo. Vê-se, por exemplo, nos problemas provenientes de doenças sexualmente transmissíveis, interferências no comportamento entre os pais e entre esses e a própria criança. Outro aspecto freqüente que poderá interferir no grau de eficiência da visão, é o fator iluminação. Há patologias que requerem pouca incidência de luz, ao passo que outras exigem maior incidência de iluminação. É tarefa do professor observar e decidir, juntamente com o aluno, em que lugar deverá ele sentar-se na sala de aula. No que diz respeito à iluminação, é bom ressaltar que os problemas trazidos pela catarata, glaucoma, aniridia, seratocone e albinismo encontram melhor resposta em ambientes cuja intensidade de luz é menor. Em contrapartida, alguns problemas de refração, retinose pigmentar, atrofia óptica e degeneração macular precisam de maior intensidade de luz. Tal intensidade estimula as células da fóvea (componente do sistema visual). Esses estímulos melhoram a clareza e eficiência visual. No entanto, afirma Barraga (1971) que dois indivíduos acometidos pela mesma etiologia poderão ter variações em suas necessidades de iluminação: um poderá exigir mais luminosidade, o outro, precisará de menos luminosidade. - Tipo e grau de visão residual: O grau de baixa visão, acrescido do tipo de afecção existente, poderá ocasionar interferências no desempenho e aproveitamento do aluno, levando-se em conta o grande esforço que faz para enxergar longe de suas condições reais. São tentativas muitas vezes dolorosas que acarretam sérias frustrações. Acrescente- se ainda, que este aluno acaba por sofrer enorme tensão física e emocional. A necessidade da utilização de materiais impressos e tipos ampliados, o uso de recursos ópticos, às vezes, pouco estéticos, trazem dificuldades para esse indivíduo aceitar tal situação e tão grandes diferenças em relação aos demais colegas de classe. Constrangimento e inadequação ao contexto escolar, provocam o baixo rendimento educacional desse aluno. Alguns estudos demonstram que alunos com cegueira total, ajustam-se melhor à escola do que alunos de baixa visão. Este fato pode explicar-se através da dicotomia entre indivíduos videntes e cegos. O educando de baixa visão vive deslizando entre essas duas realidades. Outro ponto a ser considerado, é que os pais, como também os professores, acreditam no maior sucesso dessas pessoas por terem na visão, ainda que apresentando déficits, uma fonte mais rica de probabilidades positivas. É uma interpretação defeituosa e equivocada, pois não analisa as particularidades e características que cercam esta deficiência. Alerta-nos Zimmerman (1965). -Oportunidades de aprendizagem: Uma pessoa, principalmente uma criança privada da visão, sentido que propicia um volume extraordinário de informações e dados na construção do conhecimento, necessita do concurso dos demais sentidos a fim de que possa vivenciar experiências de aprendizagem no mundo concreto que a rodeia. Tais experiências precisam ser significativas para enriquecer o processo de aquisições que viabilizarão os meios de interpretação que serão responsáveis pela formulação dos conceitos básicos que estruturam o “saber” do homem. Norris e colaboradores realizaram um estudo com a duração de cinco anos, tendo como campo de pesquisa o conjunto de trezentas crianças da Educação Infantil; os pesquisadores concluíram que essas crianças precisavam, fundamentalmente, de oportunidades de aprendizagem e não, de meros trabalhos de estimulação. Entenderam assim, que a estimulação prendia-se a algo que se dá a criança como conhecimento prévio dos seus mecanismos de motivação, assim aquilo que lhe é apropriado pelo seu grau de desenvolvimento. Oportunidade para aprender implica “um clima emocional dentro do qual é dada à criança orientação e liberdade em proporções justas e relativas às suas necessidades como uma personalidade em desenvolvimento” (Norris Etal, 1957). De acordo com tais colocações, depreende-se como uma criança deficiente visual pode ser mal conduzida em seu processo evolutivo de aprendizagem, quando fica a mercê do despreparo, insegurança, superproteção e mesmo, rejeição das pessoas que com ela convivem. Um dos aspectos mais importantes trazidos pela falta de oportunidades de aprendizagem, é o desenvolvimento de comportamentos e atitudes indesejáveis e atípicas que foram denominadas como ceguismos ou anopcismos. Alguns cegos apresentam procedimentos dessa natureza, fato que marca negativamente sua presença. Ceguismos ou anopcismos mais freqüentes: a) Balançar o tronco para frente e para trás; b) Movimentar a cabeçapara os lados em movimentos circulares; c) Sacudir ou esfregar as mãos; d) Pressionar um, ambos os olhos, com as mãos ou com as pontas dos dedos; e) Estar sempre com a cabeça baixa. Essas atitudes ocorrem pela falta de atividades e interesses mais imediatos e compatíveis com seu grau de desenvolvimento. O indivíduo adquire estes comportamentos para descarregar em si mesmo as energias acumuladas. É uma forma, em última análise, de ele se auto-estimular. Eis a importância de uma educação de qualidade e especializada desde os primeiros dias de vida do bebê deficiente visual. A intervenção através de um bom programa de estimulação precoce favorecerá o melhor desempenho das etapas evolutivas dessa criança. III – Educação e Deficiência Visual O conhecimento humano forja-se na fusão de muitos elementos, saberes múltiplos que determinam a natureza do patrimônio adquirido. Aspectos de diferentes ordens agregam-se, fatores de diferentes esferas crescem em grau de importância; cruzam-se áreas, entrelaçam-se ciências: nasce a “consciência do saber”. O pensamento torna-se instrumento de transformação, ponto de apoio em cujo cerne repousa o poder criador, o senso estético, a formulação de conceitos, a fonte geradora do raciocínio lógico, a criticidade, como também o extravasamento da emoção. A educação enfeixa em si, a multiplicidade de um conjunto de enriquecimentos de largo espectro que trabalha sobre objetos materiais e imateriais. A cognição, a cultura, o desempenho corporal e a afetividade, mesclam-se promovendo a inteireza de um projeto educacional que conduz o homem à inserção na sociedade, fazendo dele um membro efetivo e responsável pelo papel social que lhe cabe frente ao grupo a que pertence. O processo educativo coloca educadores e educandos diante de um amplo campo de aquisições. É uma construção recíproca e multifacetada, uma etapa em que os desafios andam lado a lado com as descobertas e com a busca da autoconfiança. Aquele que se educa desvela segredos, soluciona enigmas, desvenda mistérios, conquista espaços. Aquele que educa rasga horizontes, proporciona oportunidades, desata nós, solta amarras. É uma fase de profundas mudanças e incontáveis ganhos, mas que impõe constante reflexão e aperfeiçoamento. Espera-se que este trabalho traga alguma contribuição aos educadores que irão atuar no atendimento à crianças e jovens deficientes visuais. É importante ressaltar a necessidade da adoção de uma linha pedagógica mais aberta, novos procedimentos didáticos e observância aos fundamentos essenciais que levam o educando a perceber com maior consciência e prazer a construção do conhecimento. Sabe-se, todavia, que o processo de aprendizagem de um educando deficiente visual requer procedimentos e recursos didáticos especializados. Para que seu crescimento educacional se efetive, verdadeiramente, faze-se necessário que lhe sejam oferecidas muitas oportunidades e experiências concretas. Isto aponta para o exercício de uma pedagogia que favoreça a multidescoberta, que busque o caminho da compreensão real, que incentive o uso pleno das potencialidades do aluno e não uma pedagogia envelhecida que trabalha com produtos prontos e resultados previamente previsíveis. O indivíduo deficiente visual precisa ser percebido como um ser inteiro, dono dos seus pensamentos e construtor, ainda que em condições particulares, do seu próprio conhecimento. Vê-lo como resultante de ações miraculosas de condicionamentos e treinos infindáveis, é uma distorção que urge ser banida do seio da Educação Especial. A relevância do aprofundamento dessa procura, liga-se à necessidade de inserir a educação de pessoas cegas e de baixa visão a discussões educacionais mais amplas. A educação de alunos deficientes não é “especial” em si mesma. Toda educação tem esse caráter, uma vez que promove a ascensão social, intelectual e humana do indivíduo, independentemente das condições físicas ou mentais que o afetam. A palavra “especial” como é utilizada, guarda um significado de exclusão que esvazia sua maior representatividade no contexto geral. A educação dos grupos de deficientes atende às especificidades de cada grupo. “Especiais”, pode se afirmar, são as técnicas, metodologias e recursos didático pedagógico. O assunto é polêmico, entretanto, necessita ser discutido. A Escola precisa dinamizar sua atuação. Os educadores precisam acreditar no seu ofício. O educando precisa ser levado a descobrir o seu verdadeiro papel no processo ensino aprendizagem. A educação como elemento transformador, precisa provocar a participação e a interação entre Escola, educadores e educandos. Desta forma, a validade dessa discussão prende-se ao fato de que é necessário compreender o processo de aprendizagem de um aluno deficiente visual: aprendendo passo a passo suas descobertas, promovendo seu desenvolvimento como um indivíduo capaz de crescer e realizar-se a despeito da deficiência que carrega. Novas concepções aparecem para que os educadores possam refletir. São princípios a serem analisados e não soluções apontadas, modelos experimentados ou aprovados sem restrições. Contudo, é preciso levantar tais questões e procurar uma nova conduta pedagógica que se compatibilize com a ordem vigente. A educação espelha a ideologia do seu tempo. Não é mais possível deixar-se uma criança ou jovem cego ou de baixa visão à margem de suas reais possibilidades, fora do seu momento histórico. Este aluno tem de tomar consciência de si mesmo e do alcance de suas probabilidades. Conclui-se pois, que a educação deve estribar-se no mais sério propósito existente: a ascensão do ser humano. Compreendendo este propósito, o educador entenderá o seu papel e buscará exercê-lo com competência e visão crítica. A ação educativa impõe constantes transformações e procura novas tentativas. Através dos tempos, desde épocas mais remotas, o homem luta para aprender. Aprender no sentido mais amplo da palavra, aquilo que passa pelo instinto de preservação que é “a sobrevivência”, e alcança seu ápice no refinamento mais elevado do espírito. O educador, ao conduzir o processo de aprendizagem de um educando cego, principalmente, deve estar cônscio de que uma pessoa não é mais ou menos capaz por ser cega. A cegueira não confere a ninguém nem atributos menores nem potencialidades compensatórias. Seu crescimento efetivo dependerá exclusivamente das oportunidades que lhe forem dadas, da maneira pela qual a sociedade a vê, da forma como ela própria se aceita. Penetrando-se mais profundamente na teoria da construção do conhecimento, compreende-se que só a educação fornecerá dados concretos para que se cumpra, em essência, o desenvolvimento intelectual do educando. 3. A FAMÍLIA FRENTE À CRIANÇA CEGA: COMO ENTENDER ESTA RELAÇÃO? Maria da Gloria de Souza Almeida Ao longo do processo da evolução humana, as relações interpessoais e sociais despertam interesse de estudiosos de diferentes campos do conhecimento. O homem é forjado a partir da conjugação de inúmeros fatores que o tornam um “elemento superior” frente à natureza e aos demais seres existentes. No decurso do tempo e da investigação científica, constata-se que a HUMANIDADE só se revela e sedimenta no contato social. As relações humanas convertem-se no marco inicial de grupos que têm de uma forma peculiar objetivos, necessidades e anseios parelhos. O homem é um ser gregário, assim, pessoas unem-se somando experiências, espelhando diferenças, repartindo possibilidades, construindo rumos, disseminando práticas, criando hábitos, armazenando saberes, buscando mudanças. A sociedade formou-se, desde as mais remotas épocas, tendo por fundamento pequenos núcleos, as famílias, que estabelecem regrascomportamentais e acumulam uma bagagem de valores éticos, morais, religiosos e mesmo materiais. Depreende-se, pois, que a família, como primeiro grupo social a que o indivíduo pertence, exerce um papel de cunho formador. Sua personalidade, os princípios estruturais do seu caráter, seu comportamento afetivo alicerçam-se nos modelos exibidos por seus pares e vivenciados por ele desde o nascimento. Neste início de milênio, onde a complexidade indica uma nova ordem vigente em todos os níveis, a sociedade adquire múltiplos perfis: paradigmas desgastam-se e rapidamente outros tomam a dianteira da história com a velocidade vertiginosa da tecnologia que invade as últimas décadas do século XX. A família reflete a mutação dos preceitos básicos que a regiam no passado. O desenho desta instituição altera-se de acordo com os valores intrínsecos dos membros que a compõem. Entretanto, não se pode prescindir dela. O homem nasce no regaço de um conjunto de pessoas que lhe transmite uma herança de vida, um legado cultural (não importa se pobre ou rico), um feixe de características próprias que o fazem um ser único no mundo. Eis a preponderante atuação desse grupo social na formação e no desenvolvimento do ser humano. Modifica-se a configuração da família (estrutura externa), porém, a essência mais pura transcende os limites de modismos impostos pela massificação de atitudes e de desejos. Toda criança necessita de apoio familiar. Quando nos deparamos então com as circunstâncias adversas que geralmente cercam uma criança deficiente visual, seja cega ou de baixa visão, verificamos que a ação da família junto a ela é de fundamental importância. Nas etapas evolutivas do homem, a qualidade do seu crescimento global, mede-se pelo volume de oportunidades e estímulos que lhe é oferecido.Neste caso, a desvantagem entre uma criança privada da visão, ainda que parcialmente, e outra vidente, faz-se clara e precisa ser encarada com realismo e coragem. A aquisição de capacidades e de conhecimento, na maioria das vezes, tão natural e previsível para uma criança que enxerga, transforma-se numa caminhada penosa para uma criança, quando totalmente cega. Os pais devem ser alertados para ficarem atentos à realidade que têm de enfrentar. A tomada dessa consciência é dura, no entanto, o problema existe e reclama uma solução. O nascimento de um bebê sempre suscita grandes expectativas. A gravidez guarda em si um símbolo de renovação; é um novo ente que se forma; é um ser que chega como um signo de recriação do ciclo de vida. Ao nascer uma criança que foge aos padrões estabelecidos como normais, o choque é inevitável. Os castelos antes sonhados desmoronam-se e erguem barreiras de inconformismo e de negação. Comiseração ou amor? Frustração ou esperança? Rejeição ou entendimento? Conformismo ou aceitação? Tais questões exigem uma análise lúcida e sem subterfúgios. No conflito desses sentimentos, firma-se o relacionamento entre a criança deficiente e a família. Aquele membro que chega ao grupo quebra a ordem natural das coisas. Como agir com ele? O que fazer com ele? Mesclam-se desespero e incertezas. Aquela criança escapa aos sonhos acalentados, à realização interna dos pais, à projeção mais íntima de suas fantasias, a um futuro imaginado promissor. Passado o primeiro impacto, a família sabe que aquela criança é responsabilidade sua e apesar do sofrimento, alguém precisa assumi-la tal qual é. Pais, avós, irmãos, tios, etc., formam o universo onde a criança vai desenvolver-se e construir sua identidade. Nos primeiros tempos é difícil o entendimento daquela situação inesperada. O que se pode observar, é que mesmo nas famílias em que a deficiência visual pode vir a ocorrer por uma questão de hereditariedade ou gravidez de risco, as reações, espantoso que seja, não são muito diferentes. Assim, faz-se imperativa a orientação segura e competente aos que estarão à frente da educação desta criança. A má condução e os equívocos desastrosos no período evolutivo de uma criança cega ou de baixa visão trarão danos muitas vezes irreversíveis a ela. Por isso, educadores, psicólogos, terapeutas de modo geral, escolas, precisam aparelhar-se para darem o suporte psicológico e técnico de que as famílias necessitam. É preciso que entendamos a problemática da família. Mostrar-lhe caminhos, saídas, possibilidades ficam a cargo dos profissionais envolvidos na problemática da criança deficiente. Quando família e educadores olharem uma criança deficiente, despindo-a pura e simplesmente da deficiência que carrega, percebendo-a como um ser em estágio de crescimento, incentivando-a a crer em si mesmo, impelindo-a a extinguir estigmas, impulsionando-a a procurar a alegria, encorajando-a a viver, poderemos reformular a visão que temos a seu respeito. Não devemos amesquinhar um ser por considerá-lo “diferente”. Não devemos apequenar um ser por julgá-lo “incapaz”. Não devemos ignorar um ser por imaginá-lo “menor”. Se substituirmos o preconceito pelo amor, a resignação pela força de luta, a frustração pela suplantação de limites, teremos cumprido nossa tarefa. A sociedade contemporânea é utilitária e altamente competitiva. Dentro deste contexto, educar uma criança deficiente demanda preparo e discernimento. Mais uma vez, pais e educadores deverão juntar-se para que possam trabalhar pelo surgimento de um indivíduo melhor, inteiro na potencialidade que tem, independente, cônscio do espaço que pode conquistar, fortalecido para lutar contra o descrédito, disposto a vencer desafios. Conclui-se, portanto, que a relação da família ante uma criança deficiente passa por várias crises e estados emocionais: perplexidade, dor, autopiedade, revolta, complexo de culpa, sensação de impotência. O amor mal direcionado simbolizado pela superproteção é tão danoso quanto o abandono refletido pela rejeição. Muitas vezes, os pais tentem compensar a deficiência sem se aperceberem de que deficiência não se compensa, enfrenta-se. Todavia, se houver ajuda, se alguém apontar um caminho, se houver capacidade de superação, a adversidade converter-se-á em sucesso. Pensemos criticamente sobre o assunto e reflitamos: A deficiência traz obstáculos e não impõe impedimentos irremediáveis. 4. ALFABETIZAÇÃO: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA Maria da Gloria de Souza Almeida Resumo A partir do construtivismo abordado nas pesquisas de Jean Piaget, surge a proposta de uma nova visão na construção do período de alfabetização da criança cega ou de baixa visão. A educação especial caracterizou-se, sempre, por oferecer um atendimento um tanto padronizado aos indivíduos que reclamavam atendimento a necessidades educativas especiais. Considerando-os todos como pessoas capazes de se desenvolverem através do concurso de teorias da aprendizagem comportamentalistas, fortaleceram-se os estigmas que rotulam cada deficiência. Sem sombra de dúvida, o período de alfabetização é aquele em que afloram os mais graves problemas verificados no correr do desenvolvimento mental da criança cega. Nessa fase, acionam-se esquemas interpretativos de fundamental importância; a ocorrência de falhas na construção das estruturas cognitivas durante as etapas evolutivas desse desenvolvimento trará ao alfabetizando graves dificuldades e irremediáveis fracassos. Sabe-se, todavia, que o processo de aprendizagem de uma criança portadora de deficiência visual requer procedimentos e recursos especializados. Para que seu crescimento global se efetive, verdadeiramente, faz-se necessário que lhe sejam oferecidas muitas oportunidades de experiências e inúmeras habilidades devem ser trabalhadas. Isto significa que uma criança cega não deve ser educada sob a orientação de vários meios e exercícios de condicionamento. Este enfoque,antigo e superado, deve ser mudado. A criança cega precisa ser percebida como um ser inteiro, dona dos seus pensamentos, e construtora, ainda que em condições peculiares, do seu próprio conhecimento. Vê-la como um produto de treinamentos milagrosos é uma distorção que exige uma revisão urgente. Em meio a diversas propostas educacionais, surge o construtivismo. Ao tentar compreendê-lo, buscam-se novos rumos para que se ampliem as probabilidades de sucesso na alfabetização de crianças cegas. A importância do aprofundamento dessa procura liga-se à necessidade de inserir a educação de pessoas portadoras de deficiência visual a discussões educacionais mais amplas. A educação em si, bem sabemos, não é “especial”. Especiais, pode-se afirmar, são os procedimentos e recursos didático-pedagógicos. O período de alfabetização suscita muito cuidado e impõe esmerado preparo aos professores. As dificuldades e os freqüentes fracassos dos educandos nessa fase escolar exigem uma mudança de atitude, e a tentativa na procura de outros caminhos. A escola precisa dinamizar sua atuação, os educadores precisam acreditar no seu ofício, a criança precisa ser levada a descobrir o seu verdadeiro papel no processo ensino- aprendizagem. A educação, como elemento transformador, precisa provocar a participação e a interação entre escola, educadores e educandos. Assim, a validade dessa discussão prende-se ao fato de que é necessário compreender o processo de aprendizagem de uma criança cega: apreendendo passo a passo suas descobertas, promovendo seu desenvolvimento como um indivíduo capaz de crescer e realizar-se a despeito da deficiência que carrega. Novas concepções aparecem para que os alfabetizadores possam refletir. São princípios a serem analisados e não soluções apontadas, modelos experimentados ou aprovados. No entanto, é preciso levantar tais questões e procurar uma nova pedagogia que atenda os anseios do homem nesse novo milênio. A educação espelha a ideologia de seu tempo. Não é mais possível deixar uma criança cega à margem do seu próprio crescimento, fora do momento histórico em que vive. Ela tem que tomar consciência de si mesma, de suas reais possibilidades. Como qualquer outra criança, deverá perceber que constrói seu conhecimento, interpreta e reinterpreta a realidade que a rodeia, e cria e recria as coisas do seu mundo infantil. O construtivismo vem como um novo caminho, uma fonte de análise para que os educadores repensem profundamente as práticas pedagógicas. É imprescindível examinar essas questões. Tendo em vista os grandes problemas verificados durante o processo de alfabetização de crianças cegas, é importante que os alfabetizadores revejam a relação com seus alunos, reflitam sobre suas metas de ensino, despertem para objetivos claros e bem definidos, a fim de que a ação educativa esteja, realmente, em consonância com as necessidades do educando. É um momento em que alfabetizandos e alfabetizadores se debatem em meio a múltiplas dúvidas e enormes tropeços. É um período de desafios e de descobertas imprevisíveis, tanto nos aspectos negativos quanto nos positivos. Por tais razões, é preciso que os professores que desejam dedicar-se a esse campo educacional tenham o preparo que se exige, para que os resultados obtidos sejam, na realidade, os mais proveitosos. A esses profissionais fica a tarefa de estudarem os três eixos principais onde seus trabalhos devem estar apoiados, conforme demonstrados no quadro abaixo: EIXO LINGÜÍSTICO – Quem alfabetiza transmite os fundamentos básicos que estruturam uma determinada língua. Por isso, alguns princípios lingüísticos precisam ser trabalhados com critério e competência. EIXO SOCIAL – Entende-se que a língua e a linguagem são dois instrumentos sociais. O homem fala e se comunica porque pertence a um determinado grupo social no qual se desenvolvem valores culturais específicos. A escrita é um objeto socialmente estabelecido e a análise a respeito do assunto deve merecer destaque. EIXO CONSTRUTIVISTA – O construtivismo deverá ser estudado, como não poderia deixar de ser, a partir das pesquisas de Jean Piaget. A aquisição do conhecimento, ao correr das etapas evolutivas da criança, deverá constituir-se no alicerce dessa nova postura pedagógica. Os aspectos cognitivos da criança cega precisarão ser vistos e cotejados com os da criança vidente. Fazendo-se o confronto entre o processo do desenvolvimento mental de crianças videntes e de crianças cegas, pode-se estabelecer um paralelo de como se processa a aprendizagem dos dois grupos. Finalmente, é de suma importância verificar a aplicação do construtivismo e fazer o estudo comparativo entre as possibilidades, e, principalmente, o volume de oportunidades de aprendizagem entre crianças videntes e cegas. À luz da lingüística, da sociologia, da epistemologia e da psicologia genética deve-se buscar a explicação do fenômeno “alfabetização”, ampliando sua abordagem. Mesclando todas essas correntes do conhecimento humano, aos educadores é oferecida uma gama variada de saberes e pensamentos. Aquilata-se assim, a complexidade que envolve a educação especial. Educar uma criança cega não é uma missão simples: é uma opção profissional imposta por uma grande vocação e deve estar baseada na consciência da responsabilidade de alguém que precisa investir no seu próprio trabalho, para que essa escola se transforme num desempenho digno que infunda respeito e credibilidade. É preciso refletir: o que é alfabetizar? Por que essa etapa, dentro do processo educacional, externaliza as mais profundas preocupações de educadores, psicólogos, cientistas sociais? Como envolver crianças, jovens e adultos nessa conquista? Tais perguntas poderiam juntar-se a outras mais, que, no entanto, convergiriam para um único ponto: o indivíduo. Fala-se de cidadania, justiça social, de liberdade e de democracia. Inscrevem-se nestas palavras conceitos concretos, ainda que complexos, que deverão ser os pilares onde a educação, em todos os níveis, necessita apoiar-se. Faz-se necessário estudar a problemática da alfabetização sob a inspiração dessas quatro vertentes. De forma contrária, a tarefa esvazia-se de conteúdos significativos, forja discussões inócuas, incrementa idéias distorcidas, gera uma visão superficial de assuntos tão relevantes. A alfabetização passa pelo aprofundamento de vários fatores que inserem o homem no “mundo das letras”. Alfabetizado não é só aquele que reconhece sinais gráficos, aprende fonemas, mecaniza procedimentos de leitura e de escrita. Os alfabetizadores necessitam preparar-se e estar atentos à responsabilidade que lhes cabe. Alfabetizar é rasgar horizontes, abrir atalhos, apontar saídas, descobrir soluções, criar situações concretas e propor desafios. É fazer o educando trilhar o caminho do conhecimento formal, e levá-lo a apreender “o saber consciente”. Não se trata de uma mera linguagem metafórica, em cujo cerne repousam comparações de efeito literário: essas palavras guardam a justeza do exercício de uma verdade irrefutável. O vislumbre de novas possibilidades provém da consciência; é essa consciência que deveria perpassar todas as coisas, que precisaria estar viva e clara na proposta de trabalho do professor alfabetizador. O fracasso escolar levanta questionamentos importantes e, então, aparecem inúmeros fatores que procuram explicar tal fato. A abordagem desse problema é larga e pede diferentes instrumentos de interpretação. Dessa forma, a falência da educação revela-se em muitas frentes. O despreparo dos professores, a repetência e a evasão escolar apontam para uma realidade insustentável: desqualifica-se o ensino e amesquinha-se o homem. É preciso ver o processo educacionalcomo resultante da conjugação de ações recíprocas. Assim, o educando deixará de ser o dono das culpas absolutas, e o aprendiz um incapaz, detentor de todas as deficiências. É hora de investir num novo rumo, numa outra postura ante a educação. O período da alfabetização é responsável pelo insucesso de educandos e educadores. Essa barreira existe e tem de ser transposta. O estudo de uma nova conduta filosófica, de uma nova diretriz educacional nesse campo, poderá servir de suporte para a implantação de uma outra linha pedagógica que favoreça o alfabetizando, fazendo-o sujeito e não objeto de sua aprendizagem, de forma a integrar-se em sua comunidade cultural, descobrindo o mundo que o cerca, decodificando os muitos contextos existentes, enfim, tornando-se um ser possuidor de senso crítico. É necessário promover o debate e acionar os mecanismos mobilizadores de uma ação participativa, criando instrumentos e fomentando recursos que ergam uma escola capaz de trabalhar o educando como um todo, pesquisando suas potencialidades e respeitando suas diferenças. A educação especial não pode afastar-se dessa nova visão, visto que as pessoas deficientes visuais precisam compartilhar, como quaisquer outras, da construção do seu saber. Para tanto, devem ser criados ambientes educacionais ricos de estímulos e experiências, onde se promovam situações renovadas de aprendizagem. Constantes mudanças devem ser provocadas, propiciando atitudes criativas, estimulando atividades que favoreçam o desenvolvimento global de educandos cegos. A educação deve estribar-se no mais sério propósito existente: a ascensão do ser humano. Compreendendo este propósito, o educador atenderá o seu papel e buscará exercê-lo com competência e visão crítica. A ação educativa impõe constantes transformações e procura novas tentativas. Através dos tempos, desde épocas mais remotas, o homem luta para aprender. Aprender no sentido mais amplo da palavra, o que passa pelo instinto de preservação (a sobrevivência), e alcança seu ápice no refinamento mais elevado do espírito. Quando se fala em educação especial pensa-se logo em alunos “especiais”. Como se poderia entender o vocábulo “especiais”? Pessoas difíceis? Crianças problemáticas? Aprendizagem diferente? Aquele que pretende ingressar nesse campo de ensino precisará saber que uma criança cega é um ser que se desenvolve, que constrói, que aprende. Entretanto, ela apresenta necessidades específicas que reclamam um atendimento especializado e basicamente dirigido a essas especificidades. Uma criança não é mais ou menos capaz por ser cega. A cegueira não confere a ninguém nem qualidades menores nem potencialidades compensatórias. Seu crescimento efetivo dependerá exclusivamente das oportunidades que lhe forem dadas, da forma pela qual a sociedade a vê, da maneira como ela própria se aceita. É de fundamental importância que o professor não veja nesta criança um aprendiz de segunda categoria, um educando treinável, cujo adestramento de certas áreas promoverá um desempenho educacional satisfatório. Penetrando-se, mais profundamente, na teoria da construção do conhecimento de Jean Piaget, compreende-se que só a educação construtivista fornecerá dados concretos para que se cumpra, em essência, o desenvolvimento intelectual de uma criança cega. Interagindo com os objetos, com o meio físico e com as pessoas, essa criança terá o seu crescimento mais facilitado e mais firme. Tomando-se as idéias construtivistas aplicadas à educação, diríamos, num primeiro momento, ser de todo impossível alfabetizar uma criança cega dentro de tais moldes. De maneira inversa a da criança vidente que incorpora, assistematicamente, hábitos de escrita e de leitura desde muito cedo, a criança cega demora muito tempo a entrar no universo do “ler e do escrever”. O Sistema Braille não faz parte do dia-a-dia, como um objeto socialmente estabelecido. Somente os cegos se utilizam dele. As descobertas das propriedades e funções da escrita tornam-se impraticáveis para ela. As crianças cegas só tomam contato com a escrita e com a leitura no período escolar. Esse impedimento, sabe-se, pode trazer prejuízos e atrasos no processo da alfabetização. É a hora de educação fazer-se mais forte e cumprir com seus reais objetivos: abrindo frentes de conhecimento, suprindo lacunas, minimizando carências. Os professores que seguem a linha construtivista consideram até certo ponto desnecessários exercícios prévios, que preparam o educando para ingressar no processo da alfabetização propriamente dito. Eles não acreditam na chamada “prontidão para a alfabetização” O que deve ficar claro, entretanto, é que no caso da educação de crianças cegas esse procedimento não pode ser adotado. Como já foi mencionado, o desenvolvimento global de uma criança cega requer técnicas e recursos especializados. Dentro do processo educacional de crianças cegas, é importante que sua evolução seja acompanhada de forma precisa e venha a propiciar realmente uma evolução fazendo-a adquirir um grau mais alto de eficiência. Por isso, nessa fase, dá-se grande ênfase ao desenvolvimento de um conjunto de habilidades que são pré-requisitos para a leitura e a escrita do Sistema Braille. Capacitar uma criança não é condicioná-la, transformando-a num ser automatizado, com respostas previsíveis e resultados esperados. A capacitação ressaltada nasce da independência do perfeito domínio de si mesmo. Quando se fala na importância de desenvolver capacidades básicas, fala-se da finalidade máxima da educação especial: dar ao indivíduo portador de qualquer deficiência as condições essenciais para torná-lo um ser harmônico, uma pessoa plena, um homem com consciência de si mesmo. Esses pré-requisitos são trabalhados a partir das dificuldades geradas pela própria cegueira. Assim, ao acionarem-se mecanismos capazes de mobilizar estruturas internas, pode-se: ampliar movimentos corporais, fortalecer músculos, refinar percepções, estimular memória e amadurecer condutas. Para o alfabetizador conquistar êxito em sua tarefa é fundamental que seu trabalho se revista de inúmeros aspectos: conteúdos bem definidos, métodos e técnicas adequados, material didático apropriado, enriquecimento de informações reais, liberdade de criação e de expressão. Não há uma receita pronta e infalível para educar esta ou aquela criança. O alfabetizador tem de conhecer o educando que tem diante de si e sobre o qual recai sua atenção pedagógica. No preparo e na coerência da prática docente pode-se encontrar solução para grandes problemas. 5. FUNDAMENTOS DA ALFABETIZAÇÃO: UMA CONSTRUÇÃO SOBRE QUATRO PILARES Maria da Glória de Souza Almeida RESUMO O presente trabalho tenta mostrar a importância do processo de alfabetização na caminhada educacional de uma criança cega. A abordagem do tema tem como centro de análise a construção do conhecimento a partir do desenvolvimento e da conjugação de aspectos que determinarão a qualidade da aquisição da escrita e da leitura e o respectivo desempenho do alfabetizando. ABSTRACT The aim of this paper is to show the importance of teaching the reading process for the education of a blind child. This study focuses the constructing knowledge through development of aspects which determines the quality of reading and writing. INTRODUÇÃO O conhecimento humano forja-se na fusão de muitos elementos, saberes múltiplos que determinam a natureza do patrimônio adquirido. Aspectos de diferentes ordens agregam-se, fatores de diferentes esferas crescem em grau de importância, cruzam-se áreas, entrelaçam-se ciências; nasce a “consciência do saber”. O pensamentotorna-se instrumento de transformação, ponto de apoio em cujo cerne repousa o poder criador, o senso estético, a formulação de conceitos, a fonte geradora do raciocínio lógico, como também extravasamento da emoção. A educação enfeixa em si a multiplicidade de um conjunto de enriquecimento de largo espectro, que trabalha sobre objetos materiais e imateriais. A cognição, a cultura, o desempenho corporal e a afetividade mesclam-se, promovendo a inteireza de um projeto educacional que conduz o homem à inserção na sociedade, fazendo dele um membro efetivo e responsável pelo papel social que lhe cabe dentro do grupo a que pertence. O processo de alfabetização coloca educadores e educandos diante de um amplo campo de aquisições. É uma construção multifacetada, uma etapa onde os desafios andam lado a lado com as descobertas e com a busca da autoconfiança. Aquele que se alfabetiza desvela segredos, soluciona enigmas, desvenda mistérios, conquista espaços. Aquele que alfabetiza rasga horizontes, oferece oportunidades, desata nós, solta amarras. É uma fase de profundas mudanças, de incontáveis ganhos, mas que impõe constante reflexão e aprimoramento. Esperamos que este trabalho traga alguma contribuição aos alfabetizadores que pretendem atuar no atendimento a crianças cegas. Ao longo do seu desenvolvimento, discutiremos a necessidade da adoção de uma linha pedagógica mais aberta, novos procedimentos didáticos e os fundamentos essenciais que levam o alfabetizando a perceber com maior consciência e prazer a construção da escrita e da leitura, aquisições primordiais para ser ingresso no processo educativo dentro de padrões mais rígidos. O período da alfabetização finca as bases da aprendizagem. A relevância que lhe devemos conferir é ilimitada. Lembremo-nos de que, no decurso desse processo, desenvolve-se um indivíduo. Faz-se imperativo, portanto, trabalhar para que se integrem satisfatoriamente os vários compartimentos que compõem esse ser em estágio de crescimento humano e intelectual. AS DIFERENTES FACETAS DA ALFABETIZAÇÃO É importante que os professores alfabetizadores tenham uma formação diversificada e sólida para que possam compreender em profundidade os mecanismos intrínsecos e extrínsecos do processo de alfabetização. Dentro da vida escolar, é inquestionável ser esse período aquele que suscita maiores dúvidas e pede cuidados especiais. O alfabetizando é o indivíduo no “estado bruto”. Através de muitos estudos e de diversos enfoques, sabe-se que, ao chegar à escola, a criança já traz consigo um considerável conjunto de saberes. Entretanto, essa bagagem de conhecimento armazenou- se sem um direcionamento verdadeiramente educacional. A aprendizagem, nesse caso, ocorreu empiricamente, sem haver o rigor de qualquer sistematização. Levando-se tal fato em conta, é preciso que o professor descubra na criança suas reais potencialidades, respeite sua cultura de origem e compartilhe com ela o acervo que lhe pertence e que foi acumulado desde o nascimento. Esse procedimento integra, efetivamente, o alfabetizando ao processo educativo. É uma tarefa de fôlego e que reclama uma permanente atitude de vigilância. Compreende-se então que, para lograr êxito, o alfabetizador necessita perceber uma permanente atitude de vigilância. É preciso formar melhor os professores, é preciso mostrar-lhes a importância de um bom embasamento profissional a fim de que seu desempenho junto ao aluno seja realmente satisfatório. Quando se alfabetiza, transmitem-se os fundamentos que estruturam uma determinada língua. Desse foco de análise, a estrutura lingüística, ramificam-se algumas variáveis como o ambiente social, a herança cultural, os registros locais da fala, fatores de ordem física e até emocionais, que ajudam a compreender a intrincada aquisição da faculdade de ler e escrever. A educação, como via de desenvolvimento e superação de obstáculos, determina ações conscientes e planejadas no sentido de que o processo educativo ganhe corpo e exerça funções bem definidas. Quando se educa, firmam-se compromissos, responsabilidades são assumidas. Entende-se assim, que o professor não deve ser um mero repassador de informações, um simples repetidor de modelos já experimentados e de conteúdos diversos e, muito menos, uma presa ingênua de modismos educacionais estéreis. Seu papel é muito mais relevante. De sua atuação, exige-se desenvoltura, de sua prática pedagógica, impõe-se uma compreensão exata e profunda do ofício que exerce. Na caminhada educacional de uma criança cega, podem ocorrer inúmeras dificuldades que, se não forem sanadas a tempo, hão de trazer-lhe graves prejuízos e, às vezes, irrecuperáveis danos. As pesquisas demonstram, a partir dos estudos de Jean Piaget (1971), que a função cognitiva de crianças portadoras de deficiência visual desenvolve-se bem mais lentamente, comparando-se com o desenvolvimento de crianças videntes. Assim, é normal observar-se alguma falha do desenvolvimento entre os aspectos operacional e simbólico do seu pensamento. Isto traz, como conseqüência mais séria, a dificuldade na formulação de conceitos. As pesquisas enfatizam a necessidade de as crianças cegas terem experiências físicas e diretas com os objetos reais e interagirem verbalmente com adultos e também com crianças, membros do seu próprio grupo para aprenderem sobre o “mundo” que as rodeia. A obra de Piaget oferece à educação especial uma base de referência para o entendimento das manifestações comportamentais e do funcionamento cognitivo. Tais estudos a respeito do desempenho do pensamento ajudam a compreender o potencial intelectual de crianças cegas e a analisar as estruturas e os processos do pensamento pré- operacional e operacional. Afirma Lowenfeld (1977): “Uma operação é definida como uma ação capaz de ocorrer internamente, e da qual, segundo Piaget, a característica essencial é a reversibilidade”. (pág. 302) Isto serve de dado para que se possa diferenciar mais facilmente entre o potencial intelectual e certas deficiências na imagem mental simbólica. Estudos nesse campo parecem indicar que crianças cegas sofrem um atraso no seu desenvolvimento, isto é, há uma comprovada lentidão no desenvolvimento através dos diferentes estágios evolutivos. Dessa forma, pode abrir-se uma lacuna de desenvolvimento entre o aspecto operativo e figurativo do pensamento. O conhecimento dos atrasos, das falhas cognitivas e das dificuldades de formar conceitos simbólicos leva os professores a compreenderem como se dá o processo de aprendizagem da maioria das crianças cegas e as dificuldades que nele se verificam. Conhecer as necessidades desse educando é a base do trabalho na sala de aula. Compreender as condições de aprendizagem desse educando é o ponto de partida para que a ação pedagógica se faça dentro de uma visão mais crítica e conseqüente. Promover o crescimento global desse educando é a luta pela consecução de um objetivo humanístico, a realização de um projeto de cidadania que visa à construção de um indivíduo inteiro e capaz de suplantar limites e de enfrentar impossibilidades. O educador precisa estar cônscio da grandeza e da complexidade dessa empreitada, deve ser um observador severo de si mesmo, necessita ficar atento à trajetória evolutiva do aluno, tem de ser um estudioso permanente da área educacional em que milita. ASPECTOS EDUCACIONAIS IMPORTANTES Percebe-se, desde muito cedo, que a criança cega vai deparar-se com sérios entraves nas etapas evolutivas do seu desenvolvimento. Não havendo um trabalho criterioso e imediato de estimulação dos sentidos remanescentes e um adequado programa depsicomotricidade dirigido às dificuldades naturais trazidas pela cegueira, essa criança sofrerá, certamente, perdas significativas no armazenamento de conhecimentos e na aquisição de capacidades. Tais déficits deverão ser o mais rápido possível trabalhados ou mesmo evitados. Avalia-se mais profundamente essa questão quando se faz o cotejo entre o processo evolutivo de uma criança vidente e de uma criança cega. Com referência à incursão pelo “caminho da escrita”, nota-se que a criança vidente se apropria desse bem cultural sem que disso se dê conta. Os “objetos de escrita” ali estão ao seu redor, ao alcance de sua mão, fazendo parte do seu cotidiano. Caneta, lápis, giz, etc. são instrumentos de descobertas, veículos mágicos que estimulam sua curiosidade e instigam sua imaginação. Pelo fenômeno da imitação, a criança, ainda muito pequena, penetra no “mundo da escrita”; reproduzindo atos, incorporando atitudes, formando juízos a partir do comportamento e da observação contínua dos hábitos dos adultos. O desejo de escrever revela-se inicialmente de maneira inconsciente. Rabiscos e mais rabiscos deflagram esse processo interno. A criança não precisa necessariamente de uma folha de papel, de um caderno. As paredes, o chão, os móveis, as vidraças, os espelhos, enfim, qualquer superfície lhe serve de base para seus experimentos: riscos, cobrinhas, ondinhas, bolinhas e outras criações gráficas. Pouco mais tarde, chega o desenho. É uma fase importantíssima de criatividade onde surgem novas representações. Já ao final da pré-escola, a criança começa a integrar-se verdadeiramente ao sistema de escrita. Aquelas marcas no papel indicam mensagens, passam idéias, declaram sentimentos. Nesse período, através de atividades quase sempre lúdicas a criança trabalha movimentos, amadurece músculos, ganha firmeza no pegar do lápis. O trabalho com os dedos (polegar e indicador) fortifica o jogo articulatório do punho. Quando começa a escrever, de fato, a criança experimenta um grande número de possibilidades cujo resultado mais apreciável é a riqueza do grau de oportunidades que acumula. É um momento de intensa mobilização interna. Tudo que lhe cai nas mãos pode tornar-se um instrumento de escrita: um graveto que risca a terra, um palito de picolé que registra algo na areia da praia, a ponta dos dedos sobre uma superfície empoeirada, tudo produz contornos significativos e encantatórios. Desse modo, vê-se a criança crescer e, imediatamente, dominar o seu próprio corpo, adquirindo habilidades, melhorando desempenhos motores. A criança cega não passa com tal naturalidade por essas experiências enriquecedoras. Falta-lhe a condição de imitar; acaba, por essa razão, não tendo reais oportunidades de aprendizagem. O ato da escrita, tão simples e prazeroso para uma criança vidente, transforma-se numa lacuna para ela nos primeiros anos de sua vida. Este é um problema que traz defasagens sensíveis e marca, geralmente, o atraso da criança cega na aquisição e, posteriormente, no domínio da escrita.Os professores, principalmente os que atuam na pré-escola, devem preocupar-se com o assunto e cuidar para que as falhas, que porventura se tenham instalado nesta área, sejam diminuídas ou até eliminadas. É necessário que a criança cega entre em contato com a escrita, ainda que de maneira assistemática. Fortalecendo musculaturas, exercitando articulações, ampliando movimentos, ajustando condutas motoras, adquirindo habilidades, refinando percepções e alargando o nível de informações, a construção da escrita acontecerá com maior probabilidade de sucesso. A criança cega, como a vidente, necessita passar por experiências no ato de escrever. O punção, a reglete ou a máquina de datilografia Braille devem estar ao seu alcance para despertar-lhe a vontade e o interesse pela escrita. Essa criança precisa e tem o direito de vivenciar um estágio lúdico, descompromissado, no instante dessa apropriação tão importante e complexa. O professor alfabetizador deverá levar ao aluno opções de materiais que o façam experimentar as mesmas sensações de alegria e de prazer vividas por qualquer criança que descobre a magia e o encanto do elemento escrito. Esponjas, placas de borracha, isopor ou de cortiça, bastidores de bordado revestidos de papel constituem-se em recursos simples, e ao mesmo tempo valiosos, para que o educando se familiarize com o ato de pegar o punção, perfurar o papel, explorar o espaço da folha, combinar pontos. É importante que a “cela Braille”, mesmo que de forma representativa, entre nessa etapa do trabalho. Por isso, todo esse material de pré-escrita deverá ter a forma retangular, figura que evoca a “cela Braille” verdadeira. O convívio com essas práticas pedagógicas abrirá um vasto campo de possibilidades para quem, a priori, parece tão distante das coisas mais elementares, porém, absolutamente necessárias e possíveis dentro de uma nova postura educacional. Convém, por conseguinte, que o professor tenha sensibilidade e use seu poder inventivo para oferecer à criança cega ferramentas próprias para que atinja um nível real de eficiência e de auto-estima. Os materiais concretos para a confecção desses recursos didáticos existem e devem ser utilizados em larga escala. Procedendo dessa maneira, o alfabetizador porá o educando diante de si mesmo, propiciando-lhe entender ser ele o artífice, o construtor de alguma coisa que comunica emoções, que mexe com a fantasia, que obtém respostas às fabulações mais íntimas do universo infantil. NOÇÃO DE SÍMBOLO Para uma criança alfabetizar-se, é fundamental que adquira noções básicas para que possa entender o processo de aprendizagem no qual está envolvida. Uma das noções mais importantes nessa fase é a noção de símbolo. Quando uma criança vidente se encontra diante de uma folha de papel em que se registram riscos pretos, aqueles sinais, para ela, precisam adquirir uma significação representativa. O mesmo acontece com uma criança cega quando entra em contato com o conjunto de pontos que forma os caracteres do Sistema Braille. Aqueles pontos precisam adquirir também um valor simbólico. É necessário que a criança compreenda que aqueles riscos ou pontos representam símbolos dos sons da fala. Uma criança que não estabelece uma relação simbólica entre dois objetos, não aprenderá a ler. A idéia do símbolo é muito complexa, ensina Câmara (1970): “Símbolo – em sentido lato, é aquilo que substitui convencionalmente qualquer coisa para funcionar em seu lugar, ao contrário do sinal que não carreia em si a idéia de substituição”. (p. 350) Assim, o símbolo é algo cujo sentido é convencionalmente pré-estabelecido. Em tempos de guerra, um pedaço de tecido branco, simboliza rendição, é um gesto de paz. O alfabetizando precisa ser capaz de entender que cada um daqueles risquinhos pretos ou conjunto de pontos servem como símbolo de um som da fala. A noção de símbolo é um ponto fundamental para que alguém se alfabetize. Sabe-se que o simbolismo se instala na criança desde muito cedo. A apreensão do símbolo implica a representação de um objeto ausente; é a comparação entre um elemento imaginário e outro existente. É, pois, uma representação fictícia. Entende-se assim, que essa comparação consiste numa assimilação deformante. Quando se vê uma criança empurrando uma caixa dizendo tratar-se de um carrinho, ela representa simbolicamente o carro, satisfazendo-se com aquela ficção. Nesse caso, o vínculo entre o significante (caixa) e o significado (carro) permanece inteiramente subjetivo. Demonstra Piaget nos seus estudos que o jogo simbólico só aparece na criançano segundo ano do seu desenvolvimento. Esclarece o pesquisador suíço em 1971: “Com efeito, o simbolismo principia com as condutas individuais que possibilitam a interiorização (a imitação tanto de coisas como de pessoas) e o simbolismo pluralizado em nada transforma a estrutura dos primeiros símbolos.” (p. 7) Quando as representações são organizadas por crianças maiores, o simbolismo ganha maior aperfeiçoamento em relação aos símbolos rudimentares criados pelas crianças menores. Observa-se isso nas brincadeiras onde entram cenas que evocam aulas, consultas médicas, cuidados com bebês, etc. Pouco a pouco, o símbolo lúdico se transforma em representações adaptadas em montagens e informes das crianças pequenas, que as crianças mais velhas convertem em construções bem mais elaboradas através do desenho, da pintura, da modelagem, da dobradura de papel, da dramatização, entre outros. Portanto, intervém um elemento de imitação nos símbolos e esse elemento constitui com o objeto dado o “simbolizante” (significante), ao passo que o “simbolizado” é o objeto ausente em nível meramente representativo, evocado pelo gesto imitativo e pelo objeto dado. Para dar ou reforçar a noção de símbolo às crianças que se alfabetizam, sugere-se trazer para elas um grande número de material que lhes remeta esta idéia. Crianças videntes . flâmulas de clubes de futebol; . bandeiras de diferentes países; . motivos religiosos; . amuletos; . emblemas; . sinais de trânsito; . fotografias; . paisagens; . gestos convencionais (aperto de mão, gesto de adeus, pedido de silêncio); . diversos tipos de pegadas no chão (sinal de chuva – poças d´água, marcas de pés humanos – pés de criança, pés de adulto, marcas das patas de animais). Crianças cegas . recurso auditivo – diferentes tipos de apitos (guarda de trânsito, fábricas, navios, trens); . toque de sirenes (ambulância, carros de bombeiro e polícia); . toques diferenciados de sinos; . recurso olfativo (cheiro de terra molhada indicando chuva, cheiro de fumaça indicando fogo); . jogos de papéis (brincar de médico, de telefonista, de professor); . imitar pessoas e vozes de animais. Tal procedimento deve ser adotado desde a pré-escola. Todavia, o alfabetizador precisa estimular o mais possível o seu aluno, lembrando-se de que muitas crianças têm, nas classes de alfabetização, a primeira oportunidade de uma vivência educacional conscientemente dirigida ao seu desenvolvimento. TRABALHANDO A QUESTÃO SENSORIAL Um dos aspectos mais importantes no momento em que a criança se alfabetiza é a capacidade de discriminar as letras. O alfabetizando precisa desta capacidade bem trabalhada para diferenciar as formas destas representações gráficas. Tanto em tinta como em Braille, as letras apresentam formas bastante semelhantes. Para distingui-las, reclama- se um grande refinamento da percepção visual ou tátil. Demonstra a lingüista Miriam Lemle (1990): “A letra p e a letra b diferem apenas na direção da haste vertical, colocada abaixo da linha de apoio ou acima dela. O b e o d diferem apenas na posição da barriguinha em relação à haste. O p e o q diferem entre si por este mesmo traço, isto é, a posição da barriguinha”. (p. 8) No Sistema Braille, o d e o f diferem porque o terceiro ponto que os forma, na letra d, fica à direita, abaixo do segundo ponto do traço superior; na letra f, o terceiro ponto fica à esquerda, abaixo do primeiro ponto do traço superior. O h e o j diferem apenas na posição do ponto da parte superior. O h é formado por dois pontos no centro da cela Braille e o terceiro ponto posiciona-se imediatamente acima e à esquerda; o j é formado por dois pontos no centro e o terceiro ponto coloca-se acima e à direita. Continua Lemle (1990): “ Note que os objetos manipulados no nosso dia-a-dia não se transformam ao mudarem de posição. Uma escova de dentes é sempre uma escova de dentes, esteja virada para cima ou para baixo”. (p. 8) Entretanto, a vogal e, que se alonga para cima, passa a ser l; em Braille, virando-se o m de cabeça para baixo, tem-se a letra u. O m é formado por dois pontos em cima na cela Braille e um ponto embaixo à esquerda, havendo um espaço vazio entre o ponto de cima e o ponto de baixo. O u é formado por dois pontos na parte inferior da cela e um ponto em cima à esquerda, havendo uma separação entre o ponto de baixo e o ponto de cima. As distinções são muito leves. A criança que não percebe essas diferenças tem dificuldade para alfabetizar-se. Para que ela possa discriminar as formas das letras, deve ser conduzida a executar livremente exercícios de escrita e de leitura. Para a criança vidente, o desenho, as formas geométricas e o trabalho com linhas verticais, horizontais, curvas, inclinadas, etc. servirão para que a criança se anime a reproduzir as letras com as quais entra em contato cotidianamente. O alfabetizando cego precisa exercitar igualmente a escrita para discriminar e dominar os caracteres do Sistema Braille. Para isso, é indispensável trabalhar o espaço da cela Braille. Esses exercícios deverão explorar os pontos das partes superior, mediana e inferior, promovendo inúmeras combinações. Outros exercícios deverão explorar a lateralidade: pontos trabalhados à direita e à esquerda. Tais exercícios, em princípio, deverão ser feitos de forma livre, compondo formas variadas. Depois, as atividades terão de ser dirigidas para que a criança forme letras discriminando-as na leitura tanto quanto na escrita. É importante trabalhar-se outro fundamento da alfabetização: aquele referente aos sons da fala. Um aspecto de suma relevância no processo de alfabetização é a consciência da percepção auditiva. Se as letras simbolizam os sons da fala, é fundamental que a criança saiba ouvir e interpretar diferenças lingüisticamente relevantes entre esses sons. Quando se instala o mecanismo da percepção sonora, o alfabetizando é capaz de escolher a letra certa para simbolizar o som que ouve. Vejam-se as palavras pai e vai. A diferença entre ambas as palavras está apenas na realização da consoante inicial nos dois vocábulos. O p é uma consoante oclusiva, enquanto o v é uma consoante fricativa. Em tela e dela percebe-se um outro traço distintivo. Ambas as consoantes iniciais são oclusivas, todavia, o t é enunciado sem voz, é um ruído seco com pouca vibração das cordas vocais (consoante surda) e o d é enunciado com voz, maior vibração das cordas vocais (consoante sonora). Nas palavras si e sim, o único traço que as diferencia é o da nasalidade da vogal i. Pode-se concluir, portanto, através da afirmação de Lemle (1990): “É claro que só será capaz de escrever aquele que tiver a capacidade de perceber as unidades sucessivas de sons da fala utilizadas para enunciar as palavras e distingui-las conscientemente uma das outras. Note que análise a ser feita pela pessoa é bem sutil: ela deve ter consciência dos pedacinhos que compõem a corrente da fala e perceber as diferenças de som pertinentes à diferença de letras”. (p.9) O professor deve incentivar a criança a ouvir para poder discriminar sons. Para isso, ele precisa criar, na sala de aula, um ambiente propício. Deverá ainda, juntamente com as crianças, fazer listas de palavras que comecem e outras que terminem com o mesmo som. Deverá trabalhar com palavras rimadas, deverá apresentar canções que contenham a repetição de sílabas, brincar de telefone sem fio, inventar jogos de palavras onde apareçam onomatopéias, palavras com valor imitativo (ruídos de objetos, vozes de
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