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O que é e o que faz a Pragmática Coleção O que é e o que se faz? Volume 3 Reitor José Daniel Diniz Melo Vice-Reitor Henio Ferreira de Miranda Diretoria Administrativa da EDUFRN Maria das Graças Soares Rodrigues (Diretora) Helton Rubiano de Macedo (Diretor Adjunto) Bruno Francisco Xavier (Secretário) Conselho Editorial Maria das Graças Soares Rodrigues (Presidente) Judithe da Costa Leite Albuquerque (Secretária) Adriana Rosa Carvalho Alexandro Teixeira Gomes Elaine Cristina Gavioli Euzébia Maria de Pontes Targino Muniz Everton Rodrigues Barbosa Fabrício Germano Alves Francisco Wildson Confessor Gleydson Pinheiro Albano Gustavo Zampier dos Santos Lima John Fontenele Araújo Josenildo Soares Bezerra Ligia Rejane Siqueira Garcia Lucélio Dantas de Aquino Marcelo de Sousa da Silva Márcia Maria de Cruz Castro Márcio Dias Pereira Martin Pablo Cammarota Nereida Soares Martins Roberval Edson Pinheiro de Lima Samuel Anderson de Oliveira Lima Tatyana Mabel Nobre Barbosa Secretária de Educação a Distância Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Secretária Adjunta de Educação a Distância Ione Rodrigues Diniz Morais Coordenadora de Produção de Materiais Didáticos Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Coordenação Editorial Mauricio Oliveira Jr. Gestão do Fluxo de Revisão Edineide Marques Gestão do Fluxo de Editoração Mauricio Oliveira Jr. Conselho Técnico-Científico – SEDIS Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo – SEDIS (Presidente) Aline de Pinho Dias – SEDIS André Morais Gurgel – CCSA Antônio de Pádua dos Santos – CS Célia Maria de Araújo – SEDIS Eugênia Maria Dantas – CCHLA Ione Rodrigues Diniz Morais – SEDIS Isabel Dillmann Nunes – IMD Ivan Max Freire de Lacerda – EAJ Jefferson Fernandes Alves – SEDIS José Querginaldo Bezerra – CCET Lilian Giotto Zaros – CB Marcos Aurélio Felipe – SEDIS Maria Cristina Leandro de Paiva – CE Maria da Penha Casado Alves – SEDIS Nedja Suely Fernandes – CCET Ricardo Alexsandro de Medeiros Valentim – SEDIS Sulemi Fabiano Campos – CCHLA Wicliffe de Andrade Costa – CCHLA Revisão Linguístico-textual Fabíola Gonçalves Revisão de ABNT Edineide Marques Revisão Tipográfica Maria das Graças Soares Rodrigues Diagramação Marina Santos Capa Victor Hugo Rocha Silva O que é e o que faz a Pragmática Coleção O que é e o que se faz? Volume 3 Prefácio Ana Lúcia Tinoco Cabral Rivaldo Capistrano Júnior Maria das Graças Soares Rodrigues Rodrigo Albuquerque Ana Lúcia Tinoco Cabral Maria da Penha Pereira Lins Organizadores Natal, 2023 Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário Lagoa Nova | 59.078-970 | Natal/RN | Brasil e-mail: contato@editora.ufrn.br | www.editora.ufrn.br Telefone: 84 3342 2221 Albuquerque, Rodrigo. O que é e o que faz a Pragmática [recurso eletrônico] / organizado por Rodrigo Albuquerque, Ana Lúcia Tinoco Cabral e Maria da Penha Pereira Lins. – 1. ed. – Natal: EDUFRN, 2023. (O que é e o que faz..., v. 3). 2100 KB; 1 PDF. ISBN 978-65-5569-375-1 1. Pragmática Textual. 2. Linguagem. 3. Sujeito. 4. Cultura. 5. Interação. I. Cabral, Ana Lúcia Tinoco. II. Lins, Maria da Penha Pereira. III. Título. CDU 81 C345q Catalogação da publicação na fonte Universidade Federal do Rio Grande do Norte Secretaria de Educação a Distância Elaborada por Edineide da Silva Marques CRB-15/488. Fundada em 1962, a Editora da UFRN continua até hoje dedicada à sua principal missão: produzir impacto social, cultural e científico por meio de livros. Assim, busca contribuir, permanentemente, para uma sociedade mais digna, igualitária e inclusiva. Publicação digital financiada com recursos do Fundo de Pós-graduação (PPg-UFRN). A seleção da obra foi realizada pela Comissão de Pós-graduação, com decisão homologada pelo Conselho Editorial da EDUFRN, conforme Edital nº 01/2023-PPG/EDUFRN/ SEDIS, para a linha editorial Técnico-científica. Prefácio O Grupo de Trabalho Linguística de Texto e Análise da Conversação (GT LTAC), da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (Anpoll), foi criado em 1985 e conta com um grande número de pesqui- sadores, pertencente aos mais diversos Programas de Pós- Graduação e atuantes em grupos de pesquisa consolidados, que, sob perspectivas teórico-metodológicas variadas, elege como objeto empírico o texto, em diferentes modalidades e em diferentes contextos de interação. O grupo, marcado pela pelo caráter interdisciplinar desde a sua criação, tem como grandes temas i) processos discursivo-interacionais de negociação de sentido(s) e ii) estratégias de textualização em contextos de interação diversos. Em 2021, por iniciativa dos coordenadores Ana Lúcia Tinoco Cabral e Rivaldo Capistrano Júnior, procedeu-se ao mapeamento dos temas, das interfaces e das áreas de pesquisa de interesse dos membros do GT. O resultado, além de reiterar o interesse pelos grandes temas, apontou cinco áreas de atuação, a saber: Linguística Textual, Análise Textual dos Discursos, Análise da Conversação, Semiolinguística e Pragmática. Com base nesse mapeamento e com o apoio dos mem- bros do GT LTAC, da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPG/UFRN) e da Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EDUFRN), deu-se o início do projeto de publicação eletrônica da coleção O que é e o que faz..., uma coletânea de entrevistas, coordenada pelos professores Ana Lúcia Tinoco Cabral, Rivaldo Capistrano Júnior e Maria das Graças Soares Rodrigues e organizada em cinco volumes, a saber: Volume 1: O que é e o que faz a Linguística Textual, organizado por Rivaldo Capistrano Júnior (Ufes) e Vanda Maria da Silva Elias (UNIFESP); Volume 2: O que é e o que faz a Análise Textual dos Discursos, organizado por Maria das Graças Soares Rodrigues (UFRN) e Sueli Cristina Marquesi (PUC-SP); Volume 3: O que é e o que faz a Pragmática, organizado por Rodrigo Albuquerque (UnB), Ana Lúcia Tinoco Cabral (PUC-SP) e Maria da Penha Pereira Lins (UFES); Volume 4: O que é e o que faz a Análise da Conversação, organizado por Gil Roberto Costa Negreiros (UFSM) e Ana Rosa Ferreira Dias (PUC-SP; USP); Volume 5: O que é e o que faz a Semiolinguística, orga- nizado por Aparecida Lino Pauliukonis (UFRJ), Lúcia Helena Martins Gouvêa (UFRJ) e Rosane Santos Monnerat (UFF). Os diferentes volumes têm, além de perguntas específicas, perguntas em comum, que objetivam manter o fio condutor da proposta da coleção. Em resposta às perguntas de entrevista, cada entrevistado tem a oportunidade de discorrer sobre o quadro e os avanços teórico-metodológicos de sua área, de apontar (novas) questões de investigação e de indicar apli- cações de suas pesquisas para o ensino, em seus diferentes níveis e em diversas modalidades. Desse modo, a coletânea tem como objetivos i) fomentar atividades vinculadas à implementação, à divulgação da produção científica e à formação e/ou consolidação de redes de pesquisa de membros do GT LTAC e de outros GTs da ANPOLL; ii) apresentar e promover temas fundamentais dos estudos sobre o texto; aumentar a visibilidade da produção do GT LTAC junto à comunidade científica nacional e interna- cional; iii) fomentar a discussão sobre diferentes perspectivas de análise e de investigação do texto; iv) promover a interface entre essas diferentes perspectivas; v) contribuir para a for- mação inicial e continuada de professores e de pesquisadores. Desejamos aos leitores que a pluralidade de perspectivas teórico-metodológicas presentes nos cinco volumes da coleção promova o intercâmbio entre pesquisadores e fomente novas pesquisas em Linguística de Texto e Análise da Conversação. Ana Lúcia Tinoco Cabral Rivaldo Capistrano Júnior Maria das Graças Soares Rodrigues Coordenadores da coleção O que é e o que faz... APRESENTAÇÃO Este volume integra a coleção O que é e o que faz..., organizada pelo GT de Linguística de Texto e Análise da Conversação da Anpoll, e traz entrevistasde pesquisadores(as) renomados(as) no âmbito da Pragmática. Criado em 1985, o GT abriga pes- quisadores(as) do Brasil cujos interesses estão voltados para duas macroáreas, a saber: a Linguística de Texto e a Análise da Conversação. Ambas as áreas implicam o diálogo com os estudos da Pragmática; afinal, a interação e as relações humanas se dão por meio de textos, pelo diálogo, pela inte- ração dos sujeitos. Sob esse ponto de vista, podemos afirmar que pesquisar texto e conversa significa pensar em como os sujeitos utilizam a língua para cumprir com seus propósitos de interação e de atuação no mundo. Investigar o uso da língua pelos sujeitos é, de alguma forma, fazer pesquisa em Pragmática. O necessário diálogo entre os estudos do texto e da conversa com a Pragmática atrai pesquisadores(as) para participarem ativamente do nosso GT, visto que essa interface toca em conceitos e em métodos confluentes. Neste volume, foram entrevistados(as) nove pesquisa- dores(as) que, de algum modo, dedicam-se aos estudos da Pragmática. Conforme será possível observar nas entrevistas que compõem este volume, os interesses de pesquisa dos(as) entrevistados(as) confirmam o diálogo entre a Pragmática Linguística e os Estudos do Texto. Nas entrevistas, conhe- ceremos o percurso acadêmico dos(as) entrevistados(as), do primeiro contato com a Pragmática até as produções acadêmicas mais relevantes na área; os procedimentos meto- dológicos e as categorias analíticas previstos; as interfaces e as particularidades da Pragmática; os desafios contemporâneos, decoloniais e pós-modernos; e as possíveis contribuições para o ensino. Na entrevista “A Pragmática centra-se no uso da lín- gua”, Ana Larissa Adorno Marciotto Oliveira destaca, em sua formação, as leituras de Goffman (1959), de Austin (1962) e de Searle (1968), as quais a motivaram a “abraçar também outros temas da Pragmática, particularmente a Teoria da Polidez”. No que tange à Pragmática, Oliveira evidencia que ela, ao se dedicar a estudar “os significados dos enunciados em relação a seus contextos específicos de uso”, “centra- -se no uso da língua, ou seja, em questões de adequação às expectativas do interlocutor”. A respeito de incursões contem- porâneas, críticas e pós-coloniais, a entrevistada menciona a Pragmática Integrada, a qual focaliza uma abordagem holística que integra “aspectos textuais, discursivos e con- versacionais não associados às condições de verdade dos enunciados”; assim como a Teoria da Relevância, a Pragmática Sociocognitiva, a Neuropragmática, a Ciberpragmática, a Pragmática Crítica, a Pragmática Intercultural e a Pragmática Pós-colonial. Cibele Brandão, na entrevista intitulada “A Pragmática investiga os sentidos invisíveis”, explicita ter recorrido à Pragmática por ser um dos pilares de sua área de atuação: a Sociolinguística Interacional. Segundo Brandão, os profes- sores Jacob Mey e Kanavillil Rajagopalan foram os grandes responsáveis por sua formação na área, a partir dos quais teve acesso a estudos pioneiros (Austin, Searle, Grice, Levinson, Goffman etc.) e a outros autores (Kerbrat-Orecchioni, Thomas, Leech, Bravo, entre outros). Para a entrevistada, a Pragmática se volta para a interpretação de enunciados proferidos em dado contexto, e desvela “como a mente humana funciona, como as pessoas interagem e se comunicam, como os falantes sinalizam suas reais intenções, e, de modo mais genérico, como os seres humanos utilizam a linguagem”. Brandão concebe que “a Pragmática investiga os sentidos invisíveis, ou seja, estuda como a comunicação transcende o dito”, o que significa transcender os significados referenciais, sob o argumento de que os sentidos se constroem na interação. Tendo atuado, em especial, no campo da (im)polidez, a pesquisadora avalia que a Pragmática busca colaborar com esse tema, ao chamar a atenção para questões sociais conflitivas que podem emergir da esfera interpessoal. Em “A Pragmática capta a progressão da coconstrução de sentidos na fala”, Dale A. Koike narra que, em sua tese de doutorado, começou “a questionar a variação dos signi- ficados de acordo com as formas diferentes que a mesma pessoa usava”, instigando-a a explorar uma área até então por ela desconhecida: a Pragmática. Ao longo da entrevista, a pesquisadora destaca considerar central, para os estudos da Pragmática, o debate concernente ao contexto. Koike tem dedicado parte de seu trabalho à Pragmática no diá- logo, adotando, recentemente, o modelo de Young (2019), o qual considera as dimensões identitárias, linguísticas e interacionais na análise de diálogos. Em vez de dicotomizar áreas, a entrevistada avalia ser mais produtivo pensar em contínuos, de modo a se perspectivarem, no âmbito da lin- guagem, trabalhos mais/menos orientados para a Pragmática ou para o Discurso. Aliás, é esse caráter flexível que, segundo Koike, “faz parte da atração da Pragmática”, o que confere ao campo um cenário “muito mais [de] possibilidades do que limitações”. Todavia, a Pragmática não pode per- der de vista, como destaca Koike, o interesse em estudar a compreensão do significado contextualmente situado, com vista a se captar “a progressão da coconstrução de sentidos na fala”. Por sua vez, Elena Godoi revela, na entrevista “A Pragmática não é sobre o significado, mas é sobre como se faz o significado”, que seu caminho ao encontro da Pragmática teve início nos anos 1980, ao ser aluna de dois pioneiros na área: Kanavillil Rajagopalan e Marcelo Dascal. Na visão de Godoi, a Pragmática “estuda os princípios regulares que guiam e regem os processos de produção e de interpretação do significado em uso”, prevendo sujeitos – falante e ouvinte – ativos, donos de si e racionais. Sob essa ótica, o falante veicula o significado intencional; e o ouvinte, ao inferir e desvelar implicaturas, interpreta o enunciado. A entrevistada reitera que “a Pragmática não é ‘sobre o significado’, mas é ‘sobre como se faz o significado’, ‘sobre o significado potencial, negociado em interação’”. De natureza interdisciplinar, a Pragmática “não fica refém do loteamento em áreas especí- ficas do conhecimento”, ampliando, segundo Godoi, áreas convergentes no âmbito da linguística, como a Semântica; e fora dela, como a Filosofia da Mente, a Antropologia, as Neurociências, entre outras. A pesquisadora ressalta que temáticas atuais mais difundidas, como “a Teoria da Polidez (de cunho social e cultural) e a Teoria da Relevância (com seu enfoque cognitivo)”, as quais se inscrevem em um paradigma positivista, podem sofrer revisões, reformulações e, assim, gerar novos conhecimentos. Sob o título “A Pragmática coloca em primeiro plano a usuária e o usuário da linguagem”, Elisabetta Santoro men- ciona que o primeiro contato com a Pragmática se deu por meio do projeto intitulado A Cross-Cultural Study of Speech Acts Realization Patterns, coordenado por Shoshana Blum- Kulka, a partir do qual despertou seu interesse nas leituras de Austin (1962), de Goffman (2011), de Searle (1969), de Brown e Levinson (1987), de Grice (1991), e de Wierzbicka (2003). Ao considerar que “a Pragmática coloca em primeiro lugar a usuária e o usuário da linguagem”, Santoro situa que uma de suas características “é o lugar cada vez mais proeminente dado à/ao falante na sua relação com a linguagem e com outras/os falantes”. Além disso, a entrevistada frisa o caráter movediço que os sentidos assumem na Pragmática, cuja preocupação “não incide nas condições de verdade, mas no funcionamento do discurso, no uso que se faz da linguagem e nos efeitos de sentido que se produzem”. A pesquisadora avalia ser uma atitude decididamente pragmática a busca por “des-naturalizar” o que subjaz às interações, tornando possível enxergar “os conflitos, os preconceitos, a desigualdade social, o sentimento de classe”. Na sequência, Isabel Roboredo Seara, em “A Pragmática [faz] estremecer o quadro das escolas linguísticas tradicionais”,revela que os professores doutores Joaquim Fonseca e Fernanda Irene Fonseca, à época do mestrado, sensibilizaram-na para uma abordagem pragmática. Mais tarde, a entrevistada teve acesso à obra Pragmática Linguística (FONSECA, 1994), por meio da qual pôde conhecer autores clássicos da área, como Austin e Searle; bem como a obra A Comprehensive Bibliography of Pragmatics (NUYTS; VERSCHUEREN, 1987). Seara destaca que a Pragmática deixa transparecer “a dife- rença entre os significados das palavras e o uso dos falantes quando querem dizer”, o que a situa como “uma perspectiva que visa à compreensão mais ampla, definida como o estudo cognitivo, social e cultural da linguagem e da comunicação”. Para a entrevistada, tal perspectiva assume-se, por excelên- cia, como interdisciplinar, suscitando diálogos e “fazendo estremecer o quadro das escolas linguísticas tradicionais”. Em sua ótica, os problemas de comunicação, de interação e de compreensão interpessoal devem integrar a agenda de uma Pragmática contemporânea e crítica. Ao se dedicar à construção discursiva da cortesia e da agressividade verbal, a pesquisadora ratifica a importância de se ensinar uma “gramática da cortesia” nas escolas, em consonância com a agenda de uma abordagem pragmática sociocultural. Em “A Pragmática quer entender como usamos a lin- guagem”, Joana Plaza Pinto revela que Rajan (o professor Kanavillil Rajagopalan) foi, já no mestrado, sua maior ins- piração para migrar da Semântica para a Pragmática. Nessa trajetória, o professor Rajagopalan instigava a constante cri- ticidade às bases epistemológicas dos estudos da linguagem, recomendando, em especial, a leitura de Richard Rorty, que, na visão de Pinto, foi bastante libertadora para a sua formação acadêmica. Ao desconfiar de desenhos de pesquisa que visam a “provar” dado quadro teórico, a entrevistada busca, a partir de uma Pragmática Crítica, conduzir suas pesquisas com base nos problemas encontrados no campo de pesquisa. Em sua percepção, investigações em Pragmática, cujos objetos são os usos e as ações de linguagem, requerem postura ética e reflexiva, considerando-se que tais usos e tais ações não são detalhes descritivos, mas “constituintes que sustentam a estrutura linguística e que ancoram essa estrutura nas relações sociais, nas dinâmicas cotidianas, nas estruturas históricas e políticas que nos unem”. Em suma, a pesquisadora afirma que a Pragmática “quer entender como usamos a linguagem e como, ao usarmos a linguagem, agimos no mundo em que vivemos”. Muito citado pelas entrevistadas neste livro, Kanavillil Rajagopalan nos conta, em “A Pragmática visa a esmiuçar a condição humana diante dos desafios”, que, em uma trajetória “ao sabor do vento”, já se incomodava com grandes teóricos da Linguística que “supervalorizavam o papel da função representacional da língua”. Incomodava-se, igualmente, com o terrível equívoco de se rotularem as sociedades como monolíngues e monoculturais. Ao cursar pós-gradução no início da década de 1970, teve contato com Austin (1955), em How to Do Things with Words, atiçando o imaginário e reacendendo a chama de que havia, na linguagem, “muito mais que mera representação, ou mero espelhamento de uma realidade externa, do que sonha a nossa vã filosofia”. Ratificando ser mais sensato falar em Pragmáticas no plural, e não em uma Pragmática, o entrevistado revela ser adepto de “uma vertente que prefere contemplar a língua(gem) como uma atividade fundamental e inextricavelmente social”, con- cebendo a Pragmática, ao mesmo tempo, como “um campo de estudo e uma arena de intervenção social”. Ao longo da entrevista, Rajagopalan tanto critica a separação da figu- ra-fundo (sentença-contexto) nos estudos da linguagem, evidenciando que a própria Linguística suprimiu o contexto de suas análises, quanto reconhece “a inevitabilidade da presença do pesquisador em sua pesquisa, ainda que ele jure de pés juntos que observa com total compromisso os princípios de objetividade e neutralidade científica”. Para o pesquisador, a Pragmática, em face da tarefa de “esmiu- çar a condição humana diante dos desafios postos em seu caminho”, necessita “assumir uma atitude crítica que visa não só a compreender dado fenômeno na plenitude de suas implicações e consequências mas também a intervir nele com o intuito de corrigir os males”. Como desafio contemporâneo, Rajagopalan avalia que os estudos pragmáticos devem “se dignar a descer do pedestal de altas elucubrações filosóficas e entrar no meio da multidão, em que as pessoas de carne e osso se encontram, enfrentam seus desafios do dia a dia e anseiam por dias melhores”. Silvia Beatriz Kaul de Marlangeon, em “A Pragmática [Sociocultural] examina como os seres humanos se comu- nicam e se manipulam na encruzilhada entre língua e cul- tura” – do original “La pragmática [sociocultural] examina cómo los seres humanos se comunican y manipulan en la encrucijada entre la lengua y la cultura”, comenta que teve contato com a Pragmática em sua primeira pós-graduação (ao final da década de 1980), a partir das aulas da profes- sora Beatriz Lavandera. A docente apresentou a Kaul de Marlangeon a obra de Brown e Levinson (1987), a qual inspi- rou a escritura da dissertação intitulada La Fuerza de Cortesía- Descortesía y sus estrategias en el Discurso Tanguero de la Década del’20. Desde então, a entrevistada tem se dedicado à Pragmática Sociocultural da (des)cortesia verbal, por meio da qual é possível examinar as relações sociais; trabalhar com textos e contextos empíricos, evitando-se análises de enun- ciados isolados e fictícios; examinar a variação contextual das escolhas linguísticas; analisar atividades de imagem (social), papéis, identidades e intenções comunicativas; e atender ao contexto situacional e social em que determinada comunidade de prática se inscreve. Ao compreender que a (des)cortesia está imersa em dada sociedade/cultura, a pesquisadora frisa que cabe ao/à investigador(a) descrever e interpretar as condutas adotadas pelos(as) interagentes, com base nas pistas linguís- ticas presentes nos textos, as quais “remetem aos contextos situacional e cultural”. Retomando a metáfora de Rajagopalan, esperamos que você, leitor(a), navegue por estes mares – seja iniciando, seja ampliando suas leituras – e aprecie sem moderação. Acreditamos, sim, que as pesquisas em Pragmática, ou melhor, em Pragmáticas, possam se beneficiar das dis- cussões aventadas nesta obra, reconhecendo na dialética “usuário-linguagem” um terreno para intervir e, em alguma medida, transformar. Desejamos a você uma leitura pro- dutiva, capaz de instigar a sempre conhecer mais sobre o que [são] e o que faz[em] as Pragmáticas... Rodrigo Albuquerque Ana Lúcia Tinoco Cabral Maria da Penha Pereira Lins SUMÁRIO Ana Larissa Adorno Marciotto Oliveira ...................................... 22 Cibele Brandão ................................................................................ 35 Dale A. Koike .................................................................................. 46 Elena Godoy ..................................................................................... 72 Elisabetta Santoro ........................................................................ 100 Isabel Roboredo Seara ................................................................. 132 Joana Plaza Pinto .......................................................................... 153 Kanavillil Rajagopalan ..................................................................174 Silvia Beatriz Kaul de Marlangeon (entrevista em português) .............................................................214 Silvia Beatriz Kaul de Marlangeon (entrevista em espanhol) .............................................................. 234 Referências ..................................................................................... 254 22 ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRAUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG) “A Pragmática centra-se no uso da língua” Com a palavra, a entrevistada... 1) Como você chegou à Pragmática? Quais autores lhe serviram de inspiração? Iniciei esses estudos pela via da Sociolinguística, ainda no mestrado, principalmente por meio da leitura Erving Goffman e, em especial, da obra The Presentation of Self in Everyday Life (GOFFMAN, 1959 [1956]). Nesse, e em outros ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRA 23 trabalhos de Goffman, a questão da face (imagem pública de si) é entendida como um fenômeno instável e imanente da interação. Além disso, ao conceito de face subjaz a noção de que as relações sociais são heterogêneas e não uniformes, suscitando, portanto, comportamentos verbais distintos dos falantes, a depender do tipo de situação comunicativa em que eles estejam engajados. Esses temas chamaram muito a minha atenção na época. Em seguida, estudando a Teoria dos Atos de Fala (AUSTIN, 1962; SEARLE, 1968), a centralidade da fala cotidiana e a ideia de que “falar é agir” me motivaram a abraçar também outros temas da Pragmática, particularmente a Teoria da Polidez (BROWN; LEVINSON, 1987; LEECH, 2014, entre outros autores). Na teoria da Polidez, as práticas de linguagem, adotadas para proteger (ou atacar) a face de si (e dos outros), são analisadas de maneira sistemática, o que me interessou (e ainda me interessa) bastante. Anos depois, comecei a me dedicar aos estudos da (im)polidez linguística e, mais recen- temente, tenho procurado me dedicar a pesquisas associa- das às contribuições teóricas de Jonathan Culpeper, Marina Terkurafi, Michael Haugh e Derek Bousefield, entre outros autores, para os estudos da impolidez linguística. ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRA 24 2) Quais são suas produções em revistas e/ou em livros impressos ou eletrônicos mais relevantes na Pragmática? Com respeito aos trabalhos mais recentes, creio que eu poderia mencionar o livro que organizei com Gustavo Ximenes Cunha, intitulado Múltiplas Perspectivas do Trabalho de Face nos Estudos da Linguagem (CUNHA; OLIVEIRA, 2018). A obra divulga os resultados de estudos realizados pelos membros do Grupo de Estudos em Pragmática, Texto e Discurso (Gepted – FALE/UFMG/CNPq), bem como por seus colaboradores externos. O livro é também interessante porque explora as várias possibilidades de intercâmbio teó- rico entre a Pragmática, a Análise do Discurso, as teorias da argumentação, os estudos de base interacionista, entre outros. Ao lado de Gustavo Ximenes Cunha, escrevi também um texto sobre o papel das nominalizações no gerenciamento de faces e na organização tópica de artigos acadêmicos, intitulado As nominalizações como recursos complexos de organização tópica (CUNHA; OLIVEIRA, 2020). Acredito que esse texto possa ser relevante para os interessados na área de Pragmática (polidez) em interface com os estudos da Gramática Funcional e da Linguística Funcional Centrada no Uso, por exemplo. Já no campo da análise da pragmática digital, ao lado de Gustavo Ximenes Cunha e de Fernanda Teixeira Avelar, estu- dei o uso de emojis em pedidos de desculpas, o que resultou ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRA 25 no artigo Emojis como Estratégias de Reparo em Pedidos de Desculpas: um estudo sobre conversas em ambiente digital (OLIVEIRA et al., 2018). Nessa mesma área, escrevi ainda, com Marisa Mendonça Carneiro, o texto: #elesim, #elenão, #elasim, #elanão: o Twitter e as hashtags de amor e de ódio na campanha presidencial brasileira de 2018 (OLIVEIRA; CARNEIRO, 2020a), que trata do uso de hashtags no âmbito do discurso político agressivo no Brasil. Ainda associado ao tema da impolidez, ao lado de Ana Lúcia Tinoco Cabral, escrevi um artigo sobre impolidez em batalhas de MC, intitulado Batalhas de MC: um estudo sobre (im)polidez e categorização axiológica à luz da pragmática (OLIVEIRA; CABRAL, 2020). Nesse trabalho, a impolidez linguística e as questões axiológicas são analisadas do ponto de vista dos rituais de insulto. Tenho também escrito sobre facticidade em fóruns e em vídeos do YouTube, o que pode ser observado, por exemplo, no texto Polidez, expressão de postura e a comunicação fática: uma análise de interações em um fórum virtual (OLIVEIRA; MARQUES, 2021), produzido ao lado de João Pedro Marques. Ainda na linha da interação digital, com Lucas Marciano, venho analisando as hashtags na formação de comunidades temporárias de prática, no artigo denominado #edaí: um ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRA 26 estudo sobre impolidez e tomada de postura no Twitter bra- sileiro (OLIVEIRA; MARCIANO, no prelo). 3) Considerando que a Pragmática é uma Ciência, quais são seus procedimentos metodológicos e suas principais categorias analíticas? Na visão de Huang (2017), os tópicos considerados atuais de investigação em Pragmática podem ser divididos em três grupos centrais: (a) trabalhos orientados cognitivamente; (b) estudos orientados social e/ou culturalmente; e (c) pesquisas que, ao se diferirem desses dois grupos ditos principais, traba- lham com temas ligados à Pragmática Histórica, por exemplo. De forma geral, todavia, pode-se afirmar que a Pragmática estuda os significados dos enunciados em relação a seus contextos específicos de uso, por essa razão, os fenômenos estudados podem ser observados de diferentes formas. Por exemplo, na Análise da Conversa (AC), cujas análises são geralmente concebidas como um processo empírico e de natureza indutiva, usam-se gravações de áudio e/ou vídeo advindas de conversas espontâneas ou de “conversas em interação” (face a face), que podem ser mais ou menos monito- radas. Naturalmente, cada corrente pragmática desenvolve seu ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRA 27 aparato teórico-metodológico e analítico próprio, e, portanto, há muitas variações nesse campo. 4) Quais são as preocupações específicas da Pragmática que a diferenciam de outras teorias do texto? Historicamente, a Pragmática centra-se no uso da língua, ou seja, em questões de adequação às expectativas do interlo- cutor, em elementos ligados à dêixis, à referenciação, além do estudo das pressuposições e das implicaturas (convencionais e conversacionais). Nessa perspectiva, de acordo com Anscombre e Ducrot (1983), pode-se usar o termo Pragmatique Intégrée (Pragmática Integrada) a fim de indicar a centralidade de uma abordagem holística, direcionada à análise dos aspectos textuais, discursivos e conversacionais não associados às condições de verdade dos enunciados. Dito isso, os temas que interessam à Pragmática podem estar (mas não necessariamente estão) ligados a uma “teoria do texto” em específico. O elemento catalizador, nesse caso, seria a noção de que os textos são um produto do discurso (da língua em uso), que oferece dados para um tipo de análise de interesse da Pragmática em interface com outras correntes teóricas dentro e fora da Linguística Textual. ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRA 28 5) Pesquisar implica não só ter o conhecimento de con- ceitos e de procedimentos analíticos mas também saber as possibilidades de seu campo de investigação. Poderia ressaltar delimitações bem como interfaces de sua abor- dagem teórico-analítica? Especificamente no campo das imagens identitárias, do trabalho de face (facework) e da (im)polidez linguística, há grande interface com a Sociologia, a Filosofia, a Retórica e o Direito, entre outras áreas de conhecimento humano. Além disso, na Linguística atual, de forma ampla, uma visão holística da linguagem necessariamente implica que o conhe- cimento pragmático seja interfacial ao estudo da Sintaxe, da Semântica, da Prosódia, da Linguística Histórica, no que for cabível, naturalmente. Outro exemplo das várias interfaces da (im)polidez linguística seriam as aproximações feitas com as abordagens discursivas e culturais, por exemplo, em Mills (2003), Locher (2004, 2006), Locher e Watts (2005), entre outrosautores, que representam um campo de estudo fasci- nante e em diálogo permanente com as pesquisas sociológicas e com a noção de norma, ou conduta verbal. Quanto às delimitações, essas decorrem da necessidade de conhecer a teoria em foco de forma suficiente e crescente, o que não exclui, de modo algum, o diálogo com diferen- tes referenciais teóricos, desde que correspondentes e bem ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRA 29 sedimentados. Sobre esse aspecto, creio que a leitura do Handbook of Pragmatics (HUANG, 2017) seja de especial interesse do leitor, por demonstrar a complexidade produtiva da área. 6) Até que ponto os temas clássicos da Pragmática se redi- mensionam contemporaneamente? Se possível, ilustre sua resposta fazendo menção a algum(ns) tema(s). A questão das implicaturas conversacionais, por exemplo, é muito citada e revisitada, bem como influenciou na formação de alguns dos modelos considerados “neogriceanos”, por exemplo, ligados à Teoria da Relevância. Ao mesmo tempo, a Teoria da Relevância também vem sendo revisitada por Francisco Yus e seus associados, que analisam o texto digital, cujo contexto imediato (textual e cognitivo) é essencialmente entendido por eles como híbrido e multidimensional. Além disso, outro exemplo desse redimensionamento, partindo de um ângulo discursivo-interacionista e também calcado em teorias da argumentação, são os prolíferos trabalhos de Gustavo Ximenes Cunha, Paulo Roberto Gonçalves-Segundo, Ana Lúcia Tinoco Cabral (no Brasil) e Isabel Seara (em Portugal), entre outros autores de relevo. ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRA 30 7) A quais avanços da Pragmática na contemporaneidade daria destaque e como vê os desafios de seu futuro? Particularmente no campo da (im)polidez, há atualmente uma gama variada de abordagens, por exemplo, os mode- los ligados à norma social, às máximas conversacionais, ao trabalho de face, às práticas sociais e políticas, além das abordagens discursivas e crítico-discursivas. Nesses estudos, o trabalho de Brown e Levinson (1987), considerado um modelo clássico para a polidez, continua sendo bastante influente. Uma das principais críticas a esse modelo clássico é o fato de ser conceitualmente enviesado para a polidez, concebendo a polidez e a impolidez como opostos, além de basear-se prioritariamente na produção do “falante ideal”, como ressalta Eelen (2001). Consequentemente, nos últimos anos, houve uma emergência de estudos sobre (im)polidez que procuram reteorizar esse fenômeno de forma específica. Nesses estudos, a obra de Jonathan Culpeper sobre impolidez linguística (CULPEPER, 2011a) é uma referência fundamental. Além disso, a pungência da área, com evidentes implica- ções para trabalhos futuros, também pode ser observada nos estudos da Pragmática Sociocognitiva e na Neuropragmática, um ramo da Pragmática recentemente explorado que investiga as bases neuroanatômicas da linguagem em uso, como afirma Huang (2017). Nesse âmbito, não se pode deixar também de ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRA 31 mencionar a Ciberpragmática, como referida anteriormente, que analisa as interações mediadas pela Internet, principal- mente por meio de um ângulo cognitivo (YUS, 2011, 2019; entre outras obras). 8) De que maneira a Pragmática pode trazer contribuições decoloniais, pós-modernas e críticas para os estudos da linguagem? Entendo que a chamada “Pragmática Social”, que trata de temas associados à educação e à luta social possa ser conce- bida como uma “Pragmática Crítica”. Esses estudos tendem a utilizar o aparato teórico da Análise Crítica do Discurso para investigar a relação entre linguagem e poder, bem como entre linguagem e ideologia, entre outros temas (KORTA; PERRY, 2011). Além disso, eu destacaria ainda os estudos da Pragmática Intercultural e da Pragmática Pós-colonial, muitas vezes associados às implicações e às consequências da imposição da língua dos colonizadores a sociedades pós- -coloniais diversas (ANCHIMBE, 2018, entre outros autores). Outro desafio, pelo que entendo, seria considerar a aná- lise do texto digital como um avanço necessário, princi- palmente no que se refere ao papel da linguagem agressiva, tendo em vista, principalmente, os impactos sociopolíticos ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRA 32 e civilizatórios que estudos nesse campo podem alcançar. Há, ainda, outros avanços importantes e necessários, a fim de melhor associar, por exemplo, as pressões cognitivas e sociais com a materialidade linguística, o que inclui a pesquisa em vários âmbitos, como a educação linguística. Em outras palavras, trata-se de campo científico variado e frutífero que, suponho, venha a atrair o leitor disposto a nele navegar. 9) Como a Pragmática se distingue e ao mesmo tempo se beneficia/aproxima dos estudos da interação? Os estudos mais tradicionais da pragmática baseavam-se na interação face a face de forma, muitas vezes, pressuposta ou ensaiada, ou seja, praticamente não eram utilizados corpora de língua em uso nessas análises. Mais recentemente, as teorias discursivas, incluindo os modelos de base intera- cionista, têm produzido grandes impactos nos referenciais teórico-analíticos utilizados no âmbito da Pragmática, o que pode ser observado, no Brasil, no estudo Gustavo Ximenes Cunha, por exemplo, que combina modelos funcionalistas e interacionistas com estudos da polidez (CUNHA, 2017), e nos trabalhos de Isabel Roboredo Seara e Ana Lúcia Tinoco Cabral Tinoco, que apresentam interface com as teorias da argumentação, vinculando-as aos conceitos de cortesia e de descortesia linguística (SEARA; CABRAL, 2020). ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRA 33 Além disso, o próprio conceito de contexto, tão caro à Pragmática e aos estudos interacionistas, é também um cons- truto fundamental para a Etnometodologia e para Linguística Interacional como um todo, conforme discutem Heritage (1984), Goodwin e Duranti (1992), Schegloff (1992), entre outros autores. Nesses trabalhos, a perspectiva de realização interacional in situ abarca uma série de possíveis interpretações da noção de contexto, que estão ancoradas nos participantes e nos papéis interacionais desempenhados por eles em inte- rações de variados tipos. 10) Dos resultados de seus trabalhos, seria possível indicar contribuições para o ensino? Entendo que a análise do texto digital, do ponto de vista das imagens sociais e da (im)polidez linguística, tenha rele- vância para o ensino, principalmente porque nosso aluno vive e vai continuar a viver em um mundo mediado por objetos digitais. Escrevi, com Marisa Carneiro, um texto sobre a oralidade em livros didáticos de língua estrangeira, visando a uma perspectiva da Pragmática, denominado Produção oral nos livros de língua inglesa do PNLD: uma visão da pragmática linguística oral (OLIVEIRA; CARNEIRO, 2020b). ANA LARISSA ADORNO MARCIOTTO OLIVEIRA 34 De forma semelhante, com Gustavo Ximenes Cunha e Bruna Siqueira, escrevi um texto intitulado An analysis of news headlines under the light of Relevance Theory, newsworthiness and sensationalism, que analisa manchetes de jornal à luz da Teoria da Relevância (OLIVEIRA et al., 2021). Esse estudo me parece importante do ponto de vista de uma educação para as mídias, bastante urgente na contemporaneidade, eu suponho. 11) Que leituras você indicaria para quem está iniciando seus estudos na Pragmática? Para uma visão geral da área, eu sugeriria obras intro- dutórias como Birner (2021) e as que constam do Handbook of Pragmatics (HUANG, 2017). Especificamente para traba- lho de face, indicaria a leitura de The Presentation of Self in Everyday Life (GOFFMAN, 1959 [1956]), e os trabalhos de Brown e Levinson (1987) e de Leech (1983), que inauguram a Teoria da Polidez. Especificamente na área de impolidez, referências importantes são Culpeper (1996, 2011a, 2011b, 2016), Culpeper et al. (2003), Bousfield (2008) e Terkourafi (2005). Do ponto de vista do ensinode línguas estrangeiras, a leitura de The Routledge Handbook of Second Language Acquisition and Pragmatics (TAGUCHI, 2019), entre outras, é bastante interessante para uma visão panorâmica do tema. 35 CIBELE BRANDÃO Universidade de Brasília (UnB) “A Pragmática investiga os sentidos invisíveis” Com a palavra, a entrevistada... 1) Como você chegou à Pragmática? Quais autores lhe serviram de inspiração? Como pesquisadora em estudos interacionais, minha principal área de atuação, tive de recorrer à Pragmática, um dos pilares da Sociolinguística Interacional, para entender os processos interacionais em seus respectivos contextos de uso. Tive a sorte de ser aluna na pós-graduação dos professores Jacob Mey e Kanavillil Rajagopalan, grandes referências CIBELE BRANDÃO 36 na área e principais responsáveis pela minha formação em Pragmática. Da formação livresca, destaco Catherine Kerbrat- Orecchioni, Jenny Thomas, Geoffrey Leech, Diana Bravo e os pioneiros oriundos da Filosofia da Linguagem e da Sociologia: Austin, Searle, Grice, Levinson, Goffman, entre outros que, por economia textual, não é possível listar. No Brasil, além do professor Rajagopalan, há muitos pesquisadores trabalhando com Pragmática, embora não se identifiquem como prag- maticistas, tais como sociolinguistas, analistas de discurso, estudiosos de línguas indígenas, linguistas de texto. Enfim, todos que têm interesse em investigar a linguagem em uso com dados reais e, portanto, não imaginários ou idealizados. Com pesquisadores de áreas afins, também tenho aprendido muito. 2) Quais são suas produções em revistas e/ou em livros impressos ou eletrônicos mais relevantes na Pragmática? Tenho certa dificuldade em responder a essa pergunta. Como sociolinguista, minhas publicações se enquadram, em geral, nessa área, mas com fortes incursões pragmáticas de grande valia para meus estudos. Tenho alguns artigos publicados em revistas e livros, especialmente sobre polidez, tema a que me dediquei nos últimos anos de trabalho na Universidade de Brasília. Registro aqui algumas publicações CIBELE BRANDÃO 37 sobre polidez com análises de ordem pragmática que considero representativas sobre o tema de pesquisa a que eu vinha me dedicando até então, assim como publicações correlatas: Brandão (2005), Brandão e Brandão (2013), Brandão e Sathler (2014), Brandão (2016) e Albuquerque e Brandão (2017). 3) Considerando que a Pragmática é uma Ciência, quais são seus procedimentos metodológicos e suas principais categorias analíticas? A tradição da metodologia etnográfica, com adaptações, serve de norte para a realização de microanálises interacionais em interações face a face, combinadas com abordagens meto- dológicas adicionais, como a da Análise da Conversação e a da Análise de Discurso. O tratamento da Análise de Discurso como metodologia segue a orientação de Schiffrin (1996) e de Johnstone (2000). Em se tratando de dados preexistentes à pesquisa, como o registro de gravações de filmagens e textos impressos, utilizamos a análise documental. Relativamente a critérios de análise, adotamos tanto os de ordem linguística (lexical, fonético-fonológico, sintático) quanto os de ordem não linguística, como a cinésica (movimentos corporais) e a proxêmica (utilização e percepção do espaço social e pessoal). São considerados ainda critérios de análise em interações CIBELE BRANDÃO 38 face a face o controle nas tomadas de turno, a velocidade da fala e a entonação. 4) Quais são as preocupações específicas da Pragmática que a diferenciam de outras teorias do texto? O que a Pragmática pode então nos oferecer que não é contemplado pela Linguística tradicional? A Pragmática nos possibilita meios de compreender, em sentido mais amplo, como a mente humana funciona, como as pessoas intera- gem e se comunicam, como os falantes sinalizam suas reais intenções, e, de modo mais genérico, como os seres humanos utilizam a linguagem. O tipo de estudo realizado pela Pragmática envolve a interpretação do que significam os enunciados produzidos pelas pessoas em um contexto particular e de como o contexto influencia o que é dito. Isso requer a consideração de como os falantes organizam o que eles querem dizer de acordo com o assunto, o local, o tempo e as circunstâncias em que ocorre a interação. Assim, podemos entender a Pragmática como o estudo do significado contextual. Essa abordagem também explora como os interlocutores podem fazer inferências sobre o que é dito, a fim de alcança- rem uma interpretação adequada do sentido pretendido pelo CIBELE BRANDÃO 39 locutor. Explora como uma grande quantidade de informação ausente da estrutura linguística é reconhecida como parte do que é comunicado, embora não seja dita efetivamente por meio de palavras. Poderíamos assim dizer que a Pragmática investiga os sentidos invisíveis, ou seja, estuda como a comu- nicação transcende o dito. A vantagem de estudar a linguagem pela Pragmática é que, por meio dela, podemos investigar os sentidos pretendidos pelos falantes, as pressuposições, os propósitos comunicativos e os tipos de ações que são desem- penhados enquanto falamos (por exemplo, em pedidos, em desculpas, em agradecimentos etc.). Nessa perspectiva, o uso da linguagem é visto como uma forma de ação, pois quando usamos a língua para interagir com os outros, estamos sempre fazendo coisas, de acordo com a visão austiniana. Desse modo, a Pragmática contribui para as pesquisas na área de texto ao propiciar uma base analítica e interpretativa para a construção de sentidos nos textos. CIBELE BRANDÃO 40 5) Pesquisar implica não só ter o conhecimento de con- ceitos e de procedimentos analíticos mas também saber as possibilidades de seu campo de investigação. Poderia ressaltar delimitações bem como interfaces de sua abor- dagem teórico-analítica? A Pragmática é, pela sua própria natureza, área interdis- ciplinar, relacionando-se com a Filosofia e com a Linguística, mas com incursões nas Ciências Cognitivas, na Psicologia, na Sociologia, na Antropologia, nos Estudos Culturais e até no estudo de outras semioses que não as linguísticas, como aquelas que envolvem a comunicação não verbal, tais como expressão facial, prosódia, códigos gestuais, entre outros. A importância da Pragmática para os estudos interacionais reside no fato de possibilitar a compreensão da significân- cia social dos padrões de uso linguístico, que transcendem os significados referenciais, possibilitando-se explicação plausível sobre os sentidos que se constituem nos processos interacionais. CIBELE BRANDÃO 41 6) Até que ponto os temas clássicos da Pragmática se redi- mensionam contemporaneamente? Se possível, ilustre sua resposta fazendo menção a algum(ns) tema(s). O estudo de inferências, de pressupostos, de dêixis, de implicaturas etc. se atualiza conforme as necessidades de uso e os contextos em que se realizam. Assim, a Pragmática é sempre um campo aberto a novas investigações, com perspectivas de análises em que os contextos se renovam. A nova realidade de interações em diferentes redes sociais – home office nas interações de trabalho, lives, aulas virtuais que se impuseram durante a pandemia da covid-19, por exemplo – são contextos que podem dar margem à descoberta de diferentes estratégias de uso da linguagem. Para ilustrar a aplicação dos temas clássicos da Pragmática, como inferências e atos indiretos de fala, há alguns anos, orientei tese de doutorado no Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade de Brasília que investigou estratégias de (im)polidez no Supremo Tribunal Federal, algo improvável de uma análise pragmática antes das transmissões ao vivo pela TV Justiça pelo acesso anteriormente limitado às sessões desse Tribunal. CIBELE BRANDÃO 42 7) A quais avanços da Pragmática na contemporaneidade daria destaque e como vê os desafios de seu futuro? Os estudos sobre polidez têm sido um campo fértil para a aplicaçãoda Pragmática. Vivemos um período de muita intolerância com a diversidade, com o contraditório, época de exacerbadas polarizações. Cada vez mais as pessoas pro- curam se fechar em redes e em grupos que defendem posições semelhantes, tornando-se agressivas com os que pensam de modo diferente do seu. Penso que a Pragmática pode lançar luzes nas pesquisas sobre polidez, chamando a atenção para questões sociais que se constituem nos relacionamentos entre as pessoas. Como diz o professor Rajagopalan, a Pragmática é considerada um “saco de gatos”, pelo ecletismo de sua abor- dagem teórico-analítica. Seu grande desafio ainda será a sua consolidação como área de pesquisa reconhecida e presente nos cursos de Linguística e de Letras. 8) De que maneira a Pragmática pode trazer contribuições decoloniais, pós-modernas e críticas para os estudos da linguagem? A Pragmática pode revelar em suas análises o que se passa verdadeiramente nas trocas interacionais, os sentidos que vão se constituindo no discurso. Embora não seja comprometida CIBELE BRANDÃO 43 com denúncias sociais, como a Análise de Discurso Crítica, as análises pragmáticas podem indiretamente desvelar relações de poder que se constituem nas interações interpessoais, na medida em que analisa e interpreta pressupostos, implícitos, ações não verbais, atos indiretos, inferências, que podem veicular ações opressivas, discriminatórias, hierárquicas de controle e de autoridade sobre o outro. 9) Como a Pragmática se distingue e, ao mesmo tempo, se beneficia/aproxima dos estudos da interação? A Pragmática contribui para ampliar nossa compreensão do funcionamento da linguagem nos processos interacionais. Com suas lentes, ampliamos o raio de visão sobre o que se passa em diferentes contextos de uso linguístico, pois suas análises permitem ir além dos limites linguísticos, do que é efetivamente dito na interação com os outros. Os estudos interacionais buscam mostrar como as pessoas agem em dife- rentes contextos, e a Pragmática auxilia essa análise revelando os sentidos veiculados nas interações. 10) Dos resultados de seus trabalhos, seria possível indicar contribuições para o ensino? A sala de aula sempre foi um contexto de interesse em minhas pesquisas, talvez por ter dedicado toda a minha CIBELE BRANDÃO 44 vida profissional ao magistério. A investigação de estratégias interacionais do professor relativamente à variação estilística foi objeto de estudo da minha tese de doutorado. Desde então, orientei várias pesquisas contextualizadas em sala de aula, muitas voltadas para o ensino de português para estrangeiros. Publiquei também artigos sobre estudos interacionais em contexto educacional. As pesquisas aplicadas ao ensino serão sempre bem-vindas se contribuírem para a sua melhoria. Acredito que essas pesquisas possam contribuir para a reflexão e o aprimoramento da práxis pedagógica do professor, tendo em vista a maneira como interage com seus alunos. 11) Que leituras você indicaria para quem está iniciando seus estudos na Pragmática? Quando ministrava o curso de Pragmática na graduação, especialmente na Educação a distância, costumava produzir textos didáticos bem objetivos e introdutórios para situar os alunos na área. Infelizmente, nunca reuni esses textos para publicá-los. Sugiro começar pelos títulos tipo “o que é Pragmática”. Depois, ir direto à fonte dos pioneiros, em que é possível encontrar os conceitos e os princípios-chave da Pragmática, como Leech (1983), Thomas (1995), Mey (2001), Bravo e Briz (2004), Levinson (2007); assim como autores que CIBELE BRANDÃO 45 dão base à área, como Austin (1955), Searle (1969), Grice (1975) e Goffman (1967). Grande parte da literatura encontra-se já traduzida. 46 DALE A. KOIKE1 University of Texas at Austin (UT Austin) “A Pragmática capta a pro- gressão da coconstrução de sentidos na fala” Com a palavra, a entrevistada... Em primeiro lugar, agradeço muito aos editores deste volume pelo convite a me incorporar nesta discussão sobre a Pragmática, assunto que tem sido a paixão da minha vida. Devo dizer que todos os meus comentários representam, na maior parte, o ponto de vista de alguém dos Estados Unidos 1 Agradeço muito aos colegas Beth Jackson e Ricardo Gualda, pela ajuda com a linguagem. DALE A. KOIKE 47 que tem lido e trabalhado, em geral, com a bibliografia sobre Pragmática com orientação nos mundos anglo-americano e hispano (em conexão com o meu trabalho, como professora de linguística hispana), o que cria imediatamente certo pre- conceito. Claro que tenho feito um esforço grande para me informar sobre estudos de Pragmática em português e em francês, mas o meu conhecimento, com certeza, falta nesses domínios. Huang (2006, p. 4) comentou a divisão no campo a partir de duas perspectivas: a “Continental”, que vem da Europa, e a “Anglo-Americana”. Na primeira, considera-se que a Pragmática deveria apresentar uma perspectiva fun- cional em cada aspecto do comportamento linguístico, bem como considerar o trabalho de outros campos, tais como a Sociolinguística, a Psicolinguística e a Análise do Discurso. Na segunda, a perspectiva da escola anglo-americana vê o lugar da Pragmática como parte do campo da linguística, igual à fonologia, à sintaxe etc. Desde que Huang (2006) escreveu isso, a divisão entre as duas perspectivas diminuiu bastante, com interfaces nos dois lados. Mesmo assim, a divisão continua até certo ponto, criando-se diferenças de perspectivas. Essa divisão não é necessariamente um aspecto negativo, se os dois lados ganharem algo de positivo um do outro. DALE A. KOIKE 48 1) Como você chegou à Pragmática? Quais autores lhe serviram de inspiração? Para a minha tese de doutorado, estudei a variação no uso do infinitivo flexionado no português do Rio de Janeiro, no Brasil (para a minha grande sorte, tive a oportunidade de trabalhar com o Dr. Anthony Naro, da UFRJ, e a turma dele, quando estive lá). Esse estudo me levou a questionar a variação dos significados de acordo com as formas diferentes que a mesma pessoa usava. Dessa maneira, descobri que havia um campo inteiro da linguística que, até então, desconhecia: a Pragmática. Esse campo, nos anos 1970, estava se expandindo rapidamente na Europa, com base, por exemplo, em Ludvig Wittgenstein (1958), mas relativamente menos investigadores norte-americanos dedicavam muita atenção a ele – exceções incluíam, por exemplo, John Searle (1969)2, que se aproximava muito do filósofo inglês John Austin (1955), e do americano Erving Goffman (1967). Depois, mais linguistas nos Estados Unidos expandiram o alcance da pesquisa fora do marco dominante de Noam Chomsky, a fim de olhar, além da estru- tura sintática, para um domínio mais amplo de estrutura e de léxico em contexto. Quanto mais estudasse essa área, mais me fascinavam o objeto de estudo e as maneiras de estudá-lo. 2 Por falta de espaço, trago apenas um exemplo das publicações dos autores. DALE A. KOIKE 49 Inspiravam-me (e aqui não menciono só americanos): H. Paul Grice (1975), Erving Goffman (1974), Elizabeth Bates (1976), Deborah Tannen (1989), Jacob Mey (1985), Henk Haverkate (1984), Shoshana Blum-Kulka, Juliane House e Gabriele Kasper (1989), Stephen Levinson (1983). Há tantos! 2) Quais são suas produções em revistas e/ou em livros impressos ou eletrônicos mais relevantes na Pragmática? Quase todo o meu trabalho até hoje é relacionado à Pragmática, seja em espanhol, seja em português, língua nativa ou segunda (ou terceira; L1, L2), do falante nativo ou do aprendiz. Contudo, os trabalhos que considero mais importantes para a Pragmática de L1 e L2 são os que menciono a seguir, listados do mais recente ao menos recente, em que assinalo com asterisco aqueles mais relacionados/úteis ao estudo da aquisição ou do ensino: • Livros-texto e coleções: Koike e Félix-Brasdefer (2020); e Koike e Blyth (2015). • Artigos em revistas e capítulos de livros:Koike (2021)*; Koike, León e Pérez-Cejudo (2021, aop); Koike (2017); Koike e Witte (2017); Gironzetti e Koike (2016)*; Koike e Blyth (2016)*; Koike e Lacorte (2014)*; Blyth e Koike (2014); Koike (2008)*; Koike e Pearson (2005)*; Koike, DALE A. KOIKE 50 Vann e Busquets (2001); Koike (1998)*; Koike (1995)*; Koike (1989a)*; e Koike (1989b)*. • Livros-texto: Koike e Klee 2013*. 3) Considerando que a Pragmática é uma Ciência, quais são seus procedimentos metodológicos e suas principais categorias analíticas? Recentemente, escrevi um capítulo que traça os métodos que considero mais frequentes e, ao mesmo tempo, mais úteis para se estudar Pragmática (KOIKE, 2021). Os métodos e as categorias, com certeza, têm de corresponder aos objetivos do estudo, e esperemos que o campo continue a se desen- volver, com novas questões, com novos temas e com novos contextos. Por muitos anos, os pesquisadores ficaram com temas “seguros” e mais estruturalistas, como atos da fala, porque são fáceis de identificar e de categorizar. Contudo, percebendo que se devia estudar como os dois interlocutores criam em conjunto cada ato de fala, e que o ouvinte tem de entender e ratificar a intenção do ato de fala para que o ato seja realizado com sucesso, reconheceu-se a necessidade de se estudar a Pragmática no contexto do diálogo e de se adotar uma perspectiva dinâmica para a análise. Dessa forma, o DALE A. KOIKE 51 contexto do diálogo se tornou o foco de estudo para muitos, e para mim também. Esse tipo de contexto para o estudo da Pragmática, por- tanto, criou demanda para novos métodos, novas categorias e novos procedimentos para a coleta de dados. Também se criaram novas questões, por exemplo, qual seria a melhor maneira de estudar intercâmbios na interação?; de que modo o pesquisador deveria estruturar o diálogo para que se gerem dados confiáveis e válidos?; quais deveriam ser as categorias de análise para a Pragmática no diálogo? etc. Embora se criem mais problemas, vejo esse desafio como um aspecto positivo, ampliando o nosso conhecimento da Pragmática. Grande parte do meu trabalho é relacionado à Pragmática no diálogo, e confesso que é um contexto difícil de se estudar. Muitos dos modelos anteriores do diálogo – por exemplo, em Jean-Claude Anscombre e Oswald Ducrot (1983) – estavam mais interessados na estrutura e no significado, com pouca atenção prestada aos participantes como atores, simplesmente porque não era o foco do trabalho deles. Entretanto, é difícil identificar as categorias de análise para o diálogo em uma perspectiva sociolinguística e sociocultural. Quais seriam as categorias para a questão de como os participantes na conversa criam o significado? Mesmo considerando o marco da Análise de Conversação (SACKS et al., 1974), em que as DALE A. KOIKE 52 categorias incluem a alternância de turnos, os pares adja- centes, as sequências e a organização de preferência com o objetivo de descrever a interação, deveria ser perguntado onde a Pragmática se encaixa e por que a Pragmática está relacio- nada ao significado no contexto. Então, torna-se importante olhar como a estrutura reflete o significado pragmático que os falantes estão tentando transmitir, o que quer dizer que é importante pensar nas opções e nas estratégias de comunica- ção que os participantes na fala escolhem para comunicar a mensagem, bem como nas maneiras pelas quais os ouvintes escolhem entendê-la. Recentemente, Cecilia Tocaimaza e eu, em estudo a ser publicado, usamos as categorias de recursos interacionais do modelo de Young (2019) para examinar o diálogo, especial- mente no contexto de aprendizes de espanhol como L2 em interação com falantes nativos. O que eu gosto desse modelo é que ele guia o pesquisador em três dimensões diferentes – mas entrelaçadas – da interação, no que diz respeito aos recursos que os participantes usam: identitários, linguísticos e interacionais. Os três recursos podem ser descritos como tal: “identitários” (como as identidades são coconstruídas – dinâmica e socialmente – pelos dois participantes); “lin- guísticos” (como os participantes coconstroem significados experienciais, interpessoais e textuais, incluindo-se pronúncia, DALE A. KOIKE 53 vocabulário e gramática) e “interacionais” (como as estratégias são usadas na interação, por exemplo, atos da fala, alternância de turnos). Esses recursos, portanto, permitem a exploração de como o significado é criado por meio das identidades dos participantes enquanto falam, como se constroem significados linguisticamente e como a fala se coconstrói enquanto pro- gride através do tempo. Esse tipo de estudo também implica que o foco esteja no significado pragmático coconstruído no diálogo, com todas essas categorias de recursos em jogo. O nosso estudo examina as interações de uma aprendiz de herança hispana em espanhol nos diálogos com vários falantes nativos na Espanha durante uma experiência de serviço em um programa de estudos no exterior. Revela-se um perfil dessa participante e aspectos de sua personalidade enquanto ela fala com essas pessoas em particular; e as palavras que utiliza, conscientemente ou não, indicam suas origens como falante de herança hispana e sinalizam as estratégias empregadas para construir as mensagens com os outros. 4) Quais são as preocupações específicas da Pragmática que a diferenciam de outras teorias do texto? Eu não sei muito bem o que quer dizer “outras teorias do texto”, porque não acredito que a maior parte dos estu- dos sobre Pragmática aborde o texto em si. Quero dizer, há DALE A. KOIKE 54 estudos sobre Pragmática no texto (por exemplo, Teun van Dijk (1976), para a Pragmática na linguagem e na literatura), e outros que examinam a Pragmática, por exemplo, em tex- tos de e-mail, como Félix-Brasdefer (2012), mas acho que a maior parte do trabalho sobre Pragmática estuda a interação oral, simplesmente: (1) por causa das dificuldades que se encontram devido à natureza mais estática do texto escrito; e (2) por ser impossível ver as reações do leitor, a não ser que haja algum tipo de diálogo gravado com o escritor, como em uma janela de conversa ou em diálogos escritos. Mesmo assim, o texto original normalmente fica sem modificação. Sem saber a reação do leitor ou do ouvinte, não é possível ver como se entendeu a mensagem, e o autor do texto não pode responder em tempo real ao leitor/ouvinte; então não há uma coconstrução de significado para se observar. Ao mesmo tempo que digo isso, a linha entre a Pragmática e a Análise do Discurso não está bem definida, sendo mais produtivo se referir a uma interface entre os dois campos. Em vez de dizer “Este trabalho não tem nada a ver com Pragmática”, ou “este trabalho não se encaixa em uma coleção sobre Discurso”, seria melhor falar sobre um contínuo de trabalho em que se podem agrupar certos trabalhos sobre Pragmática, que se orientam a um aspecto da Pragmática em particular, ou outros que são mais orientados ao Discurso, DALE A. KOIKE 55 mas também estão relacionados a categorias do discurso ou outros agrupamentos. A maior parte dos volumes que incluem trabalhos sobre várias modalidades (oral, escrita etc.) concentra-se mais em uma divisão temática do que em uma divisão de modalidade. Por exemplo, a coleção editada por Lori Czerwionka, Rachel Showstack e Judith Liskin-Gasparro (2022) ilustra o tema do discurso coconstruído em vários contextos, concentrando-se na Pragmática e se refletindo, sobretudo, sobre o discurso oral. 5) Pesquisar implica não só ter o conhecimento de con- ceitos e de procedimentos analíticos mas também saber as possibilidades de seu campo de investigação. Poderia ressaltar delimitações bem como interfaces de sua abor- dagem teórico-analítica? Adoro falar sobre as interfaces no campo da Pragmática, porque esse campo abre muitas possibilidades. Já falei sobre como o campo é amplo e flexível, com muitas possibilidades para se trocareminformação e perspectivas com outros cam- pos, como a Sociolinguística, a Comunicação, a Sociologia, a Filosofia, a Psicologia, os Estudos do Diálogo, a Linguística Aplicada, o Direito etc. Além desses, têm surgido muitos estudos que exploram a Pragmática em uma variedade de contextos, de modo que posso citar, em espanhol, estudos DALE A. KOIKE 56 da Pragmática no exterior (PÉREZ-VIDAL; SHIVELY, 2019; LLANES, 2020); sobre o discurso médico (HARDIN, 2020), aquisição de L2 (PEARSON; HASLER-BARKER, 2020), rastreamento ocular (GIRONZETTI, 2020), fonética (ESCANDELL-VIDAL; PRIETO, 2020) e sobre discurso digital (BOU-FRANCH, 2020), para citar só alguns. Todos eles, e outros, proporcionam um contexto rico para a expressão pragmática. No entanto, às vezes, é difícil estabelecer o limite entre o que é a Pragmática e o que não é. Por exemplo, se alguém estudar a estrutura de um conjunto de diálogos e encontrar evidência de poder e dominância na conversa por uma única pessoa, teríamos um estudo da Pragmática, da Comunicação, da Sociolinguística, do Discurso, ou o quê? A resposta mais fácil é que pode ser tudo o que precede, mas a direção em que o pesquisador levar o estudo vai determinar que área(s) vai(ão) abordar de forma mais completa. Essa flexibilidade, eu acho, faz parte da atração da Pragmática. Então, acredito que o campo tem muito mais possibilidades do que limitações (isso dito do ponto de vista de uma pragmaticista). Uma crítica apontada à Pragmática é que o campo está baseado demais na conjectura. Como o pesquisador pode saber como um enunciado pretendia ser entendido pelo falante? Como podemos saber como foi, de fato, entendido DALE A. KOIKE 57 pelo ouvinte? Claro, as respostas do ouvinte podem confirmar o que o pesquisador teria hipotetizado a respeito de como um enunciado foi entendido (a não ser que a resposta fosse feita sem a intenção de revelar como o enunciado foi, de fato, entendido). Um desafio para o futuro será encontrar maneiras de obter mais evidência sobre como o enunciado foi realmente compreendido pelo ouvinte. 6) Até que ponto os temas clássicos da Pragmática se redi- mensionam contemporaneamente? Se possível, ilustre sua resposta fazendo menção a algum(ns) tema(s). Os temas clássicos da Pragmática (por exemplo, os atos da fala, as implicaturas, a dêixis) estão reaparecendo em estudos mais recentes, gerando novas perspectivas e aplicações em con- textos novos, ou às vezes expandindo o tema em particular, ao mesmo tempo que os pesquisadores veem novos aspectos nos dados, o que é fantástico para o campo. Já mencionei alguns desses contextos na pergunta 5. Para dar outros exemplos, considerando-se a Pragmática no discurso médico, Hardin (2013) examina a comunicação implícita em reclamações e a sabedoria popular de pacientes no Equador durante consultas médicas, baseando a análise na compreensão por meio das Máximas de Grice. A autora (2013) mostra as variáveis contex- tuais que, às vezes, se sobrepõem e complicam as inferências DALE A. KOIKE 58 (por exemplo, os pacientes falando espanhol nativo versus não nativo), suposições culturais feitas tanto pelo paciente quanto pelo médico, e o modo como os médicos podem utilizar processos inferenciais para entender a comunicação dos pacientes. Portanto, esse trabalho é baseado nas Máximas de Grice, mas transcende essa perspectiva, ao mostrar uma aplicação aos problemas de hoje, assim como ao adicionar considerações específicas à cultura e às sociolinguísticas. Outro exemplo da maneira que a categoria pragmática básica dos atos da fala pode ser examinada sob nova luz é o de Félix-Brasdefer e Yates (2019), em que analisam as formas de pedidos em encontros de serviço em pequenas lojas, onde o cliente solicita algum produto ao fornecedor. O objetivo deles era descobrir as estratégias para fazer pedidos por clientes em três lugares (Cidade do México, Buenos Aires e Sevilha) e as formas pronominais (tú, usted, formas de tratamento, como sobrenomes) usadas pelos clientes e pelos fornecedores, considerando-se a variação pragmática regional. Formas preferidas de pedidos variavam segundo a região, tal como outras características de pedidos usados pelos participantes. O estudo é baseado em categorias tradicionais de atos de fala, mas os autores conseguiram dados mais complexos, a partir da criação de outras categorias de análise, como as variáveis de estratégias diretas e indiretas, a modificação interna (por DALE A. KOIKE 59 exemplo, uso de “por favor”), localizando-se, na interação, as variações pragmáticas que ocorreram, adicionando-se mais dimensões. Por meio desses estudos mais recentes, o nosso conheci- mento de categorias pragmáticas tradicionais fica enriquecido com informação nova, o que ilumina a complexidade das categorias na medida em que ocorrem no contexto das inte- rações. Além dos estudos novos nos contextos mencionados anteriormente, vemos uma miríade de variações pragmáticas usadas nas interações, dependendo de fatores, tais como: a relação entre os participantes da conversa, o contexto, o tipo de mensagem, e os elementos da fala, como tom, postura; e “movidas” discursivas, com o intuito de gerar alinhamento entre os interlocutores. 7) A quais avanços da Pragmática na contemporaneidade daria destaque e como vê os desafios de seu futuro? O estudo da pragmática tem de mudar com o tempo e com as novas maneiras para as pessoas se comunicarem umas com as outras, seja face a face, seja virtualmente, seja por modalidade escrita, seja por comunicação não verbal etc. No entanto, com as novas modalidades, aparecem outros desafios para o pesquisador. Por exemplo, a maior parte das pessoas DALE A. KOIKE 60 passa muito tempo em comunicação on-line, por e-mail, por mídias sociais, por conversa em janelas ou mensagem de texto. Embora haja muitos dados pragmáticos disponí- veis para se estudar esses contextos, um desafio é fazer uma análise de dados anônima, na qual talvez se veja um apelido ou algum tipo de nome falso, mas que não tenha qualquer outra informação sobre a pessoa fora do que ela escreva. Essa falta de informação torna muito difícil a possibilidade de o pesquisador interpretar qualquer tipo de mensagem implícita. Outra área de estudos que está crescendo muito rapida- mente é a de estudos de percepção, em que os participantes, por exemplo, deveriam escutar ou olhar alguma coisa (como uma série de tweets no Twitter, conforme pesquisaram Koike, Vann e Busquets, 2021) e os avaliar em níveis de (des)cortesia, podendo comentar sobre eles. Esse tipo de estudo tem se tornado popular, considerando-se que a covid-19 criou muitas dificuldades para recolher dados ao vivo de qualquer tipo. Contudo, o desafio agora, pelo menos nos Estados Unidos, é o recrutamento de participantes, especialmente devido ao fato de que mais revistas de pesquisa e outras casas editoras (e os próprios editores) demandam números maiores de par- ticipantes nesses estudos para permitir qualquer afirmação e conclusão. Se o recrutamento também precisar ser feito on-line, é muito mais fácil para os candidatos prospectivos DALE A. KOIKE 61 negarem a participação, considerando-se que nunca terão conhecido ou até visto o recrutador, mas simplesmente rece- beram um e-mail de convite. O mesmo problema de recrutamento de participantes existe para estudos do diálogo, o que destaquei antes em termos de um contexto ideal e mais natural para o estudo da Pragmática. Conforme as regras para pesquisas sob condições da pandemia, a maior parte da filmagem parou, mesmo com participantes dispostos. De todo modo, como seria possível captar aspectos pragmáticos, a partir, por exemplo, de sorrisos e de movimentos faciais, quando se exige usar máscara ou até quando esse uso for pedido por um ou mais participantes? Uma área nova da Pragmática é a do rastreamento de olhos (GIRONZETTI, 2020), na qual os movimentos dos olhos são rastreadospor instrumentos sensíveis para ganhar acesso ao processamento de ordem superior do cérebro, como no processamento do discurso e na resolução da ambiguidade. Gironzetti (2020) examina a aplicação do rastreamento de olhos para explorar aspectos de processamento enquanto apresenta aos participantes informação relacionada à prag- mática, como expressões idiomáticas, ironia, prosódia, cog- nição e comportamento social, alternância de turnos, dicas faciais, olhar fixo etc. Embora esse definitivamente seja um novo campo promissor de pesquisa, um problema tem sido DALE A. KOIKE 62 o alto custo do equipamento (custos, contudo, que parecem diminuir com o tempo). Sendo campo novo, ainda está na fase experimental de encontrar os melhores métodos de pesquisa para se usar em vários estudos. Porém, as possibilidades que esse campo oferece para ganhar percepções novas da pragmática valem a pena. Já mencionei várias vezes que precisamos olhar o diálogo natural para explorar a pragmática usada sob condições natu- rais (não de laboratório). Claro que, desse contexto, brotam outros desafios, como o de encontrar a fala “natural” com o mínimo de intervenção possível, mas, ao mesmo tempo, assegurar algum tipo de comparabilidade em todos os gru- pos de dados. É muito útil ver como as pessoas processam a informação pragmática ao mesmo tempo que falam, ao pedirmos que elas comentem retrospectivamente sobre o que estavam pensando e como se sentiam em momentos dados durante as interações videogravadas delas (recomendo a leitura de Koike, Vann e Busquets, 2021). Logo, a questão do papel do pesquisador também deveria ser considerada na discussão, desvelando-se, por exemplo, até que medida isso afeta os resultados, e ainda como o próprio conhecimento e a experiência do pesquisador podem influenciar nos resultados. DALE A. KOIKE 63 8) De que maneira a Pragmática pode trazer contribuições decoloniais, pós-modernas e críticas para os estudos da linguagem? Esses são temas importantes, bastante recentes ou temas velhos com uma nova “torção”, que são interessantes, mas até agora não tenho escrito nada sobre eles. Todavia, acho que qualquer perspectiva crítica tem a possibilidade de levantar novas questões que os linguistas precisam encarar. 9) Como a Pragmática se distingue e ao mesmo tempo se beneficia/aproxima dos estudos da interação? Se voltarmos ao objetivo geral da Pragmática, de estudar a comunicação e a compreensão do significado em contexto, temos de pensar sobre o que quer dizer “contexto”. Acho que, em todas as minhas respostas anteriores, eu me aproximo da Pragmática ao considerar a aplicação no contexto de uso da linguagem, o que significa comunicar-se com outras pessoas. Essa comunicação acontece no contexto de algum tipo de interação, seja face a face, seja na escrita. Para resumir o que disse anteriormente, ao invés de olhar a linguagem em frag- mentos pequenos e isolados (atos de fala), especialmente só a linguagem comunicada de um falante, sem olhar as respostas DALE A. KOIKE 64 de outros a esse fragmento de linguagem, deveríamos nos voltar ao diálogo para ver a coconstrução de sentidos. Devemos considerar também o uso dos termos “discurso”, “diálogo” e “interação” para questionar se eles se referem à mesma coisa. “Discurso” é um termo muito amplo e, segundo eu entendo, significa qualquer tipo de comunicação humana, em qualquer modalidade (oral, escrita, virtual etc.). “Diálogo” é um tipo mais específico de discurso, normalmente denotando a comunicação face a face entre duas pessoas ou mais em dado momento, mas que pode ocorrer por meio de modalidades escritas, como na janela de bate-papo. A “interação”, do meu ponto de vista, é quase sinônima ao diálogo, mas que só ocorre na comunicação face a face. Contudo, tem de se ter em mente que esses são apenas os meus entendimentos dos termos. As categorias amplas de análise podem incluir vocabulário, tempos verbais, orações, proposições, gêneros, estruturas de texto etc., para ver como (tais categorias) contribuem para criar dado sentido. Ao mesmo tempo, há temas de discurso e categorias que atravessam a pragmática, como a comunicação não verbal, o uso de marcadores, os sinais de contextualização etc. Também há teorias usadas em todos os três campos, como a Teoria da Relevância, a Etnometodologia e a Análise da Conversação. Há sociolinguistas e analistas do discurso que trabalham com a Pragmática e vice-versa. Em minha DALE A. KOIKE 65 opinião, realmente não importa que haja muito cruzamento entre todas essas áreas, e esperemos que possam enriquecer o trabalho com ideias, perspectivas e teorias em comum. Para responder mais diretamente à sua pergunta, a Pragmática antes era distinguida mais facilmente por “estu- dos de interação” em um sentido sociolinguístico, porque muitos estudos de interação frequentemente examinavam, normalmente por meio de uma microanálise de turnos, o que estava ocorrendo turno por turno (por exemplo, MORI; YANAGIMACHI, 2015). A Pragmática estudava mais tipi- camente atos de fala, mostrando um turno e possivelmente uma resposta a ele, mas um número crescente de pesquisas pragmáticas depois começou a estudar os turnos de uma maneira microanalítica: a Pragmática capta a progressão da coconstrução de sentidos na fala. Mais recentemente, os linguistas que trabalham com a Pragmática estão adicionando informações sobre os parti- cipantes nas análises da conversa, enriquecendo-se, assim, a análise e as conclusões, ao se adicionarem identidades e infor- mação sobre seus antecedentes e, como disse anteriormente, incluindo o que eram as memórias dos processamentos de pensamentos em certos momentos de fala. DALE A. KOIKE 66 10) Dos resultados de seus trabalhos, seria possível indicar contribuições para o ensino? Já que mais da metade do meu trabalho é sobre a Pragmática em contextos de aquisição de L2 (alguns dos meus trabalhos mais importantes nesse campo estão marcados com asterisco na questão 2), espero que eu tenha contribuído para aquisição e para o ensino de L2, especificamente no ensino de espanhol como L2. Focalizando os estudantes, estou muito interessada em como os aprendizes de L2 adquirem a pragmática da L2, um aspecto que não é fácil, já que precisam saber não só as palavras, a sintaxe, a gramática etc. mas também precisam entender a cultura, as implicaturas, as maneiras de falar em dados contextos e de lidar com um conjunto de expectativas sobre os diferentes marcos que ocorre em dados contextos com pessoas diferentes. Além disso, precisam saber interagir de forma adequada, reconhecendo uma série de expectativas de pessoas da cultura da L2 (isto é, a gama de respostas aceitáveis para dada situação). Por isso, está claro que envolve não só um conhecimento da língua até certo grau, mas também um nível de experiência que forma parte de um fundo de expectativas. Se isso é difícil de aprender em L1, em L2, exige-se muito mais do que só a linguagem para aprender a pragmática. Eu tenho tentado lidar com esses aspectos no meu trabalho, examinando as expectativas, os marcos, a cortesia, a transferência de atos DALE A. KOIKE 67 de fala e as implicaturas, o ensino e a aprendizagem da prag- mática, e a pragmática de L3. Precisamos saber mais sobre como as pessoas comunicam, coconstroem e interpretam a pragmática, e depois tentar ensinar algo desse conhecimento a aprendizes da L2 de maneira significativa. Também preci- samos encontrar mais maneiras de colocar os alunos de L2 em situações naturalísticas para aprender a pragmática em comunicação com falantes nativos, por exemplo, a aprendi- zagem baseada em projetos (Project-based learning) ou em tarefas (Task-based learning), a aprendizagem por serviço, e outras formas de motivá-los a trabalhar dentro de/em conjunto com comunidades de falantes nativos. A respeito de aplicações da Pragmática ao ensino, vejo uma grande utilidade no aprendizado de línguas,
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