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DESCRIÇÃO Análise dos movimentos de emancipação política ocorridos entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX, nas Américas, na África e Ásia. PROPÓSITO Associar os processos conhecidos como descolonização que ocorreram nas Américas, na África e Ásia nos séculos XIX e XX, observando semelhanças que nos permitam percebê-lo como um movimento histórico. OBJETIVOS MÓDULO 1 Identificar as independências das Américas como um dos processos de rompimento com o colonialismo histórico MÓDULO 2 Reconhecer os processos de resistência e ruptura com o colonialismo na África MÓDULO 3 Apontar os processos de descolonização na Ásia DESCOLONIZAÇÕES: A DISSOLUÇÃO DO MUNDO COLONIAL EUROPEU O termo descolonização evidencia a relação histórica de controle do continente europeu em relação a países da América, África e Ásia, sinalizando para o momento de ruptura em relação a esse domínio, mas também para as continuidades e marcas deixadas pelo colonialismo na formação social desses países. A descolonização não significou, portanto, o inteiro desaparecimento de elos entre com as antigas metrópoles e as novas nações, mas a manutenção de vínculos de pertencimento cultural, político, econômico e social. Em alguns casos, sabemos que os Estados nacionais foram um passo importante rumo à soberania, mas isso não anulou a condição periférica e de dependência de muitas regiões em relação às heranças negativas do colonialismo. É possível dizer, inclusive, que a descolonização aprofundou crises e problemas produzidas pelo colonialismo. O termo descolonização sugere, assim, uma compreensão histórica mais ampla que une países da América Hispânica, da África e da Ásia em torno de uma experiência comum de colonização, tendo como desdobramento processos que reconfiguraram o ambiente político no interior dos próprios projetos metropolitanos. Esse é o caso da Revolução Francesa, com impacto direto para o processo de descolonização da América Hispânica no século XIX; e da Guerra Fria, decisiva para os rumos da descolonização Asiática e Africana no século XX. Em muitos casos, os Estados nacionais foram um passo importante rumo à soberania, mas isso não anulou a condição de dependência de muitas regiões. É preciso realizar uma observação mais cuidadosa da dinâmica interna das lutas de libertação dos povos hispano- americanos, africanos e asiáticos frente ao colonialismo europeu; mas uma compreensão de conjunto contribui de maneira decisiva para entendermos a dinâmica internacional do mundo contemporâneo. Neste conteúdo, estudaremos essa tensão permanente entre rupturas nacionais e continuidades da herança histórica colonial. MÓDULO 1 Identificar as independências das Américas como um dos processos de rompimento com o colonialismo histórico PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA DAS AMÉRICAS Imagem: Oscar./Wikimedia commons/Domínio Público Batalha de Carabobo , por Martín Tovar y Tovar (1887). Vamos compreender o processo histórico de independência da América Hispânica no início do século XIX em uma visão de conjunto, como decorrência das transformações políticas ocorridas no último quarto do século XVIII, relacionadas aos efeitos e à difusão dos valores políticos do Iluminismo e da Revolução Francesa. INDEPENDÊNCIAS COMO UM PROCESSO ÚNICO A partir de 1808, tem início em todo o mundo hispânico uma época de profundas transformações. Enquanto a Espanha inicia uma Revolução Liberal, a América vivencia um processo que levará às independências. Trata-se, segundo o historiador François-Xavier Guerra (1992), de um processo único que surgiu da modernidade em uma monarquia do Antigo Regime e resulta na desintegração desse conjunto político em múltiplos estados soberanos. Quanto à natureza desse processo, tanto para seus protagonistas quanto para uma tradição historiográfica, trata-se, sem dúvida, de um processo revolucionário. REDUZIR ESTAS REVOLUÇÕES A UMA SÉRIE DE MUDANÇAS INSTITUCIONAIS, SOCIAIS OU ECONÔMICAS, DEIXA DE LADO O TRAÇO MAIS EVIDENTE DAQUELA ÉPOCA: A CONSCIÊNCIA QUE TÊM OS ATORES, E QUE TODAS AS FONTES REFLETEM, DE ABORDAR UMA NOVA ERA, DE ESTAR FUNDANDO UM HOMEM NOVO, UMA NOVA SOCIEDADE E UMA NOVA POLÍTICA. (GUERRA, 1992, p.13) Para Guerra (1992), a partir de 1808, o mundo hispânico iniciou sua passagem para a modernidade política por um duplo caminho. De um lado, a ruptura com o Antigo Regime, provocada pela abdicação do rei, permitiu experimentar e realizar novas formas de soberania e representação política. De outro lado, a conjuntura de crise abriu um espaço para que novas e inesperadas experiências fossem vivenciadas, permitindo aos homens daquele tempo construir conceitos, palavras e projetos como respostas aos novos desafios. O conceito de nação dava conta, em grande medida, a essa vontade de ruptura. TRANSFORMAÇÕES NA METRÓPOLE: REFORMAS E DISSOLUÇÃO DA DINASTIA DE BOURBON Durante a segunda metade do século XVIII, o mundo espanhol sofreu grandes transformações, sob o governo da dinastia Bourbon. Os reinados de Carlos III e Carlos IV (1759-1808) testemunharam o desenvolvimento de um pensamento político moderno ilustrado, baseado em princípios liberais do Iluminismo – enfatizando a liberdade, a igualdade, os direitos civis, o governo das leis, a representação constitucional e a adoção de medidas liberais na economia – entre um pequeno, porém, significativo, número de espanhóis-peninsulares e espanhóis- americanos. Imagem: Lomita/Wikimedia commons/Domínio Público Carlos IV e Sua Família , por Francisco de Goya (1801). Baseadas nessas ideias, as Reformas Bourbônicas, impostas pela metrópole espanhola às suas colônias americanas com os objetivos de ampliar a prosperidade econômica da Espanha e manter a hegemonia política, aumentaram o descontentamento de grande parte da elite colonial (criolla). O objetivo era dotar de racionalidade iluminista a administração econômica das colônias, aprofundando o domínio metropolitano sobre a colônia. ATENÇÃO Ao enquadrar o mundo hispano-americano dentro de seus interesses, a Coroa ameaçava os múltiplos interesses locais desenvolvidos durante os três séculos de colonização, seus sentimentos de autonomia e de identidade. Em 1808, o Rei Fernando VII foi forçado a abdicar do trono em função das pressões exercidas pelas tropas de Napoleão Bonaparte, pois a invasão napoleônica da Península Ibérica ocorrera em 1807, ocasionando a chamada acefalia do reino. RESUMINDO O colapso da monarquia espanhola deixou a elite liberal hispânica em condições, sem precedentes, para implementar objetivos reformistas, no sentido de diminuir a autonomia das elites criollas nas diversas regiões coloniais. Desse modo, abria-se o caminho para que essa elite liberal hispânica assumisse os poderes detidos pelo rei e começasse a debater sobre fundamentos e conceitos caros ao vocabulário político da modernidade europeia, calcados no Iluminismo e na Revolução Francesa, como soberania, representação, nação e a necessidade de dar uma nova constituição à monarquia. IMPORTÂNCIA DAS JUNTAS GOVERNATIVAS Imagem: Botaurus-stellaris/Wikimedia commons/Domínio Público Napoleão aceita a rendição de Madrid, 4 de dezembro de 1808 , por Antoine-Jean Gros (1810). A convocação das Cortes Gerais e Extraordinárias em Cádiz buscou responder as reivindicações da maioria das províncias da Espanha e de muitas partes do Novo Mundo. A criação da Junta Suprema Central Governativa do Reino, em 1808, pareceu encaminhar uma solução à crise da monarquia. Tratava-se de mais um ato de resistência ao invasor francês e de uma tentativa de conservar um Império que, àquela altura, estava em plena desagregação. O parlamento espanhol tentava, assim, proporcionar aos autonomistas americanos um meio pacífico para a obtenção do governo local. A luta pela autonomia americana foi expressa na apresentação de três reivindicações básicas: Igualdade de representação nas Cortes. Inclusão das castas no censo e na participação eleitoral.Autonomia administrativa para as diversas províncias da América. Esse corpo reconhecia não apenas os direitos das províncias espanholas, mas também os dos reinos americanos, e os referendava como partes integrantes e iguais da monarquia, possuidores, nessa condição, do direito à representação no governo. No entanto, os termos dessa participação foram vistos de formas distintas por europeus e americanos. Pelos critérios propostos nesse momento, os americanos só teriam nove representantes (um por cada vice-reino e capitania-geral) em um governo central com 36 espanhóis. Iniciava-se, assim, a luta pela paridade na representação e pela igualdade com a antiga metrópole, e aumentavam-se os problemas referentes à autonomia americana. A queda de Sevilha nos primeiros meses de 1810 e a dissolução da Junta Central – substituída por um Conselho de Regência que convocaria pela primeira vez, em décadas, o parlamento espanhol, as Cortes – abria uma nova e mais grave etapa na crise política que o Império atravessava. As declarações feitas nos debates iniciais do congresso expressam as concepções que norteariam os vários projetos divergentes apresentados ao longo das sessões. Os americanos destacavam a heterogeneidade da Nação espanhola e, por isso, argumentavam pela necessidade de representação, em igualdade de direitos, dos diversos setores da população americana. Alegavam, também, que só esse reconhecimento impediria o esfacelamento do Império. Enfrentavam, assim, as teses defendidas pelos liberais europeus para os quais tratava-se de buscar uma integração da Nação indivisível e entendida como homogênea, a partir da definição racional dos direitos políticos. Mais ainda, os extensos debates, amplamente disseminados pela imprensa no período entre 1810 e 1812, influenciaram significativamente tanto os espanhóis americanos que apoiavam como aqueles que se opunham ao novo governo na Espanha. ATENÇÃO A formação das juntas governativas locais, tanto na Espanha como na América, invocou o princípio legal hispânico de que a soberania, na ausência do rei, reverteria para os povos. Esse movimento foi central para despertar um desejo de autonomia na elite criolla hispano- americana. Tratados de maneira politicamente desigual, aceleraram o processo de independência. As vitórias francesas decisivas de 1809 provocaram a dissolução da Junta Central em janeiro de 1810 e a designação de um Conselho de Regência para atuar em seu lugar. A partir de então, algumas províncias da Espanha e vários reinos da América recusaram-se a reconhecer o novo governo, questionando a legitimidade do Conselho e o seu direito de falar em nome da Nação Espanhola. A chegada da notícia da queda de Sevilha impulsionou em cada cidade da porção americana do Império espanhol a criação de juntas autônomas de governo. A partir de 1810, ao mesmo tempo em que se iniciava uma guerra civil em solo americano que confrontava os que permaneciam leais ao Conselho de Regência e reconheciam nas Cortes de Cádiz uma instituição representativa legítima – ampliada para incluir deputados de diferentes regiões americanas –, havia outro grupo, que rechaçava a legitimidade das instâncias de governo. Dois processos de transformação política começavam a ser experimentados: Imagem: Julielangford/Wikimedia commons/Domínio Público O Cabildo Abierto de 22 de maio de 1810, na cidade de Buenos Aires, reunião extraordinária na qual foi decidido destituir o vice-rei Baltasar Hidalgo de Cisneros. Pintura de Pedro Subercaseaux (1910). Imagem: MaroneLeone/Wikimedia commons/Domínio Público Retrato do Conde dos Andes, José de la Serna, último vice-rei do Peru. A construção nas regiões leais como os vice-reinados do Peru e da Nova Espanha, de uma monarquia constitucional – dotada de instituições representativas de governo e sem uma ruptura total com o antigo pacto colonial. Imagem: Wilfredor/Wikimedia commons/Domínio Público Bolívar em Carabobo, local de uma das principais batalhas da Guerra de Independência da Venezuela, por Arturo Michelena (1898). A construção, nos territórios que eram contra a solução das Cortes de Cádiz – como Caracas, Buenos Aires ou Santiago do Chile –, de sistemas autônomos de governo. Em alguns casos, sob uma forma republicana; em todos eles, sob uma forma representativa. A formação de juntas de governo locais teve um papel decisivo na dissolução do Império espanhol, ao invocarem o princípio legal hispânico de que a soberania, na ausência do rei, reverteria para os povos. Assim, em nome da tradição, reivindicavam o poder para a sociedade e, como consequência, produziam uma ruptura com o absolutismo. O povo deveria reassumir a soberania e, por isso, todos os organismos típicos do Antigo Regime estavam em questão. INÍCIO DO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO O ano de 1810 provocou mudanças definitivas no mundo colonial ibérico. Em Portugal, onde a invasão napoleônica ocasionou a transferência da família real para o Rio de Janeiro; ou na Espanha, onde ocorreu a chamada acefalia do reino, as colônias ibéricas viveram uma fase de intensa experimentação política, na qual se construíram conceitos, palavras e projetos ancorados em princípios e valores de autonomia e liberdade política calcados em princípios da Revolução Francesa. Os movimentos de independência, em 1810, ocorreram na América Hispânica com enorme velocidade e assombrosa simultaneidade, desde o México, no vice-reino da Nova Espanha, até Buenos Aires, no vice-reino do Rio da Prata. Apesar das dificuldades de comunicação e das imensas distâncias físicas, essa sincronização revelava não só ecos dos acontecimentos externos – como a Revolução Americana e a Revolução Francesa – mas também o surgimento no interior da elite colonial de diversos, e muitas vezes contraditórios, posicionamentos e projetos políticos que visavam responder os desafios impostos por esse contexto político. Em 1810, 18 milhões de habitantes viviam nas Américas sob o governo da Espanha: Oito milhões de indígenas originários do Novo Mundo. Um milhão de negros trazidos da África. Cinco milhões de mestiços. Quatro milhões de brancos – espanhóis peninsulares, os chamados chapetones; e criollos, os brancos nascidos nas Américas. Os brancos viviam uma contraditória situação: estavam no topo da sociedade colonial, mas desempenhavam um papel secundário em relação aos espanhóis peninsulares em termos de privilégios, acesso à riqueza, aos monopólios, à administração e às decisões políticas. Além disso, sentiam-se ameaçados pelas maiorias não criollas de índios, negros e mestiços. CONSTITUIÇÃO DE CÁDIZ (1812) Aprovada em 1812, a Constituição de Cádiz não foi apenas um documento espanhol, foi igualmente americano – atendendo ao mundo Atlântico como um todo. Pode-se dizer que, sem a participação dos deputados do Novo Mundo, dificilmente a Carta de 1812 tomaria a forma que tomou. Foram seus argumentos e suas propostas que convenceram os espanhóis da necessidade de importantes reformas liberais, como a criação de comissões ou delegações provinciais e a permissão para que se formassem cidades com mais de mil habitantes, transferindo o poder do centro para muitas localidades, incorporando um grande número de pessoas ao processo político. Imagem: AndreCostaWMSE-bot/Wikimedia commons/Domínio Público Verdade, Tempo e História , uma alegoria à Constituição de 1812, por Francisco Goya. A Constituição de 1812 definiu importantes mudanças, como: Aboliu as instituições senhoriais, a Inquisição, o tributo pago pelas comunidades de índios e o trabalho forçado – como a mita na região andina. Criou um estado unitário com leis iguais para todas as partes da monarquia espanhola. Restringiu substancialmente a autoridade do rei e confiou às Cortes o poder de decisão final. Conferiu o direito de voto a todos os homens, com exceção dos de ascendência africana, sem requerer qualificações de renda ou exigir grau de alfabetização – o que significou a superação dosdemais governos representativos, como Grã-Bretanha, Estados Unidos e França, em relação à extensão de direitos políticos para a vasta maioria da população adulta masculina. Imagem: Hajotthu/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0 Monumento à Constituição de Cádis (Plaza de España, Cádiz). Em que pese a ampliação sem paralelos da representação política, guerras civis irromperam na América entre aqueles grupos que, insistindo na formação de juntas locais, recusavam-se a aceitar o governo na Espanha, e aqueles outros que reconheciam a autoridade da Regência e das Cortes, mantendo-se fiéis a elas. As divisões políticas entre os membros das elites mesclavam-se às antipatias regionais e tensões sociais, na radicalização dos conflitos no Novo Mundo. CONFLITOS REGIONAIS E PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA Imagem: Rec79/Wikimedia commons/Domínio Público Tropas chilenas e argentinas rumo à Batalla de Chacabuco (12 de fevereiro de 1817), lideradas por José de San Martín. Pintura de Pedro Subercaseaux Errazuriz. Ao longo do primeiro período constitucional, de 1810 a 1814, os conflitos na América tanto se intensificaram como recuaram. Até então, toda ação – o combate aos franceses na Espanha, as mudanças políticas iniciadas pelas Cortes e os movimentos autonomistas deflagrados na América – havia sido empreendida em nome do rei. Houve momentos em que, com as autoridades régias agindo com moderação, uma acomodação parecia possível. A situação mudou drasticamente com a volta de Fernando VII ao trono, em 1814. Abolindo as Cortes e a Constituição, restaurando o absolutismo e recorrendo à força para restaurar a ordem régia na América, ele acelerou o processo de independência. Uma vez livre de quaisquer restrições constitucionais, as autoridades régias no Novo Mundo perseguiram e sufocaram a maioria dos movimentos que buscavam a autonomia. Isso desencadeou reações mais decisivas por parte de uma parcela da população politicamente ativa que defendia a independência. Segundo Guerra (1992), essa sucessão de eventos criou as condições para vivências definidoras de novos comportamentos e atitudes políticas que gestaram um sentimento comum de independência em seu sentido plenamente processual. Dois novos fenômenos viabilizaram essa mutação ideológica pelo continente americano: A abundante proliferação de publicações, que tornava viável o acesso de uma boa parte da população às novas ideias liberais que passaram a circular mais no ambiente colonial hispano-americano. O surgimento de novas formas de sociabilidade, como as tertúlias e os clubes literários, que passaram a ser importantes espaços públicos nos quais esse pensamento ilustrado era discutido. Os novos espaços políticos permitiram aos homens compartilhar visões de mundo, sentimentos e projetos, constituindo um novo vocabulário político, capaz de originar uma modernidade política. A crise dinástica, bélica e constitucional de 1807-1808 afetou profundamente ambas as monarquias ibéricas. Esse momento decisivo deu início a um período de instabilidade que se prolongaria durante décadas, causando um processo encadeado de independências na América Hispânica. Entre os países hispano-americanos que declararam independência em 1821, podemos mencionar: Venezuela, Peru, República Dominicana, Guatemala, México, Panamá, Colômbia; em 1822, Bolívia; 1824, o Equador. Agora, o professor Daniel Pinha dialoga sobre os processos de independência nas Américas. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. A IDEIA DE QUE OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA NAS AMÉRICAS NÃO PODEM SER CONSIDERADOS COMO A AÇÃO INDIVIDUAL DE UM GRUPO, MAS DEVEM SER VISTOS COMO FRUTOS DE UM PROCESSO, INCIDE SOBRE: AS INFLUÊNCIAS DO PENSAMENTO ILUMINISTA NAS ELITES LOCAIS. AS DINÂMICAS INTELECTUAIS, QUE APONTAVAM PARA UMA CRÍTICA AO MODELO DE EXCLUSIVO COLONIAL. AS INDEPENDÊNCIAS FORAM RELATIVAS E HOUVE SOMENTE UMA SUBSTITUIÇÃO DO COLONIALISMO POR NEOCOLONIALISMO. ESTÃO CORRETAS AS AFIRMATIVAS: A) Apenas I e II B) Apenas I e III C) Apenas II e III D) Apenas I E) Apenas II 2. O CONTEXTO EUROPEU EXPRESSA A CONSTRUÇÃO DE OPORTUNIDADES PARA O ROMPIMENTO DEFINITIVO DO COLONIALISMO EM TODAS AS AMÉRICAS. DEVEMOS SUBLINHAR COMO PARTE FUNDAMENTAL DESSE PROCESSO: A) A formação de uma elite local, que comandando juntas políticas, acaba por impor agendas de rompimento com o colonialismo. B) A crítica à Corte e às práticas do Antigo Regime, considerado a raiz do mal político das colônias. C) A transposição das capitais europeias para as Américas, que despertou o sentimento de metrópole e abriu a possibilidade de não voltarem aceitar o colonialismo. D) O rompimento econômico com o crescimento das colônias que passam a ser o centro político do mercantilismo. E) A formação de um grupo militante, liberal, que cria um ambiente político de ruptura definitiva e luta contra as metrópoles. GABARITO 1. A ideia de que os processos de independência nas Américas não podem ser considerados como a ação individual de um grupo, mas devem ser vistos como frutos de um processo, incide sobre: As influências do pensamento iluminista nas elites locais. As dinâmicas intelectuais, que apontavam para uma crítica ao modelo de exclusivo colonial. As independências foram relativas e houve somente uma substituição do colonialismo por neocolonialismo. Estão corretas as afirmativas: A alternativa "A " está correta. A ideia de processos individuais é parte do nosso imaginário, mas o fato da proximidade de um contexto mais amplo que intelectualmente rompe com a defesa dos modelos coloniais é um elemento fundamental, por isso I e II estão corretas, e a III não reproduz uma relação presente nas Américas. 2. O contexto europeu expressa a construção de oportunidades para o rompimento definitivo do colonialismo em todas as Américas. Devemos sublinhar como parte fundamental desse processo: A alternativa "A " está correta. Não existe história sem contexto e as mudanças oriundas dos movimentos revolucionários europeus foram fundamentais para a ambiência de negação do colonialismo. Nesse sentido, a organização de juntas políticas, conselhos, elemento recorrente nos processos foi fundamental. MÓDULO 2 Reconhecer os processos de resistência e ruptura com o colonialismo na África COLONIALISMO NA ÁFRICA Imagem: Jheald/Wikimedia commons/CC BY-SA 1.0 O Oriente oferecendo suas riquezas ao Império Britânico , por Roma Spiridone (1778). Vamos ao segundo pilar e tratar do processo histórico de descolonização do continente africano no século XX, levando em conta as rupturas e continuidades decorrentes das heranças da colonização europeia. O processo das Américas vinha de um histórico de ocupação colonial – entendida como tradicional entre os séculos XV e XVIII – que marcou a transposição de sistemas europeus ao continente americano. Ainda que a África (o continente africano é uma definição genérica e serve como maneira meramente didática aqui) fizesse parte desse mesmo movimento, sua organização e a ocupação eram absolutamente diferentes: Imagem: Chainwit./Wikimedia commons/CC BY-SA 4.0 Ruínas restauradas da cidade de Timbuktu, que pertenceu ao Império Songai. PRIMEIRO EIXO Possuía forte ocupação e relação com o mundo muçulmano ao norte; centros de comércio e organização em eixos nas porções centro-sul; havia uma dinâmica na costa ocidental, com grande presença de sociedades agrárias; a organização era marcada por comércios e disputas nas regiões entre o sul do reino de Songai e o norte da região da África do Sul. javascript:void(0) Imagem: Karmakolle/Wikimedia commons/Domínio Público Embaixadores holandeses no Tribunal de Garcia II, Rei do Congo . Gravura de 1668. SEGUNDO EIXO No eixo central, tinha as relações com o reino do Congo e suas zonas de influência desde o sul do Saara até o norte da África do Sul. Imagem: Pdrousseau81/Wikimedia commons/CC BY-SA 4.0 As grandes cataratas Vitória, no Zimbábue. TERCEIRO EIXO Estava entre os reinos que faziam fronteira como Zimbábue e a relação com as trocas do Índico. Imagem: Expressão do meio-dia/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0 Ruínas do castelo do Rei Osman construído em 1878 em Bargal, na Somália. QUARTO EIXO No Chifre da África, com comércio e população. SONGAI Reino africano herdeiro do império do Mali e uma das áreas mais importantes do noroeste africano. Além disso, dentro do continente, conjuntos diversos de etnias e grupos, disputavam e se associavam. O movimento colonialista foi marcado por pequenas empresas e frentes de ocupação, a sua grande maioria litorânea e muito mais vinculada ao comércio – principalmente de escravos – mas também pedras preciosas, tabaco, armas e algodão. Os centros eram relativamente pequenos, mas constituíram centros importantes como a dos bôeres holandeses na África do Sul, Angola e Moçambique, pelos portugueses. NEOCOLONIALISMO Diferentemente dos primeiros processos de colonialismo, o século XIX apresentou uma empresa muito mais arrojada. Fruto da inserção africana no comércio de escravos de modo crescente no século XVIII, com a captura saindo do litoral, a organização de reinos e espaços políticos sob a influência europeia no século XIX tornaram-se intensas. Imagem: CountingPine/Wikimedia commons/Domínio Público O Colosso de Rodes , caricatura do colonialista britânico Cecil John Rhodes, publicada depois que este anunciou planos para uma linha telegráfica e ferroviária que cruzaria a África, da Cidade do Cabo ao Cairo (1892). O ideal de imperialismo e neocolonialismo não mais trabalhava com a transposição de modelos, mas sua plena vinculação aos sistemas econômicos. Nesse sentido, a África passa a ser entendida como um solo muito fértil para matérias-primas, com o poderio político e militar europeu em ampliação e a partilha dos territórios africanos passa a ser tomada, com a discussão de territórios maiores ou menores. O grande poderio dos turcos, enfraquecidos ao longo do XIX, não é capaz de oferecer qualquer tipo de proteção ou vinculação local. No mundo burguês e do capital, a África se torna, quase completamente, um espaço de dominação. Os poderes locais existem, mas seus membros são escolhidos e preparados pelas novas metrópoles. Esse quadro de exploração chega ao seu auge durante as grandes guerras mundiais, em que a África se tornou palco de conflitos épicos: muitos acordos de apoio para lutar eram a promessa de autonomia de seus poderes e o fim da captura de seus governos. As vitórias acontecem, mas as lutas ainda serão intensas até a descolonização. DESCOLONIZAÇÃO Após a Segunda Guerra Mundial, o equilíbrio de poder no sistema internacional se alterou de forma substantiva. O mundo colonial sentiu essa mudança com extrema intensidade, em particular na África. O aspecto mais visível das novas condições políticas e econômicas do pós-guerra se revelou no processo de formação dos estados nacionais africanos: mais de 40 países surgiram no continente entre 1960 e 1980, estabelecendo uma situação, muitas vezes, conhecida como processo descolonização. Os historiadores vêm destacando, cada vez mais, o papel dos intelectuais, dos partidos e das organizações político-militares nas independências dos países africanos. Assim como as tensões religiosas e étnicas, incluem os problemas demográficos e de alimentação entre as populações africanas para explicar o grande movimento da descolonização. DESCOLONIZAÇÃO E A CONFERÊNCIA DE BANDUNG Imagem: Furfur/Wikimedia commons/Domínio Público Capa do Boletim de Bandung, distribuído diariamente durante a conferência. Em abril de 1955, países com histórico recente de intervenção colonial se reuniram em Bandung, na Indonésia. Estiveram presentes 29 estados asiáticos e os únicos quatro estados africanos que, naquele momento, ostentavam alguma independência formal: Etiópia, Líbia, Libéria e Egito. O objetivo era a promoção da oposição ao que era considerado como prática colonialista das novas potências imperialistas. Bandung foi a primeira conferência a considerar o imperialismo como crime contra a humanidade. Nessa conferência foram lançados os princípios políticos do não alinhamento, ou seja, de uma postura diplomática de equidistância das superpotências. No lugar do conflito Leste- Oeste, a conferência de Bandung criava o conceito de conflito Norte-Sul, expressando uma divisão entre um mundo dividido entre países ricos e industrializados, de um lado, e países pobres exportadores de produtos primários, de outro. Junto ao espírito de independência política de Bandung, os africanos tinham como recurso seu próprio vocabulário político, cujo grande eixo era o pensamento pan-africano. Os primeiros defensores de uma África livre da dominação colonial foram os negros da diáspora surgida com a escravidão africana nas Américas. Da tensão racial na América do Norte e no Caribe, no início do século XIX, surgiram os primeiros pensadores políticos de uma África sem o colonialismo europeu. O projeto se realizou em parte com a criação do Estado da Libéria, fundado por negros americanos que retornavam para o continente. Imagem: Remitamine/Wikimedia commons/Domínio Público Imagem de delegados na Conferência de Bandung, em abril de 1955. Os grandes líderes da segunda geração de pan-africanistas, como W. E. B. Du Bois e Marcus Garvey, lutaram em solo americano. Defensores de uma África para africanos e de uma América com direitos para a população negra, essa geração conseguiu estabelecer os primeiros parâmetros para uma identidade negra. A terceira geração de pan-africanistas será a primeira de pensadores políticos africanos de origem, com a presença dos líderes das independências nacionais como Léopold Senghor e Kwame Nkrumah. O pan-africanismo e a política de não alinhamento de Bandung conduziram os primeiros esforços de um África livre do domínio colonial. AS DIVERSAS INDEPENDÊNCIAS Na maior parte das vezes, especialmente na África ocidental, os processos de independência não ocorreram por meio de revoluções, mas sim por reformas políticas. As independências adotaram um modelo etapista, que garantia aos governos europeus o controle de uma parte da condução do processo. No entanto, isso não significou que em Gana, Nigéria, Gâmbia ou Senegal os caminhos para a independência tenham passado por situações de mobilização social que combinaram reivindicações econômicas, sociais e políticas, realizando ações de resistência à opressão europeia. ATENÇÃO Esse tipo de processo de independência foi caracterizado por um gradativo alargamento das liberdades políticas e pela construção de uma nova ordem pública, com uma negociação conciliatória entre as diversas partes envolvidas. Em regiões como a futura República Democrática do Congo, Camarões, Argélia ou Quênia, nas quais existia um forte enraizamento dos interesses europeus – inclusive com a presença de grandes contingentes populacionais: 25% da população do Quênia era europeia –, os processos de independência foram marcados por conflitos sangrentos. O convívio entre as populações brancas e as populações locais nessas regiões foi estruturado sob forma de uma rígida estratificação social e difíceis níveis de assimilação de parte a parte. Mantendo o controle sobre a produção e a administração locais, os grupos europeus não estiveram dispostos a negociar seus privilégios e propriedades. Assim, a independência esteve relacionada a uma radicalização política que levou ao enfrentamento. O recurso à guerra de guerrilhas foi uma das táticas mais comuns utilizadas no Congo e no Quênia, por exemplo. Nesse contexto, o problema racial muitas vezes veio à tona e se tornou o principal foco da Guerra de Libertação Nacional. Portanto, esses conflitos produziram situações de grande sacrifício para a população local, banalizando a violência e a brutalidade. ATENÇÃO O caso da independência da Argélia é o mais típico exemplo da truculência das forças colônias contra a população colonial. Longe de representarprincípios revolucionários, esses casos mostraram os limites e, também, o fracasso da negociação política entre europeus e africanos. O CASO DAS COLÔNIAS PORTUGUESAS O colonialismo português na África se confunde com o desenvolvimento da história política do país metropolitano. Ao longo dos séculos XIX e XX, os diversos regimes políticos portugueses – a Monarquia, a República e o Estado Novo – produziram uma política colonial assimilacionista, isto é, buscavam fazer dos territórios africanos e asiáticos parte do território português. O fim do colonialismo português deve ser entendido, portanto, como uma crise do modelo do Estado português do século XX. Imagem: Guilmann/Wikimedia commons/Domínio Público Soldados portugueses nas matas angolanas durante a Guerra de Independência de Angola (1961-1974). Desde o início da década de 1960, Angola, Moçambique e Guiné empreendiam uma guerra de libertação nacional. Após quase 15 anos de conflito, as próprias forças armadas portuguesas começaram a se aproximar dos grupos civis críticos ao regime. Vivendo uma crise econômica e sem solução para o problema colonial, o Estado Novo português foi derrubado em abril de 1974. Com o fim do regime, as independências se tornaram possíveis e o longo império colonial português foi destruído. COLONIALISMO NÃO TERMINA COM AS INDEPENDÊNCIAS É impossível estabelecer um parâmetro único para a descolonização da África. No entanto, o que se observa é que a trajetória predatória do colonialismo não termina com as independências. Em muitos casos, a libertação do controle colonial levou os novos países a mergulhar em crises econômicas ou políticas que fizeram do continente um ícone da pobreza e parâmetro para os modelos contemporâneos de ditaduras e massacres. O contexto de consolidação da descolonização da África enfrentou algumas dinâmicas singulares. Vamos destacar. O processo de fragilização das identidades é central para compreender a contradição do momento. Enquanto os movimentos de descolonização inicialmente eram marcados por um processo exógeno, por membros do próprio grupo, mas educados na Europa, ou por lideranças políticas estrangeiras que promoviam a descolonização em prol de um pan-africanismo, rapidamente emergia no continente o que estava adormecido por pressão: as identidades de grupos. Em nenhum momento da história existiu uma África: suas fronteiras artificiais delimitavam somente os recursos minerais e sua exploração; por isso, os países passaram rapidamente a ser atormentados por disputas internas sobre quem deveria comandar os novos governos. O resultado catastrófico pode ser medido em guerras civis, atribuídas no estrangeiro ao atraso – marca do preconceito mundial – mas de fato eram dinâmicas provocadas pelo próprio colonialismo presente na região. Temos uma segunda e terrível soma sobre a substituição das práticas do colonialismo: a Guerra Fria. Diante dos processos políticos marcados pela influência das potências Estados Unidos e União Soviética, todas as disputas descoloniais foram marcadas pela resistência do antigo colonizador; logo, se os grupos em disputa se aproximassem de tendências do liberalismo norte-americano, como resposta, os grupos de resistência eram armados pelos soviéticos. Com isso, o processo de construção de autonomia era cuidado e tutelado por novas potências, levando ao poder minorias, ditadores, armando-os e mantendo o ambiente de instabilidade. A visão preconceituosa quer fazer ver que o problema é atraso e inaptidão, mas muito do que vemos é fruto de uma continuidade de práticas coloniais, ressignificadas, mas tão exploradoras e violentas como sempre. Vamos saber um pouco mais sobre o assunto a partir de um bate papo com o professor Daniel Pinha. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. A ÁFRICA É UM CONTINENTE, E QUANDO PERCEBEMOS QUE ESSE OLHAR É MARCADO POR UMA VISÃO EUROCENTRISTA, MOSTRA QUE O COLONIALISMO É UMA FACE DA HISTÓRIA LOCAL QUE: A) Ocasionou um processo de implementação de tradições e transposição das metrópoles europeias. B) Criou a possibilidade de uma nova África continental, originando uma união que não existia em períodos anteriores. C) Causou uma série de conflitos para captura de escravos e terminou na primeira metade do século XIX. D) Possibilitou a exploração econômica das potência europeias, empobrecendo e fragilizando para sempre o continente africano. E) Explorou formas diversas ao longo do tempo, mas manteve o princípio de superioridade europeia e a generalização de um povo de uma cultura inferior. 2. OS IDEAIS DE DESCOLONIZAÇÃO SURGIDOS EM REGIÕES DIFERENTES DA ÁFRICA FORAM MARCADOS EM UM PRIMEIRO MOMENTO PELO IDEAL DE: A) Identitarismo original e retomada dos antigos territórios e fronteiras. B) Liberalismo influenciado pelos americanos, grande condutor da libertação da África. C) Idealismo na busca de retomar o antigo caminho livre dos europeus. D) Ditadores passam a ser o modo de governo obrigatório, fruto da influência soviética. E) Pan-africanismo, que defendiam a lógica dos povos de África se unirem por seus direitos. GABARITO 1. A África é um continente, e quando percebemos que esse olhar é marcado por uma visão eurocentrista, mostra que o colonialismo é uma face da história local que: A alternativa "E " está correta. Reconhecer as características do colonialismo é perceber como ele é camaleão, e como seu combate não é simples. A generalização sobre os povos que habitam o território africano é uma dessas. 2. Os ideais de descolonização surgidos em regiões diferentes da África foram marcados em um primeiro momento pelo ideal de: A alternativa "E " está correta. O pan-africanismo, atualmente bastante criticado, foi importante no processo de descolonialidade, em especial, pelo apoio que um grupo poderia dar ao outro. Sua fragilização posterior vem do ideal de unidade que nunca existiu. MÓDULO 3 Apontar os processos de descolonização na Ásia DESCOLONIZAÇÃO NA ÁSIA Vamos conhecer algumas linhas gerais das condições que propiciaram as independências dos Estados que compunham a região colonial do Sudeste da Ásia e, em particular, o caso indiano, como exemplos do complexo ambiente asiático. Atualmente, o Sudeste asiático é uma subárea da Ásia, formada por nove países independentes: Imagem: Berganus/Wikimedia commons/Domínio Público Mapa da Indochina. Península da Indochina: Mianmar, Tailândia, Laos, Vietnã, Camboja, Malásia e Cingapura. Imagem: Cogito ergo sumo ~ commonswiki/Wikimedia commons/Domínio Público Arquipélago da Insulíndia. Arquipélago da Insulíndia: Indonésia, Timor, Brunei e Filipinas. A identidade cultural e política dessa parte é discutível, pois influências hindus, chinesas e islâmicas fazem da área um mosaico complexo e carregado de diversidade. A região tem uma área de aproximadamente 1,6 milhões de quilômetros quadrados, com uma população de cerca de 600 milhões de pessoas. A influência ocidental começou no século XVI, com a chegada de portugueses e espanhóis nas ilhas Molucas e nas Filipinas. Mais tarde, os holandeses se estabeleceram na Indonésia; os franceses, na península da Indochina; e os britânicos, na Malásia e em Cingapura. Até o século XIX, todos os países do Sudeste asiático tinham sido colonizados, exceto a Tailândia. EXPANSÃO JAPONESA O que deu a esse espaço geopolítico alguma unidade na história do colonialismo e das independências nacionais não foi apenas a presença longeva dos estados europeus na região, mas também, e decisivamente, a atuação do imperialismo japonês. Imagem: Milenioscuro/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0 Império Japonês em 1942. Mesmo antes da Segunda Guerra Mundial, o Japão vinha empreendendo uma campanha de expansão na área continental asiática. A conquista territorial por meios militares se tornou a principal forma de alimentar a crescente necessidade japonesa por recursos minerais, mercados, alimentos etc. Na primeira década do século XX, os japoneses controlavam grande parteda península da Coreia, o norte da China e todas as ilhas em um espaço de 100 quilômetros a sul e a leste do país. Em 1911, as forças armadas japonesas ocuparam as primeiras ilhas do arquipélago das Filipinas. ATENÇÃO A guerra de 1914, a guerra contra a China (iniciada em 1937) e a Segunda Guerra Mundial envolveram a economia e a população japonesas em um período militarista que projetou os interesses do país até o Sudeste da Ásia. Em 1940, o Japão ocupou o Vietnã e firmou pactos com a Alemanha e a Itália. Essas ações intensificaram o conflito com os Estados Unidos e a Inglaterra, que reagiram com um boicote no abastecimento de petróleo. Isso fez com que o Japão capturasse as refinarias da Indonésia e arriscasse entrar em uma guerra contra essas duas potências. Imagem: Cobatfor/Wikimedia commons/Domínio Público Avião japonês Mitsubishi A6M Zero, no porta aviões Akagi, em 1941. Em 7 de Dezembro de 1941, os japoneses lançaram um ataque surpresa à base militar americana Pearl Harbor, no Havaí, e a vários outros pontos no Pacífico. Isso fez com que os Estados Unidos entrassem na Segunda Guerra Mundial. Nos seis meses seguintes, as tropas japonesas conquistaram quase a totalidade do Sudeste asiático e do Pacífico. A partir de 1942, as forças Aliadas começaram a ganhar a guerra. Depois disso, os territórios ocupados pelo Japão foram gradualmente tomados pelos norte-americanos. Às vésperas da derrota, no entanto, os japoneses proclamaram as independências das antigas colônias europeias. Por um breve tempo, governos nacionais controlados de longe pelo império japonês se estabeleceram na região. Assim, quando os ingleses desembarcaram em Java e em Sumatra, em 1945, os indonésios vivenciaram esse momento como uma nova ocupação. O CASO DA INDONÉSIA O nacionalismo indonésio e os movimentos de apoio à independência do colonialismo holandês, como o Partido Nacional Indonésio (PNI), o Sarekat Islã e o Partido Comunista da Indonésia (PKI), cresceram rapidamente na primeira metade do século XX. Alguns, como o Sarekat Islã, perseguiram estratégias de cooperação com o domínio holandês, na esperança de que fosse concedido um autogoverno à Indonésia. Imagem: desconhecido/Wikimedia commons/Domínio Público Hasteamento da Bandeira da Indonésia em 17 de agosto de 1945. Outros optaram por uma estratégia de não cooperação exigindo a liberdade de autogoverno. Entre os que se destacaram nesse enfrentamento estavam os líderes nacionalistas Sukarno e Mohammad Hatta. Imagem: KITbot/Wikimedia commons/Domínio Público Polícia militar holandesa com um soldado republicano sob custódia. Sob ocupação alemã, a Holanda tinha poucas condições para defender sua colônia contra as forças armadas japonesas. Em apenas três meses, os japoneses ocuparam as Índias Orientais Holandesas. Com o Japão à beira de perder a guerra, os holandeses tentaram restabelecer sua autoridade na Indonésia. No entanto, os japoneses eram a favor de ajudar os nacionalistas indonésios a se preparar para o autogoverno. Em setembro de 1944, o governo japonês prometeu conceder a independência da Indonésia, embora nenhuma data tenha sido definida. Para os partidários de Sukarno, o anúncio foi visto como possibilidade para a conquista da independência. Sob pressão de grupos nacionalistas, em 19 de agosto de 1945, Sukarno e Hatta proclamaram a independência da Indonésia. No dia seguinte, o Comitê Nacional da Indonésia (KNIP) elegeu Sukarno como presidente e Hatta como vice-presidente. Em setembro de 1945, o controle das instalações de infraestruturas, incluindo estações de trens e bondes nas maiores cidades de Java, havia sido tomado pelos republicanos. Na maioria das ilhas, comitês de luta e milícias foram criados e jornais republicanos e revistas eram comuns em Jacarta. Alguns líderes defendiam a ideia de libertação nacional como uma luta revolucionária a ser liderada pela esquerda socialista. Entretanto, Sukarno e Hatta estavam mais interessados no planejamento de um governo e de instituições para alcançar a independência por meio da negociação e da diplomacia. Até o final de agosto, um governo central republicano havia sido estabelecido em Jacarta e foi aprovada uma constituição, redigida durante a ocupação japonesa. Temendo que os holandeses tentassem restabelecer sua autoridade sobre a Indonésia, o novo governo e seus líderes se moveram rapidamente para reforçar a administração. O governo holandês, livre da ocupação alemã, acusou Sukarno e Hatta de colaborarem com os japoneses, e denunciou a República como uma criação do fascismo japonês. Ao mesmo tempo, a administração holandesa tinha recebido um empréstimo de 10 milhões de dólares dos Estados Unidos para financiar seu retorno à Indonésia. Mesmo assim, o governo holandês não voltou à região como uma força militar significativa até início de 1946. Naquele ano, com a ajuda britânica, os holandeses desembarcaram suas forças em Jacarta e em outras regiões importantes. Em muitos casos, as tropas holandesas foram acusadas de tentar pacificar o país utilizando técnicas de terror. Em Java e Sumatra, os holandeses encontraram o sucesso militar em cidades grandes, mas não foram capazes de subjugar as aldeias e zonas rurais. Frente ao impasse militar, foi estabelecido o Acordo de Linggadjati, mediado pelos britânicos. Em novembro de 1946, a Holanda reconheceu a República como tendo autoridade de fato sobre Java e Sumatra. Ambas as partes concordaram com a formação dos Estados Unidos da Indonésia, um estado semiautônomo, como parte da monarquia holandesa. No entanto, em julho de 1947, os holandeses, alegando violação do Acordo Linggadjati, lançaram uma grande ofensiva militar com a intenção de reconquistar as áreas republicanas. A comunidade internacional reagiu à ação holandesa de forma negativa. A Austrália e a Índia recém-independente foram particularmente ativas no apoio à causa da República no âmbito da ONU, bem como a União Soviética e, mais significativamente, os Estados Unidos. Imagem: KITbot/Wikimedia commons/Domínio Público O presidente Sukarno discursa ao Parlamento Republicano em Malang em 1947. O recém-nomeado secretário de estado norte-americano Dean Acheson forçou o governo holandês a aceitar as diretivas da ONU. Na negociação realizada em Haia, em agosto de 1949, foi criado o Estado soberano da Indonésia. Meses depois, após algumas crises internas, Sukarno proclamou a República da Indonésia como um Estado unitário. A INDOCHINA FRANCESA A região formada hoje pelos Estados do Vietnã, Camboja e Laos constituía uma possessão colonial francesa que desde o fim do XIX era denominada de Indochina Francesa. Essa área colonial era constituída por uma federação de três regiões vietnamitas: Tonkim (Norte), Annam (Central) e Cochinchina (Sul), bem como o Camboja. Em 1893, o Laos foi incorporado à colônia. Foto: frees/Shutterstock.com Em setembro de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, o regime recém-criado da França de Vichy administrava de direito os territórios da Indochina, mas eram as tropas japonesas que exerciam, de fato, o controle na região. Em 9 de março de 1945, com a França libertada e com os Estados Unidos ampliando sua ofensiva no Pacífico, o Japão decidiu assumir o controle total da Indochina. Os japoneses se mantiveram na região até a rendição, em agosto de 1945. Após a guerra, a França tentou reafirmar-se na região, mas entrou em conflito com uma coalizão local de comunistas e nacionalistas liderados por Ho Chi Minh. Em 2 de setembro de 1945, Ho Chi Minh declarou a independência da República Democrática do Vietnã, mas antes do final do mês uma força britânica, francesa e indiana, restabeleceu o controle francês. Em 1950, Ho Chi Minh novamente declarou a independência da República Democrática do Vietnã, que foi reconhecida pelos governos comunistas da China e da União Soviética. Combates duraram até março de 1954, quando o exército vietnamita conquistou a vitória decisiva contra asforças francesas na batalha de Dien Bien Phu. Imagem: Hohum/Wikimedia commons/Domínio Público Conferência de Genebra em 1954. Em 27 de abril de 1954, a Conferência de Genebra apoiou a integridade territorial e a soberania da Indochina, concedendo-lhe a independência da França, declarando a cessação das hostilidades e da intervenção estrangeira nos assuntos internos da região, e definindo eleições livres para julho de 1956. Nessa conferência, a França renunciou a qualquer reivindicação de território na península da Indochina, mas os Estados Unidos não assinaram os Acordos de Genebra. ATENÇÃO A vitória eleitoral dos comunistas nas eleições e a política norte-americana de contenção do comunismo na Ásia transformou a região no palco de um dos mais sérios e sangrentos conflitos da Guerra Fria. O CASO DA ÍNDIA Império da Índia Britânica ou British Raj foi o nome dado ao período de domínio colonial britânico, no sul da Ásia, após a Revolta os Cipaios contra a Companhia das Índias Orientais. A partir de 1858, a região, incluindo a Índia e o Paquistão moderno, passou a ser governada diretamente pela Coroa britânica. O termo British Raj também se referia a áreas governadas por regentes locais. Imagem: Grifinória/Wikimedia commons/Domínio Público O Capitão William Hodson captura o Rei de Delhi em 1857, durante a Primeira Guerra da Independência da Índia. Após 1876, a Índia foi transformada em vice-reino, sendo estabelecida uma nova configuração política. Os primeiros passos em direção à autonomia na Índia britânica foram dados no fim do século XIX, com a nomeação de conselheiros indianos para assessorar o vice-rei britânico e a criação de conselhos provinciais dos quais participavam os indianos. A partir de 1892, a Coroa britânica alargou a participação de hindus em conselhos legislativos. O termo movimento pela independência indiana abrange um amplo espectro de organizações políticas que tinham o objetivo comum de pôr fim à autoridade colonial britânica no sul da Ásia central. O termo se refere também a várias campanhas políticas nacionais e regionais, agitações e esforços de defensores da política de não violência, bem como a ações de militantes anticoloniais. A expansão do independentismo nacionalista se formalizou com a criação do Congresso Nacional Indiano (também conhecido como Partido do Congresso), em 1885. O Partido do Congresso surgiu como resultado da reunião de diversos líderes moderados buscando ampliar a participação de hindus educados na administração colonial inglesa. No início do século XX, abordagens mais radicais surgiram no cenário político indiano, como o movimento Swadeshi liderado por Lal Bal Pal e Sri Aurobindo, que defendia um boicote aos produtos ingleses. O nacionalismo militante também surgiu nesse período. Imagem: Bn bt/Wikimedia commons/Domínio Público Líderes nacionalistas indianos durante o primeiro Satyagraha (resistência não violenta) organizado por Gandhi em 1917 na cidade de Bihar. Entre 1914 e 1917, uma série de conspirações foram concebidas por nacionalistas hindus visando tornar a Índia independente do domínio britânico. Vale destacar a conspiração indo- alemã, quando uma série de planos foram formulados para iniciar uma rebelião pan-indiana. ATENÇÃO A Primeira Guerra Mundial mostrou ser um divisor de águas no relacionamento entre a Grã- Bretanha e a Índia. Milhares de soldados indianos e britânicos do Exército da Índia Britânica tomaram parte na guerra e sua participação teve grande impacto sobre a sociedade colonial: notícias de soldados indianos lutando e morrendo ao lado de soldados britânicos, canadenses e australianos mostravam a integração do Raj ao Império. Em 1920, com nome de Índias Britânicas, a região se tornou membro fundador da Liga das Nações, alcançando um status inédito para uma região colonial. No final do ano de 1919, o governo britânico aumentou os impostos, procurando sanar a situação de crise em sua economia. No fim da guerra, o índice de preços na Índia praticamente dobrou. Veteranos de guerra, principalmente no Punjab, retornaram para casa e encontraram uma situação endêmica de desemprego e inflação. Escassez de alimentos em Bombaim, Madras, e nas províncias de Bengala; o surto de gripe espanhola e os ecos da Revolução Bolchevique Russa criaram um quadro de tensão social significativo. Para enfrentar a crise foi aprovado, em 1919, o Ato de Governo da Índia. A nova lei (também conhecida como Reforma Montagu-Chelmsford) ampliava as condições de autonomia para a população hindu. Apesar de assuntos como defesa, negócios estrangeiros, direito penal, comunicações e impostos ficarem sob controle do vice-rei, outros serviços, como saúde pública, educação, receitas da terra e da autonomia local foram transferidos para as províncias. A nova lei também tornou mais fácil para os hindus serem admitidos no serviço público e no corpo de oficiais do exército. O direito ao voto foi ampliado para cerca de 10% da população adulta do sexo masculino. O âmbito dessas reformas foi, contudo, considerado insuficiente pela a liderança política indiana. Em 1935, uma nova reforma foi negociada. Naquele ano, o parlamento britânico aprovou o novo Ato de Governo da Índia, que autorizou a criação de assembleias legislativas independentes em todas as províncias da Índia britânica, a criação de um governo central que incorporava as províncias britânicas e os Estados principescos, bem como a proteção das minorias muçulmanas. Nesse momento, também foi decidido que, em dois anos, a Birmânia seria separada da Índia britânica. A lei também previa um parlamento nacional bicameral e um poder executivo, sob a tutela do governo britânico. Embora a federação nacional nunca tenha sido concretizada, as eleições para as assembleias provinciais em todo o país foram realizadas em 1937. Apesar da hesitação inicial, o Partido do Congresso participou das eleições e obteve vitórias em sete das onze províncias da Índia Britânica. Pode-se argumentar que o movimento de independência, mesmo no final da Primeira Guerra Mundial, estava muito longe das massas. Naquele momento, o apelo para uma unidade hindu ainda enfrentava muita resistência no mosaico cultural do subcontinente. Esse projeto tomou corpo com o engajamento de Mohandas Karamchand Gandhi na política indiana. GANDHI Aos 19 anos, em 1888, Mohandas Karamchand Gandhi viajou para Londres, Inglaterra, para estudar Direito na University College de Londres. Retornou à Índia em 1891, tentando se estabelecer como advogado. Após algumas tentativas frustradas, ele aceitou um contrato de um ano de duração na Dada Abdulla & Co., uma empresa indiana, para um cargo em Colônia de Natal, na África do Sul. Imagem: Riquix/Wikimedia commons/Domínio Público Gandhi fotografado na África do Sul em 1909. Na África do Sul, Gandhi experimentou a discriminação dirigida aos hindus. Ele foi jogado de um trem após se recusar a passar da primeira classe para um vagão de terceira classe; foi espancado por um condutor por se recusar a viajar em pé para dar lugar a um passageiro europeu; foi impedido de entrar em vários hotéis e foi ordenado a remover seu turbante por um magistrado durante um julgamento na cidade de Durban. Esses eventos foram decisivos para a mudança em sua vida, influenciando seu subsequente ativismo social. Foi vivenciando diretamente o racismo e o preconceito que Gandhi começou a questionar o estatuto de cidadania do Império britânico. Gandhi estendeu seu período inicial de estadia na África do Sul para apoiar um projeto de lei que negava o direito de voto aos hindus. Embora incapaz de impedir a aprovação da lei, sua campanha foi bem-sucedida ao chamar a atenção para as queixas dos hindus no país. Em 1906, o governo do Transvaal promulgou uma nova lei de registro da população hindu na Colônia. Em uma reunião de protesto, realizada em Joanesburgo, em 11 de setembro daquele ano, Gandhi adotou, pela primeira vez, a política do protestonão violento – Satyagraha, pedindo que seus compatriotas indianos desafiassem a nova lei e sofressem as punições por fazê-lo, em vez de resistir por meios violentos. A comunidade aprovou o plano, levando a uma luta de sete anos em que milhares de hindus foram presos (incluindo Gandhi). Imagem: Yann/Wikimedia commons/Domínio Público Gandhi e Sarojini Naidu, poeta e ativista política, durante a Marcha do Sal de 1930. O clamor público decorrente dos métodos violentos empregados pelo governo sul-africano em face da atitude pacífica dos manifestantes forçou uma negociação com os partidários de Gandhi. O conceito de Satyagraha amadureceu durante essa luta. LUTA PELA INDEPENDÊNCIA DA ÍNDIA (1915- 1939) Em 1915, Gandhi voltou da África do Sul para viver na Índia. Como líder da luta por defesa dos direitos hindus na África, chegou ao país natal com certo capital político. O conceito de Satyagraha, inspirado no líder hindu Baba Ram Singh, e o sucesso da política de não violência tornou-o uma liderança a ser incorporada à política indiana. Mas Gandhi conhecia pouco da dinâmica do colonialismo britânico na Índia. Gopal Krishna Gokhale, um deputado veterano, tornou-se mentor de Gandhi. As estratégias de Gandhi de não violência e desobediência civil pareciam inviáveis para alguns membros do Partido do Congresso. No entanto, a proposição de Gandhi, em pouco tempo, transformou o movimento político na Índia de uma luta elitista em uma luta nacional. Imagem: Cientista material/Wikimedia commons/Domínio Público Gopal Krishna Gokhale. Em 1922, Gandhi foi sentenciado a seis anos de prisão, mas foi liberado depois de cumprir dois. Nesse período, surgiu uma nova geração de políticos dentro do Partido do Congresso, incluindo J. Nehru, Vallabhbhai Patel, Subhas Chandra Bose (conhecido como Netaji) e outros, que se tornariam as vozes proeminentes do movimento de independência da Índia. Em dezembro de 1929, sob a presidência de Jawaharlal Nehru, em seu histórico discurso em Lahore, o Partido do Congresso aprovou uma resolução para a completa independência dos britânicos. O partido autorizou o início de um movimento de desobediência civil em todo o país. Foi decidido que 26 de janeiro de 1930 deveria ser, em toda a Índia, o dia da Purna Swaraj (independência total). Imagem: Riquix/Wikimedia commons/Domínio Público Mahatma Gandhi liderando a famosa Marcha do Sal de 1930, um exemplo notável de satyagraha (resistência não violenta). Como parte da luta, Gandhi saiu de sua reclusão após a prisão para realizar sua campanha mais conhecida, uma marcha de cerca de 400 quilômetros entre seu município, Ahmadabad, para Dandi, na costa de Gujarat. A marcha é geralmente conhecida como a Marcha do Sal: em Dandi, como protesto contra os impostos britânicos sobre o sal, ele e milhares de seguidores violaram a lei ao fazer seu próprio sal da água do mar. Imagem: Yann/Wikimedia commons/Domínio Público Protesto contra o domínio britânico em 1930. Em abril de 1930, houve violentos confrontos entre hindus e a polícia. Cerca de 100 mil pessoas foram presas no decorrer do movimento de desobediência civil, inclusive Gandhi. Em março de 1931, o governo concordou em libertar os presos políticos e, em contrapartida, Gandhi concordou em interromper o movimento de desobediência civil. Gandhi, como representante do Partido do Congresso, e as autoridades coloniais britânicas tentaram iniciar uma negociação para ampliar as condições de soberania da Índia. No entanto, a conferência em Londres terminou em fracasso. Em dezembro de 1931, Gandhi retornou à Índia e decidiu retomar o movimento de desobediência civil, em janeiro de 1932. Nos anos seguintes, o Partido do Congresso e o governo foram envolvidos em conflitos e negociações, até que se promulgou o Ato de Governo da Índia de 1935. Nesse meio tempo, a cisão entre o Partido do Congresso e os militantes muçulmanos do partido que se organizavam na Liga Muçulmana, tornou-se intransponível. A Liga Muçulmana contestou a condição do Partido do Congresso como representante de todos os povos da Índia, enquanto o Partido do Congresso contestou a posição da Liga Muçulmana como representante de todos os muçulmanos hindus. SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E A INDEPENDÊNCIA DA ÍNDIA Em 1939, o vice-rei da Índia declarou a entrada da Índia na Segunda Guerra Mundial sem consultar os governos provinciais. Em protesto, o Partido do Congresso pediu a todos os seus representantes eleitos que se demitissem do governo. Mohammad Ali Jinnah, o presidente da Liga muçulmana, convenceu os participantes na sessão anual de 1940 a adotar o que mais tarde veio a ser conhecido como a Resolução de Lahore, que exigia a divisão da Índia em dois estados soberanos separados, um muçulmano e o outro hindu. Embora a ideia da criação do Paquistão tenha sido introduzida já em 1930, muito poucos tinham respondido a ela. No entanto, o clima político volátil e as hostilidades entre os hindus e muçulmanos transformaram a ideia do Estado muçulmano do Paquistão em uma forte demanda. Com a guerra, o Partido do Congresso aprovou uma resolução de apoio à luta contra o fascismo condicionada à concessão da independência do país. A proposta foi repelida pelo governo britânico. Em março de 1942, confrontados com a relutância e a insatisfação crescente entre os soldados indianos, especialmente na Europa e entre a população civil no subcontinente, o governo britânico enviou uma delegação para a Índia – a Missão Cripps. O objetivo era negociar com o Partido do Congresso um acordo para obter a total cooperação durante a guerra, em troca da progressiva distribuição dos poderes da coroa britânica. As negociações falharam, não tendo sido possível alcançar uma agenda consistente em direção ao autogoverno e à soberania da Índia. Para forçar o Raj a atender suas demandas e obter a palavra definitiva sobre a independência total, o Partido do Congresso tomou a decisão de lançar o Movimento Quit Índia (Deixem a Índia ). O objetivo do movimento era levar o governo britânico à mesa de negociações, mantendo o apoio aos aliados como um trunfo na negociação. Em 8 de agosto de 1942, a Resolução Quit Índia foi aprovada. O projeto previa o lançamento de um movimento de desobediência civil em grande escala, caso os britânicos não cedessem nas exigências pela independência. No entanto, foi uma decisão extremamente controversa. Imagem: Mx. Granger/Wikimedia commons/Domínio Público Procissão em Bangalore durante o Movimento Quit India , em Agosto de 1942. A liderança do partido foi presa, protestos e manifestações aconteceram em todo o país. No entanto, o Partido do Congresso teve pouco sucesso em mobilizar outras forças políticas, incluindo a Liga Muçulmana. Em 1943, o movimento Deixem a Índia tinha se esgotado. Após a Segunda Guerra Mundial, campanhas simultâneas de não cooperação e protesto não violentos se intensificaram. Esses movimentos marcaram a última grande campanha em que as forças do Partido do Congresso e da Liga Muçulmana estiveram alinhados. Em diversos lugares, sargentos do exército indiano britânico começaram a ignorar as ordens dos superiores britânicos. Em Madras e Pune, as guarnições britânicas tiveram que enfrentar revoltas de soldados hindus. Outra rebelião ocorreu em Jabalpur, durante a última semana de fevereiro de 1946, logo após a rebelião da Marinha em Bombaim. O verdadeiro julgamento das contribuições de cada um desses eventos para a independência da Índia e o relativo sucesso ou fracasso de cada um permanece aberto para os historiadores. Alguns afirmam que o movimento Quit Índia acabou por ser um fracasso e atribuem mais importância às greves militares na desestabilização do poder britânico na Índia. Entretanto, alguns historiadores indianos argumentam que o movimento Deixem a Índia foi o que permitiu o enfraquecimento do poder britânico. Em apoio à última visão, uma população de 11 milhões de pessoas tinha sido motivada como nunca anteriormentea afirmar que a independência era um objetivo inegociável. A Segunda Guerra Mundial, porém, enfraqueceu ainda mais a Inglaterra, de modo que ao fim do conflito era impossível manter o domínio sobre a Índia, cuja independência foi alcançada em 15 de agosto de 1947. O país ainda enfrentava forte tensão entre os grupos religiosos rivais e se fragmentou em dois, a Índia propriamente dita e o Paquistão, sendo que este estava geograficamente dividido em Oriental e Ocidental. Imagem: Kinoko kokonotsu/Wikimedia commons/Domínio Público Mulheres refugiadas no campo de Kingsway em setembro de 1947. OS PROBLEMAS CONTINUAM O fim do colonialismo na Ásia ajuda a explicar alguns aspectos da história da segunda metade do século passado. A retomada do colonialismo europeu tornou-se inviável, porque se constituíram forças locais com articulação política suficiente para resistir, ou porque as próprias potências já não tinham capacidade logística de sustentar um território colonial tão distante; A ação de potências regionais (Japão, China, Índia, Austrália e mesmo a União Soviética) tornou inviável a simples retomada da ordem anterior à guerra de 1939-1945; Os interesses dos Estados Unidos tornaram-se agudos na região, após o desgastante conflito para vencer o Japão no Pacífico; A Revolução Chinesa de 1949 e a Guerra da Coreia em 1950 deixaram o governo norte- americano muito preocupado com a região. Nessas condições, os Estados Unidos não tiveram problemas em desautorizar o colonialismo francês ou holandês, mas estavam decididos a não permitir a expansão do socialismo na região. O Vietnã, o Camboja e o Laos se tornaram sinônimos do grande conflito após a Segunda Guerra Mundial e um símbolo da Guerra Fria. O professor Rodrigo Rainha e Daniel Pinha conversam sobre os pontos de proximidade do complexo processo asiático. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. NO EXEMPLO INDIANO CONSEGUIMOS PERCEBER QUE: AS DISPUTAS ANTICOLONIAIS ESTABELECEM INIMIGOS COMUNS, MAS OS EFEITOS DO COLONIALISMO CONTINUAM MARCANDO AS RELAÇÕES POLÍTICAS POSTERIORES. GANDHI DEVE SER ENTENDIDO COMO UMA FIGURA SINGULAR; SOMENTE PELA SUA AÇÃO PESSOAL FOI POSSÍVEL O ESTABELECIMENTO DA AUTONOMIA INDIANA. A ÍNDIA NUNCA FOI UMA COLÔNIA DE FORMA TRADICIONAL, MAS DURANTE O AUGE DO IMPERIALISMO TINHA UM ESTADO QUE RECONHECIA A PROTEÇÃO E O PODER DA INGLATERRA, MESMO TENDO MANTIDO LEIS PARTICULARES. ESTÃO CORRETAS: A) Apenas a I B) Apenas a II C) Apenas a III D) Apenas a I e II E) Apenas a I e III 2. O CASO DA INDONÉSIA REVELA ALGUMAS CARACTERÍSTICAS RECORRENTES DO PROCESSO DE DESCOLONIZAÇÃO. PODEMOS DESTACAR: A INDONÉSIA FEZ PARTE DO PROCESSO DE EXPANSÃO NEOCOLONIALISTA, MAS NÃO FOI EFETIVAMENTE DOMINADA COM A SUPRESSÃO DO SEU GOVERNO PELA FRANÇA; E É CONTRA OS FRANCESES QUE LUTARAM APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. PASSOU POR FENÔMENOS DE NACIONALISMO INTENSO POR CAUSA DOS EXPANSIONISMO DO JAPÃO, QUE MODIFICOU OS ANTIGOS DOMÍNIOS HOLANDESES; APÓS A GUERRA, A HOLANDA EFETIVOU A RUPTURA COM SUA COLÔNIA. A INDONÉSIA SEMPRE FOI AUTÔNOMA, TENDO VIVIDO SOMENTE O COLONIALISMO JAPONÊS E CONSEGUIU, EM VIRTUDE DO NACIONALISMO, RETOMAR SUA AUTONOMIA APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. ESTÃO CORRETAS: A) Apenas I B) Apenas a II C) Apenas a III D) Apenas I e II E) Apenas II e III GABARITO 1. No exemplo indiano conseguimos perceber que: As disputas anticoloniais estabelecem inimigos comuns, mas os efeitos do colonialismo continuam marcando as relações políticas posteriores. Gandhi deve ser entendido como uma figura singular; somente pela sua ação pessoal foi possível o estabelecimento da autonomia indiana. A Índia nunca foi uma colônia de forma tradicional, mas durante o auge do imperialismo tinha um Estado que reconhecia a proteção e o poder da Inglaterra, mesmo tendo mantido leis particulares. Estão corretas: A alternativa "E " está correta. O caso indiano é um exemplo. Não é singular, mas recorrente, uma liderança carismática, educada na Inglaterra, reconhecer o funcionamento das estruturas do capital e atuar contra essas estruturas. As unidades que vencem o colonizador são poderosas, mas geralmente é frágil depois da vitória sobre o inimigo. 2. O caso da Indonésia revela algumas características recorrentes do processo de descolonização. Podemos destacar: A Indonésia fez parte do processo de expansão neocolonialista, mas não foi efetivamente dominada com a supressão do seu governo pela França; e é contra os franceses que lutaram após a Segunda Guerra Mundial. Passou por fenômenos de nacionalismo intenso por causa dos expansionismo do Japão, que modificou os antigos domínios holandeses; após a guerra, a Holanda efetivou a ruptura com sua colônia. A Indonésia sempre foi autônoma, tendo vivido somente o colonialismo japonês e conseguiu, em virtude do nacionalismo, retomar sua autonomia após a Segunda Guerra Mundial. Estão corretas: A alternativa "B " está correta. A Indonésia é uma tradicional colônia asiática, holandesa e os eventos da Segunda Guerra Mundial permitiram a união dos grupos contra a dominação europeia. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS As descolonizações foram movimentos políticos que marcaram o término do auge do colonialismo europeu e o início de um conjunto de rupturas que passou a ser uma realidade entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX. Anos de dominação, no entanto, não desaparecem de uma hora para outra. Nas Américas, a tradição colonialista, rompida no contexto do século XIX, manteve na liderança política os membros que representavam a antiga aristocracia colonial. Na África, o movimento foi intensificado pela ideia de uma união entre os africanos; união que era artificial. Então, serviu para luta e afastamento dos poderes colonialistas, deixou marcas terríveis nas guerras internas, e seu papel como palco de atuação intensa na Guerra Fria. A Ásia viu muitos processos, China, Japão, mundo árabe, sudoeste asiático, Índia, por isso, optamos por exemplos que ofertassem sentido à movimentação da descolonização, à marcação de suas identidades locais. Entretanto, como mesmo em espaços que teoricamente tinham uma identidade consolidada, batalhas e disputas permaneceram intensas, como revela o caso indiano. A descolonização aqui apresentada foi política, um pequeno passo, mas que abriu debates que ainda hoje são intensos. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS GUERRA, François-Xavier. Modernidad y Independencias: ensayos sobre las revoluciones hispanicas. México: Editorial Mapfre/Fondo de Cultura Económica, 1992. HALPERIN DONGHI, Tulio. Reforma y disolución de los impérios ibéricos, 1750-1850. Madrid: Alianza, 1985. HERNANDES, Leila. A África na sala de aula. São Paulo: Selo Negro, 2008. HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. MÄDER, Maria Elisa; PAMPLONA, Marco Antonio (Orgs.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas. São Paulo: Paz e Terra, 2008, 3 vols. REIS FILHO, Daniel (Org.) O século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. EXPLORE+ Para saber mais sobre os assuntos tratados neste tema, leia: A matéria jornalística Tóquio 2020: o movimento que pede a proibição da bandeira imperial do Japão na Olimpíada , BBC NEWS Brasil. Um movimento atual que reivindica a proibição do uso de bandeiras que remetam ao período do imperialismo japonês na Ásia. A Constituição de Cádiz de 1812 e conheça a documentação que define os rumos do processo de descolonização espanhola. Disponível no portal do Senado Federal. Os pronunciamentos realizados na Conferência de Bandung, em 1955, no portal da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Assista: Ao filme Gandhi , de Richard Attenborough, 2001. À palestra História da América Independente I - As Guerras de Independência hispano- americana , da professora Gabriela Pelegrino do Departamento de História da USP, disponível no Youtube. Debate contemporâneo realizado por historiadores acerca do processo de independênciada América Hispânica. Ao filme Angola, nos trilhos da independência , de Fradique e Kamy Lara, 2012. CONTEUDISTA Daniel Pinha CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
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