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Prévia do material em texto

Educação e Diversidade Cultural
LUCIANA LAMBLET PEREIRA
1ª Edição
Brasília/DF - 2020
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Marjorie Gonçalves Andersen Trindade, CRB-1/2704
P436e
Pereira, Luciana Lamblet
Educação e diversidade cultural / Luciana Lamblet Pereira. – Brasília : 
Alumnus, 2020.
98 p.
Recurso online: e-book
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-89227-09-0
1. Educação. 2. Multiculturalismo. 3. Sociologia educacional. 
4. Antropologia educacional. I. e-book. II. Título.
CDU 37.014.3
Autores
 Luciana Lamblet Pereira
Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e 
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático....................................................................................................................................... 4
Introdução ............................................................................................................................................................................. 6
Capítulo 1
“Que faço com a minha cara de índia?” – Cultura, etnocentrismo, alteridade e questão indígena 
no Brasil contemporâneo ........................................................................................................................................... 9
Capítulo 2
“Unir o útil ao agradável: estudo e brinco” – Processo de socialização e ambiente escolar ...........28
Capítulo 3
 “Imagino Irene entrando no céu”: novas epistemologias e o 
 desafio da prática multiculturalista ....................................................................................................................40
Capítulo 4 
 “Até eu entender minha negritude”: racismo, branquitude e ambiente escolar .................................51
Capítulo 5
“Mas a escola tem que fazer de conta que isso não existe?”: a escola e a questão de gênero ......70
Capítulo 6 
“A educação é assegurada como um direito público subjetivo”: Direitos Humanos e Educação ....87
Referências ..........................................................................................................................................................................97
4
Organização do Livro Didático
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e 
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros 
recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, 
fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático.
Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a 
síntese/conclusão do assunto abordado.
Cuidado
Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o 
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.
Importante
Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.
Observe a Lei
Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem, 
a fonte primária sobre um determinado assunto.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa 
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. 
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus 
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas 
conclusões.
5
ORgAnIzAçãO DO LIvRO DIDátICO
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes 
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor 
conteudista.
Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões 
sobre o assunto abordado.
Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o 
entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.
Sugestão de estudo complementar
Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, 
discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.
Posicionamento do autor
Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o 
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.
6
Introdução
O poeta negro Aimé Cesaire disse que “as duas maneiras de perder-se são: por 
segregação, sendo enquadrado na particularidade, ou por diluição no universal”. A 
utopia que hoje perseguimos consiste em buscar um atalho entre uma negritude 
redutora da dimensão humana e a universalidade ocidental hegemônica que anula 
a diversidade. Ser negro sem ser somente negro, ser mulher sem ser somente 
mulher, ser mulher negra sem ser somente mulher negra. Alcançar a igualdade 
de direitos é converter-se em um ser humano pleno e cheio de possibilidades e 
oportunidades para além de sua condição de raça e de gênero. Esse é o sentido 
final dessa luta.
(CARNEIRO, 2011)
Eu não tenho minha aldeia
Eu não tenho minha aldeia
Minha aldeia é minha casa espiritual
Deixada pelos meus pais e avós
A maior herança indígena
Essa casa espiritual
É onde vivo desde tenra idade
Ela me ensinou os verdadeiros valores
Da espiritualidade
Do amor
Da solidariedade
E do verdadeiro significado
Da tolerância
Mas eu não tenho minha aldeia
E a sociedade intolerante me cobra
Algo físico que não tenho
Não porque queira
Mas porque de minha família foi tirada
7
Sem dó, nem piedade
Eu não tenho minha aldeia
Mas tenho essa casa iluminada
Deixada como herança
Pelas mulheres guerreiras
Verdadeiras mulheres indígenas
Sem medo e que não calam sua voz
Eu não tenho minha aldeia
Mas tenho o fogo interno
Da ancestralidade que queima
Que não deixa mentir
Que mostra o caminho
Porque a força interior
É mais forte que a fortaleza dos preconceitos
Ah! Já tenho minha aldeia
Minha aldeia é Meu Coração ardente
É a casa de meus antepassados
E do topo dela eu vejo o mundo
Com o olhar mais solidário que nunca
Onde eu possa jorrar
Milhares de luzes
Que brotarão mentes
Despossuídas de racismo e preconceito
(POTIGUARA, 2018, pp. 151-152)
Prezada aluna, prezado aluno,
Seja muito bem-vindo à disciplina Educação e Diversidade!
8
Neste espaço, discutiremos questões fundamentais para a prática docente contemporânea: 
cultura, etnocentrismo, alteridade, socialização, questão indígena, racismo, multiculturalismo, 
questões de gênero e Direitos Humanos.
São questões latentes em nossa sociedade. E, como você sabe, a escola não está apartada das 
relações sociais, ela faz parte das dinâmicas que operam o cotidiano da cidade, do estado e do país.
Neste sentido, se você deseja ser um educador responsável, consciente do seu papel na construção 
de um ambiente escolar acolhedor, plural e respeitoso, você precisa tomar conhecimento das 
discussões que rondam a sociedade. Um professor não deve ficar alheio ao seu contexto. Como 
ensinar sem conhecer a realidade dos educandos, sua linguagem, sua visão de mundo?
Temos consciência da dificuldade que possuímos diante do que nos é diferente, daquilo que se 
distancia de nós, das nossas vivências e experiências. Nós vamos conversar sobre esse desafio, 
mas também vamos apontar saídas e, acima de tudo, ressaltar a necessidade de o professor 
encarar de frente e se preparar para lidar da melhor forma possível com os conflitos advindos 
da convivência com o que não é espelho. 
Te convidamos a se deixar levar por essas outras vozes, por muito tempo caladas, oprimidas e 
violentadas. A abrir a escuta e tentar construir pontes e não muros. Será um exercício de empatia, 
por vezes dolorosa, mas muito enriquecedora e compensadora, pois, como veremos, a diversidade 
é um ato humano e humanizador.
Vamos lá? 
Objetivos
 » Compreender os conceitos de cultura, etnocentrismo, socialização e alteridade, bem 
como sua utilização para a construção de uma prática docente democrática e diversa.
 »Discutir a teoria e a prática multiculturalista e seus desafios no ambiente escolar.
 » Reconhecer as lutas, as opressões e as resistências dos grupos sociais subalternizados, tais 
como os indígenas, os negros e negras, as mulheres e os LGBTs +, compreendendo que 
esses conflitos estão em sala de aula e docente deve estar preparado para lidar com eles.
 » Relacionar a educação com os Direitos Humanos, a Constituição de 1988 e a ideia de 
dignidade da pessoa humana.
9
Figura 1.
Fonte: http://www.portalmorada.com.br/noticias/geral/72794/araraquara-recebe-feira-de-cultura-indigena. 
Acesso em: 16/9/2019.
Figura 2.
Fonte: https://www.lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2018-11-pt-br/a-cultura-branca-e-real. 
Acesso em: 16/9/2019.
1
CAPÍTULO
“QUE FAçO COM A MInHA CARA DE 
ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, 
ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA 
nO BRASIL COntEMPORÂnEO
http://www.portalmorada.com.br/noticias/geral/72794/araraquara-recebe-feira-de-cultura-indigena
https://www.lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2018-11-pt-br/a-cultura-branca-e-real
10
CAPÍTULO 1 • “QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO
Você já se questionou porque falamos de “cultura indígena”, mas não dizemos “cultura branca”?
Experimente fazer uma pesquisa na internet num site de busca. Escreva cultura indígena e veja 
o que aparece para você. Depois escreve cultura branca e observe o resultado.
O meu resultado está nas imagens expostas acima.
Parece que para a cultura branca ocidental, basta dizer “cultura”. Já as demais precisam de um 
complemento, um adjetivo. Isso porque tendemos a normatizar e normalizar a primeira. O que 
foge a ela é estranho, exótico, “diferente”.
O que ou quem determina o que é e o que não é cultura? 
Existem pessoas sem cultura? A cultura pode ser mensurada? Podemos afirmar que alguém tem 
muita ou pouca cultura? 
É fato que nós usamos frequentemente a palavra cultura e de forma deliberada, mas cultura é 
um conceito amplo e complexo, como veremos neste primeiro capítulo. 
É também um conceito fundamental para compreendermos as relações sociais, a sua dinâmica, 
as disputas entre elas, a formação de preconceitos e estereótipos, bem como diversos aspectos 
do ambiente educacional. A escola é um espaço repleto de cultura, não só porque discute um 
conhecimento sistematizado através de livros, aulas, palestras e debates, mas porque é um 
local de encontros, de múltiplas relações, de escolhas, de comportamentos e de percepções de 
mundo e de vida. 
Neste capítulo inicial, trabalharemos com o conceito de cultura: o que é e como ela impacta 
nosso cotidiano. Como que, a partir dela, podemos nos posicionar de forma etnocêntrica e 
preconceituosa ou com alteridade, dependendo da nossa posição diante do “outro”. 
Também discutiremos a questão indígena no Brasil, abordando as opressões sofridas, mas também 
as suas múltiplas formas de resistências. Traremos a fala de mulheres indígenas que lutam pela 
manutenção de sua cultura, suas tradições e sua cosmovisão. 
Todas essas temáticas serão abordadas pensando na nossa atuação enquanto educadores. Como 
a cultura, o etnocentrismo, os estereótipos, o preconceito, a alteridade e a cultura indígena 
impactam na sala de aula? E qual o nosso lugar enquanto docentes diante dessas questões?
Objetivos do Capítulo
 » Discutir o conceito de cultura e seus impactos nos mais diversos aspectos da vida e das 
relações sociais.
11
QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO • CAPÍTULO 1 
 » Perceber a cultura enquanto uma construção sócio-histórica, desnaturalizando hábitos, 
costumes e visões de mundo.
 » Entender o ser humano numa relação dialética com os aspectos culturais, seja como 
produto, seja como produtor de cultura.
 » Compreender os conceitos de etnocentrismo, estereótipo e alteridade nas dinâmicas 
de encontro de diferentes culturas.
 » Discutir a questão indígena no Brasil contemporâneo a partir das lutas de resistência 
pela manutenção das tradições, da cosmovisão e do bem viver dos povos nativos.
“A diferença se torna condição humana”: cultura, 
etnocentrismo e alteridade
Provavelmente você já utilizou essa palavra: cultura. Já ouviu expressões tais como: “fulano é 
muito culto”, “ciclano não tem cultura”. É, sem dúvida, um vocábulo recorrente, pertence ao 
nosso cotidiano. Mas, quando olhamos atentamente para “a cultura” com olhar acadêmico e 
crítico, percebemos a sua complexidade e profundidade. Vamos começar a refletir sobre ela?
Roque Laraia (2001) sugere, a partir dos estudos de Ruth Benedict, que compreendamos a cultura 
tal como uma lente através da qual o ser humano vê o mundo. Portanto, culturas diferentes 
utilizam lentes diferentes e, assim, enxergam hábitos, costumes, valores e crenças de forma 
diferente. Neste sentido:
O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes 
comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de 
uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada 
cultura. (LARAIA, 2001, p. 36)
Assim, desde os aspectos mais simples até os mais complexos no nosso cotidiano estão permeados 
por cultura. A forma como nos vestimos, o que comemos, nossas artes, hábitos de consumo, 
religiosidades, como caminhamos, do que rimos e até mesmo do que choramos.
Laraia (2001) nos apresenta uma parábola que ilustra bem como a cultura opera nas situações 
mais cotidianas. Conta o autor que uma jovem da Bulgária resolveu oferecer um jantar para 
uns amigos do seu marido, dentre eles um rapaz de origem asiática. Quando todos terminaram 
seus pratos, a anfitriã perguntou se gostariam de repetir, pois em sua cultura búlgara deixar que 
convidados saiam famintos de uma casa é um ato de profundo desrespeito, portanto, sempre 
deve-se perguntar se desejam mais comida. O jovem asiático aceitou, comeu também um terceiro 
prato e quando estava no quarto caiu desmaiado. Na cultura do rapaz é um tremendo insulto 
recusar comida quando lhe é oferecida por uma anfitriã.
12
CAPÍTULO 1 • “QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO
A questão é que, como vemos o mundo a partir da nossa cultura, tendemos a considerar nossos 
hábitos e costumes como natural, como o normal, a regra, o correto. Ou seja, naturalizamos 
aquilo que foi construído historicamente a partir das relações sociais. 
Isto pode nos levar a uma visão etnocêntrica: aquela que entende que a sua própria sociedade 
é o centro da humanidade e sua única expressão. Tal concepção tende a colocar seus valores e 
crenças como superiores, e pode se traduzir em ideias racistas, intolerantes e preconceituosas. 
O etnocentrismo muitas vezes é base que visa justificar e legitimar ações violentas, opressões e 
dominações de uma cultura sobre a outra.
Propomos uma dinâmica que você pode fazer com amigos, familiares ou na sala de aula. Inclusive, 
pode neste momento “testar” com você mesmo. Rapidamente, sem pensar muito, peça aos 
amigos/familiares/alunos que digam as imagens e palavras que passam em suas mentes quando 
pensamos “África”.
Agora confira com eles se o resultado foi algo parecido com as imagens abaixo:
Figura 3.
Fonte: <https://oglobo.globo.com/mundo/efeitos-de-guerras-na-africa-mataram-milhoes-de-criancas-em-20-
anos-23025829>. Acesso em: 16/9/2019.
Figura 4.
Fonte: <https://viagens.sapo.pt/viajar/viajar-mundo/artigos/50-fotos-para-acreditar-que-africa-e-um-continente-
especial>. Acesso em: 16/9/2019.
Mesmo sem conhecer você ou as pessoas com quem você conversou, provavelmente as imagens 
se assemelham às que escolhemos aqui, correto? Talvez algumas leves alterações, podendo 
passar por ideias de crianças negras dançando músicas de sua região. De forma geral, as pessoas 
https://oglobo.globo.com/mundo/efeitos-de-guerras-na-africa-mataram-milhoes-de-criancas-em-20-anos-23025829https://oglobo.globo.com/mundo/efeitos-de-guerras-na-africa-mataram-milhoes-de-criancas-em-20-anos-23025829
https://viagens.sapo.pt/viajar/viajar-mundo/artigos/50-fotos-para-acreditar-que-africa-e-um-continente-especial
https://viagens.sapo.pt/viajar/viajar-mundo/artigos/50-fotos-para-acreditar-que-africa-e-um-continente-especial
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QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO • CAPÍTULO 1 
associam o continente africano a fome, doenças, pobreza e animais selvagens. Algo como um 
grande safari rodeado por problemas sociais. 
Uma questão a ser levantada é: por que, ao propormos essa dinâmica, as pessoas aceitam 
passivamente o termo África? Você observará que não perguntaram: “mas qual parte ou país da 
África?” Isso porque tendemos a falar de um continente tão grande e diverso como se fosse uma 
única realidade. Temos imagens construídas e pré-concebidas de culturas e dinâmicas muito 
complexas.
Isto não ocorre somente com a África. Experimente a mesma dinâmica falando “Oriente Médio” 
e observe se as imagens criadas se assemelham às que apresentamos abaixo:
Figura 5.
Fonte: <https://brasilescola.uol.com.br/geografia/oriente-medio.htm>. Acesso em: 16/9/2019.
Figura 6.
Fonte: <https://segredosdomundo.r7.com/burca/>. Acesso em: 16/9/2019.
https://brasilescola.uol.com.br/geografia/oriente-medio.htm
https://segredosdomundo.r7.com/burca/
14
CAPÍTULO 1 • “QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO
Figura 7.
Fonte: <https://jeonline.com.br/coluna/567/estado-islamico-ei-a-ignorancia-o-fanatismoa-farsa-e-a-maldade-em-nome-
da-fe>. Acesso em: 16/9/2019.
Guerra, burca e terrorismo vão aparecer no imaginário das pessoas. Denominamos isso de 
estereótipos: quando reduzimos toda uma cultura, suas relações sociais, complexidades e 
dinâmicas a alguns dos seus aspectos, por vezes reais ou por vezes até mesmo imaginários. 
Estereotipamos povos e culturas quando marcamos, adjetivamos e definimos os sujeitos e suas 
subjetividades a partir de pequenos recortes ou ideias pré-determinadas.
São exemplos de estereótipos: quando olhamos um japonês e já imaginamos que ele seja fera 
na tecnologia e nas ciências exatas; quando viajamos para o exterior e nos perguntam coisas 
sobre futebol, praia e samba, pressupondo que todo brasileiro goste ou ocupe esses espaços; 
quando afirmamos que francês “não toma banho” e os ingleses são muito “frios”, dentre muitos 
outros exemplos.
Os estereótipos devem ser evitados por dois motivos: 
1. reduz a nossa capacidade de compreensão do outro, limitando nossa visão acerca da 
diversidade e da complexidade de outras culturas; 
2. nos deixa a um passo do preconceito. Quando olhamos de forma estereotipada, reduzindo 
e diminuindo a cultura do outro, perdemos de vista a sua riqueza e dimensão e nos 
aproximamos do julgamento, da recusa, do estranhamento e, consequentemente, do 
preconceito.
Outra característica da cultura é que ela opera de forma distinta até entre os sujeitos de uma 
mesma sociedade. Há diferenças etárias, de gênero e de estratos sociais. A forma como uma 
pessoa abastada vivencia, usufrui e consome cultura é diferente da forma como uma pessoa 
empobrecida, mesmo que ambas morem na mesma cidade e, por vezes, convivam em espaços 
semelhantes. A maneira como crianças, adolescentes, adultos e idosos vivenciam, traduzem e 
ressignificam a cultura é distinta, mesmo sendo componentes de uma mesma família. No Brasil, 
conhecido como o “país do futebol”, meninos e meninas vivenciam o esporte de forma diferente.
https://jeonline.com.br/coluna/567/estado-islamico-ei-a-ignorancia-o-fanatismoa-farsa-e-a-maldade-em-nome-da-fe
https://jeonline.com.br/coluna/567/estado-islamico-ei-a-ignorancia-o-fanatismoa-farsa-e-a-maldade-em-nome-da-fe
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QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO • CAPÍTULO 1 
Uma terceira característica da cultura é que ela possui uma lógica própria. Isto é um desafio 
quando nos propomos a conhecer uma cultura diferente da nossa. Precisamos fazer o exercício 
nada simples de retirar as nossas lentes e colocar as lentes do outro. Isso porque “a coerência de 
um hábito cultural somente pode ser analisada a partir do sistema a que pertence.” (LARAIA, 
2001, p. 45). Portanto, ideias como “avanço”, “retrocesso” ou “evolução” só cabem quando olhamos 
para a lógica cultural interna. Não devemos utilizar tais termos entre culturas diferentes, pois 
possuem dinâmicas e histórias distintas.
A quarta característica da cultura é sua dinamicidade. Ela está em movimento, não está estática. 
Isto porque as sociedades se modificam internamente, alterando relações e percepções e também 
porque recebem influências externas, seja na forma de troca, assimilação ou imposição. Perceba, 
você ouve as mesmas músicas que seus avós ouviam? Veste os mesmos tipos de roupa? Nos 
comunicamos da mesma forma que as pessoas no Brasil da década de 1930? Nossas bisavós 
falavam “deletar”? Temos a mesma dinâmica de vida que os sujeitos que aqui viviam no século 
XVIII? Não achamos cafona o que muitas vezes foi moda e objeto de desejo? Quantas vezes 
olhamos para fotos antigas e damos gargalhadas com nossos penteados, que na época achávamos 
o máximo? Nossas crianças brincam como brincávamos?
Sendo, portanto, a cultura algo tão impregnado na nossa forma de viver e olhar o mundo, como 
fazer diante do “outro”? Como encarar modos de vida diferentes dos nossos sem que sejamos 
preconceituosos?
Hans-Georg Flickinger (2018) propõe três etapas da experiência intercultural: o exótico, o estranho 
e a alteridade. Para o autor, a educação deve trabalhar para o desenvolvimento desta última. Mas 
vamos discutir cada etapa.
O exótico se dá especialmente quando não há uma ponte ligando as culturas em questão. Ou seja, 
há um profundo distanciamento e até mesmo um desinteresse por conhecer melhor o outro e sua 
visão de mundo. É quase mera curiosidade. Isso pode acontecer, por exemplo, quando assistimos 
a um vídeo em que pessoas de culturas muito diferentes da nossa dançam num ritmo que nos é 
desconhecido e com passos estranhos à nossa cultura. Podemos admirar ou até mesmo rir, mas 
esse contato – que não é contato – não passou de exotismo. 
Alguns países anunciam turismo no Brasil através de imagens de animais selvagens e passistas 
generosamente enfeitadas com adereços carnavalescos. Essa é uma imagem exótica do país. Não 
gera aproximações, pontes, intercâmbios. Ao contrário, é geralmente carregada de estereótipos.
O estranhamento requer alguma convivência. Podemos exemplificar com o caso de estrangeiros 
que vêm morar no Brasil ou brasileiros que vão morar em outros países. É comum determinado 
desconforto: não é nosso lugar de pertencimento, a língua é diferente (mesmo sendo a língua 
portuguesa, há sotaques, expressões diferenciadas que marcam você como o “outro”), a gastronomia 
se diferencia, as dinâmicas de relacionamento são distintas, os códigos que não dominamos.
16
CAPÍTULO 1 • “QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO
Quando nos deparamos com o diferente, nos estranhamos. É comum isto ocorrer. Também 
pode haver o medo e a desconfiança, pois geralmente tememos o que não nos é familiar, o que 
desconhecemos, o que não é reconhecido como espaço e símbolo de segurança e conforto. O 
problema é que muitas vezes esse estranhamento não é superado, tornando-se, assim, suscetível 
a se transformar em julgamento, preconceito e sentimento de superioridade.
Como superar o estranhamento seguindo um outro caminho? A resposta está no exercício da 
alteridade.
A alteridade está na nossa capacidade de se aproximar do outro, conhecendo-o, mas acima de tudo 
reconhecendo-o em sua humanidade e especificidades. A alteridade requer proximidade, e não 
afastamento. Requer que nos abramospara o diferente e que nos encontremos de fato com ele.
Nas palavras de Flickinger:
A percepção do outro como alter de mim mesmo – eis o sentido originário do termo 
latino – aborda pelo menos três aspectos: tenho aí o outro na medida em que ele 
vem ao meu encontro como outro de mim mesmo; esse seu vir ao meu encontro 
obriga-me a tomar posição frente a ele; e esta reação me leva a responder suas 
perguntas, a aceitar, portanto, uma determinada responsabilidade em relação a 
ele. Esta, aliás, é a relação propriamente dita de alteridade. (FLICKINGER, 2018, 
p. 139) 
Perceba que o autor utiliza a palavra responsabilidade. Uma relação de alteridade é baseada 
no respeito, no reconhecimento e valorização do outro, entendendo-se também como um 
outro diante do diferente. Para ter alteridade é necessário trocar as lentes dos óculos, um dos 
movimentos mais difíceis e complexos das relações sociais, porque requer um certo afastamento 
de quem nós somos, do que acreditamos, do que nos constitui e, especialmente, do que já nos 
habituamos ao ponto de achar “natural”.
Não é fácil uma relação com alteridade, olhando o outro de frente, nem o vendo por cima e tão 
pouco lhe dando as costas. Por isso, autores como Hans-Georg Flickinger e Mauricio Farinon 
(2018) apontam para a educação como instrumento fundamental na construção da alteridade 
nos sujeitos: 
Não é incomum que a inclusão caminhe de mãos dadas com a exclusão; não é 
incomum que o diverso gere o sentimento de adverso; não é incomum que o 
diferente desencadeie o movimento de indiferença. Inclusão e exclusão, diverso 
e adverso, diferente e indiferente são as tensões que os processos educativos 
devem colocar em sua agenda, uma vez conscientes dos desafios que envolvem 
a formação para além da instrumentalização ou de repasse de conteúdos. Assim, 
ansiamos por mais educação! No caminho de possíveis soluções ou minimizações 
dessas tensões, a alteridade é posta como o qualificativo ético fundamental para 
que a diversidade e a pluralidade não sejam reduzidas somente à percepção 
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QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO • CAPÍTULO 1 
do múltiplo. Com a alteridade ocorre um compromisso com o humano que se 
constitui enquanto abertura, enquanto um-para-o-outro, ou enquanto um-
com-o-outro. Com ela, a diferença se torna condição humana, fazendo surgir a 
esperança de que a violência seja superada (...)
Os debates que envolvem o ser humano se tornam problemáticos quando não 
consideram a alteridade em sua efetiva influência na construção da diversidade. 
O problema surge no instante em que não reconhecemos as diversas formas de 
ser, de pensar, de agir, as diversas manifestações do humano, em sua significativa 
riqueza, e passamos a tomar decisões e a agir conduzidos cegamente pelo senso 
de totalidade e universalidade elevado como critérios absolutos. Nesse instante 
nos tornamos insensíveis à multiplicidade e suas características particulares, 
ansiando por administrar o real, a vida, a partir de leis gerais e padronizadoras. 
Não estamos diante da negação do mundo comum, porém o desafio está em 
percebemos na alteridade a condição para o humano, não esquecendo o alerta 
grego clássico provindo de Aristóteles, a partir do qual o bem é algo que deve 
articular o individual e o coletivo, de donde deriva a concepção política e ética 
em tal filósofo. Emerge a necessidade de refletirmos sobre a presença do outro e 
os desafios da intersubjetividade que envolvem as questões humanas, em seus 
âmbitos educacionais e pedagógicos. (...)
São tais aspectos que justificam essa proposta investigativa e nos lançam ao 
desafio de constituirmos ações pedagógicas orientadas pela tolerância respeitosa 
e vigilante, pela aceitação dos modos de pensar e de ser, sem abstrair de valores 
comuns. A alteridade nos põe contundentemente diante da dimensão ética das 
ações, pois é abertura à presença que nos contradiz, que nos põe limites, que nos 
questiona em nossas convicções e nos projeta para o desafio do novo. Ou seja, a 
experiência de alteridade evidencia a condição humana enquanto temporalidade 
e, nisso, tem lugar a educação. (FARINON, 2018, pp. 130-133)
Observe que Farinon reconhece o estranhamento, a exclusão e as tensões advindas do encontro de 
culturas diferentes, e aponta para a educação como instrumento fundamental do comportamento 
ético da alteridade. Segundo o autor, precisamos ultrapassar a visão de que pluralidade e 
diversidade são apenas a percepção de que existem diferentes modos de viver. Mas, para isso, é 
necessário que o sujeito se comprometa com a humanidade, exercendo a alteridade. 
O espaço educacional é um local de aprendizagem e abertura para o diverso, para o questionamento 
das certezas tão enraizadas e naturalizadas em nós. É o lugar da escuta e da fala do outro para 
o também outro. Percebendo a alteridade como uma condição humana, a escola não poderia 
deixar de se comprometer com essa prática, produzindo conhecimentos que proporcionem o 
reconhecimento e a valorização da diversidade.
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CAPÍTULO 1 • “QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO
“Basta de afogar as minhas crenças e torar minha raiz”: a 
questão indígena 
No entanto, quando começa a falar dos índios locais, Gândavo parece bem 
mais cuidadoso em seus elogios. Começa dizendo: “Não se pode numerar nem 
compreender a multidão de bárbaro gentio que semeou a natureza por toda essa 
terra do Brasil; porque ninguém pode pelo sertão dentro caminhar seguro, nem 
passar por terra onde não ache povoações de índios armados contra todas as 
nações humanas e, assim, como são muitos, permitiu Deus que fossem contrários 
uns aos outros, e que houvessem entre eles grandes ódios e discórdias, porque se 
assim não fosse os portugueses não poderiam viver na terra nem seria possível 
conquistar tamanho poder de gente”. E continua mais à frente: “a língua deste 
gentio toda pela costa é uma: carece de três letras – scilicet, não se acha nela ne 
F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não tem nem Fé, nem 
Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente”. Povos 
sem F, L, R – sem fé, nem lei, nem rei –, eis a representação desses “naturais”, 
caracterizados a partir da noção da “falta”.
Seus costumes também causavam estranhamento: “andam nus sem cobertura 
alguma, assim machos e fêmeas; não cobrem parte nenhuma de seu corpo, e 
trazem descoberto quanto a natureza lhes deu”. Se por um lado, a natureza era 
edenizada, os “naturais” não passavam no crivo do viajante. Gândavo também 
lamenta o fato de serem “muito belicosos”. Explica como tratam os prisioneiros, 
menciona as cordas que os amarram e como o atam pela cinta. Descreve ainda 
como os matam e os comem – “isto mais por vingança e por ódio que por se 
fartarem. (...)
Como se vê, ao descrever os indígenas brasileiros como “atrevidos, sem crença 
na alma, vingativos, desonestos e dados á sensualidade”, Gândavo estabelecia 
uma distinção fundamental entre a terra e seus homens: e edenização de um 
lado, o inferno de outro. O modelo era evidentemente etnocêntrico, e o que não 
correspondia ao que se conhecia era logo traduzido como ausência ou carência, 
e não como um costume diverso e variado. (SCHWARCZ, 2012, pp.14-15)
A citação acima é um ótimo exemplo das tensões geradas quando culturas tão distintas se 
encontram. Há claramente uma estranheza em relação ao outro, avançando rapidamente para 
um julgamento. Gândavo não tirou suas lentes, não fez o menor trabalho de colocar a lente 
dos indígenas e avaliou os povos nativos a partir do seu referencial de mundo. Comparando as 
relações sociais entre a sua cultura e a que ele encontrou além-mar, o autor do relato enxergou 
os povos daqui a partir do signo da falta. 
Como vimos anteriormente, esta é uma postura etnocêntrica, ou seja, uma postura que toma 
os nossos valores e visões de mundocomo centro, como referencial, como norma, natural 
e, portanto, correto. Assim, o que difere é estranho, pior, inferior e carente. Enquanto os 
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QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO • CAPÍTULO 1 
europeus se encantavam com as belezas naturais encontradas no Brasil, comparando-as ao 
Éden bíblico, desprezavam, inferiorizavam e subjugavam os povos nativos. 
Durante o processo de escravidão indígena, muitos pais e famílias realizavam o 
suicídio em massa contra essa forma de opressão. Despencavam dos penhascos. 
Isso era um ato de resistência. Então, percebemos que muitas famílias sofreram a 
separação, e é a esse enfoque que nos reportamos. Entre as causas da separação 
das famílias estão a violência aos territórios imemoriais dos povos indígenas e 
a migração compulsória. Isso provocou insegurança familiar, distúrbios, medo 
e pânico, causando loucura, violências interpessoais, suicídios, alcoolismo, 
timidez e a baixa autoestima diante do mundo. Tudo isso motivado pelo racismo 
contra povos indígenas e em prol da colonização europeia. E mais: a destruição 
dos cemitérios sagrados dos povos indígenas, que representam uma forte 
referência cultural, fez com que famílias perdessem definitivamente o elo com 
seus ancestrais, causando a desintegração cultural e espiritual. (POTIGUARA, 
2018, p. 20)
O importante enquanto docentes é pensarmos o quanto dessa visão etnocêntrica em relação aos 
indígenas nós herdamos, ressignificamos e reproduzimos. Basta ver as famosas comemorações 
do “Dia do Índio”. A própria nomenclatura já desconsidera questões muito importantes. “Índio” 
é o nome dado pelo colonizador aos povos que aqui habitavam, assim como “tribo”. Eles são de 
aldeias, são indígenas, etnias, povos nativos. Assim, no plural. Quando reduzimos dezenas de 
povos, culturas e crenças ao singular (índio), reduzimos suas histórias, tradições e desrespeitamos 
suas diferenças e especificidades. 
Quantas vezes nós nos “fantasiamos” de “índio”? Colocamos penas na cabeça, pintamos com 
guache nossas bochechas e emitimos sons que os próprios indígenas desconhecem. As penas e 
as pinturas em seus corpos possuem significados muito importantes para as etnias. Os adereços 
comunicam, expressam suas origens, simbolizam, levam mensagens. E nós as desconhecemos 
completamente, vulgarizamos as suas expressões e as reduzimos ao exótico. 
Um exemplo disto são os memes na internet que subalternizam a cultura indígena, trazem 
ideias estereotipadas e reafirmam preconceitos:
Figura 8.
 
Fonte: <https://conversadeportugues.com.br/2012/04/sala-de-aula-pra-mim-fazer/>. Acesso em: 16/9/2019.
https://conversadeportugues.com.br/2012/04/sala-de-aula-pra-mim-fazer/
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CAPÍTULO 1 • “QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO
Figura 8.
Fonte: <https://pt.memedroid.com/memes/detail/1909466>. Acesso em: 16/9/2019.
Provocação
Figura 9.
Fonte: <https://extra.globo.com/tv-e-lazer/rock-in-rio/a-alicia-keys-politizou-rock-in-rio-diz-india-que-discursou-durante-
show-da-cantora-21836221.html>. Acesso em: 16/9/2019.
No que a cosmovisão indígena pode nos ajudar enquanto educadores?
Podemos e devemos aprender muitas coisas com os povos indígenas, suas tradições, suas relações com o meio ambiente 
e também com os seus olhares acerca da educação. É importante que se faça cumprir a lei 11.645/08, que torna 
obrigatório o ensino da História e cultura indígenas em todas as unidades escolares do Ensino Básico.
Abaixo, você encontrará trechos do ensaio “Educação indígena: esperança de cura para tempos de enfermidade”, de 
Sonia Guajajara (2018, pp. 171-173), no qual a autora ressalta a importância do olhar indígena sobre a educação. 
[...] enquanto o Brasil não assumir sua dívida histórica para com os povos originários, trabalhando ativamente para 
repará-la, construiremos um falso futuro, mascarando nossas memórias e oprimindo os corpos presentes.
[...] Essa representação social dos povos indígenas é permeada por um discurso colonial que lhe destina um espaço 
subalterno, periférico e marginal. O resultado é uma visão hegemônica estereotipada e distorcida: povos indígenas são 
atrasados, primitivos, preguiçosos, entraves ao desenvolvimento social e econômico do país. E o que índios são e podem 
ser de fato? Advogados, médicos, enfermeiros, cineastas, músicos, políticos, guardiães da floresta, mulheres, homens, 
líderes, gente comum... São e podem ser, enfim, tudo o que cabe na diversidade da sociedade brasileira.
Afrontar a ideia do índio incivilizado, incapaz de acompanhar as tendências e mudanças do mundo, é fundamental, 
[...] Ora, para além da capacidade de lidar com os desafios da modernidade, nós, povos indígenas, somos detentores de 
vários e preciosos conhecimentos tradicionais. [...]
https://pt.memedroid.com/memes/detail/1909466
https://extra.globo.com/tv-e-lazer/rock-in-rio/a-alicia-keys-politizou-rock-in-rio-diz-india-que-discursou-durante-show-da-cantora-21836221.html
https://extra.globo.com/tv-e-lazer/rock-in-rio/a-alicia-keys-politizou-rock-in-rio-diz-india-que-discursou-durante-show-da-cantora-21836221.html
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O contato entre indígenas e não indígenas tem se intensificado. Segundo Eliane Potiguara 
(2018), o aumento do desmatamento, a diminuição da biodiversidade, o assoreamento dos 
rios, a poluição ambiental e o avanço do agronegócio e do extrativismo sob as terras indígenas 
levaram enfermidades, fome e empobrecimento às populações originárias. Muitos migraram 
compulsoriamente para as cidades. 
Além disso, a autora afirma que as invasões também levaram a loucura, o alcoolismo, o suicídio 
e a violência interpessoal às aldeias, afetando profundamente a autoestima dos povos. A forma 
como a sociedade impõe a cultura não indígena causa impactos não só econômicos, mas também 
culturais, morais e existenciais. É uma forma de racismo. Ainda não superamos a visão do “branco 
civilizado” e do “índio primitivo e bárbaro”. Olhamos com superioridade e enxergamos ali o 
“atraso”. Somos a modernidade, eles o arcaico:
[...] Impor culturas dominantes é uma forma de racismo. O paternalismo oficioso 
e governamental e o paternalismo eclesiástico também são formas de racismo, 
por melhores que sejam as intenções. Há de se respeitar a espiritualidade e as 
tradições de ritos dos povos indígenas. (POTIGUARA, 2018, p. 42)
Justamente para não repetir os erros do passado, a interculturalidade não pode ser pensada e praticada numa via 
de mão única. Há os que bebem e se alimentam dos conhecimentos das aldeias. E também deve haver espaço 
para que nossos corpos transitem e experienciem vivências para além do chão da aldeia. Pois quando nos abrimos 
para a experiência intercultural, somos capazes de aprender com as diferentes dinâmicas culturais e de expandir 
as fronteiras de nossos próprios universos. Considerar a possibilidade de uma educação diferenciada, nutrida nos 
conhecimentos tradicionais, é o ponto de partida para a prática da descolonização do pensamento.
[...] Enquanto a sociedade brasileira não reaprender a contar a história do Brasil com a contribuição de nossos 
saberes e mentes, continuaremos colonizados e aprisionados. É justamente na escola, o espaço das construções 
simbólicas sobre as alteridades, que essa transformação precisa começar a acontecer.
[...]
A educação indígena tem muito a ensinar: o respeito aos diferentes espaços e tempos, a ênfase na territorialidade, o 
fazer democrático e plural. Dar relevância a esse outro jeito de ensinar e aprender é um caminho de cura, um remédio 
para tempos de doença social. Que a escola comece a considerar o espaço do território como um lugar onde também 
se aprende – o ritual, a língua, a matemática, a física, a química, o escrever e inscrever o outro –, mas sem perdera 
conexão com aquilo que se é e com aquilo que se vive. A escola precisa fazer sentido em relação ao que já somos no 
mundo, sem nos desconstruir colonizando as nossas mentes. Se nós, povos indígenas, até hoje estamos vivos e com 
nossas identidades, é porque aprendemos a usar a escola a nosso favor. A educação é para nós, para nos curar, e não 
para nos dominar.
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CAPÍTULO 1 • “QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO
Eliane Potiguara nos demonstra que a forma violenta de opressão e dominação fez com que os 
povos indígenas acabassem, ao longo do processo, adotando formas de pensar e agir dos brancos. 
Um exemplo disso é a relação de gênero:
Povos indígenas exerciam relações de gênero no passado de forma justa, quando 
as mulheres Guarani, por exemplo, eram ouvidas nas assembleias indígenas. Há 
mais de vinte anos tenho dito, em todas as assembleias, conferências, palestras por 
Sugestão de estudo
Figura 10.
Fonte: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-261394/>. Acesso em: 16/9/2019.
O premiado filme Ex-Pajé (2018) é um excelente documentário que aborda a complexa relação entre os indígenas 
Paiter Suruí, em Rondônia, e o avanço econômico e religioso dos não indígenas em seu território. 
A partir da história de Perpera Suruí – o pajé que se converteu ao cristianismo e passou a se denominar ex-pajé –, Luiz 
Bolognese, antropólogo e diretor, nos apresenta ao cotidiano dos aldeados, à luta pela preservação da biodiversidade, 
às tensões religiosas e aos rituais e tradições dos nativos. 
Acompanhamos as diversas formas de resistência da população indígena, desde a perseguição aos brancos que 
desmatam às denúncias nas redes sociais, à manutenção da sua cultura e à luta pelo direito de existir dignamente 
enquanto indígena.
Figura 11.
Fonte: <https://www.acritica.com/channels/entretenimento/news/medo-do-escuro-filme-ex-paje-estreia-em-manaus-nesta-semana-no-
cine-casarao>.
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-261394/
https://www.acritica.com/channels/entretenimento/news/medo-do-escuro-filme-ex-paje-estreia-em-manaus-nesta-semana-no-cine-casarao
https://www.acritica.com/channels/entretenimento/news/medo-do-escuro-filme-ex-paje-estreia-em-manaus-nesta-semana-no-cine-casarao
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QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO • CAPÍTULO 1 
onde passo, que as mulheres indígenas tinham o seu papel político extremamente 
determinado e forte. A palavra final, em uma assembleia indígena, no século 
XVII, era a da mulher. Os homens, desesperados pelo processo de colonização 
e racismo, ao verem suas mulheres estupradas pelo europeu, decidiram pelo 
suicídio coletivo com a palavra final da mulher. Os povos que permaneceram 
vivos introduziram-se pelas matas e, temerosos, colocaram as mulheres, crianças 
e velhos na “retaguarda cultural”. Passaram-se séculos e, até hoje, esse temor 
indígena sobrevive no universo masculino, pois o neocolonialismo existiu, assim 
como existem a nova ordem mundial e a globalização. De certa forma, o homem, 
obrigatoriamente, assumiu um papel machista para a defesa de sua família (...). 
(POTIGUARA, 2018, p. 100)
Potiguara, assim, afirma a preservação da cultura enquanto 
forma de resistência:
Amílcar Cabral, poeta, escritor negro, na luta revolucionária na Guiné-Bissau 
(África), na década de 1970, afirmava que “a cultura deve ser utilizada como 
instrumento da libertação nacional”. Complementando o raciocínio, podemos 
dizer que a libertação do povo indígena passa radicalmente pela cultura, pela 
espiritualidade e pela cosmovisão das mulheres. O papel da mulher na luta pela 
identidade é natural, espontâneo e indispensável. [...] Seu poder é o conhecimento 
passado através dos séculos e que está reprimido pela história. A mulher, 
intuitivamente, protege os seios e o ventre contra seu dominador e busca forças 
nos antepassados e nos espíritos da natureza para a sobrevivência da família. 
Todos esses aspectos foram mais preservados do que no homem. (POTIGUARA, 
2018, pp. 44-45)
Um segundo movimento de intensificação do contato entre povos nativos e os “brancos” se 
deu a partir de lideranças indígenas que, frente às disputas territoriais e ambientais, se viram 
compelidos a compreender e conhecer melhor a sociedade não indígena. Muitos frequentaram 
escolas, aprenderam os códigos sociais, econômicos e políticos, entraram em universidades, se 
tornaram advogados, jornalistas, médicos e, principalmente, construíram o movimento indígena. 
O movimento indígena é diverso, mas muito bem organizado. Produz jornais, organiza e 
participa de congressos nacionais e internacionais, elabora cursos de capacitação, projetos de 
desenvolvimento comunitário, feiras de artesanato e elege lideranças para serem representados 
nas instâncias institucionais de poder.
Que tal terminarmos o capítulo conhecendo um pouco da poesia indígena? Ela tem sido largamente 
utilizada como instrumento de voz e luta das causas dos povos nativos. Elas trazem suas dores, 
tradições e cosmovisão. Vale a pena conferir! 
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CAPÍTULO 1 • “QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO
Oração pela libertação dos povos indígenas
Parem de podar as minhas folhas e tirar a minha enxada
Basta de afogar as minhas crenças e torar minha raiz.
Cessem de arrancar os meus pulmões e sufocar minha razão
Chega de matar minhas cantigas e calar a minha voz.
Não se seca a raiz de quem tem sementes
Espalhadas pela terra pra brotar.
Não se apaga dos avós – rica memória
Veia ancestral: rituais pra se lembrar
Não se aparam largas asas
Que o céu é liberdade
E a fé é encontrá-la.
Rogai por nós, meu Pai-Xamã
Pra que o espírito ruim da mata
Não provoque a fraqueza, a miséria e a morte.
Rogai por nós – terra nossa mãe
Pra que essas roupas rotas
E esses homens maus
Se acabem ao toque dos maracás.
Afastai-nos das desgraças, da cachaça e da discórdia,
Ajudai a unidade entre as nações
Alumiai homens, mulheres e crianças,
Apagai entre os fortes a inveja e a ingratidão.
Dai-nos luz, fé, a vida nas pajelanças,
Evitai, ó Tupã, a violência e a matança.
Num lugar sagrado junto ao igarapé.
Nas noites de lua cheia, ó MARÇAL, chamai
Os espíritos das rochas pra dançarmos Toré.
Trazei-nos nas festas da mandioca e pajés
Uma resistência de vida
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QUE FAçO COM A MInHA CARA DE ÍnDIA?” – CULtURA, EtnOCEntRISMO, ALtERIDADE E QUEStãO InDÍgEnA nO BRASIL COntEMPORÂnEO • CAPÍTULO 1 
Após bebermos nossa chicha com fé.
Rogai por nós, ave-dos-céus
Pra que venham onças, caititus, seriemas e capivaras
Cingir rios Juruena, São Francisco ou Paraná.
Cingir até os mares do Atlântico
Porque pacíficos somos, no entanto.
Mostrai nosso caminho feito boto
Alumiai pro futuro nossa estrela.
Ajudai a tocar as flautas mágicas
Pra vos cantar uma cantiga de oferenda 
Ou dançar num ritual Iamaká.
Rogai por nós, Ave-Xamã
No Nordeste, no Sul toda manhã.
No Amazonas, agreste ou no coração da cunhã.
Rogai por nós, araras, pintados ou tatus,
Vinde em nosso encontro
Meu Deus, NHENDIRU!
Fazei feliz nossa mintã
Que de barrigas índias vão renascer.
Dai-nos cada dia de esperança
Porque só pedimos terra e paz
Pras nossas pobres – essas ricas crianças. (POTIGUARA, 2018, pp. 31-32)
Brasil
Que faço com a minha cara de índia?
E meus cabelos
E minhas rugas
E minha história
E meus segredos?
Que faço com a minha cara de índia?
E meus espíritos
26
E minha força
E meu Tupã
E meus círculos?
Que faço com a minha cara de índia?
E meu Toré
E meu sagrado
E meus “cabocos”
E minha Terra?
Que faço com a minha cara de índia?
E meu sangue e minha consciência
E minha luta
E nossos filhos?
Brasil, o que faço com a minha cara de índia?
Não sou violência
Ou estupro
Eu sou história
Eu sou cunhã
Barriga brasileira
Ventre sagrado
Povo brasileiro
Ventre que gerou
O povo brasileiro
Hoje está só...A barriga da mãe fecunda
E os cânticos que outrora cantavam
Hoje são gritos de guerra
Contra o massacre imundo
(POTIGUARA, 2018, pp. 29-30)
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Sintetizando
Vimos até agora:
A cultura pode ser entendida tal como uma lente através da qual enxergamos o mundo. Somos, ao mesmo tempo, de 
forma dinâmica, produtos e produtores de cultura.
O contato com o outro pode gerar certo estranhamento e produzir estereótipos, preconceitos e etnocentrismo.
A educação é um excelente instrumento para desenvolver a ética da alteridade, colocando-a como condição humana.
Ainda carregamos muitos preconceitos em relação aos indígenas, subalternizando seus saberes, tradições e modos de 
vida.
O movimento indígena segue resistindo em defesa da sua cosmovisão, da preservação da biodiversidade e do direito 
de existir a partir de sua cultura.
28
Introdução ao Capítulo
Figura 13
Fonte: <https://twitter.com/tirinhass/status/651150832885325824>.
O que nos faz ser, agir e pensar de determinada forma e não de outra?
Até que ponto as nossas escolhas, verdades e crenças são frutos das nossas experiências individuais 
ou das relações sociais que vivenciamos ao longo da nossa trajetória?
O quanto de nós é social? O quanto de nós é indivíduo?
Você possui redes sociais? Responde constantemente aos seus chamados? Ou, como o personagem 
da tirinha acima, evita socializar?
Há a possibilidade de um sujeito não socializar?
Neste segundo capítulo, vamos refletir sobre o papel da sociedade na constituição da subjetividade e 
o papel do sujeito na construção social. Discutiremos como essa dinâmica ocorre simultaneamente, 
em que a sociedade forja o indivíduo e é forjada por ele.
Também abordaremos as múltiplas formas de socialização e suas características, como elas 
impactam em nossas vidas, escolhas e modos de pensar, agir e sentir. A partir disso, se constrói 
a nossa identidade, que, assim como a socialização, não é estática, pois é um constante processo, 
um devir. A forma como enxergamos o mundo e nos enxergamos em relação a ele tem sua 
maleabilidade e isto é muito enriquecedor.
2
CAPÍTULO
“UnIR O ÚtIL AO AgRADávEL: 
EStUDO E BRInCO” – PROCESSO DE 
SOCIALIzAçãO E AMBIEntE ESCOLAR
https://twitter.com/tirinhass/status/651150832885325824
29
“UnIR O ÚtIL AO AgRADávEL: EStUDO E BRInCO” – PROCESSO DE SOCIALIzAçãO E AMBIEntE ESCOLAR • CAPÍTULO 2
Como não poderia deixar de ser, também abordaremos o papel da escola nesse processo 
de socialização. De forma geral, o ambiente escolar é o nosso primeiro grande espaço de 
socialização, onde encontramos o diverso, o que não nos é familiar. E nós, professores, somos 
peças fundamentais nesse movimento. Portanto, é importante compreendermos as dinâmicas da 
socialização e sua relevância para que sejamos agentes conscientes do nosso papel e possamos 
contribuir de forma positiva.
Vamos socializar?
Objetivos do Capítulo
 » Discutir os impactos da socialização na constituição do sujeito e o sujeito na construção 
da sociedade.
 » Compreender as características do processo de socialização e sua dinâmica em constante 
processo.
 » Relacionar a socialização com a construção da identidade.
 » Perceber o papel da escola no processo de socialização.
“Élida não gosta de matemática porque a professora xinga todos os alunos”: o que é socialização?
A socialização ocorre nas mais diversas etapas da vida e em diferentes contextos. Desde o nosso 
nascimento até a nossa morte, passamos por interações, vivências, experiências e trocas com 
outras pessoas e grupos, seja de maneira íntima ou não. Num mesmo momento da vida, podemos 
ter diversos tipos de interação: na faculdade, na academia, no trabalho, no espaço religioso, na 
família, no grupo de leitura, no transporte coletivo, nas rodas de conversa com amigos. 
Neste sentido, podemos afirmar que todas as nossas experiências cotidianas contribuem para 
a construção do nosso processo de socialização e dos dispositivos que usamos na atuação em 
sociedade. Pedro Abrantes (2011, p. 122) ressalta três características importantes desse processo:
A experiência do indivíduo é apenas uma fração do todo social
Isso significa dizer que o indivíduo não é a sociedade. Parece uma afirmação óbvia, mas, 
cotidianamente, podemos perceber que as pessoas “esquecem” disso e tomam suas experiências 
individuais como definidoras e explicadoras das dinâmicas sociais. 
Vamos a alguns exemplos? Um deles é quando uma pessoa negra diz que nunca sofreu racismo e 
que, portanto, não há racismo no Brasil. Ou então uma pessoa que nunca foi assaltada no Rio de 
Janeiro chega à conclusão de que a violência na cidade é uma falácia. Ou ainda, quando afirmam 
30
CAPÍTULO 2 • “UnIR O ÚtIL AO AgRADávEL: EStUDO E BRInCO” – PROCESSO DE SOCIALIzAçãO E AMBIEntE ESCOLAR
que o Sílvio Santos é um exemplo de que quando uma pessoa se esforça, ela chega aonde ela 
quiser, haja vista o ex-camelô ter se tornado um milionário.
Essa experiência depende da capacidade (e disposição) de 
interpretar e interpelar o social
Se você tem irmão/ã ou mais de um(a) filho(a), vai compreender perfeitamente esta característica. 
Mas se não é o seu caso, você pode fazer a observação com seus amigos também.
Num mesmo ambiente familiar, debaixo do mesmo teto, filhos dos mesmos pais podem ser 
completamente diferentes. Muitas vezes, um determinado acontecimento, uma determinada 
cena teve um real significado para um, enquanto o outro já nem se lembra. Uma nota baixa pode 
ser motivo de vergonha para um, enquanto o outro vai simplesmente dar de ombros. Quantas 
vezes não ouvimos o famoso: “Não sei a quem você puxou!”?
Isso porque os sujeitos interpretam e agem na sociedade de maneiras diferentes, uma vez que são 
subjetividades diferentes. Embora estejamos inseridos em um mesmo contexto social, possuímos 
individualidade, especificidades e vivências que são únicas e que contribuem para forjar quem 
somos e como encaramos o mundo.
A informação resultante não pode ser armazenada e 
posteriormente mobilizada, na sua totalidade, o que pressupõe 
processos (intersubjetivos) de seleção, generalização e analogia
Quando contamos uma experiência a alguém, nós a contamos a partir da nossa memória, das 
nossas lembranças e a partir também do impacto que aquele momento nos causou. Isso quer 
dizer que o processo de socialização é permeado por afetividade. As relações sociais podem 
mobilizar em nós sensações boas ou ruins, e isto vai impactar diretamente na forma como 
olhamos para elas. 
Pense nos seus anos escolares. O que vem à sua mente? Quais momentos de socialização? Que 
sentimentos mobilizam? Quais professores foram positivamente ou negativamente marcantes? 
Por quê? Agora pergunte a algum colega seu de escola. As respostas serão as mesmas? Vocês 
contarão as mesmas histórias da mesma maneira? 
Depois reflita em como tais experiências influenciaram as suas escolhas, decisões, modos de agir 
e pensar. De que forma esses momentos serviram de experiência, de analogia, ou como dizemos 
popularmente: de lição de vida. 
31
“UnIR O ÚtIL AO AgRADávEL: EStUDO E BRInCO” – PROCESSO DE SOCIALIzAçãO E AMBIEntE ESCOLAR • CAPÍTULO 2
Figura 14
 
Fonte: <http://www.equilibrioemvida.com/2018/03/14-tirinhas-que-mostram-como-vida-de-uma-garota-e-confusa-e-
bem-humorada/>.
http://www.equilibrioemvida.com/2018/03/14-tirinhas-que-mostram-como-vida-de-uma-garota-e-confusa-e-bem-humorada/
http://www.equilibrioemvida.com/2018/03/14-tirinhas-que-mostram-como-vida-de-uma-garota-e-confusa-e-bem-humorada/
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CAPÍTULO 2 • “UnIR O ÚtIL AO AgRADávEL: EStUDO E BRInCO” – PROCESSO DE SOCIALIzAçãO E AMBIEntE ESCOLAR
Um ponto fundamental para compreendermos os processos de socialização é não cairmos na 
armadilha de que o indivíduo é refém da sociedade, ou seja, de que a socialização é uma imposição 
social sobre o indivíduo que acaba por absorver suas normas, valores e conhecimentos.Ora, se 
assim fosse, não teríamos transformações históricas, estaríamos ainda vivendo como nossos 
primitivos ancestrais, não haveria mudança social.
Ao contrário, como sabemos, as sociedades estão em constante movimento. Não há sociedade 
estática. Isto porque o ser humano não é apenas produto do seu meio. Ele é também produtor 
da sociedade, da cultura, do conhecimento. 
Diante dessas afirmações, qual a relação entre indivíduo e socialização? Eles estão intrinsicamente 
ligados, são faces da mesma moeda e ocorrem simultaneamente: enquanto vivenciamos, 
experimentamos e interagimos, estamos, ao mesmo tempo, construindo nossa subjetividade e 
fazendo sociedade.
Abrantes (2011) ressalta que o contexto sociocultural e histórico de um determinado ambiente 
pode abrir ou fechar mais para a subjetividade. Por exemplo: uma escola mais punitiva, que 
imponha grandes níveis de conformidade e que venha a podar as diferenças, tende a impor certas 
competências e valores e a inibir a construção de diferentes subjetividades críticas e criativas. 
Já uma escola que estimule a originalidade e a criatividade abre mais espaço para construções 
subjetivas diversas que podem ir além de determinados padrões coletivos.
Podemos concluir que a socialização e a construção do sujeito são uma estrada de mão-dupla, 
uma relação dialética. Um constrói o outro, um dinamiza o outro. Ou seja, os indivíduos não 
são meras esponjas que recebem as influências das sociedades na forma de conhecimentos, 
normas e valores, de forma passiva. Eles refletem, pensam, interpretam, vivenciam, adaptam e 
experimentam. São ativos nesse processo, participando de reelaboração e ressignificação desses 
dispositivos sociais. 
Durante muito tempo, a sociologia pensou a socialização a partir da divisão: socialização primária 
e socialização secundária.
 » Socialização primária: se daria no ambiente familiar, das primeiras experiências do 
indivíduo, sendo introduzida no mundo social. Tal processo seria orientado por relações 
afetivas e carregado de emoções, pois ocorreria no espaço do lar, incorporado pela 
criança como a realidade.
 » Socialização secundária: se daria de forma mais autônoma, institucionalizada e racional, 
a partir das interações com outros desconhecidos em múltiplos espaços, como as escolas, 
o trabalho, as associações. 
Porém, Abrantes propõe uma visão mais complexa e interessante, que mistura e ressignifica esses 
dois momentos de socialização. Para o autor, não seria possível uma estrita separação entre esses 
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“UnIR O ÚtIL AO AgRADávEL: EStUDO E BRInCO” – PROCESSO DE SOCIALIzAçãO E AMBIEntE ESCOLAR • CAPÍTULO 2
dois momentos. Por mais que o bebê permaneça grande parte do seu tempo em seio familiar, ele 
não está imune às interações sociais do todo. Isto porque sua família está em constante contato e 
vivência com o mundo externo à casa, são pessoas socializadas e levam para dentro do lar essas 
experiências. Além disso, cada vez mais cedo, as crianças entram em contato com dinâmicas 
sociais que contribuem para a construção de sua subjetividade, tais como parquinhos, creches, 
festas de aniversários, brinquedos e brincadeiras, internet, televisão. Todos estes elementos estão 
além da esfera familiar e contribuem para o processo de socialização da criança. 
Fernanda Müller (2008) nos atenta para não olharmos o processo de socialização do sujeito 
como meramente físico, emocional, biológico. A autora ressalta a sua característica de processo 
em constante construção. Assim, Müller afirma que não se trata apenas de uma questão de 
adaptação e internalização dos dispositivos sociais, suas práticas, valores, comportamentos e 
conhecimentos, mas de um processo de apropriação e reinvenção em que também as crianças 
“negociam, compartilham e criam culturas”. 
Em seu trabalho de campo observando as interações e entrevistando crianças de uma escola 
em Porto Alegre, Müller aponta que, especialmente para as crianças de origem pobre, a escola 
passa a estar ligada ao futuro e não ao presente. Passa a ser vista como um instrumento para “ser 
alguém na vida”, uma esperança frente à realidade presente dos pais. 
A autora percebeu que os motivos que levam os alunos a gostarem ou não das suas escolas variam 
e dependem da avaliação que fazem das relações construídas com os adultos e com as outras 
crianças. De forma geral, as preferências pelas disciplinas A ou B também estão relacionadas 
aos laços construídos com os professores:
Élida não gosta de matemática porque a professora xinga todos os alunos por atos 
que somente alguns cometeram. Já Leonardo gosta de História e, motivado pelos 
documentários apresentados nas aulas, quer ser arqueólogo. Waldemir prefere 
Educação Física e Matemática e fotografou as professoras responsáveis por essas 
disciplinas. Adriane e Victória mostram interesse pelas aulas de Educação Física, 
o que de certa forma mostra as suas necessidades de movimento e liberdade no 
espaço das quadras esportivas, que são consideravelmente maiores que a sala 
de aula. [...]
Jéssica afirma que a escola “faz a gente [os amigos] se encontrar”, e igualmente 
Leonardo quando diz que na escola encontra amigos e assim pode “unir o útil 
ao agradável: estudo e brinco”. [...]
O recreio é a categoria espaço-temporal que mais aparece nos relatos das crianças 
como facilitador do encontro com os amigos. Para todas as crianças o recreio 
é um dos melhores momentos do dia, senão o melhor, enquanto a sala de aula 
aparece como o oposto, o lugar e o tempo de ouvir os professores. O espaço é 
dividido de acordo com os comportamentos esperados das crianças e acabam se 
34
CAPÍTULO 2 • “UnIR O ÚtIL AO AgRADávEL: EStUDO E BRInCO” – PROCESSO DE SOCIALIzAçãO E AMBIEntE ESCOLAR
transformando em dicotomias, o que Leonardo exemplifica quando afirma que 
gosta da escola, mas está “enjoado das aulas”. (MÜLLER, 2008, p. 133)
Figura 14.
Fonte: <http://www.cbvweb.com.br/blog/socializacao-na-infancia-por-que-escola-tem-um-papel-
fundamental/>. Acesso em: 16/9/2019.
É importante ressaltar que, durante este processo dialético em que o sujeito cria a sociedade e é 
subjetivado por ela, constrói-se a identidade. A identidade é forjada a partir do outro, das relações 
e interações com o outro. Eu me entendo enquanto branca porque vivo numa sociedade em 
que há pessoas de outros grupos étnico-raciais e, assim, vamos construindo nossas identidades:
Focar a relação entre socialização e identidade é pertinente: em grande medida, 
cada indivíduo interioriza disposições, competências e valores, na medida em 
que as associa a uma identidade específica, resultante de uma negociação entre 
papéis atribuídos e intenções próprias. Acrescenta-se, assim, uma dimensão de 
intencionalidade e de reflexividade a um processo que decorre ao longo de toda 
a vida, [...]. A construção de uma narrativa autobiográfica surge como processo 
de interpretação e unificação das experiências de socialização, assim como guia 
para a ação. [...]
[...] nem a socialização é apenas construção das identidades, implicando o 
desenvolvimento de disposições, linguagens, competências; nem as identidades 
são apenas o produto de sucessivas socializações (incluindo também fatores 
genéticos e condições materiais). (ABRANTES, 2011, pp. 131-132)
Já Müller ressalta que:
[...] Internalizar significa o aprendizado e a conformação de normas que 
transformam as pessoas em membros de suas sociedades. Por outro lado, 
a construção da identidade engloba não apenas a habilidade de se adaptar 
ao ambiente, mas também de agir e transformá-lo. É o resultado de um jogo 
de papéis e da síntese de diferentes significações vividas; não haveria uma 
http://www.cbvweb.com.br/blog/socializacao-na-infancia-por-que-escola-tem-um-papel-fundamental/
http://www.cbvweb.com.br/blog/socializacao-na-infancia-por-que-escola-tem-um-papel-fundamental/
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“UnIR O ÚtIL AO AgRADávEL: EStUDO E BRInCO” – PROCESSO DE SOCIALIzAçãO E AMBIEntE ESCOLAR • CAPÍTULO 2
identidade, porém, processos identitários,que são dinâmicos, múltiplos e em 
constante transformação. (MÜLLER, 2008, p. 139)
Outra característica fundamental do processo de socializar é compreender que ele ocorre 
dentro de um determinado contexto em que há relações de poder. Assim, os sujeitos constroem 
e incorporam elementos da estrutura social: “Aliás, os mecanismos de dominação não podem 
prescindir desta socialização dupla, simultaneamente prática e discursiva, ainda que nem 
sempre ambos os processos sejam coincidentes, gerando tensões entre crenças e disposições.” 
(ABRANTES, 2011, p.128)
Neste processo de socialização, também não podemos deixar de fora as emoções. Elas serão 
fundamentais quando olhamos para a maneira como o sujeito seleciona, armazena e toma 
decisões a partir de dispositivos de vivências e experiências. Abrantes afirma que experiências 
com grande carga emocional têm maior potencial de socialização. Além disso, emoções positivas 
podem levar a uma socialização por identificação, enquanto as emoções negativas geralmente 
produzem socialização por distinção. 
Saiba mais
Rodrigo Ratier (2019, pp. 151-157) foi colunista e editor da conceituada revista Nova Escola. Em agosto de 2017, o 
autor enviou uma coluna intitulada “Precisamos sentir mais raiva”, na mesma edição cuja reportagem de capa – do 
mesmo Ratier – era “Como vencer o ódio”. 
Fortemente questionado e criticado, o editor escreveu um artigo no livro Educação contra barbárie, abordando o 
tema e defendendo a sua tese. Aqui, vamos reproduzir para você alguns trechos deste artigo. 
Após a leitura atenta, reflita:
Você concorda com o autor? Por quê?
Como o professor deve trabalhar a questão da afetividade em sala de aula?
Afetividades como a raiva e o ódio devem ser condenadas ou trabalhadas e reelaboradas? Como proceder?
De que maneira a forma como o educador trabalha a afetividade em sala de aula pode influenciar no processo de 
socialização dos discentes?
Para ler a coluna na revista, você pode acessar o endereço: <novaescola.org.br/conteudo/8993/precisamos-sentir-
mais-raiva>.
Figura 15
Fonte: <https://novaescola.org.br/conteudo/8988/edicao-304>. Acesso em: 16/9/2019.
https://novaescola.org.br/conteudo/8988/edicao-304
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CAPÍTULO 2 • “UnIR O ÚtIL AO AgRADávEL: EStUDO E BRInCO” – PROCESSO DE SOCIALIzAçãO E AMBIEntE ESCOLAR
Escola e afetos: um elogio da raiva e da revolta
[...] Procurei mostrar como nem sempre ele [acesso de raiva] precisa ser associado a uma emoção negativa. Em 
certos casos, a revolta é absolutamente necessária. Citei Aristóteles, que na Ética a Nicômaco elogia quem “se 
encoleriza justificadamente com coisas ou pessoas”. Sustentei que a resposta a uma injustiça, mesmo que fora do tom 
supostamente civilizado, era preferível à submissão. [...] 
[...] Procurei discutir o que, a meu ver, são dois mitos: o do diálogo como varinha mágica para a concórdia e o da raiva 
como um sentimento que deve, necessariamente, ser sufocado em vez de problematizado.
[...] O foco excessivo na dimensão racional, típica das sociedades ocidentais, varreu para detrás das cortinas 
a atuação dos sentimentos. No entanto, eles teimam a entrar em cena. Depressão, ansiedade, estresse, atos 
falhos, explosões de ira, crises de choro. A psicologia oferece provas abundantes do eterno retorno desses atores 
indesejados ao teatro da vida.
No campo da educação, ensaia-se a volta por cima dos sentimentos. Os afetos ressurgem, por assim dizer, 
repaginados. Atendem, agora, pelo nome de “competências socioemocionais”. Segundo a Base Nacional Comum 
Curricular (BNCC), trata-se de um conjunto de habilidades que, mobilizadas, auxiliam na resolução de “demandas 
complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”.
Empatia, respeito, responsabilidade, flexibilidade, resiliência, determinação, autocuidado. Há menções ao que seriam 
competências socioemocionais em ao menos seis das dez competências gerais propostas pela BNCC, o que evidencia 
a centralidade do tema. [...]
[...] Há farta pesquisa atestando o vínculo entre sentimentos e aprendizagem. E a escola é lugar de intensa 
convivência afetiva. As interações despertam nas crianças e nos jovens (e nos adultos que deles se ocupam) 
sentimentos tão díspares e intensos quanto a alegria, a tristeza, a inveja, o orgulho. Todos com repercussões em 
questões essenciais como desempenho escolar, evasão e abandono, violência, bullying e indisciplina.
[...] um grupo de pesquisadoras da Faculdade de Educação da Unicamp aponta um suposto consenso de que a 
maneira mais eficaz de observar a personalidade humana seria pela aferição de cinco dimensões, conhecidas como 
Big Five: abertura a novas experiências, extroversão, amabilidade, conscienciosidade e estabilidade emocional. [...]
[...] A noção de Big Five colocaria em polos opostos os aspectos comportamentais e os cognitivos, o que só faria 
sentido se considerássemos que as competências escolares se reduzem ao domínio técnico. Numerosa bibliografia 
sustenta o inverso, a ideia de que compreensão e expressão andam em par e que dicotomias do tipo razão/
sensibilidade, cognição/emoção e corpo/mente precisam ser superadas. 
[...] A influência da cultura e da sociedade, na forma da experiência de determinadas situações sociais que se alteram 
no tempo – enfim, a perspectiva histórico-cultural do amadurecimento orgânico – é destacada por referências como 
Henri Wallon e Lev Vygotsky. Contexto, conteúdo e significado das situações vivenciadas conferem um complexo 
dinamismo à personalidade, [...].
(... ) Professoras e professores trabalham o tema sem referencial específico, ancorados num saber baseado nas 
experiências imediatas. Um artigo de Luciene Tognetta exemplifica como o juízo professoral tende a compreender 
os aspectos afetivos. Numa pesquisa de 2011, conduzida pelo Grupo de Estudos de Educação Moral (Gepem) da 
Unicamp/Unesp, educadores e educadoras responderam a um questionário sobre afetividade no cotidiano escolar. 
Entre as conclusões, a nada surpreendente revelação de que a maioria considerou mais importante “premiar o 
comportamento de um aluno” do que “demonstrar indignação por alguma situação de injustiça”.
A afetividade, assim, é entendida como sinônimo de carinho e elogio a quem “fizer por merecer”. O aluno modelo é 
ordenado e dócil. A heteronomia e o respeito às normas por medo e punição passam a ser princípios reguladores das 
relações escolares. Prêmios aos que obedecem, castigos aos que transgridem.
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“UnIR O ÚtIL AO AgRADávEL: EStUDO E BRInCO” – PROCESSO DE SOCIALIzAçãO E AMBIEntE ESCOLAR • CAPÍTULO 2
O olhar sobre um determinado dispositivo de socialização pode se modificar ao longo do tempo 
e de acordo com as emoções do contexto. Abrantes nos fornece um bom exemplo disto: 
[...] é sistemático os jovens afirmarem que abandonaram a escola porque “não 
gostavam de estudar” ou porque “as aulas eram uma seca” e, anos mais tarde, 
lamentarem amargamente esta decisão. Podemos explicar estes sentimentos 
de forma estrutural: por um lado, o facto de a escola ter proporcionado 
emoções negativas – geralmente, associadas a sentimentos de incompreensão, 
estigmatização, interiorização do fracasso – constitui uma experiência provocada 
por hiatos entre a realidade escolar e outros quadros de socialização; por outro, 
o arrependimento é resultado das experiências (emocionais) posteriores no 
mercado de trabalho, assim como um tipo de racionalidade que se associa 
geralmente à idade adulta [...]. Mas importa não esquecer que os vínculos afetivos 
(e inesperados) com profissionais escolares e/ou colegas de outros meios sociais 
permitem a alguns destes jovens criar outros sentidos para a escola. (ABRANTES, 
2011, pp. 133-134)
Por fim, podemos definir socialização como:
[...] processo de constituição dos indivíduos e das sociedades, através das 
interações, atividades e práticas sociais, regulado por emoções, relações de poder 
e projetos identitários-biográficos, numa dialética entre organismos biológicos e 
contextossocioculturais. Desta forma, os indivíduos vão produzindo a sociedade 
e sendo produzidos por ela. (ABRANTES, 2011, p. 135)
[...]
A escola transformadora não suprime a rebeldia e nem a condena de antemão. Ao contrário, busca desvelar 
suas causas, canalizando o rancor destrutivo para o questionamento das injustiças e propondo ações para 
sua transformação. A raiva e a rebelião são entendidas como parte do processo para a formação de indivíduos 
autônomos, capazes de crítica e reflexão.
[...]
Vivemos num mundo injusto e num país abissalmente desigual. É compreensível e indispensável que alunos e 
professores sintam raiva, que se indignem. Que a escola esteja a serviço da transformação da indignação em ação, 
trabalhando a raiva e a revolta como insumo básico nas discussões dos aspectos afetivos no ambiente escolar. 
Por muitos anos como editor de Nova Escola, colei acima da tela do computador uma frase atribuída ao filósofo 
iluminista Condorcet: “A verdadeira educação faz cidadãos indóceis e difíceis de governar”. Deixei o emprego e o 
computador. Sigo levando comigo essa máxima.
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CAPÍTULO 2 • “UnIR O ÚtIL AO AgRADávEL: EStUDO E BRInCO” – PROCESSO DE SOCIALIzAçãO E AMBIEntE ESCOLAR
Sugestão de estudo
Vamos indicar aqui dois excelentes filmes que vão ajudar você a compreender a relação entre escola e processo de 
socialização. Ambos são documentários nacionais, o que nos ajuda a trazer para a prática o que discutimos aqui na 
teoria.
O primeiro filme se intitula Pro dia nascer feliz (2005), e aborda ambientes escolares muito distintos. Aqui podemos 
observar como a escola não é uma ilha apartada da sociedade, pois suas relações sociais se dão a partir de sujeitos 
que trazem para dentro dos muros escolares suas experiências, vivências.
Ao mesmo tempo em que a escola também cria novas possibilidades de socialização, o que enriquece a dinâmica? O 
que os alunos trazem para escola? Como eles significam a escola? E o que eles levam para fora dos muros?
Figura 16
Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Pro_Dia_Nascer_Feliz_(document%C3%A1rio)>.
Ao abordar diferentes contextos, podemos observar como a escola possui distintos significados para os alunos. Você 
conhecerá a Valéria, uma menina do interior de Pernambuco que ama poesia e por isso é vista por seus pares como 
uma pessoa estranha, esquisita. Ao escrever seus poemas e redações com maestria, tem seu trabalho desqualificado, 
pois estaria bom demais para uma pessoa nas condições sociais dela. 
Você será apresentado ao Deivinson Douglas, que faz rir e emocionar. Morador de uma comunidade de Duque 
de Caxias, Baixada Fluminense, o rapaz de 16 anos apronta várias na escola, deixando professoras e diretora de 
cabelos em pé. Presenciamos um conselho de classe no qual o destino de Douglas na escola será decidido, momento 
importante do filme que merece reflexões.
As meninas do colégio particular de São Paulo te farão relfletir sobre as desigualdades sociais profundas na nossa 
sociedade e como isso impacta no cotidiano e escolar e na forma como os discentes encaram o ensino.
Enfim, o filme é muito rico e permite a possibilidade de interessantes discussões acerca da relação entre sociedade, 
indivíduo e ambiente escolar.
O segundo filme que gostaríamos de indicar se chama Nunca me sonharam (2017). O título está relacionado à fala de 
um adolescente que teima em enfrentar o destino que anunciaram para ele. Nunca o sonharam na faculdade e é lá 
que ele quer estar.
O filme não aborda especificamente a questão educacional, mas tal temática atravessa todo o documentário. Isso 
porque trata-se de um painel sobre os adolescentes no Brasil contemporâneo: o que pensam, o que sonham, como 
veem o mundo, como se relacionam. Neste sentido, vemos a escola como elemento fundamental na construção 
dessas percepções.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pro_Dia_Nascer_Feliz_(document%C3%A1rio)
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“UnIR O ÚtIL AO AgRADávEL: EStUDO E BRInCO” – PROCESSO DE SOCIALIzAçãO E AMBIEntE ESCOLAR • CAPÍTULO 2
É um filme muito bonito e sensível que abre a escuta para os nossos jovens. Eles são os protagonistas e nos convidam 
a adentrar em seu mundo. Este é um exercício fundamental para um professor. É preciso compreender com quem 
e para quem estamos nos comunicando. Quem é esse jovem? Quais seus códigos e signos? Como constroem suas 
subjetividades?
São essas perguntas que o filme visa a responder.
Figura 17.
Fonte: <https://www.videocamp.com/pt/movies/nuncamesonharam>. Acesso em: 16/9/2019.
Sintetizando
Vimos até agora:
O processo de socialização é complexo e implica uma relação dialética e dinâmica entre indivíduo e sociedade. 
Isso significa dizer que, durante as vivências e experiências nas relações sociais, o sujeito se constitui e constitui a 
sociedade.
A socialização é dinâmica e mutável, influenciando na construção de identidades que também sofrem alterações ao 
longo das trajetórias pessoais.
O processo de socialização implica vários dispositivos: biológicos, psíquicos, contextos sociais, ambiente familiar, 
espaço, temporalidade, afetividades.
A escola possui papel fundamental no processo de socialização, e o professor precisa ter plena consciência do seu 
papel neste movimento.
https://www.videocamp.com/pt/movies/nuncamesonharam
40
Introdução ao Capítulo
O conceito de conhecimento não se resume a um simples estudo apolítico da 
verdade, mas é sim a reprodução de relações de poder raciais e de gênero, que 
definem não somente o que conta como verdadeiro, bem como em quem acreditar. 
Algo passível de se tornar conhecimento torna-se então toda epistemologia que 
reflete os interesses políticos específicos de uma sociedade branca colonial e 
patriarcal. (KILOMBA, 2016, p. 4)
Figura 18
Fonte: <https://tirasarmandinho.tumblr.com/>.
Qual crítica a tirinha acima realiza?
Quando você estudou a chegada dos portugueses ao Brasil, sob qual perspectiva o processo foi 
narrado?
Quem decide o currículo? Quem decide o conteúdo? Que tipo de conhecimento é priorizado? 
Em detrimento de qual?
O que deixamos de conhecer? O que é silenciado?
Neste capítulo, vamos discutir o conceito de multiculturalismo, que carrega em si não só uma 
perspectiva teórica, mas também prática. Neste sentido, veremos as suas origens a partir do 
movimento negro dos afro-americanos e suas implicações no ambiente escolar. De que forma 
o docente pode contribuir para uma sala de aula multicultural? O que o multiculturalismo tem 
a dizer para as nossas práticas pedagógicas?
3
CAPÍTULO
 “IMAgInO IREnE EntRAnDO nO 
CÉU”: nOvAS EPIStEMOLOgIAS 
E O DESAFIO DA PRátICA 
MULtICULtURALIStA
https://tirasarmandinho.tumblr.com/
41
 “IMAgInO IREnE EntRAnDO nO CÉU”: nOvAS EPIStEMOLOgIAS E O DESAFIO DA PRátICA MULtICULtURALIStA • CAPÍTULO 3
Discutiremos também o conceito de epistemologia e como compreender a sua dinâmica nos 
ajuda a perceber relações de poder. A quem é autorizado construir o conhecimento? Quais 
relações de poder estão presentes quando se decide como o conhecimento deve ser produzido? 
Quem tem legitimidade e quem não tem?
Conheceremos intelectuais que visam a quebrar o monopólio do conhecimento a partir de uma 
epistemologia multicultural, que ouça diferentes vozes, reconheça novos saberes e questione 
hierarquias de falas.
O multiculturalismo é um desafio complexo, difícil de executar, mas que precisa ser compreendido 
e aplicado se quiser caminhar para uma educação mais diversa e democrática.
Aceita o desafio?
Objetivos do capítulo
 » Compreender a proposta teórica e prática do multiculturalismo.
 » Discutir as disputas de poder que regem as escolhas epistemológicas.
 » Analisar as possibilidades de uma perspectiva multiculturalista no ambiente escolar no 
que tange aos conteúdos, aos currículos e à bibliografia.
“Mudar a geografia da razão”: multiculturalismo e novas 
epistemologias
Podemos definir identidade de maneira mais perspicaz como experiências 
vivenciadas localizadas e posicionadas por meio das quais tanto indivíduos como 
coletivos trabalham

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