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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON – ISEPE RONDON CURSO DE DIREITO RAÍSSA MARELLI ABORTO: uma discussão acerca dos direitos fundamentais do nascituro MARECHAL CÂNDIDO RONDON 2019 RAÍSSA MARELLI ABORTO: Uma discussão acerca dos direitos fundamentais do nascituro Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à disciplina de Trabalho de Curso II, do curso de Direito da Faculdade de Ensino Superior de Marechal Cândido Rondon – ISEPE RONDON, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. Marcelo Wordell Gubert MARECHAL CÂNDIDO RONDON 2019 RAÍSSA MARELLI ABORTO: Uma discussão acerca dos direitos fundamentais do nascituro Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à disciplina de Trabalho de Curso II, do curso de Direito da Faculdade de Ensino Superior de Marechal Cândido Rondon – ISEPE RONDON, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Aprovado em 01 de julho de 2019. Banca Examinadora: __________________________________ Prof. Ma. Flávia Piccinin Paz Gubert Examinadora __________________________________ Prof. Esp. Paula Paz Engelmann Examinadora __________________________________ Prof. Me. Marcelo Wordell Gubert Orientador Marechal Cândido Rondon 2019 AGRADECIMENTOS Agradecer primeiramente a Deus, o autor da vida, que permitiu a realização deste trabalho, que me deu forças e me amparou nos piores momentos. Glorificado seja eternamente. A minha intercessora e Mãe, Virgem Maria, a qual consagro todas as palavras aqui escritas. A sabedoria do Divino Espírito Santo que me conduziu até aqui. Ao meu anjo da guarda que sempre esteve em minha companhia, rogando a Deus por mim. Ainda, a intercessão de Santo Ivo, que dedicou sua vida na defesa dos pobres, sendo hoje padroeiro dos advogados. A minha família que providenciou recursos para que eu pudesse cursar esta faculdade, especialmente a minha mãe Aparecida Verônica dos Santos Marelli e ao meu pai Luiz Carlos Marelli, estendo também estes agradecimentos a todos os meus familiares. Amo vocês! Ao meu noivo Rodrigo, que sempre me apoiou no decorrer destes anos, sendo paciente e compreensivo. Ao meu orientador Marcelo Wordell Gubert, por me direcionar na escrita deste trabalho, ainda, gratidão por sua esposa, Flávia Piccinin Paz Gubert que com poucas, porém, sábias palavras, também me ajudou a definir este tema. Agradeço aos demais professores que de alguma forma colaboraram com este trabalho. Por fim, aos amigos que sempre estiveram ao meu lado: Tatiele, Charles e Gerson que estiveram próximos durante todos estes anos, gratidão por todas as partilhas! "Aquele, porém, que se quiser vangloriar, glorie-se de possuir inteligência e de saber que eu, seu Senhor, exerço a bondade, o direito e a justiça sobre a terra, pois nisso encontro o meu agrado – oráculo do Senhor." Jeremias 9, 23 https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/jeremias/9/?utm_source=bibliacatolica&utm_medium=share_text&utm_campaign=copy_and_paste RESUMO Este trabalho aborda um estudo sobre o tema aborto, com ênfase nos direitos fundamentais do nascituro. O crime de aborto é previsto no Código Penal, precisamente em seus artigos 124 a 128. Aborta o contexto histórico do aborto e como ele era realizado nos primórdios da humanidade, conceito e tipificação legal. Apresenta o princípio Constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como artigos de lei e jurisprudências. Explana sobre o nascituro, elenca os seus principais direitos, como o direito à vida, direito a alimentos, direito a suceder, direito a representação, direito a adoção e filiação. Apresenta as teorias acerca do nascituro e do início da vida. Expõe os tipos de aborto legal e criminoso, conceito e enquadramento. Descreve o aborto criminoso, sendo subdividido em aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, sendo que o aborto provocado pela gestante é também chamado de autoaborto, ainda, aborto provocado por terceiro. Discorre também sobre o aborto legal, que é previsto em lei, mas não constitui crime, que é o caso do aborto necessário, aborto no caso de gravidez resultante de estupro e aborto de anencéfalos. O método a ser utilizado neste trabalho para solucionar o problema apresentado é o dedutivo, tendo em vista que será realizado por meio de pesquisas bibliográficas. Palavras-chave: Aborto. Nascituro. Dignidade. Direito à vida. ABSTRACT This paper deals with a study on the theme abortion, with emphasis on the fundamental rights of the unborn child. The crime of abortion is foreseen in the Penal Code, precisely in its articles 124 to 128. It aborts the historical context of abortion and how it was performed in the dawn of humanity, concept and legal typification. Presents the Constitutional principle of human dignity, as well as articles of law and jurisprudence. Explains about the unborn child, lists his main rights, such as the right to life, the right to food, the right to succeed, the right to representation, the right to adoption and affiliation. Presents theories about the unborn and early life. It exposes the types of legal and criminal abortion, concept and framing. Describes criminal abortion, being subdivided into abortion caused by the pregnant woman or with her consent, and the abortion caused by the pregnant woman is also called autoabortion, or abortion caused by a third party. It also discusses legal abortion, which is provided for by law, but it is not a crime, such as necessary abortion, abortion in the case of pregnancy resulting from rape and abortion of anencephalic. The method to be used in this work to solve the presented problem is the deductive one, considering that it will be accomplished through bibliographical research. Keywords: Abortion. Unborn. Dignity. Right to life. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental CC - Código Civil CP - Código Penal CRFB - Constituição da República Federativa do Brasil ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente ONG’s – Organizações não Governamentais ONU – Organização das Nações Unidas PSOL - Partido Socialismo e Liberdade STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça SUS – Sistema Único de Saúde TST – Tribunal Superior do Trabalho 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................10 2 CONCEITO DE ABORTO...............................................................................13 2.1 Breve contexto histórico do aborto.............................................................15 2.2 Início da vida..................................................................................................17 3 DO NASCITURO.............................................................................................20 3.1 Direitos do nascituro.....................................................................................22 3.1.1 Direito a vida....................................................................................................23 3.1.2 Direito a adoção...............................................................................................25 3.1.3 Direito a filiação................................................................................................27 3.1.4 Direito a representação e curatela...................................................................30 3.1.5 Direito de sucessão..........................................................................................313.1.6 Direito a alimentos...........................................................................................32 4 DO PRINCÍPIO................................................................................................35 4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana.................................................35 5 DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS........................................38 5.1 Colisão de direitos fundamentais.................................................................41 5.2 Dos direitos fundamentais e dos direitos humanos...................................43 5.3 Cláusulas pétreas..........................................................................................44 6 ESPÉCIES DE ABORTO................................................................................46 6.1 Tipos de aborto legal.....................................................................................46 6.1.1 Aborto terapêutico ou necessário.....................................................................47 6.1.2 Aborto sentimental...........................................................................................48 6.1.3 Aborto de anencefálos.....................................................................................51 6.2 Aborto criminoso...........................................................................................53 6.2.1 Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento...........................55 6.2.2 Aborto provocado por terceiro sem consentimento da gestante.......................56 6.2.3 Provocar aborto com o consentimento da gestante..........................................57 6.2.4 Aborto econômico-social..................................................................................59 7 CONCLUSÃO..................................................................................................61 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................64 10 1 INTRODUÇÃO Este estudo irá discorrer sobre o aborto, com ênfase nos direitos fundamentais do nascituro, que é o ser humano em desenvolvimento no ventre materno. Este tema apresenta polêmicas que envolvem toda a sociedade, visto que se trata de princípios fundamentais, como o direito à vida, sendo considerado o maior dos direitos, já que é indispensável para o desenvolvimento da pessoa humana. O assunto a ser explorado neste trabalho aborda os princípios, havendo colisão de direitos. O aborto pode ser conceituado como a expulsão do feto vivo quando ele ainda não é capaz de viver fora do útero. Há diversas formas de aborto, sendo ainda divididas em típicas e atípicas. As formas atípicas não estão previstas em lei, visto que não constitui crime, sendo o aborto natural ou espontâneo, que é resultante de uma patologia e o aborto acidental, sendo este oriundo de causas exteriores e traumáticas, como a queda ou acidente. A legislação traz o aborto típico e jurídico, ou seja, são aqueles que estão previstos em lei, mas que não são puníveis, como o aborto humanitário, que é quando uma mulher é vítima de estupro, desta forma, é licito que a mesma pratique o aborto, sendo caracterizado como excludente de punibilidade. E ainda, o aborto necessário ou terapêutico, que é realizado quando a gestante está em iminente perigo de vida. Em contrapartida, há o aborto criminoso, sendo caracterizado como o mais gravoso, que será tratado especificamente no decorrer deste trabalho. O aborto criminoso é previsto nos artigos 124 a 127 do Código penal (CP), entretanto, há diversos projetos de lei que versam sobre a descriminalização do aborto no Brasil. Recentemente, foi proposta a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442 (ADPF) em que pede a não recepção dos artigos 124 e 126 do CP pela Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB). A ação foi proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade(PSOL), que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, caso seja aprovada, os direitos dos nascituros serão feridos, já que o artigo 2º do Código Civil (CC) protege os direitos do nascituro desde a sua concepção. O fundamento desta ação tem como argumento a suposta contrariedade dos artigos supracitados com os princípios da Constituição federal, como liberdade e igualdade. Desta forma, o aborto fere o direito fundamental da vida do nascituro? 11 Como em todos os assuntos discutíveis, a sociedade no geral se divide em opiniões e teses contrárias, e no tema a ser tratado não é diferente. Desta forma, as hipóteses envolvem a possibilidade do aborto ferir ou não os direitos fundamentais do nascituro. O tema escolhido para ser desenvolvido neste estudo traz de fato muita divergência na sociedade. E isto se deve ao motivo de envolver questões de saúde pública, aspectos morais, sociais, religiosos, políticos, biológicos, éticos, entre outros, por estas e outras questões é que se deve tratar sobre o aborto. Falar sobre o aborto não é somente trazer conceitos e teses sobre o tema, vai, além disto, visto que se discute algo que interfere na vida de toda a sociedade. É preciso tratar deste tema levando em consideração todas as peculiaridades, mais é imprescindível que a vida seja valorizada como o princípio maior, já que sem esta não haveria a aplicação dos demais princípios fundamentais. O método a ser utilizado neste trabalho para solucionar o problema apresentado é o dedutivo. Será realizado por meio de pesquisas bibliográficas, bem como efetuar o desenvolvimento com base em doutrinadores, na legislação e em jurisprudências sobre o tema. Ainda com intuito de discorrer sobre o tema de forma ampla, analisando os princípios basilares que envolvem a problemática a ser discutida, com ênfase nos direitos fundamentais, tratando de forma especifica os direitos do nascituro. Primeiramente será exposto os conceitos sobre o tema aborto, que resume- se na interrupção da gravidez, e com isso, a extinção da vida do nascituro. O contexto histórico do aborto é tratado posteriormente. Para a articular o tema aborto é preciso analisar o início da vida, por meio de diversas teorias expostas na doutrina, sendo trazidas as três principais, ou seja, a teoria da concepção, nidação e atividade neural. Sendo o nascituro assunto principal deste trabalho, cumpre expor sobre ele em um capítulo especifico, apresentando os conceitos diversos. É certo que o nascituro possui proteção na legislação, onde o CC, em seu artigo 2º prevê que “a lei põe a salvo os direitos do nascituro” (BRASIL, 2002). Com base neste artigo e na legislação esparsa discorre-se sobre os direitos do nascituro. É assunto essencial neste trabalho os direitos e garantias fundamentais, já que trata-se sobre o direito à vida e o aborto, e com isso, a colisão de direitos. Os direitos humanos também compõem o raciocínio, juntamente com os Tratados em que 12 o Brasil é signatário. As cláusulas pétreas são de devida relevância para o tema, tendo em vista que o direito à vida encontra-se previsto no rol de direitos e garantias individuais. Os princípios são considerados alicerces da lei, o início da norma, e estão previstos em todo o ordenamento jurídico, assim, será elencado no desenvolvimento o princípio da dignidade da pessoa humana. Será analisado todos os tipos de aborto previstos na legislação, como as formas típicas, e ainda, as que existem mas não são previstas em lei, como é o caso do aborto socioeconômico. O aborto legal e o aborto criminoso também será debatido, sendo o aborto legal subdividido em aborto terapêutico ou necessário, aborto sentimental e de anencefálicos, sendo este permitido por meio da ADPF 54. O aborto criminoso também possui ramificações, sendo o aborto provocado pela gestante, ou com seu consentimento, e o provocado sem o consentimento da gestante. Por fim,explorar alguns argumentos que são pró-aborto, ou seja, que são favoráveis a pratica do abortamento. Ainda, determinados argumentos que são pró- vida, e que repudiam o aborto e as consequências causadas pela prática. 13 2 CONCEITO DE ABORTO Para melhor esclarecer sobre o aborto é necessário trazer todas as peculiaridades que o envolvem, sendo assim, a etimologia e conceitos diferentes. A palavra aborto é proveniente do latim ab-ortus, possui como significado a privação do nascimento, sendo o oposto de nascer. De acordo com Greco (2017, p. 525) “Nosso Código Penal não define claramente o aborto, usando tão somente a expressão provocar aborto, ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência o esclarecimento dessa expressão”. Não há uma definição na legislação acerca do conceito de aborto, sendo assim, a doutrina brasileira incumbiu-se de trazer diferentes conceitos sobre o mesmo, por isso, explica o aborto do seguinte modo o doutrinador Capez (2012, p. 129): Considera-se aborto a interrupção da gravidez, com a consequente destruição do produto da concepção. Consiste na eliminação da vida intrauterina. Não faz parte do conceito de aborto a posterior expulsão do feto, pois pode ocorrer que o embrião seja dissolvido e depois reabsorvido pelo organismo materno em virtude de um processo de autólise; ou então pode suceder que ele sofra processo de mumificação ou maceração, de modo que continue no útero materno. A lei não faz distinção entre óvulo fecundado (3 primeiras semanas de gestação), embrião (3 primeiros meses) ou feto (a partir de 3 meses), pois em qualquer fase da gravidez estará configurado o delito de aborto, quer dizer, entre a concepção e o início do parto (conceitos estes já estudados no crime de infanticídio), pois após o início do parto poderemos estar diante do delito de infanticídio ou homicídio. Teles (2004, p. 171) tem o seguinte entendimento: Aborto é a interrupção da gravidez com a morte do ser humano em formação. A gravidez, que começa com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, é o processo de formação do ser humano, que termina com o início do parto. A gravidez pode ser interrompida antes de chegar a termo naturalmente ou por provocação cirúrgica sem que ocorra a morte do ser humano em formação - parto cesariano. Quando a gravidez é interrompida, disso resultando a morte do feto, há aborto ou abortamento. A maioria dos doutrinadores conceituam o aborto de forma semelhante, ou seja, que é aborto a cessação da gravidez e o término da vida do nascituro. Entretanto, alguns divergem a respeito das diversas fases da gravidez, em que trata sobre o óvulo, embrião e feto, assim afirma Gonçalves (2016, p.267): Aborto é a interrupção da gravidez com a consequente morte do produto da concepção. Este passa por várias fases durante a gravidez, sendo chamado de ovo nos dois primeiros meses, de embrião nos dois meses seguintes e, finalmente, de feto no período restante. Conforme citado acima, o aborto é caracterizado pelo fim da gravidez com a 14 consequente morte do feto, sendo denominado como o produto da concepção. A doutrina ainda discute sobre qual seria o momento inicial do aborto, uns afirmam ser desde o momento da fecundação, outros dizem que seria com a nidação, sendo este o entendimento de Cunha (2017, p.100): O termo inicial para a prática do aborto é o começo da gravidez, que, do ponto de vista da biologia, se dá com a fecundação. Todavia, prevalece na ótica jurídica, que a gestação tem início com a implantação do óvulo fecundado no endométrio, isto é, com a sua fixação no útero materno (nidaçáo). Grifo nosso. Há quem entenda que a proteção iniciaria no momento da concepção, e que não importa a quantidade de tempo da gestação, que desde o momento da concepção haveria a vida. Greco (2017, p.171): A vida, independentemente do seu tempo, deve ser protegida. Qual a diferença entre causar a morte de um ser que possui apenas 10 dias de vida, mesmo que no útero materno, e matar outro que já conta com 10 anos de idade? Nenhuma, pois vida é vida, não importando sua quantidade de tempo. Alguns doutrinadores possuem parecer semelhante ao que foi citado acima, assim disse Hungria (2017 apud GRECO, 1979, p.174 - 175): “O Código, ao incriminar o aborto, não distingue entre óvulo fecundado, embrião ou feto: interrompida a gravidez antes do seu termo normal, há crime de aborto. Qualquer que seja a fase da gravidez (desde a concepção até o início do parto, isto é, o rompimento da membrana amniótica), provocar sua interrupção é cometer o crime de aborto. A ocisão do feto (alheio à sua imaturidade ou ao emprego dos meios abortivos), depois de iniciado o processo do parto, é infanticídio, e não aborto criminoso.” Sobre o momento em que se iniciaria o aborto, cumpre destacar que o CC, diz que os direitos do nascituro estão salvos desde o momento da concepção. Por este raciocínio, conclui-se que não importa a quantidade de tempo de gravidez, já que a legislação disse que a proteção se dá desde o momento da concepção. São diversos entendimentos sobre o assunto, porém, é unanime que o aborto é a interrupção da gravidez e a consequente morte daquele que é gestado. Este entendimento é pacifico na doutrina, bem como o fato do aborto provocar danos irreparáveis, para o feto que não teve o direito à vida resguardado, e também para a gestante. Nos conceitos de aborto citados fala-se somente do nascituro, seja em qual fase se encontra, não trazendo a figura da gestante, que também sofre consequências por conta da prática do abortamento, seja físicas ou psicológicas. 15 2.1 Breve contexto histórico do aborto O aborto nem sempre foi alvo de incriminação, na antiguidade era realizado de diversos modos, e possuía ainda significados diferentes para cada povo. Segundo os ensinamentos de Galeotti (2007, p. 35): A história do aborto remete a antiguidade, onde era realizado de forma deliberada, na maioria das vezes por parteiras ou mesmo pelas próprias gestantes, evidencias sugerem que era realizado por meios como ervas abortivas, uso de objetos cortantes, aplicação de pressão abdominal entre outras técnicas em geral. Sendo proibido apenas quando contrariava interesses masculinos. Tais meios provocavam na maioria das vezes, envenenamentos e danos às mulheres. Como visto, o aborto nesta época trazia consequências desastrosas tanto para a mulher quanto para o nascituro. Alguns até sugeriram que a prática do aborto fosse ilimitada, assim, o Poder Legislativo interviu para defender o direito do genitor e da sociedade. Nesta época, o aborto não era tipificado como crime, porém, como viviam sob o poderio masculino, a prática do abortamento dependia de consentimento do marido ou do patrão, desta forma, o nascituro não possuía seus direitos assegurados. Sobre as primeiras praticas abortivas, a história conta que teve origem na China, precisamente no século XXVIII (A.C), Antes de Cristo, tais atos teriam influenciado o controle de natalidade, que era então aplicado pelo governo (SILVA, 2013), esta política de controle teve início em 1979, em que os casais chinês poderiam ter somente um filho. Após o ano de 2015 tais casais poderiam ter dois filhos, sendo extinta aquela política. O Código de Hamurabi, estando entre um dos documentos jurídicos mais antigos da humanidade punia o aborto. Este referido código é do ano de 1700 antes de Cristo, punia com pena de multa, e até mesmo com pena de morte (Sá, 2016), porém, não tinha como pretensão principal punir a prática abortiva em si, por conta da vida intrauterina, mas sim, visava uma indenização. Este enquadrava somente o aborto praticado por terceiros, sendo o autoaborto atípico, ainda, o feto era considerado uma simples parte do corpo da gestante, desta forma, poderia ela praticar manobras abortivas contra o nascituro, chamado tambémde produto da concepção. No referido Código, aquele que agredia uma mulher livre, e esta abortasse por conta da agressão, deveria pagar dez ciclos, se esta morresse, o filho do agressor 16 deveria ser morto. Na época, havia muita desigualdade entre o liberto, que é o escravo que conquistou a liberdade, o servo, e o homem livre. O código previa que se a filha de um liberto abortasse por agressão, o ofensor deveria pagar cinco ciclos, já se esta morresse ele deveria restituir meia mina. A indenização com o menor valor é o da serva, caso essa abortasse por conta de uma agressão, pagaria dois ciclos, e se esta viesse a óbito, somente um terço de mina. Sobre o início da previsão legal do aborto no Brasil “O Código Penal da República do ano de 1890, por sua vez, diferente do Código Criminal de 1830, retratou pela primeira vez o aborto provocado pela própria gestante[...]” (COSTA, 2018, p.20). Conforme citado acima, o aborto nem sempre foi tipificado como crime contra a vida, tendo em vista que teve surgimento no ano de 1830, no Código Criminal do império. O aborto era tipificado na mesma seção do crime de infanticídio, e punia somente a conduta praticada por terceiros, ou seja, não havia o crime de autoaborto. O aborto era previsto nos artigos 199 e 200 do Código Criminal do Império (BRASIL, 1830): Art. 199. Ocasionar aborto por qualquer meio empregado interior, ou exteriormente com consentimento da mulher pejada. Penas - de prisão com trabalho por um a cinco anos. Se este crime for cometido sem consentimento da mulher pejada. Penas - dobradas. Art. 200. Fornecer com conhecimento de causa drogas, ou quaisquer meios para produzir o aborto, ainda que este se não verifique. Penas - de prisão com trabalho por dois a seis anos. Se este crime for cometido por médico, boticário, cirurgião, ou praticante de tais artes. Penas - dobradas. Com o advento do Código Penal da República no ano de 1890 houve mudanças e foi incluído como crime a conduta praticada pela gestante, fazendo diferenciações do aborto em que o feto foi ou não expulso do ventre materno. Além de prever pena diferente nos casos de expulsão ou não do feto, o referido código punia severamente o aborto caso a gestante viesse a óbito, a pena era de 6 a 24 anos. A lei ainda punia com proibição de exercer a profissão o médico ou parteira que provocassem o aborto, o afastamento seria o mesmo período em que fosse condenado à reclusão. A gestante que consentisse em abortar voluntariamente tinha direito a uma atenuante na pena, com redução da terça parte se o motivo que a levou a praticar o aborto foi para esconder desonra própria, na época um exemplo de desonra seria ser “mãe solteira”. O aborto necessário, que é quando a gestante está 17 em iminente risco de vida, já era previsto no artigo 302 do Código Penal da República (BRASIL,1890): Art. 302. Se o médico, ou parteira, praticando o aborto legal, ou aborto necessário, para salvar a gestante de morte inevitável, ocasionar-lhe a morte por imperícia ou negligencia: Pena - de prisão celular por dois meses a dois anos, e privação do exercício da profissão por igual tempo ao da condenação. Com o atual Código Penal de 7 de dezembro de 1940, tutelou-se a vida intrauterina e assegurou o direito à vida, sendo este consagrado pela Constituição Federal de 1988. Houve mudanças no referido Código Penal, tendo em vista que anos se passaram de 1940 até os dias atuais. 2.2 Início da vida Muito se discute acerca do início da vida, visto que a legislação não prevê uma definição concreta a este respeito, diversas teorias dizem a sobre o início da vida, porém, diplomas legais direcionam a uma teoria específica. A teoria da concepção, também denominada como teoria da fecundação, sustenta que a vida começa com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, surgindo neste momento uma nova vida, não somente uma expectativa de vida. Sobre esta teoria disse Viana (2012, p.16): É nessa fase, na fase do zigoto, que toda a identidade genética do novo ser é definida. A partir daí, segundo a ciência, inicia a vida biológica do ser humano. Fomos todos concebidos assim, o que somos hoje geneticamente, já o eram desde a concepção. É baseado nesse dado científico acerca do início da vida que o a Convenção Internacional dos Direitos Humanos afirma que a vida deve ser protegida desde a concepção. E mesmo que não o dissesse expressamente isso seria óbvio, pois, a lei deve expressar a verdade das coisas, e se vale da ciência para formular seus preceitos. A teoria da concepção defende que a vida se inicia quando o espermatozoide fecunda o ovócito, de forma específica definiu Meiado (2016, p. 331): Quando a meiose (divisão das células) termina surge o óvulo, a partir daqui, já tendo os 23 cromossomos paternos e os 23 cromossomos maternos, surge o zigoto e então se inicia seu desenvolvimento embrionário. O que esta teoria defende é que a partir do momento da formação do zigoto, ele se torna independente em seu desenvolvimento, assim, já possuindo os 23 cromossomos misturados de seu pai e sua mãe, este ser, que está se desenvolvendo, já possuí carga genética própria, única. Assim, sua vida não é um desdobramento da vida de seus geradores, mas sim uma nova vida. A doutrina brasileira traz diversas teorias em discussão, destacando-se a da 18 concepção e da fecundação conforme entende Greco (2017, p. 172): A vida tem início a partir da concepção ou fecundação, isto é, desde o momento em que o óvulo feminino é fecundado pelo espermatozoide masculino. Contudo, para fins de proteção por intermédio da lei penal, a vida só terá relevância após a nidação, que diz respeito à implantação do óvulo já fecundado no útero materno, o que ocorre 14 (catorze) dias após a fecundação. Grifo nosso. Em contrapartida para a teoria da nidação a vida somente teria início a partir do momento em que o óvulo se prendesse na parede do útero materno. Sobre a teoria da nidação, como já dito anteriormente, é a utilizada no Direito Penal, sobre a referida teoria disse Costa e Giolo (2015, p. 305): Esse ovo deve se implantar no útero materno, pois somente no útero é que o embrião irá encontrar as condições necessárias para o seu desenvolvimento. O fenômeno conhecido como nidação é a fixação do produto da concepção no útero materno, a partir do qual, se iniciará o processo para a formação de todos os anexos necessários para o seu desenvolvimento. A teoria da atividade neural defende que a vida tem início com a formação do cérebro, é a teoria adotada para o fim da vida, ou seja, a morte. Porém, ainda não se sabe ao certo a partir de que momento se inicia a atividade neural, algumas correntes dizem que seria na 8º ou na 20º semana gestacional. O entendimento desta teoria é que a vida humana é definida pelo cérebro, e que antes que isso ocorra não haveria vida, pois não teria raciocínio. Outros doutrinadores defendem que o início da vida deve ser analisado sob o ponto de vista biológico, assim entende Moraes (2016, p. 98): O início da mais preciosa garantia individual deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao jurista, tão somente, dar-lhe o enquadramento legal, pois do ponto de vista biológico a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, resultando um ovo ou zigoto. Assim a vida viável, portanto, começa com a nidação, quando se inicia a gravidez. Entretanto, atualmente a teoria da concepção vem sendo mais aceita pela jurisprudência, que reconhece o direito a indenização em casos de aborto, em que o nascituro seria o titular de direito, preservando e tutelando desta forma a vida intrauterina. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DPVAT. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. ABORTO. VIDA INTRAUTERINA. DIREITO À INDENIZAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. I – O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem adotado posicionamento no sentido de reconhecera titularidade de direitos por parte do nascituro e, ao que interessa à situação concreta, já assegurou o direito de indenização do DVPAT, ante o 19 perecimento da vida intrauterina. II – Indenização devida. III – Apelação conhecida e não provida. (TJ-AM 06296081820148040001 AM 0629608-18.2014.8.04.0001, Relator: João de Jesus Abdala Simões, Data de Julgamento: 23/04/2018, Terceira Câmara Cível). Grifo nosso. Conforme dito anteriormente, o STJ tem sido favorável a teoria da concepção, já que decidiu pela concessão de direitos ao nascituro, embora o artigo 2º do CC prever que a personalidade civil inicia com a vida, este mesmo artigo de lei tutela que o nascituro possui seus direitos salvos desde a sua concepção. Para a ciência/biologia a vida humana se inicia com a fecundação, assim disse González (2013): A biologia mostra que, com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, começa a existir um novo ser vivo. A biologia molecular, a embriologia médica e a genética oferecem muita luz para responder à antiga pergunta sobre o início de cada vida humana. A ciência garante hoje que a vida começa com a fusão do espermatozoide e o óvulo, chamada de “fecundação” (do latim “fecundare”, fertilizar). Grifo do autor. Desta forma, a teoria da fecundação defende que o início da vida se dá no instante junção do espermatozoide com o óvulo, diversos doutrinadores também entendem da mesma forma, conforme citado acima. 20 3 DO NASCITURO O nascituro é o ser já concebido e que se encontra no período gestacional. Este possui seus direitos protegidos por lei, de acordo com o artigo 2º do CC, “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. (BRASIL, 2002), A doutrina tradicional segue a teoria natalista, na primeira parte do artigo, ou seja, a personalidade civil se dá com o nascimento com vida, assim sendo, o nascituro terá apenas uma expectativa de direitos, conforme a definição doutrinária de Gonçalves (2011, p.104): A doutrina tradicional sustenta ter o direito positivo adotado, nessa questão, a teoria natalista, que exige o nascimento com vida para ter início a personalidade. Antes do nascimento não há personalidade. Ressalvam- se, contudo, os direitos do nascituro, desde a concepção. Na teoria natalista exclui-se os direitos patrimoniais, por exemplo, pois segundo esta teoria o nascituro somente iria receber caso nascesse com vida. Na atualidade esta teoria não é aplicada para estabelecer o início da vida humana, porém, segundo o posicionamento de alguns doutrinadores é utilizada para definir o ponto inicial da personalidade jurídica. A teoria natalista possui algumas críticas, como disse Tartuce (2017, p. 66): O grande problema da teoria natalista é que ela não consegue responder à seguinte constatação e pergunta: se o nascituro não tem personalidade, não é pessoa; desse modo, o nascituro seria uma coisa? A resposta acaba sendo positiva a partir da primeira constatação de que haveria apenas expectativa de direitos. Além disso, a teoria natalista está totalmente distante do surgimento das novas técnicas de reprodução assistida e da proteção dos direitos do embrião. Também está distante de uma proteção ampla de direitos da personalidade, tendência do Direito Civil pós-moderno. Grifo nosso. As jurisprudências tem entendido de forma diversa, sendo favorável a teoria concepcionista: Ação de cobrança. Seguro obrigatório de veículo (DPVAT). Indenização pela morte de nascituro. Adoção da teoria concepcionista. Nascituro que possui direitos que devem ser protegidos desde a sua concepção. Ordenamento jurídico que protege os direitos do nascituro mesmo antes de seu nascimento com vida, pois lhe atribui legitimação para sucessão, garante seu direito de receber doação e ser curatelado, além de resguardar o direito ao pré-natal. Entendimento sedimentado pelo STJ. Correção monetária desde o acidente. Sentença mantida. Majoração dos honorários recursais. Apelo improvido. Grifo nosso. 21 (TJ-SP 10036409020168260597 SP 1003640-90.2016.8.26.0597, Relator: Ruy Coppola, Data de Julgamento: 27/11/2017, 32ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/11/2017) Ainda há a teoria da personalidade condicionada, que defende o início da personalidade civil com o nascimento com vida, bem como a teoria natalista, porém, aquela resguarda os direitos do nascituro desde a sua concepção. Para a teoria referida, o nascituro possui personalidade jurídica formal, sendo que a personalidade material fica suspensa até o seu nascimento com vida. Sobre esta teoria escreveu Tartuce (2017, p.67): A teoria da personalidade condicional é aquela pela qual a personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas os direitos do nascituro estão sujeitos a uma condição suspensiva, ou seja, são direitos eventuais. Como se sabe, a condição suspensiva é o elemento acidental do negócio ou ato jurídico que subordina a sua eficácia a evento futuro e incerto. No caso, a condição é justamente o nascimento daquele que foi concebido. Disse de forma semelhante sobre a teoria da personalidade condicional o doutrinador Mello (2017, p.90): Aqui a personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas os direitos do nascituro ficam sujeitos a uma condição suspensiva (evento futuro e incerto), qual seja, o nascimento com vida. É, pois, um direito eventual. Os defensores desta teoria se baseiam no artigo 130 do CCB que permite ao titular de direito eventual. Esta teoria é, pois, um aprimoramento da teoria natalista. Esta teoria ainda recebe algumas críticas, em que a mesma seria muito parecida com a teoria da nidação, e que na essência ambas se confundiriam. Outro argumento negativo usado por alguns doutrinadores é que esta teoria seria voltada somente para aspectos patrimoniais, sendo um pouco omissa em relação aos demais direitos do nascituro. Conforme explanado no tópico anteriormente, a teoria da concepção defende que o nascituro possui personalidade civil desde a sua concepção, sendo esses direitos representados pela genitora. Segundo Gonçalves (2011, p.106) “a moderna doutrina civilista, sob a influência do direito francês, esposa atese de que o nascituro já tem personalidade jurídica desde a concepção.” Ainda sobre a teoria da concepção disse Ribeiro (2010, p.36): Para os concepcionistas, a personalidade é reconhecida desde a concepção, e não do nascimento com vida, sem qualquer condição. Consideram o nascituro pessoa, ou seja, sujeito de direitos, apenas condicionando ao nascimento com vida alguns efeitos de certos direitos patrimoniais. Essa teoria tem como grande vantagem o fato de conferir maior proteção à pessoa 22 humana, tendência atual do Direito Civil, distanciando-se de uma visão anterior essencialmente patrimonialista. Segundo Mello (2017), a personalidade civil inicia com a concepção, devido ao fato de ser a teoria mais técnica nos dias atuais. Este doutrinador ainda faz menção ao Pacto San José de Costa Rica, sendo considerado norma supra legal. Muito se debate acerca de quando se inicia a personalidade civil, pois a legislação trouxe a teoria natalista e da concepção. Entretanto, é necessário estabelecer o início da proteção do nascituro pela lei. Por isso, no Direito Penal a referida proteção inicia-se com a nidação. O momento em que acontece a nidação não é unânime, uns dizem ser 7 dias após a fecundação, outros 14 dias. 3.1 Direitos do nascituro Conforme o tópico anterior, a personalidade civil da pessoa inicia com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro. A teoria natalista sustenta que tal personalidade inicia com o respirar, havendo a averiguação por meio de um exame médico chamado docimasia hidrostática de Galeno. Embora este exame seja realizado apenas quando a criança nascemorta, para averiguação se ela chegou a respirar ou não, é também aplicada na teoria natalista, em que, se respirou há vida. O artigo 2º do CC é dividido em duas partes, a primeira, que foi explanado anteriormente, que é acerca da teoria natalista, e a segunda que diz que a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção. Alguns destes direitos só serão adquiridos com o nascimento com vida, por exemplo direito à propriedade condicionada. Entretanto, o nascituro é amparado por lei e possui diversos direitos que protegem a sua integridade e dignidade. O nascituro possui seus direitos reconhecidos legalmente, diversas jurisprudências tem entendido assim, como é o caso do TST (Tribunal Superior do Trabalho): RECURSO DE REVISTA. GESTANTE. RECUSA DA OFERTA DE RETORNO AO EMPREGO. RENÚNCIA NÃO CONFIGURADA. PROTEÇÃO AO DIREITO DO NASCITURO. ART. 10, II, ALÍNEA B, DO ADCT. Esta Corte tem entendido que a recusa, por parte da empregada gestante, da oferta de retorno ao emprego não importa em renúncia à sua estabilidade, prevista no art. 10, inciso II, alínea b, do ADCT, pois a garantia tem por finalidade principal a proteção ao direito do nascituro, 23 do qual nem mesmo a gestante pode dispor. Recurso de Revista conhecido e provido. Grifo nosso. (TST - RR: 244865820145240004, Relator: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 10/05/2017, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/05/2017) Como visto no Recurso de Revista, que foi provido e reconhecido, a gestante não pode dispor de um direito que é do nascituro, mesmo querendo. Estes e demais julgados demonstram a proteção ao nascituro no ordenamento jurídico brasileiro. Na maioria dos ramos do direito observa-se a proteção ao nascituro, ele é previsto em todo o ordenamento, encontrando-se no CC, logo no segundo artigo que fala sobre a personalidade civil. No CP nos artigos que tipificam o aborto como crime, no ECA, onde é assegurada a gestante o direito ao pré natal, direito a ser adotado, direito a alimentos, entre outros elencados a seguir. 3.1.1 Direito a vida Este direito é inerente a todos, não somente ao nascituro, é considerado o principal direito, tendo em vista que dele decorrem os demais direitos. Sendo considerado um direito básico, alcança todas as pessoas, já que é uma garantia constitucional. O direito à vida é tão essencial ao ser humano que não faz distinção de pessoas, todos estão amparados por este direito de permanecer vivo, mesmo que não seja considerado absoluto, ele é inviolável, conforme traz o artigo de lei a seguir. Está previsto no título II, dos direitos e garantias fundamentais, precisamente no artigo 5º, caput, da CRFB (BRASIL, 1988): Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. Mello (2017, p. 150) afirma que “O nosso ordenamento jurídico protege a vida como um dos maiores direitos do homem, sendo certo que esta proteção se estende aos nascituros, estes com personalidade jurídica adquirida a partir da sua concepção.” No mesmo sentido, em relação ao direito a vida ser um dos maiores direitos do homem, fala-se que este também possui um peso maior, desta forma disse Alexy (2011, p. 139): 24 O peso abstrato de um princípio é o peso que cabe a Pi relativamente a outros princípios, independente das circunstancias de alguns casos. Muitos princípios da constituição não se distinguem em seu peso abstrato. Em alguns, isso, todavia, é diferente. Assim, o direito à vida tem um peso abstrato superior do que a liberdade de atuação geral. Se o peso abstrato dos princípios colidentes e igual, pode ele ser excluído da ponderação. Grifo nosso. A legislação brasileira garante a inviolabilidade do direito à vida, conforme o artigo constitucional, sendo punido o crime de homicídio, em suas diversas formas. O infanticídio, feminicídio e induzimento ao suicídio também existem para coibir as afrontas contra o direito à vida. Ainda tratando sobre a legislação, o CP prevê punição para aqueles que atentam contra a vida do nascituro e contra os seus direitos, criminalizando o aborto. O Brasil ainda é signatário de diversos pactos e tratados que também asseguram tal direito fundamental. Os tratados internacionais, são firmados pelos Estados por escrito, podem defini-los como ato de vontade de dois ou mais países, sendo o Estado obrigado a tutelar os direitos previstos. Sobre os tratados assim entende (AIDAR, 2016): Ao ratificar um tratado, o Estado assume a obrigação de respeitar e garantir os direitos reconhecidos pelo texto a toda pessoa sujeita à sua jurisdição, assim como adaptar sua legislação ao estabelecido tratado. Assume ainda a obrigação de assegurar que sua autoridade não tomem medidas contrárias ao disposto no tratado e de colocar recursos jurídicos efetivos à disposição de toda pessoa que se sinta violada em seus direitos. O direito à vida é amplamente debatido não somente na esfera jurídica, mas em todas as áreas e em todo o mundo, como sociologia, filosofia, ciência, dentre outros. No decorrer da história, surgiu a necessidade de assegurar o direito à vida por meio de tratados internacionais. O Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, traz em seu capitulo II os Direitos Civis e Políticos, especificamente trata sobre o direito à vida no artigo 4º, que aduz: Artigo 4º - Direito à vida 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente. 25 3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido. 4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos comuns conexos com delitos políticos. 5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez. 6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente. Grifo nosso. O pacto citado acima diz que todos possuem o direito de ter respeitado sua vida, desde o momento da concepção, incluindo desta forma, o nascituro. Não há como negar que o nascituro possui este direito, conforme explanado anteriormente, por este motivo é que as convenções e a legislação brasileira compactuam sobre a proteção integral a vida. 3.1.2 Direito a adoção O direito a adoção era antes previsto no CC de 1916, em seu artigo 372, tutelava de forma específica o direito a adoção do nascituro. O consentimento era necessário, do adotado ou de seu representante, se o adotando fosse nascituro ou incapaz. Desta forma, havia a possibilidade de adoção do nascituro, quando o representante consentisse com a mesma, e isto deveria ser de livre e espontânea vontade, ou seja, sem nenhuma coação. Outro requisito dizia sobre a remuneração, sendo a mesma inadmissível, ora, a vida não possui valor. Caso houvesse ameaça e fosse pago um valor pela criança a adoção estaria viciada e o ato seria nulo. Entretanto, no CC de 2002 não houve a previsão de adoção ao nascituro. Atualmente a adoçãoé prevista no capítulo IV do CC, no Art. 1.618, em que “a adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente”. (BRASIL, 2002). O artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é quem prevê de forma específica a adoção do nascituro, tendo como base o princípio do melhor interesse. O princípio do melhor interesse, como a própria denominação já diz, busca tutelar a criança e ao adolescente melhores condições de vida, não no âmbito http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm 26 econômico, mas sim, no que diz respeito ao cuidado e afeto. Sobre este princípio disse Tartuce (2017, p.27): Na ótica civil, essa proteção integral pode ser percebida pelo princípio de melhor ou maior interesse da criança, ou best interest of the child, conforme reconhecido pela Convenção Internacional de Haia, que trata da proteção dos interesses das crianças. OCC/2002, nos seus arts. 1.583 e 1.584, acaba por reconhecer tal princípio, ao regular a guarda durante o poder familiar. Grifo do autor. A criança e adolescente tem o direito de crescer de forma saudável em um lar onde recebam amor, sendo bem acolhidas naquele local, onde irão se desenvolver fisicamente e também intelectualmente. O princípio do melhor interesse é utilizado de forma corriqueira pelos Tribunais Superiores para fundamentar as decisões sobre a guarda dos filhos principalmente. O ECA no artigo 19-A. “A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude” (BRASIL, 1990). Este artigo é recente, sendo incluído pela Lei nº 13.509, de 2017, por este motivo ainda é amplamente discutido na doutrina. A discussão doutrinaria acerca da adoção do nascituro envolve a questão do período de convivência previsto para adotar uma criança, pois, sendo este nascituro, e estando no ventre materno, não existe esta possibilidade. A doutrina diverge sobre a possibilidade de adoção do nascituro, sobre isto disse Tartuce (2017, p. 296): A outra questão polêmica refere-se à adoção do nascituro. Como se sabe, o nascituro é aquele que foi concebido, mas ainda não nasceu, sendo certo que deve ser considerado como pessoa humana, pela adesão à corrente concepcionista. Assim sendo, este autor é totalmente favorável à tese de Silmara Juny Chinellato pela possibilidade dessa adoção, como forma de tutela dos direitos de quarta geração da pessoa humana. Há quem entenda de forma contrária, ou seja, que negue a possiblidade de adoção do nascituro. O argumento sobre a impossibilidade seria a falta de normas que autorizem a adoção, e o período de convivência, como dito anteriormente. Os que são favoráveis defendem ser a norma autorizadora o ECA, justamente o artigo 19 citado acima, em que a gestante que tenha interesse de entregar o filho para adoção será encaminhada a Justiça da Infância e da Juventude, depois do nascimento ou antes do nascimento, ou seja, quando o nascituro ainda é gestado. Ainda há quem defenda a adoção dos embriões excedentários ou congelados, mas, no Brasil ainda não há uma resolução especifica sobre o tema. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13509.htm#art1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13509.htm#art1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13509.htm#art1 27 Entretanto, há a possibilidade de adoção do nascituro, sendo feito por meio de processo judicial, sendo que a criança será adotada por casais habilitados. Antes de chegar a este ponto é feito o acompanhamento com a gestante, já que esta pode estar com o sentimental abalado, e por conta disso querer entregar a criança. São realizados estudos do caso e da família, bem como é buscado informações sobre o genitor. É feito o acompanhamento de assistentes sociais e da rede de proteção, buscando sempre manter a unidade familiar. Existem projetos que versam sobre a adoção de nascituros, e determinados estados possuem lei específica, como no caso do Estado de Goiás. Assim dispõe a Lei n° 20.250 (GOIÁS,2018): Art. 1º As unidades públicas e privadas de saúde do Estado de Goiás devem afixar placas informativas em locais de fácil visualização contendo os seguintes dizeres: "A ENTREGA DE FILHO PARA ADOÇÃO, MESMO DURANTE A GRAVIDEZ, NÃO É CRIME. CASO VOCÊ QUEIRA FAZÊ-LA, OU CONHEÇA ALGUÉM NESTA SITUAÇÃO, PROCURE A VARADA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. ALÉM DE LEGAL, O PROCEDIMENTO É SIGILOSO." Parágrafo único. As placas informativas previstas no caput devem conter ainda endereço e telefone atualizados da Vara da Infância e da Juventude do Estado de Goiás. Art. 2° Os cartazes deverão ser impressos em tamanho e forma que oportunizem a fácil leitura do seu conteúdo e afixados em locais visíveis, tais como, guichês de atendimento e portas de acesso ao público. A disposição acima citada é sábia em tutelar e divulgar a informação para toda a sociedade, ainda, evitando muitas vezes o aborto clandestino, que viola os direitos dos nascituros e também das genitoras. Possui como intuito a proteção do nascituro, que ao invés de ser abortado, constituindo um crime, tem a oportunidade de ser gerado e adotado por uma família que deseja a maternidade/paternidade responsável. Além da legislação que trata sobre a adoção do nascituro, diversas ONG’s e instituições de caridade, como as casas pró- vida auxiliam as gestantes que gostariam de abortar, tutelando desta forma a vida intrauterina e dando o apoio a gestante. Assim, o nascituro tem sua vida respeitada e sua dignidade assegurada. 3.1.3 Direito a filiação O direito a filiação é um inerente ao nascituro, mas, não somente a ele, o genitor também possui esta garantia. Sobre o conceito do direito a filiação, disse 28 Tartuce (2017, p.248): A filiação pode ser conceituada como sendo a relação jurídica decorrente do parentesco por consanguinidade ou outra origem, estabelecida particularmente entre os ascendentes e descendentes de primeiro grau. Em suma, trata-se da relação jurídica existente entre os pais e os filhos. O parentesco é dividido em natural, civil ou por afinidade. O parentesco natural é quando existe vínculo de sangue ou ainda, biológico. O parentesco civil independe de laços sanguíneos, é o que ocorre no caso da adoção, sendo um vínculo legal. E por fim, o parentesco por afinidade se dá por um cônjuge em relação aos parentes do outro cônjuge, ou companheiro. A relação de parentesco inicia-se no momento da concepção, e neste momento o nascituro já possui o direito de ter reconhecido seu genitor. Este direito também é uma garantia ao genitor, quando este possui o receio de falecer antes do pupilo nascer, e isto pode acontecer por conta de doença grave ou fato que impeça a sua manifestação livre de vontade, com o acontece no caso de loucura. Nestes casos o direito a filiação assegura que este genitor reconheça a paternidade daquele nascituro. Interessante ressaltar que a CRFB garante a todos o direito de filiação e igualdade dos filhos, não fazendo distinção alguma entre os decorrentes de vínculos sanguíneos e outros. A filiação é regulamentada pelo CC(BRASIL,2002): Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I - no registro do nascimento; II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes. O entendimentodoutrinário também indica o direito do nascituro à filiação, segundo Gagliano e Filho (2017, p.1293): O nascituro também poderá ser reconhecido: o sujeito, feliz da vida com a gravidez da namorada, vai ao Tabelionato, e, mesmo antes do nascimento da criança, faz o seu reconhecimento, por escritura pública, por exemplo. Tal ato é perfeitamente possível, a teor da primeira parte do parágrafo único do art.1.609. Este direito do nascituro também está tutelado no ECA, precisamente no artigo 26 (BRASIL, 1990) em que: 29 Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação. Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes. As formas de reconhecimento de filiação são a voluntária e a judicial. A voluntária, sendo também considerada menos burocrática, é a declaração de paternidade arquivada em cartório. Diferentemente, o reconhecimento judicial, como já denominado, é por via judicial, sendo utilizada a ação de investigação de paternidade. No caso do nascituro, o exame de DNA somente poderá ser feito a partir da nona semana de gravidez. Desta forma, antes do nascimento as duas formas possíveis são o testamento e escritura pública. No tocante a ação de investigação de paternidade, a mesma é personalíssima do filho, sendo este menor é exigido a representação, ou pode também ser assistido. Em relação ao nascituro este direito também pode ser concedido, de ter legitimidade para promover a ação, sendo representado por sua genitora. De acordo com a teoria concepcionista é possível e existem julgados que trazem o mesmo parecer. Neste sentido é o despacho nº 0000757- 78.2014.8.17.0640, proferido pelo juízo da 2º Vara de Família e Reg. Civil da Comarca de Garanhuns- Estado do Pernambuco: [...] observo também que se trata de Ação de Investigação de Paternidade de nascituro. Atualmente, é pacífico o entendimento de que em casos dessa natureza, o nascituro tem legitimidade para propositura da ação de investigação de paternidade, devidamente representado pela mãe gestante. Nesse sentido, colaciono julgado que abaixo segue: EMENTA: FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E ALIMENTOS. NATUREZA PERSONALÍSSIMA DA AÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. DIREITO DO NASCITURO. São legitimados ativamente para a ação de investigação de paternidade e alimentos o investigante, o Ministério Público, e também o NASCITURO, representado pela mãe gestante. [...] Em contrapartida, há quem entenda que a ação deve ser proposta pela genitora, e somente após o nascimento o polo ativo deve ser substituído, sendo esta então, a teoria natalista. http://www.jusbrasil.com.br/topicos/81171170/processo-n-0000757-7820148170640-do-djpe http://www.jusbrasil.com.br/topicos/81171170/processo-n-0000757-7820148170640-do-djpe 30 3.1.4 Direito a representação e curatela O nascituro possui o direito de ter um curador. O curador é aquele que representa outrem para uma finalidade, como no caso de direitos patrimoniais. Este direito é previsto também no CC, no artigo 1.779 (BRASIL, 2002): Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar. Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro. Sobre este direito existem críticas na doutrina pois o nascituro é menor e incapaz, e a curatela seria um instituto de assistência para a defesa dos interesses dos maiores incapazes (TARTUCE, 2017), mas, a redação do artigo 1.779 do CC, diz que ao nascituro será dado curador. A doutrina então traz que esta seria uma curatela temporária, e que após o nascimento a criança teria um tutor. Neste sentido entende Dias (2016, p. 1160): A garantia dos direitos do filho nascituro é assegurada em procedimento específico, prevendo também a possibilidade de nomeação de curador (CC 1.779). Não se atina como se possa afastar o poder familiar da mãe, quando ainda não nascido o filho, se ela for capaz. De qualquer forma, não só no caso de morte do pai haveria de se cogitar da nomeação. Desconhecido, ausente ou incapaz o genitor, cabe a nomeação. Estando a gestante interditada, seu curador será curador do nascituro (CC 1.779 parágrafo único). Trata-se de uma curadoria temporária, eis que, quando do nascimento, a criança deverá ser posta sob tutela. Grifo do autor. No caso o nascituro terá este direito se o genitor vier a falecer e a genitora perder o poder familiar. O poder familiar é conceituado na doutrina como “[...] o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores[...]” (GONGALVES, 2017, p.535). A lei prevê duas hipóteses para que o nascituro tenha o direito a curador, como visto no caput do artigo citado. Será concedido se a genitora tiver sido destituída do poder familiar em relação aos filhos anteriores, como no caso de maus tratos. Ainda, o curador do nascituro também será o da genitora, se esta estiver interditada, desta forma, o curador irá cuidar dos interesses da mãe e do nascituro. Além destas, existem outras hipóteses, como nos casos em que o genitor for desconhecido e a genitora tiver perdido o poder familiar, ou até mesmo interditada, ambos forem interditados, e por fim, os dois não tiverem o poder familiar. 31 Sobre a representação, “na hipótese de reconhecimento pelo pai, anterior ao nascimento, autoriza o parágrafo único do art. 1.609 do Código Civil a legitimidade do nascituro, representado pelo curador da mãe interditada, para a ação de alimentos.” (PEREIRA, 2017, p. 605). Por fim, nos casos em que o nascituro for adotado, não há motivos para a curatela, já que os adotantes terão poder familiar sobre o adotado. 3.1.5 Direito de sucessão O nascituro também possui direito de sucessão, com base no Código Civil, artigo1.798 “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.” (BRASIL, 2002). A sucessão acontece quando uma pessoa substituiu outra na titularidade de bens, sendo após a morte a sucessão de determinados bens. Sobre este direito escreveu Dias (2016, p. 672): Com referência aos direitos sucessórios, é necessário atentar aos princípios que regem a transmissão da herança (CC 1.784 e 1.787). A capacidade para suceder é regulada pela lei vigente ao tempo da abertura da sucessão. O filho concebido tem direito à sucessão (CC 1.798), não podendo afastar-se tal direito em se tratando de concepção decorrente de inseminação artificial. Legitimam-se a suceder somente as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão, até porque a lei põe a salvo os direitos do nascituro a partir da concepção (CC 2.º). Mas o que se discute é se o embrião fecundado no laboratório, e que aguarda, invitro, a implantação no ventre materno, já se entende como sujeito de direito. Isto é, se o embrião ainda não implantado, chamado de pré-implantatório, tem direito de personalidade e direito à sucessão. Grifo do autor. A lei também traz a possibilidade de suceder daqueles que ainda não foram concebidos, como é o caso de inseminação artificial. Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde - que vivas estas ao abrir-se a sucessão; - as pessoas jurídicas; - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação. Como citado acima, a questão dos embriões ainda traz discussão na doutrina, principalmente se este teria direito a sucessão, porém, o artigo anteriormente citado, traz em seu inciso I que os filhos ainda não concebidos são chamados a suceder. Fez um apontamentosobre este assunto Pereira (2017, p. 423): Merecem referência especial as regras do arts. 1.799 e 1.800 do Código de 32 2002. O primeiro admite o direito à sucessão testamentária “dos filhos ainda não concebidos de pessoa indicada pelo testador desde que vivas estas ao abrir- se a sucessão”. O art. 1.800 determina a nomeação pelo juiz de um curador dos bens a eles destinados. No entanto, o § 4º do mesmo artigo limitou no tempo a possibilidade de reserva de bens ao indicar que “salvo disposição em contrário do testador, os referidos bens caberão aos herdeiros legítimos, se, decorridos dois anos, após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado”. Conforme a teoria natalista, participar da herança depende do nascimento com vida, mesmo que o nascituro venha logo a óbito, já é titular da herança. Assim entende Gagliano e Filho (2017, p.1396): O nascituro, que, como visto, também pode ser beneficiário da herança (art. 1.798), consiste naquele ente já concebido, posto não nascido, e com vida intrauterina; diferentemente, a prole eventual caracteriza aqueles que nem concebidos ainda foram. Cumpre diferenciar a prole eventual de nascituro, entende-se por prole eventual os filhos que ainda não foram concebidos, e que foram indicados em testamento, estes também possuem o direito a suceder. Ainda sobre a sucessão, o artigo 1.596 (BRASIL, 2002) “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Este artigo garante tratamento igualitário para todos os filhos, com base em princípios fundamentais, a todos os filhos são conferidos direitos, inclusive sucessórios, conforme explanado nesta seção. 3.1.6 Direito a alimentos O direito a receber alimentos é proveniente de um direito fundamental, que é o direito à vida, já que é imprescindível para a sobrevivência humana. Ainda decorre da dignidade da pessoa humana. Possui amparo constitucional no artigo 229, (BRASIL, 1988), que prevê “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Ainda na CRFB, os alimentos são previstos no rol dos direitos sociais. O direitos sociais podem ser definidos como a garantia dos demais princípios fundamentais em igualdade para todos. A previsão legal encontra-se no artigo 6º, caput da CRFB (BRASIL,1988): 33 São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. O Estatuto da Criança e do Adolescente também traz o direito a alimentos, porém não cita o nascituro, surge então o questionamento se este é ou não titular de tal direito. Há controvérsias, pois os doutrinadores que são adeptos a teoria concepcionistas defendem que o nascituro é sim titular, ao contrário da doutrina que defende demais teorias, sendo estas já tratadas neste trabalho. A Lei nº 11.804, tendo sido promulgada em 5 de novembro de 2008, regula os alimentos gravídicos e o modo como será exercido, não trazendo o conceito de definição de alimentos. Sobre alimentos disse Gagliano e Filho (2017, p.1316): Quando, cotidianamente, utiliza-se a expressão “alimentos”, é extremamente comum se fazer uma correspondência com a noção de “alimentação”, no sentido dos nutrientes fornecidos pela comida. Todavia, a acepção jurídica do termo é muito mais ampla. De fato, juridicamente, os alimentos significam o conjunto das prestações necessárias para a vida digna do indivíduo. Como visto, o direito a alimentos não se restringe no fato de alimentar em sentido estrito, mas engloba demais obrigações. A Lei de Alimentos expõe algumas situações em que será possível peticionar em favor do nascituro e da genitora. Assim prevê o artigo 2º da Lei nº 11.804 (BRASIL, 2008): Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. Sobre o direito a alimentos do nascituro disse Diniz (2016, p. 753): No entanto, pai é pai desde a concepção do filho, e é preciso dar efetividade ao princípio da paternidade responsável. O simples fato de não assumir o genitor a responsabilidade parental não pode desonerá-lo de todos os ônus, encargos e deveres decorrentes do poder familiar. O filho necessita de cuidados durante a vida intrauterina, a mãe deve submeter-se a exames pré- natais e o parto sempre gera despesas, ainda que feito pelo SUS. Durante a gravidez, a mãe precisa de roupas especiais e alimentação adequada. Por isso, a possibilidade da concessão de alimentos gravídicos, nada mais do que a possibilidade de serem deferidos alimentos a partir da concepção, encargo que permanece após o nascimento do filho, independentemente do reconhecimento do genitor. A ação de alimentos gravídicos não precisa ser cumulada com demanda de reconhecimento da paternidade. Basta serem indicados indícios do vínculo parental. Grifo do autor. 34 Segundo Gonçalves (2011, p.107) “Uma considerável parcela da jurisprudência tem reconhecido a legitima de processual do nascituro, representado pela mãe, para propor ação de investigação de paternidade com pedido de alimentos”. Ressalta-se que após o nascimento os alimentos gravídicos se convertem em pensão alimentícia, sendo possível uma economia processual. Este direito se modificará caso umas das partes entre com pedido de revisão de pensão, ou exoneração. Desta forma, entende-se que o nascituro é amparado desde o momento de sua concepção, tendo a legislação tutelado o seu desenvolvimento saudável. E assim também cuidando da saúde da genitora, tendo em vista que a saúde da mesma reflete na vida daquele que está para nascer. 35 4 DO PRINCÍPIO Os princípios podem ser considerados a base de uma norma, o início e surgimento da mesma. O princípio é ainda uma fonte do direito, juntamente com a lei, analogia, costumes, doutrina e jurisprudência. É ampla a aplicabilidade dos princípios do Direito brasileiro, sendo que a maioria destes estão previstos no rol dos direitos e garantias fundamentais. A respeito do conceito de princípio vários doutrinadores trouxeram explicações em suas doutrinas. Para Canotilho (2012 apud TAVARES,1993, p. 169): Em outras palavras, os princípios são responsáveis pela incorporação de valores fundamentais no sistema jurídico. Assim, acabam conferindo unidade ao sistema jurídico, porque “(...) são o fundamento de regras jurídicas e têm uma idoneidade irradiante que lhes permite ‘ligar’ ou cimentar objetivamente todo o sistema constitucional”. Não desencadeiam, pois, a eliminação de um em face daquele que prevalecer, em caso de colisão, tal como ocorre com as regras jurídicas. Em relação a este tema, no aborto fala-se muito em colisão de princípios e de direitos, havendo sempre a ponderação pelo nascituro ou pela gestante. Ainda, a relevância do princípio da dignidade da pessoa humana e o direito fundamental a vida, entre outros. Como bem disse o autor citado anteriormente, não há uma eliminação de princípios para que outro prevaleça. O artigo 5º da Carta Magna elenca princípios que este tema e que serão trazidos posteriormente. São de suma importância, tendo força normativa, tendo em vista que o magistrado se baseia em princípios para proferir uma decisão de forma justa, conforme a lei.4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana O contexto histórico do princípio a ser tratado é extenso, segundo historiadores teve início Antes de Cristo. Entretanto, foi após a segunda guerra mundial que surgiram os tratados para garantir este princípio. Surgiu então a Organização das Nações Unidas (ONU). Desta forma disse Haetinger (2012): No pós-guerra, já descobertas as atrocidades cometidas principalmente pelos alemães, foi fundada a ONU, a Organização das Nações Unidas, órgão que trouxe de volta à tona a discussão sobre os direitos humanos, primeiramente assim mencionados por Napoleão, e que dos quais sentia tanta falta aquele mundo despedaçado que persistia a funcionar em 1948. 36 Este princípio é de suma importância, já que o Estado é centrado no ser humano. Constitui-se como um direito que protege o indivíduo, frente aos próprios indivíduos e ainda, perante o Estado. É um direito, mas também é caracterizado por ser um dever, pois exige dos seres humanos o tratamento igualitário dos indivíduos ao seu redor. A dignidade da pessoa humana é considerada o núcleo exegético no cenário jurídico brasileiro, ou seja, é um parâmetro orientador, por isso o legislador quando criar uma norma deve ter como base este princípio. Da mesma forma o magistrado ao fundamentar uma decisão, e assim por adiante, a dignidade da pessoa humana está sempre presente. Sendo princípio e direito fundamental, embora alguns doutrinadores defenderem que a mesma não deve ser tratada como sendo somente um direito fundamental mas, como um princípio jurídico, sendo a origem dos demais direitos fundamentais, como exemplo, o direito à vida que decorre deste princípio. Também é a base para a formulação de leis e aplicação do direito, por este motivo, é essencial este e demais princípios fundamentais para uma vida digna. Este princípio é previsto no artigo 1º da CRFB, inciso III, no título I (BRASIL, 1988), que aduz: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; Não existe conceito sobre dignidade da pessoa humana, existindo somente entendimentos sobre o mesmo. Os entendimentos sobre a dignidade da pessoa humana são os mais variados possíveis, tendo em vista a cultura e doutrina de cada povo. Dignidade possui o significado de honra, valor, nobreza e aquilo que é valoroso. Desta forma entende Moraes (2016, p.74): [...] Concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifestas singularmente na autodeterminação consciente responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas [...] Sobre a dignidade da pessoa humana entende Mello (2017, p.63): 37 A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana: pelo simples fato de ‘ser’ humano, a pessoa merece todo o respeito, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social e econômica. Nesse sentido, o conceito de dignidade da pessoa humana não pode ser relativizado: a pessoa humana, enquanto tal, não perde sua dignidade quer por suas deficiências físicas, quer mesmo por seus desvios morais. Deve-se, nesse último caso, distinguir entre o crime e a pessoa do criminoso. O crime deve ser punido, mas a pessoa do criminoso deve ser tratada com respeito, até no cumprimento da pena a que estiver sujeito. Se o próprio criminoso deve ser tratado com respeito, quanto mais a vida inocente. No Brasil, este princípio foi legitimado com a CRFB de 1988, antes disso, já existia desde os primórdios da humanidade, porém, nem sempre todas as pessoas eram amparadas por ele, sendo um exemplo a existência da escravidão no Brasil por volta do século XVI. 38 5 DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS O principal motivo que fez com que surgisse os direitos e garantias fundamentais foi a defesa da liberdade do indivíduo perante o Estado, que por vezes era abusivo. Desta forma, tais direitos e garantias exigem do Estado a devida abstenção. Sobre o histórico destes direitos, alguns doutrinadores apontam como marco inicial a carta magna inglesa (1215). Ainda sobre a evolução histórica disseram Paulo e Alexandrino (2015, p. 98): Somente no século XX, com o reconhecimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão - direitos sociais, culturais e econômicos -, os direitos fundamentais passaram a ter feição positiva, isto é, passaram a exigir, também, a atuação comissiva do Estado, prestações estatais em favor do bem-estar do indivíduo. Tais direitos e garantias fundamentais estão previstos no título II da CRFB, entretanto, não se restringem somente neste regramento. Desta forma, estão previstos em toda Constituição, sendo aquele um rol exemplificativo. Cabe distinguir direitos e garantias fundamentais, os direitos fundamentais são declaratórios e considerados si mesmos, diferentemente, os de garantias fundamentais são assecuratórios, desta forma, este é o instrumento para assegurar aquele. O direito é uma prerrogativa reconhecida pelo Estado, as garantias existem para o direito, servindo o mesmo. Uma demonstração da aplicação e diferença entre os direitos e garantias, é o direito à liberdade, sendo a existência do direito, e o habeas corpus, que assegura o direito à liberdade. Os direitos fundamentais foram surgindo no decorrer da história, não nasceram todos de uma só vez, mas, de acordo com as alterações da sociedade, por isso, surgiu então o estudo das dimensões ou gerações dos direitos fundamentais. A doutrina majoritária e o STF utilizam os dois termos, tanto a dimensão, como geração, entretanto, parcela da doutrina critica o termo geração, argumentando que ao utilizá-lo estaria substituindo uma geração a outra, porém, todas são importantes e imprescindíveis para a construção da sociedade. Os direitos fundamentais são classificados em gerações, sendo que a doutrina entende serem estes os de primeira, segunda e terceira geração, entretanto, há quem entenda que existam direitos e garantias de outras gerações, se estendendo até a sexta geração, sendo este o parecer do STF atualmente. 39 Sobre os direitos e garantias de primeira geração, também conhecidos como direitos de liberdades, o doutrinador Dutra (2017 p.104): Os direitos fundamentais de primeira geração (ou direitos de liberdades) foram os primeiros reconhecidos pelos ordenamentos constitucionais. Surgiram com as revoluções liberais do final do século XVIII, objetivando a restrição do poder absoluto do Estado, a partir do respeito das liberdades públicas dos cidadãos. Possuem as seguintes características: a) surgiram no final do século XVIII, no contexto da Revolução Francesa, fase inaugural do constitucionalismo moderno, e dominaram todo o século XIX; b) ganharam relevo no contexto do Estado Liberal, em oposição ao Estado Absoluto; c) estão ligados ao ideal de liberdade; d) são direitos negativos, que exigem uma abstenção do Estado em favor das liberdades públicas; e) possuíam como destinatários o indivíduo como forma de proteção em face da ação opressora do Estado; f) são os direitos civis e políticos, considerados como direitos de resistência perante o Estado. Grifo do autor. O direito à vida é um direito que se encontra na primeira geração, sendo o indivíduo o titular deste direito. Exige uma abstenção do Estado, no sentido de resguardar o indivíduo da arbitrariedade e dos abusos. Os direitos e garantias de segunda geração divergem principalmente dos da primeira geração pelo fato de não exigirem
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