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SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 1 2 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ TRABALHO E SOCIEDADE (PARTE 2) O trabalho e a contemporaneidade O teórico alemão Karl Marx (1818-1883) definiu trabalho como a ferramenta com a qual o homem altera a natureza em seu benefício, a atividade fundadora da humanidade e de todo o contexto social. Por meio dele, o homem pré-moderno, agrário em sua origem, produzia o que necessitava para sua subsistência e construía o seu mundo com seu próprio labor. Partindo dessa lógica, o trabalho para Marx seria o “bem inalienável do homem,” isto é, algo que não poderia ser vendido ou cedido, uma vez que seria a ferramenta de manutenção de sua própria sobrevivência. Nessa relação entre trabalho e sobrevivência, Marx enxergava a essência da própria vida humana. Portanto, vender a força de trabalho por um salário seria o mesmo que vender a própria vida. A Revolução Industrial e o Trabalho Assalariado Vender a própria mão de obra, ou o chamado trabalho assalariado, entretanto, tornou-se atividade comum. A Revolução Industrial iniciou uma série de mudanças nas relações sociais e nas relações de trabalho do indivíduo, que até então vivia ligado diretamente à terra. O êxodo rural propiciado pelos cercamentos provocava o inchamento das cidades, que agora ficavam abarrotadas de pessoas que não mais possuíam meios de produzir seu próprio sustento como antes. Marx observou que esse novo homem urbano perdeu seu acesso à terra, o que fez surgir uma classe de trabalhadores cuja única forma de subsistência era a venda de sua força de trabalho. Com essa nova forma de se relacionar com o trabalho, o sujeito, antes intimamente ligado ao seu labor, passou a se ver desconectado do que produzia. Assim, nunca colhia os frutos de seu trabalho, que passou a ser comprado por um salário que, na maior parte das vezes, era suficiente apenas para manter-se vivo. Esse fenômeno desencadeou grandes problemas sociais, que se alastraram por todo o século XIX e grande parte do século XX, momento em que ações de melhorias das condições de trabalho e o estabelecimento de leis trabalhistas surgiram em defesa do trabalhador. Trabalho em tempos recentes Todavia, ainda hoje enfrentamos problemas em relação ao trabalho, em virtude da busca constante pela redução dos custos de produção e, consequentemente, aumento do lucro. De várias maneiras, a produção industrial automatizada tornou a mão de obra humana obsoleta em muitos aspectos, forçando aqueles que necessitam de vender sua força de trabalho para sobreviver, principalmente aqueles que possuem menor grau de especialização, a fazê-lo de forma cada vez mais barata. Esse fenômeno tornou-se mais evidente em tempos mais recentes se observarmos a realidade da produção de bens de consumo em escala global, em que países em desenvolvimento e com grande população encontram-se no topo se considerarmos o aspecto da produção industrial. Entretanto, ao observarmos os índices de qualidade de vida e de trabalho, vemos que a grande produção industrial não se converte em melhoria de condição de vida para o trabalhador que produz. Isso se deve à exploração do enorme exército de trabalho existente nesses países e das leis trabalhistas mais frouxas que permitem que grandes produtoras industriais mantenham uma alta rotação de trabalhadores com baixos salários. SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 3 Trabalho no Setor Terciário Há uma crescente prática de terceirização para atividades não essenciais, com a diminuição dos direitos. A precarização do trabalho é uma dimensão permanente do capitalismo. É preciso salientar que nossa realidade distingue- se bastante da retratada por Karl Marx no início da chamada Revolução Industrial. Enquanto a maioria dos trabalhadores daquela época concentrava-se em atividades de manufatura relacionadas com a produção industrial, hoje o setor de serviços é o que mais possui trabalhadores. No Brasil, por exemplo, o setor terciário, ou setor de serviços, foi responsável por 79,4% do valor adicionado ao PIB do ano de 2020, segundo as Contas Nacionais Trimestrais do IBGE. Embora não se trate de bens concretos, a lógica da exploração do trabalho ou da mais-valia ainda se aplica. Isso porque mesmo quando o trabalho não é aplicado na produção material, ele ainda possui valor agregativo. O trabalho de um professor que se dedicou a aprender a ensinar, por exemplo, possui valor agregado ao ato de ministrar as aulas. Esse contexto histórico-social é importante para que entendamos os conflitos que nossas novas formas de relação com o trabalho trazem. O desemprego associado com esse processo torna-se um dos principais problemas de nossa sociedade moderna. Ao negar o direito ao trabalho, nega-se também o direito do sujeito de subsistir no meio social. Podemos, então, relacionar o agravamento de problemas como a violência, a miséria e a falta de acesso à educação a esse tipo de exclusão social. Precarização do trabalho As mudanças globais vivenciadas atualmente fomentam um novo paradigma nas relações trabalhistas, a exemplo de formas precarizadas de trabalho e emprego, que por sua vez têm sido percebidas, a partir da proliferação das novas modalidades de contrato e do declínio da oferta de empregos típicos/permanentes, como uma das consequências mais visíveis da flexibilização do mercado de trabalho. Para o sociólogo Ricardo Antunes (2011), “quando o trabalho vivo [trabalhadores de fato] é eliminado, o trabalhador se precariza, vira camelô, faz bico etc.” (ANTUNES, 2011, p. 06). A precarização do trabalho significa o desmonte dos direitos trabalhistas. Daí a importância de refletir sobre essa temática, sobre a lógica perversa do capitalismo, avaliando formas de manter garantias ao trabalhador, que é o lado mais frágil desse conflito. Com a desestruturação crescente do Estado de bem- estar social nos países industriais desenvolvidos, e com a ampliação do desemprego estrutural, os capitais transnacionais implementam alternativas de trabalho crescentemente desregulamentadas e informais, de que são exemplo as existentes formas de terceirização (Antunes & Alves, 2004). O sociólogo concebe a precarização do trabalho como resultado da expansão das atividades capitalistas decorrente da crise do fordismo e do Estado de bem-estar social a partir dos anos 1970. Ainda segundo Antunes (2011), “reduzir a jornada de trabalho, discutir o que produzir, para quem produzir e como produzir são ações prementes. Ao fazermos isso, estamos começando a discutir os elementos fundantes do sistema de metabolismo social do capital que é profundamente destrutivo” (Ibidem, p. 06). Não apenas esse aspecto é discutido entre empresários e trabalhadores, mas também acerca das questões 4 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ salariais, jornadas de trabalho, geração de emprego, participação em lucros, condições de segurança, planos de carreira, entre tantos outros aspectos ligados aos direitos trabalhistas adquiridos ao longo do século XX, por meio da organização do movimento operário através dos sindicatos, do sindicalismo. Contudo, é fato que as condições de trabalho e os direitos trabalhistas de certo modo avançaram. Obviamente, esses avanços no sentido dos direitos e das garantias ao trabalhador não foram dádivas da classe empresarial, mas fundamentalmente resultado da luta de movimentos sindicais, operários. No Brasil de hoje, as chamadas centrais sindicais, em linhas gerias, têm os seguintes pontos como reivindicação: mudanças na política econômica para reduzir juros e distribuir renda; redução da jornada de trabalho de 44 horas semanais para 40 horas; extinção do fator previdenciário; e regulamentação da terceirização de serviços. Ainda assim, a despeito dos avanços no tocante ao trabalho e à resolução de alguns conflitos (por meio de legislações trabalhistas) que dele resultam, não se pode esquecer a lógica da exploração inerente ao capitalismo (tãopresente no cotidiano do trabalhador), nem mesmo o que Marx chamava de embrutecimento do homem pela rotinização do trabalho e, consequentemente, da vida. Essa desigualdade de forças pode ser observada, por exemplo, na premência de disponibilidade do indivíduo para sujeitar-se às exigências arbitrárias do emprego, bem como para dedicar tempo e esforço para aprender as particularidades de uma determinada função sem, contudo, ter garantia de que não será dispensado sumariamente, uma vez que, segundo a lógica da flexibilização, o trabalhador é facilmente substituível por outro. As mulheres e o Trabalho No decorrer do desenvolvimento capitalista, profundas mudanças de ordem econômica, política e social repercutiram consideravelmente sobre o nível e a composição inteira da força de trabalho. As mudanças tecnológicas decorrestes do processo de industrialização acentuaram a divisão social e sexual do trabalho, atuando diretamente na estrutura do emprego, tanto na zona rural como nos centros urbanos. Partindo dessa análise, a importância que desempenhou a mão de obra feminina no mercado de trabalho cada vez é mais avançada. O crescimento da participação feminina no mercado de trabalho brasileiro foi uma das mais marcantes transformações ocorridas no país desde os anos setenta. Várias são razões para explicar o ingresso acentuado das mulheres no mercado de trabalho a partir dos anos 70.A necessidade econômica, que se intensificou com a deterioração dos salários reais dos trabalhadores e que as obrigou a buscar uma complementação para a renda familiar é uma delas. Outras causas, portanto, também explicariam o novo comportamento feminino. A elevação, nos anos setenta, das expectativas de consumo, face à proliferação de novos produtos e a grande promoção que deles se fez, redefiniu o conceito de necessidade econômica, não só para as famílias das classes médias, mas também para as de renda mais baixa, entre as quais, embora a sobrevivência seja a questão crucial, passa a haver também um anseio de ampliar e diversificar a cesta de consumo. Trabalhar fora ajuda no orçamento doméstico, adquire novas possibilidades de definição, que se expressam de maneiras diferentes em cada camada social, armas que só se viabilizam pela existência de emprego. Nos anos 70, a expansão da economia, a crescente urbanização e o ritmo acelerado da industrialização configuram um momento de grande crescimento econômico, favorável à incorporação de novos trabalhadores, inclusive o sexo feminino. A sociedade brasileira passou, naquela década, por transformações de ordem econômica, social de demografia que repercutiram consideravelmente sobre o nível e a composição interna da força de trabalho. As taxas de crescimento econômico e os níveis de emprego aumentaram. O país consolidou sua industrialização, mordenizou seus instrumentos produtivos e se tornou mais urbano, embora ao custo do aumento das desigualdades sociais e da concentração da renda. SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 5 Por outro lado, profundas transformações nos padrões de comportamento e nos valores relativos ao papel social da mulher intensificada pelo impacto dos movimentos feministas e pela presença feminina cada vez mais atuante nos espaço público, facilitaram a oferta de trabalhadoras. A participação das mulheres no mercado de trabalho aumentou pelo 5º ano seguido, mas elas seguem ganhando menos que os homens e ocupando, cada vez menos, cargos gerenciais. Em fevereiro de 2021, a agência de empregos Catho constatou que mulheres, mesmo ocupando os mesmos cargos e realizando tarefas iguais às dos homens, chegam a ganhar até 34% menos do que eles. Em funções como gerente e diretor, essa diferença é de 24%. É o que apontam as Estatísticas de Gênero divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Os dados são de 2019 e mostram que, naquele ano, a taxa de participação feminina na força de trabalho era de 54,5%, enquanto a masculina era de 73,7%. A pesquisa do IBGE evidenciou que ter filhos pequenos está entre as muitas barreiras enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho. Em 2019, o nível de ocupação das mulheres sem filhos de até 3 anos de idade era de 67,2%. Já entre as mulheres com filhos nessa faixa etária caía para 54,6%. Para mulheres pretas e pardas com filhos de até 3 anos de idade o nível de ocupação era ainda menor, de 49,7%. Entre os homens foi observado o oposto – o nível de ocupação entre os que tinham filhos pequenos (89,2%) foi maior que entre aqueles que não tinham filhos (83,4%). "Esses dados evidenciam a necessidade de políticas públicas voltadas a favorecer a ocupação das mulheres no mercado de trabalho. A oferta de creches, por exemplo, por si só poderia aumentar a participação delas, porque elas teriam onde deixar os filhos enquanto trabalho", avaliou o analista da pesquisa André Simões. O levantamento destacou, ainda, que as mulheres dedicavam, em média, 21,4 horas semanais aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos em 2019, quase o dobro da média dos homens, que foi de 11h semanais. O maior compartilhamento entre homens e mulheres dos cuidados e afazeres domésticos também é outro fator importante para a ampliação da autonomia das mulheres no mercado de trabalho. Outro dado da pesquisa que pode estar relacionado às demandas domésticas comprometendo o trabalho das mulheres é referente ao chamado emprego parcial, em que a jornada de trabalho não ultrapassa 30 horas semanais. De acordo com o IBGE, em 2019, quase 1/3 das mulheres (29,6%) ocupadas no mercado de trabalho tinham jornada parcial, quase o dobro dos homens (15,6%) ocupados. Mulheres seguem ganhando menos que os homens Em 2019, a remuneração média das mulheres foi R$ 1.985, cerca de 22% menor que a média dos homens, que foi de R$ 2.555. Esses valores correspondem apenas à média do rendimento habitual de todos os trabalhos, ou seja, não incluem outros rendimentos como pensão ou auxílios do governo, por exemplo. Segundo o IBGE, a remuneração das mulheres foi menor em todas as faixas etárias. A menor diferença foi observada no grupo entre 14 e 29 anos – 10% a menos que os homens da mesma faixa de idade. Já no grupo de 60 anos ou mais, essa diferença saltou para 36%. Entre os principais grupos ocupacionais, as mulheres só tiveram salários maiores que os homens quando membros das Forças Armadas, policiais e bombeiros militares – em média, elas receberam 5% a mais que os homens ocupando os mesmos cargos. Em cargos de diretoria e gerência, a remuneração das mulheres foi, em média, 38% menor que a dos homens nos mesmos postos de trabalho. Percentual de diferença semelhante foi observado entre profissionais das ciências e intelectuais, trabalhadores dos serviços, vendedores dos comércios e mercados e, também, entre operários e artesões da construção, das artes mecânicas e outros ofícios – nestes três ramos elas recebiam 36% menos que os homens. 6 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ Igualdade salarial entre homens e mulheres é lei A legislação brasileira garante a igualdade salarial entre homens e mulheres na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) desde 1943. No texto, a determinação de que salários devem ser iguais "sem distinção de sexo" aparece em pelo menos quatro artigos: no 5º, no 46, no 373-A e no 461. O tema também é abordado no artigo 7º da Constituição de 1988, que proíbe a "diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil". Mas a desigualdade salarial entre os gêneros persiste no Brasil. Mesmo com a luta pela igualdade salarial, as mulheres ainda estão em desvantagem: elas recebem 78% do que os homens ganham. É o que mostra a Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O levantamento foi feito com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad)entre 2012 e 2020 A diferença entre o que ganha um homem e uma mulher é de mais de 20%. Os valores se referem ao rendimento médio real por mês, já considerada a inflação do período. 2012 Mulheres: R$ 1.806 Homens: R$ 2.468 Ou seja, mulheres ganhavam o equivalente a 73,18% do rendimento dos homens. 2019 Mulheres: R$ 1.951 Homens: R$ 2.531 Ou seja, mulheres ganhavam o equivalente a 77% do rendimento dos homens. 2020 Mulheres: R$ 2.037 Homens: R$ 2.608 Ou seja, mulheres ganhavam o equivalente a 78,1% do rendimento dos homens REFERÊNCIA Antunes, R. (2008). Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho (13ª ed.). São Paulo: Cortez. Antunes, R. (2011). Os modos de ser da informalidade: rumo a uma nova era da precarização estrutural do trabalho? Serviço Social & Sociedade, (107), 405-419. Antunes, R. (2014). Desenhando a nova morfologia do trabalho no Brasil. Estudos Avançados, 28 (81), 39-53. Antunes, R. & Alves, G. (2004). As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital. Educação & Sociedade, 25 (87), 335-351. https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/03/04/participacao- de-mulheres-no-mercado-de-trabalho-tem-5o-ano-de-alta-mas- remuneracao-segue-menor-que-dos-homens-diz-ibge.ghtml CABRAL, Márcia Regina; Trabalho de Monografia, O mercado de trabalho na década de 90. Um mundo em transformação. p. 63,1999,Itajaí-sc