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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE ANHANGUERA MARCELO DIAS PEREIRA UM ESTUDO SOBRE INTERPRETAÇÕES DAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA POR UMA INSTITUIÇÃO FEDERAL DE SÃO PAULO São Paulo 2013 MARCELO DIAS PEREIRA DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA UM ESTUDO SOBRE INTERPRETAÇÕES DAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA POR UMA INSTITUIÇÃO FEDERAL DE SÃO PAULO Tese apresentada à Banca Examinadora na Universidade Bandeirante Anhanguera, como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTOR EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, sob a orientação do Professor Doutor Ruy César Pietropaolo. São Paulo 2013 FOLHA DE APROVAÇÃO DEDICATÓRIA Às minhas sobrinhas Yasmin e Isabelly À minha avó Norma (in memoriam) AGRADECIMENTOS A Deus, pela vida... Aos meus pais, Rosemary e João, pelos cuidados, educação, confiança... Aos meus irmãos, Sérgio e Raquel, pelo carinho, reconhecimento, incentivo... À minha esposa, Débora, pelo companheirismo, paciência, apoio... Ao meu Orientador, Prof. Dr. Ruy, pela confiança, incentivo, profissionalismo ... Aos Professores da UFABC, Drª Virgínia e Dr. Márcio, pela atenção e entrevistas ... Às Bancas de Qualificação e de Defesa, Professores Dr. Ruy, Dr. Armando, Dr.ª Marlene, Dr.ª Lilian e Dr.ª Nielce, pela leitura do trabalho, contribuições, questionamentos... Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Uniban Anhanguera, Educadores, pelas aulas, exposições de experiências, discussões sobre a formação de professores... À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, pelo incentivo, em forma de bolsa de estudos... A esses e a muitos outros que participaram direta ou indiretamente do desenvolvimento da minha vida pessoal, carreira profissional e formação acadêmica, essenciais para a realização desta pesquisa, meus sinceros e eternos agradecimentos. RESUMO O presente estudo tem como propósito analisar interpretações assumidas pela Universidade Federal do ABC das atuais Diretrizes Curriculares para a formação de professores de Matemática, de modo a identificar os pressupostos de formação do Curso de Licenciatura em Matemática dessa instituição, sobretudo no que se refere à dimensão prática. Essa Universidade foi escolhida pelo caráter inovador em relação à trajetória de formação inicial de professores para a Educação Básica, no Brasil: um estudante que deseja tornar-se professor de Matemática deverá iniciar seus estudos em um Curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia, que não oferece necessariamente uma formação profissional específica, para depois optar pela Licenciatura em Matemática. A investigação desse caso foi de cunho qualitativo, utilizando análises bibliográfica, documental e das entrevistas com coordenador e docentes do curso. Apresenta também uma síntese das resoluções e pareceres que normatizam ou normatizaram os cursos superiores brasileiros de formação de professores para a Educação Básica, desde a segunda metade do século 20, o que favoreceu a análise do Projeto Pedagógico do Curso investigado. Para a análise, no tocante aos conhecimentos que devem ser de domínio do professor, foram consideradas as categorias estabelecidas por Ball, Thames e Phelps a respeito dos conhecimentos necessários ao professor para o ensino de Matemática. Identificou-se que, a despeito do pretendido caráter inovador no processo de formação do professor de Matemática, o plano pedagógico do Curso não atende a pressupostos da formação docente, defendidos por muitos educadores, como a adoção da unidade na relação entre a teoria e a prática, e, tampouco, cumpre integralmente as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para as licenciaturas em Matemática. Palavras-chave: Formação de Professores. Teoria e Prática. Licenciatura em Matemática. Diretrizes Curriculares. Universidade Federal do ABC. ABSTRACT The purpose of this study was to analyze the interpretations of the Brazilian Curricular Guidelines implemented by Federal University of ABC in its Mathematics teacher certification program in order to identify the premises adopted by the Mathematics teacher training this institution offers, especially with regard to practical aspects. This university was chosen because of the innovative approach it has established toward the initial training of elementary school teachers in Brazil: a student who wishes to teach Mathematics must start by obtaining a Bachelor’s Degree in Science and Technology, which does not necessarily provide professional training in a specific field, before subsequently opting for a teaching certification in Mathematics. This case study was undertaken with a qualitative perspective by studying bibliography, documented evidence, and interviews with the program’s coordinator and teaching staff. It also includes a summary of the resolutions and opinions that regulate or have regulated, since the second half of the 20th century, Brazilian post-graduate teacher training programs leading to degrees in Elementary Education, which was instrumental in analyzing the educational project of the program we investigated. For this analysis, with regard to the knowledge required of a Mathematics teacher, the categories established by Ball, Thames and Phelps were used to define the body of knowledge teachers must master. It was found that, despite the innovative character intended for the Mathematics teacher training program, the program’s educational plan does not meet the basic requirements of teacher education championed by many educators, such as adopting a unity between theory and practice, nor does it fully meet the current Brazilian Curricular Guidelines established for Mathematics teacher certifications. Keywords: Teacher Training. Theory and Practice. Mathematics Teacher Certification. Curricular Guidelines. Universidade Federal do ABC. RESUMÉ Le présent étude vise à analyser les interprétations que fait par l'Université fédérale de l'ABC des actuelles Lignes Directrices National Curriculum des programmes de formation des professeurs de mathématiques, afin d'identifier les hypothèses retenues dans la formation initiale des enseignants à enseigner cette discipline à l'école primaire et lycée, en particulier ce qui a trait à la dimension pratique. Cette université a été choisie en raison du caractère innovant de la formation initiale des professeurs en enseignement élémentaire au Brésil : un étudiant souhaitant devenir professeur de mathématiques devra débuter ses études par un course en sciences et technologie, n'offrant pas nécessairement une formation professionnelle particulière, pour ensuite choisir la formation au titre de professeur de mathématiques. L’enquête avait un caractère qualitatif, avec des analyses biographiques et de documents ainsi que des entretiens avec le coordinateur et les professeurs. Il présente également un résumé, depuis la seconde moitié du 20e siècle, des résolutions et des avis qui ont établi ou établir des normes pour les cours d'enseignement supérieur dans la formation des enseignants l'école primaire et lycée. Dans le cadre de cette analyse, et en ce qui concerne les connaissances que le professeur doit maitriser, on a pris en compte les catégories établies par Ball, Thames et Phelps sur les connaissances nécessaires pour l’enseignement des mathématiques. Malgré le caractère innovant du processus de formation au professorat en mathématiques, il a été constaté que le project pédagogique du cours ne répondait pas aux hypothèses de formation soutenues par de nombreux éducateurs commel'adoption de l’unité de la relation théorie-pratique ni ne répondait intégralement aux lignes directrices nationales actuelles des programmes de formation des professeurs de mathématiques. Mots-clés: Formation de professeurs. Théorie et pratique. Formation de professeur de mathématiques. Lignes Directrices National Curriculum. Universidade Federal do ABC. RESUMEN El presente estudio tiene como objetivo analizar interpretaciones asumidas por la Universidad Federal del ABC sobre las actuales Directrices Curriculares para la formación de profesores de Matemáticas, de forma que se pueda identificar los fundamentos de formación adoptados en el Curso de Profesor de Matemáticas de dicha institución, principalmente en lo que se refiere a su dimensión práctica. Esa Universidad fue elegida por su carácter innovador en relación a la trayectoria de formación inicial de profesores para la Educación Básica, en Brasil: un estudiante que desea tornarse profesor de Matemáticas deberá iniciar sus estudios de Licenciatura en Ciencia y Tecnología, que no ofrece necesariamente una formación profesional específica, para luego optar por el Profesorado de Matemáticas. La investigación de ese caso fue de orden cualitativa, empleando análisis bibliográfico, documental y entrevistas con coordinador y docentes del curso. Presenta también una síntesis de las resoluciones y pareceres que rigen o rigieron los cursos superiores brasileños de formación de profesores para la Educación Básica, desde la segunda mitad del siglo 20, lo que favoreció el análisis del Proyecto Pedagógico del curso investigado. Para el análisis, en lo concerniente a los conocimientos que deben ser de dominio del profesor, se consideraron las categorías establecidas por Ball, Thames y Phelps en relación a los conocimientos necesarios para la enseñanza de las Matemáticas. Se identificó que, a pesar del pretendido carácter innovador del proceso de formación del profesor de Matemáticas, el plan pedagógico del curso no atiende los requisitos de la formación docente, defendidos por muchos educadores, como la adopción de la unidad en la relación entre teoría y práctica, ni tampoco cumple integralmente con las actuales Directrices Curriculares Nacionales para el profesorado de Matemáticas. Palabras clave: Formación de Profesores. Teoría y Práctica. Profesorado de Matemáticas. Directrices Curriculares. Universidade Federal do ABC. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABC – Região paulista formada pelos municípios de Santo André, São Bernardo e São Caetano BC&H – Bacharelado em Ciências e Humanidades BC&T – Bacharelado em Ciência e Tecnologia CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CCNH – Centro de Ciências Naturais e Humanas CEB – Câmara de Educação Básica CECS – Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais CES – Câmara de Educação Superior CFE – Conselho Federal de Educação CMCC – Centro de Matemática Computação e Cognição CNE – Conselho Nacional de Educação. CP – Conselho Pleno DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio IES – Instituições/Instituição de Ensino Superior LDB – Lei de Diretrizes e Bases LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 MEC – Ministério da Educação PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência PPabc – Projeto Pedagógico das Licenciaturas em Biologia, Física, Química e Matemática da UFABC Prodocência – Programa de Consolidação das Licenciaturas Prosup – Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares SBEM – Sociedade Brasileira de Educação Matemática SBM – Sociedade Brasileira de Matemática SiSU – Sistema de Seleção Unificado UFABC – Universidade Federal do ABC UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura USP – Universidade de São Paulo LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Fluxo de formação proposto pela UFABC ................................................ 39 Figura 2 – Domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática ................... 59 Figura 3 – Representação da relação de unidade entre a teoria e as práticas tendo como pressuposto de formação os domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática ................................................................................................................ 72 Figura 4 – Questões históricas que precisariam ser enfrentadas na definição das DCNs, indicadas na Proposta de Diretrizes ............................................................ 123 Figura 5 – Percurso da formação inicial dos professores especialistas .................. 133 Figura 6 – Cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pela variável natureza .......................................................... 159 Figura 7 – Amostra dos cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pela variável duração ..................................... 162 Figura 8 – Amostra dos cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pela variável turno .......................................... 162 Figura 9 – Distribuição da carga horária das disciplinas obrigatórias e eletivas do Curso investigado pelas categorias de conhecimentos ........................................... 197 Figura 10 – Composição da carga horária das disciplinas obrigatórias e eletivas do Curso investigado .................................................................................................... 202 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Vinculação entre os cursos de formação específica e os bacharelados interdisciplinares da UFABC...................................................................................... 37 Quadro 2 – Associação possível dos conhecimentos necessários ao professor de Matemática com atividades relacionadas ao ensino desta disciplina na Educação Básica ....................................................................................................................... 65 Quadro 3 – Conhecimentos para o ensino de equações no Ensino Fundamental e domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) – uma possível associação ...................................................... 66 Quadro 4 – Relação dos cursos superiores específicos de formação de professores de Matemática para a Educação Básica, de âmbito nacional, e os respectivos anos de suas normatizações ............................................................................................. 90 Quadro 5 – Comparativo das disciplinas matemáticas estudadas no curso formação de professores de Matemática para a Educação Básica na USP e no modelo nacional da Faculdade Nacional de Filosofia ............................................................ 96 Quadro 6 – Comparativo das disciplinas do Curso de Matemática no modelo 3+1 com as do Curso de Licenciatura em Matemática criado em 1962 ......................... 102 Quadro 7 – Comparativo das disciplinas fixadas nos currículos mínimos dos cursos de formação de professores de Matemática para a Educação Básica de 1962 e 1974 ................................................................................................................................ 116 Quadro 8 – Associação possível das competências ou habilidades indicadas no Parecer CNE/CES 1.302/2001, para os cursos de licenciatura em Matemática, com os domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ................................................................................................ 152 Quadro 9 – Associação possível das disciplinas contendo conteúdos fixados para as atuais licenciaturas em Matemática pelo ParecerCNE/CES 1.302/2001 com os domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ................................................................................................ 154 Quadro 10 – Vínculo entre as etapas do estágio curricular supervisionado e as disciplinas de Práticas de Ensino do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC .................................................................................................................... 182 Quadro 11 – Sugestão de atividades extracurriculares e suas respectivas cargas horárias, indicadas no Projeto Pedagógico das Licenciaturas da UFABC .............. 183 Quadro 12 – Síntese da análise de elementos do Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC ................................................................. 190 Quadro 13 – Associação possível das disciplinas obrigatórias e eletivas do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC com pressupostos teóricos de formação de professores para a Educação Básica ...................................................................... 193 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Distribuição dos créditos, e seus correspondentes em horas, das atividades do BC&T da UFABC ................................................................................. 41 Tabela 2 – Distribuição dos créditos, e seus correspondentes em horas, das atividades do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC .............................. 44 Tabela 3 – Proposta do MEC para a distribuição da carga horária de 3.200 horas entre as dimensões de formação em cursos superiores que teriam como egressos professores especialistas ........................................................................................ 132 Tabela 4 – Cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pelas variáveis organização, natureza, regime e modalidade. ................................................................................................................................ 160 Tabela 5 – Amostra dos cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pela variável carga horária ............................. 161 Tabela 6 – Fluxo ideal de curso das disciplinas obrigatórias da Licenciatura em Matemática da UFABC, com suas cargas horárias semanais e créditos ................ 176 Tabela 7 – Disciplinas eletivas do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC ................................................................................................................................ 177 Tabela 8 – Disciplinas que compõem a prática como componente curricular no Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC ............................................................ 179 Tabela 9 – Composição do componente conteúdos curriculares de natureza científico-cultural do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC ................. 181 Tabela 10 – Possível associação entre disciplinas obrigatórias do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC e conteúdos indicados nas Diretrizes Curriculares específicas .......................................................................................... 185 Tabela 11 – Distribuição da carga horária do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC pelos componentes curriculares estabelecidos pela Resolução CNE/CP 2/2002 ..................................................................................................................... 187 Tabela 12 – Percentuais relacionados às disciplinas associadas em cada domínio da categoria dos conhecimentos para o ensino de Matemática ................................... 200 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 16 1 JUSTIFICATIVA, PROBLEMÁTICA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .. 20 1.1 Sobre as Motivações ....................................................................................... 20 1.2 Sobre o Tema, os Objetivos e a Justificativa ................................................... 25 1.3 Sobre os Procedimentos Metodológicos .......................................................... 32 1.3.1 Caracterização da Instituição proponente do curso investigado ............... 35 1.3.2 Caracterização do curso investigado ........................................................ 40 2 REFERENCIAIS TEÓRICOS E PESQUISAS SOBRE AS LICENCIATURAS EM MATEMÁTICA BRASILEIRAS APÓS A PUBLICAÇÃO DAS ATUAIS DIRETRIZES CURRICULARES ...................................................................................................... 46 2.1 A formação de professores na visão de alguns referenciais teóricos .............. 46 2.1.1 Os conhecimentos necessários ao professor, segundo Shulman ............. 47 2.1.2 Os conhecimentos para o ensino de Matemática, segundo Ball, Thames e Phelps ................................................................................................................ 57 2.2 Visões da relação entre a teoria e a prática na formação de professores ....... 66 2.3 Os conhecimentos para o ensino de Matemática e a relação de unidade entre a teoria e prática .................................................................................................... 70 2.4 O Processo de Bolonha ................................................................................... 73 2.5 Investigações sobre cursos de licenciatura em Matemática e as Diretrizes Curriculares gerais e específicas – uma revisão bibliográfica ............................... 75 3 UMA ANÁLISE DAS NORMATIZAÇÕES NACIONAIS PARA CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA E UM PANORAMA DESSES CURSOS NO ESTADO DE SÃO PAULO EM 2010 ... 88 3.1 Órgãos federais responsáveis pela normatização da educação superior e Cursos específicos de formação inicial de professores de Matemática ................. 89 3.2 Instituição das grades curriculares de cursos específicos de formação de professores de Matemática para a Educação Básica até 1960 ............................. 91 3.3 Normatizações nacionais que pautaram a formação de professores de Matemática para a Educação Básica brasileira das décadas de 1960 a 1990 ...... 97 3.4 Normatizações para os cursos de licenciatura em Matemática da década de 2000 ..................................................................................................................... 118 3.4.1 A Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica e alguns fatos que a antecederam ...................................... 119 3.4.2 As Diretrizes Curriculares Nacionais para os atuais cursos de licenciatura brasileiros ......................................................................................................... 134 15 3.4.3 As Diretrizes Curriculares específicas para os atuais cursos de licenciatura em Matemática brasileiros ............................................................................... 150 3.5 Um panorama das licenciaturas em Matemática no Estado de São Paulo em 2010 ..................................................................................................................... 157 3.5.1 Uma análise descritiva das licenciaturas em Matemática no Estado de São Paulo ................................................................................................................ 158 3.5.2 Caracterização das licenciaturas em Matemática ativas no Estado de São Paulo ................................................................................................................ 163 4 ESTUDO DAS INTERPRETAÇÕES DADAS ÀS DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC ................................................................................................. 166 4.1 Análise deelementos do Projeto Pedagógico do Curso investigado ............. 167 4.1.1 Os objetivos e o perfil dos egressos do Curso indicados no PPabc........ 168 4.1.2 A organização curricular indicada no PPabc ........................................... 173 4.1.3 Síntese da análise dos elementos do Projeto Pedagógico do Curso investigado ....................................................................................................... 190 4.2 Análise das disciplinas e da prática proposta no Curso investigado .............. 192 4.2.1 Relação entre os domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática e disciplinas indicadas na matriz curricular do Curso ................... 192 4.2.2 A prática explicitada no PPabc e nas entrevistas .................................... 202 4.2.3 Síntese da análise das disciplinas e da prática proposta no Curso investigado ....................................................................................................... 211 CONCLUSÕES ....................................................................................................... 213 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 226 ANEXO A – Transcrição das entrevistas realizadas com a Coordenadora e Professora do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC ........................... 231 ANEXO B – Transcrição da entrevista realizada com um Professor do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC ................................................................. 248 ANEXO C – Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Bandeirante de São Paulo ................................................................. 256 APÊNDICE I – Análise das ementas para a elaboração do Quadro 12 .................. 258 16 APRESENTAÇÃO O presente estudo tem como propósito investigar interpretações das Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos superiores de formação inicial de professores para a Educação Básica e Diretrizes Curriculares específicas para o curso de licenciatura em Matemática, assumidas por uma instituição federal no Estado de São Paulo. Trata-se de uma investigação inserida na Linha de Pesquisa Formação de Professores que ensinam Matemática, do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Bandeirante Anhanguera, com fomento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por meio do Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares (Prosup). Julgamos que a importância de temas que abordem interpretações das Diretrizes Curriculares dos cursos de licenciatura pode ser justificada pelas atuais preocupações com a formação inicial de professores, demonstradas pelo Governo Federal e por sociedades científicas, como a CAPES e a Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), respectivamente. Em 2007, a CAPES passou a contribuir com a formação de professores para a Educação Básica e um de seus programas visa ao fomento de projetos pedagógicos inovadores e que articulem a teoria e as práticas; a partir de 2004, a SBEM passou a realizar fóruns regionais e nacionais sobre as licenciaturas em Matemática para discutir, entre outros, as Diretrizes Curriculares desses cursos e as mudanças que vêm sendo implementadas por eles. Impulsionadas, talvez, por essas ações da CAPES e da SBEM, observa-se que algumas pesquisas estão sendo desenvolvidas com o objetivo de investigar como a formação de professores de Matemática para a Educação Básica vem se constituindo. O desenvolvimento dessas pesquisas pode ser comprovado por meio de artigos publicados em, por exemplo, anais de eventos científicos, como nos do 17 último Encontro Nacional de Educação Matemática, realizado em julho de 2013, em Curitiba. Os projetos pedagógicos inovadores impulsionados pela CAPES e as mudanças que vêm sendo implementadas nas licenciaturas em Matemática, estudadas pela SBEM, assim como pesquisas que estão sendo desenvolvidas com o intuito de investigar como a formação de professores de Matemática para a Educação Básica vem se constituindo, estão, em nossa concepção, relacionados às mudanças que as atuais Diretrizes Curriculares1 visam implementar. Com o intuito de contribuir para o processo de análise da implementação dessas Diretrizes, apresentamos nossas reflexões sobre interpretações e pressupostos adotados por uma instituição pública federal, na formação inicial de professores de Matemática e, para isso, buscamos respostas para duas questões de pesquisa, quais sejam: Como são interpretadas, por uma instituição federal de educação superior no Estado de São Paulo, as atuais Diretrizes Curriculares para o curso de licenciatura em Matemática, sobretudo no tocante à dimensão prática? Quais são os pressupostos para a formação de professores de Matemática adotados pela instituição federal proponente do Curso investigado? Por apresentar uma proposta de formação inicial de professores para a Educação Básica diferenciada e pioneira no Brasil, optamos, como objeto de estudo, pelo Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do ABC2. Nesse curso, um estudante que deseja tornar-se professor de Matemática deverá iniciar seus estudos em um Curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia, que não tem como objetivo uma formação profissional específica, para depois optar pela Licenciatura em Matemática. Concluindo ambos os cursos, esse estudante terá duas 1 Neste estudo, utilizamos o termo Diretrizes Curriculares gerais para nos referirmos às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, documento comum a todas as licenciaturas, e o termo Diretrizes Curriculares específicas para nos referirmos às Diretrizes Curriculares das licenciaturas em Matemática. 2 Sigla utilizada para identificar uma região paulista formada por três municípios: Santo André, São Bernardo e São Caetano. 18 titulações: uma de bacharel em Ciência e Tecnologia e outra de licenciado em Matemática. Buscando responder às questões apresentadas, organizamos este estudo em quatro capítulos e uma seção para conclusões. No capítulo 1, apresentamos as motivações que nos levaram a realizar este estudo, a relevância e a justificativa para a escolha do tema. Como motivações, abordamos parte de nossa trajetória profissional, relacionada à experiência que tivemos como coordenador de um Curso de Licenciatura em Matemática, época em que foi necessário nos aproximarmos de conhecimentos ainda em construção e pouco discutidos no âmbito profissional, por se tratarem de assuntos relacionados às atuais Diretrizes Curriculares, que acabavam de entrar em vigor. Anunciamos, também nesse capítulo, os objetivos e comentamos as questões de pesquisa, além de abordarmos os procedimentos metodológicos utilizados, subseção em que também apresentamos a caracterização da Universidade Federal do ABC, assim como do Curso de Licenciatura em Matemática por ela proposto. No capítulo seguinte, abordamos os referenciais teóricos utilizados e apresentamos uma revisão bibliográfica sobre as pesquisas com temas relacionados às licenciaturas em Matemática. Como referenciais teóricos, adotamos os estudos de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) sobre os conhecimentos para o ensino de Matemática, essenciais, em nossa concepção, na formação dos professores que lecionarão Matemática na Educação Básica, por relacionarem teoria e prática. Pelo fato de estudos desses pesquisadores estarem fundamentados nos estudos realizados por Shulman (1986,1987) a respeito dos conhecimentos necessários ao professor, esses estudos de Shulman também fazem parte de nossos referenciais, juntamente com as visões sobre a relação entre a teoria e a prática, apresentadas por Candaue Lelis (1993). No capítulo 3, pelo fato de o nosso estudo estar relacionado às Diretrizes Curriculares gerais para as licenciaturas e específicas para a licenciatura em Matemática, apresentamos um histórico das resoluções e pareceres que normatizaram os cursos de formação de professores para a Educação Básica, desde a segunda metade do século 20. Damos especial atenção aos documentos 19 relacionados aos cursos de formação inicial de professores de Matemática, para melhor estudar interpretações que são feitas das atuais Diretrizes Curriculares. Esse histórico nos favoreceu na análise do Projeto Pedagógico do curso investigado. Caracterizamos, também nesse capítulo, os cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, com base em pesquisa que realizamos com dados coletados no ano de 2010, ao iniciarmos os trabalhos para a realização deste estudo. No capítulo seguinte, apresentamos as análises do Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do ABC e das entrevistas que realizamos. A análise do Projeto Pedagógico contribuiu para que identificássemos, entre outros, os pressupostos de formação de professores de Matemática dessa Universidade, ao passo que a análise das entrevistas contribuiu para que entendêssemos como a teoria e a prática são relacionadas no Curso. Finalizando, apresentamos nossas conclusões, compostas por uma síntese da investigação que realizamos, pela organização das respostas às nossas questões de pesquisa e por nossas reflexões que decorreram desta investigação. 20 1 JUSTIFICATIVA, PROBLEMÁTICA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Neste capítulo, apresentamos as motivações que nortearam o desenvolvimento deste estudo e a justificativa para a escolha do tema. Anuncio os objetivos e as questões que norteiam o desenvolvimento deste trabalho e abordo, também, os procedimentos metodológicos. 1.1 Sobre as Motivações No ano de 1994 formei-me no curso de licenciatura em Ciências com habilitação plena em Matemática e, em 1995, iniciei minha atuação no magistério como professor de Matemática do então curso colegial. Três anos depois fui convidado a lecionar uma disciplina de Álgebra, em um curso com as mesmas características daquele em que me formei, em uma faculdade particular da grande São Paulo, na qual atuei até o ano de 2011. Naquela instituição tive a oportunidade de participar, no final da década de 1990, da transformação daquele curso para o curso de licenciatura em Matemática, de graduação plena. Na época, não somente a instituição em que eu atuava, mas todas as instituições de educação superior que tinham cursos de licenciaturas de graduação curta e/ou plena tiveram de transformar esses cursos em novas licenciaturas de graduação plena, por força da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996. Na instituição em que eu atuava, o Curso de Licenciatura em Ciências, com Habilitação Plena em Matemática, teve seu último vestibular em 1999. A partir do ano 2000, o vestibular daquela instituição passou a oferecer vagas para o Curso de Licenciatura em Matemática. No ano de 2002, a convite da Diretoria daquela faculdade, e com a anuência da maioria dos professores que compunham o corpo docente dos dois cursos – o de Ciências e o de Matemática –, passei a exercer, além da docência, a função de 21 coordenador de ambos os cursos. Naquele ano iniciou-se uma nova etapa na minha carreira profissional, etapa essa que me aproximou mais da área de formação de professores, uma vez que foi necessário me apropriar de novos conhecimentos como, por exemplo, sobre gestão de cursos. Durante o período em que estive como coordenador – 2002 a 2010 –, juntamente com o corpo docente do Curso de Licenciatura em Matemática daquela instituição, reformamos, por duas vezes, o Projeto Pedagógico desse curso: a primeira vez para tentarmos reverter um processo de suspensão do curso, indevida em minha opinião, determinada por uma Portaria Ministerial no final de 2001, e a segunda vez para adequar o curso às Diretrizes Curriculares específicas dos cursos de Matemática, estabelecidas em fevereiro de 2003. A seguir, faço uma rápida abordagem sobre as experiências vividas em ambas as reformas. Em 1996, o Ministério da Educação (MEC) passou a avaliar, por meio de provas, os estudantes dos últimos anos dos cursos superiores, com a justificativa de levantar informações para orientar as ações da Secretaria de Educação Superior, no sentido de estimular e fomentar iniciativas voltadas à melhoria da qualidade de ensino. Essa avaliação, externa, foi denominada Exame Nacional de Cursos e ficou popularmente conhecida como Provão. Em suma, o Provão analisava o desempenho dos cursos, sendo esse inferido pelo desempenho dos alunos do último ano desses cursos. De acordo com os critérios fixados pelo MEC, cursos que tivessem obtido reiteradamente desempenho insuficiente no Provão teriam seus reconhecimentos suspensos e prazo de um ano para solicitar novo reconhecimento3. Nesse caso, recebiam a visita de uma comissão para avaliação in loco do curso. Especificamente para a área da Matemática, o Provão foi aplicado de 1998 a 2003, em todos os anos. Os cursos de licenciatura em Matemática e de licenciatura em Ciências com habilitação em Matemática eram avaliados por uma mesma prova. 3 Artigo 36 do Decreto 3.860, de 9 de julho de 2001. 22 Além disso, o Provão de uma mesma área com cursos de bacharelado e de licenciatura, como a área de Matemática, por exemplo, continham questões que eram comuns aos alunos desses cursos e questões específicas para cada um deles. Nos Exames da área da Matemática, tanto os alunos da licenciatura naquela área como os alunos da licenciatura em Ciências com habilitação em Matemática respondiam a questões comuns às licenciaturas e bacharelado daquela área e a questões específicas da licenciatura, pois o curso de Ciências, com aquela habilitação, também formava o professor para lecionar Matemática na Educação Básica. Em decorrência de duas insuficientes e sucessivas notas, no antigo Provão, dos alunos do Curso de Ciências com Habilitação Plena em Matemática da instituição em que eu atuava, em dezembro de 2001 o Curso Ciências daquela instituição teve seu reconhecimento suspenso, juntamente com o Curso de Licenciatura em Matemática. Autorizado pelo Ministério da Educação em 1999 e tendo sua primeira turma matriculada no ano seguinte, aquela Licenciatura em Matemática ainda não havia participado do Exame Nacional de Cursos, diferentemente do Curso de Ciências, que participara do Provão desde 1998. Mas, mesmo assim, o MEC suspendeu sua autorização, assim como a autorização do Curso de Ciências, que funcionava apenas para que os alunos pudessem concluí-lo. Uma das tarefas a mim delegadas em 2002, ao assumir a coordenação de ambos os cursos, foi o de reverter aquele processo de suspensão, especialmente para o Curso de Matemática, uma vez que o de Ciências, a partir de 2003, não mais teria alunos. Para tanto, eu e os docentes do curso elaboramos uma nova matriz curricular para a Licenciatura em Matemática e reformulamos o seu Projeto Pedagógico, com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (DCN), as quais já tinham sido discutidas pelo Conselho Nacional de Educação em 2001 e oficializadas no início do ano de 2002. Com a apresentação do novo Projeto Pedagógico ao MEC e a reestruturação do corpo docente, este a cargo da Direção da instituição, a reversão do processo de 23 suspensão da Licenciatura em Matemática foi publicada no ano de 2004 e, no ano subsequente, aquele Curso voltou a ser oferecido no vestibular. Mas se fazia necessário, novamente, reformular o Projeto Pedagógico daquele Curso, em virtude do estabelecimento dasDiretrizes Curriculares específicas para os Cursos de Matemática, oficializadas no ano de 2003. Em ambas as reformulações dos Projetos, foram necessários estudos e discussões, com o corpo docente do curso, sobre as DCNs e/ou as Diretrizes Curriculares específicas para cursos de Matemática. Para tanto, alguns materiais complementares às normas, contidas nas Diretrizes, foram também identificados e utilizados, como o artigo Reflexões sobre os cursos de licenciatura em Matemática, de Pires (2002), publicado no periódico Educação Matemática em Revista. Tal artigo, publicado no ano de 2002, fez parte de uma edição especial daquele periódico, que é uma publicação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática. Aquela edição especial, número 11A, apresentou somente artigos relacionados à reorganização dos cursos formadores de professores de Matemática para a Educação Básica, reorganização essa decorrente da definição e oficialização das DCNs, pelo Ministério da Educação. Além dos materiais complementares, foram estudados alguns projetos pedagógicos de cursos de licenciatura em Matemática de instituições consideradas, pelo corpo docente do Curso de Licenciatura em Matemática e Direção da instituição, mais experientes na formação de professores. Porém a maior parte delas também estava passando pelo mesmo processo de reformulação, devido à recente normatização, e tais estudos não nos proporcionaram muitos conhecimentos novos. Diante das modificações acarretadas por aquelas novas Diretrizes, deparamo- nos com algumas dificuldades para a realização de ambas as reformulações. Cito, por exemplo, a não explicitação das bases teóricas utilizadas na elaboração das normas estabelecidas, principalmente nas Diretrizes Curriculares dos cursos de Matemática. Por outro lado, surgiam também dúvidas quanto a, por exemplo, como montar um curso com a carga horária de 2.800 horas, fixada como mínima para um curso 24 de licenciatura, distribuídas em três anos de duração, também fixado como mínimo. Com o ano contendo 200 dias letivos, isso significaria uma carga média diária de quatro horas e 40 minutos de atividades, em um curso noturno, o que era impraticável, uma vez que o horário das aulas noturnas da instituição em que eu atuava era das 19h às 22h30, com dez minutos de intervalo. Para resolver tal problema teríamos de aumentar a quantidade de dias letivos ou propor um curso com duração maior que três anos ou, ainda, propor atividades externas ao horário das aulas, uma vez que aumentar a carga horária diária das atividades em uma hora e 20 minutos não era possível, devido ao turno. Percebi, então, que dificuldades e dúvidas como essas não eram particulares e passei, com o decorrer do tempo, a me aprofundar mais sobre os assuntos relacionados às DCNs e Diretrizes Curriculares específicas para os cursos de Matemática. Esse aprofundamento me levou, por exemplo, ao desenvolvimento, em 2005, no Mestrado, de um estudo que foi posteriormente utilizado para constituir uma disciplina, quando da segunda modificação do Projeto Pedagógico para a Licenciatura que eu coordenava. Tal disciplina estava baseada nas Diretrizes, tanto gerais quanto específicas para os cursos de Matemática, mais exatamente à interpretação que fizemos – eu e o corpo docente do curso – sobre a inclusão de conteúdos matemáticos presentes na Educação Básica, no currículo das licenciaturas. Daquele estudo, pude identificar os conhecimentos sobre equações que os alunos ingressantes no Curso de Licenciatura em Matemática que eu coordenava traziam e, por meio desses conhecimentos, construímos parte do programa de uma disciplina que havíamos denominado Complementos de Matemática, proposta no primeiro semestre do curso. Tal disciplina tinha como objetivo, conforme nossa interpretação das Diretrizes Curriculares, abordar conceitos e procedimentos, assim como apresentar pesquisas e discutir sobre o processo de ensino e aprendizagem de assuntos da Educação Básica que seriam objetos de ensino dos futuros professores. 25 Já decorridos, em média, pouco mais de dez anos das determinações das Diretrizes Curriculares específicas para os cursos de Matemática e das DCNs, ainda me vejo discutindo interpretações e pertinências das normas contidas nessas Diretrizes, para os cursos de licenciatura em Matemática. E tenho consciência de que não estou só, conforme pudemos constatar nos encontros regionais e nacionais da SBEM sobre esses cursos. Associadas às dificuldades que tive para entender partes das normas nacionais e aplicá-las na elaboração de Projetos Pedagógicos de uma Licenciatura em Matemática, as discussões da SBEM também me motivaram na realização deste estudo. Entendo que conhecer como são interpretadas as atuais leis que embasam esses cursos, assim como conhecer a formação que é proposta por eles, pode melhor qualificar os envolvidos na elaboração de toda a estrutura dessas licenciaturas. Pode, também, melhor qualificar os envolvidos nas avaliações externas, que, por meio de reflexões baseadas em exemplos e contraexemplos, poderão melhor direcionar suas atividades a fim de contribuir, com conhecimentos significativos, na reformulação de projetos pedagógicos. Entendo que ambas as qualificações citadas poderão implicar a proposição de cursos mais eficientes para a formação de futuros professores, capazes de reverter o estado negativo da nossa Educação Básica, principalmente no que se refere ao processo de ensino e aprendizagem de Matemática. 1.2 Sobre o Tema, os Objetivos e a Justificativa Este estudo trata da formação de professores e tem como tema interpretações das Diretrizes Curriculares Nacionais e Diretrizes Curriculares específicas para o curso de licenciatura em Matemática, apresentadas por uma instituição federal de educação superior no Estado de São Paulo. Nosso objetivo é analisar, com base no estudo do Projeto Pedagógico do curso de licenciatura em Matemática proposto por essa instituição e do estudo de entrevistas a professores desse curso, interpretações assumidas das Diretrizes Curriculares Nacionais e Diretrizes Curriculares específicas do curso, de modo a 26 identificar pressupostos relacionados à formação inicial de professores de Matemática para a Educação Básica, sobretudo no que se refere à dimensão prática. Pretendemos, com este estudo, contribuir com reflexões sobre as interpretações dadas às Diretrizes Curriculares elaboradas pelo Ministério da Educação, e que são apresentadas por instituições diretamente administradas pelo mesmo Ministério, interpretações essas que podem ou não servir como parâmetros para futuras reflexões sobre a formação de professores de Matemática para a Educação Básica. Temas associados à formação de professores são, em nossa opinião, de grande interesse para a área da Educação, haja vista o grande número de pesquisas e de trabalhos que vêm sendo realizados, sobretudo a partir dos anos de 1990. Naquela década, houve um grande número de estudos cujo objetivo era analisar a relação entre as concepções/crenças dos professores e sua prática pedagógica, e estudos mais recentes procuram investigar os conhecimentos profissionais dos professores em exercício, partindo do pressuposto de que os docentes produzem saberes práticos sobre a matemática escolar, currículos e atividades de ensino. Com a nova atribuição conferida à CAPES, em 2007, ela passou a contribuir com a formação de professores para a Educação Básica por meio, por exemplo, do Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência) e do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Entre outros objetivos, o Prodocência visa ao fomento de projetos pedagógicos que renovem a estrutura acadêmica e curricular de cursos de licenciatura e o fomento a propostas de articulação entre teoria e práticas que integrem a EducaçãoSuperior com a Educação Básica. Já o PIBID busca inserir os futuros professores no cotidiano de escolas públicas, para proporcionar-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes, com o intuito de superar problemas no processo de ensino-aprendizagem. 27 Em nosso entendimento, a estrutura acadêmica e curricular de cursos de nível superior, assim como a articulação entre a teoria e a prática, um dos objetivos de ambos os projetos – o Prodocência e o PIBID – são elementos que estão diretamente relacionados à interpretação que é dada das Diretrizes Curriculares dos cursos de formação de professores para a Educação Básica, pelas instituições de ensino superior. Dessa forma, estudos com temas que abordem interpretações das Diretrizes Curriculares dos cursos de licenciatura e que identifiquem pressupostos de formação utilizados no ensino de suas disciplinas podem contribuir, por exemplo, para promover reflexões nos processos de reformulação, ratificação ou construção de projetos pedagógicos inovadores na estrutura acadêmica e curricular, propiciando uma melhor articulação entre a teoria estudada na Educação Superior e a prática a ser desenvolvida na Educação Básica. No que diz respeito à formação inicial de professores de Matemática para a Educação Básica brasileira, embora haja pesquisas sobre essa formação, há necessidade de estudos abordando interpretações e reflexões sobre as atuais Diretrizes Curriculares, gerais e específicas, e que busquem identificar eventuais mudanças que vêm sendo implementadas nesses cursos, em face das demandas do sistema educacional brasileiro. Tal fato pode ser comprovado, por exemplo, nos Fóruns Regionais e Nacionais de Licenciaturas em Matemática, realizados pela SBEM, que discutem, entre outros assuntos, as Diretrizes gerais e específicas desse curso. No resumo do último Fórum Nacional de Licenciatura em Matemática, realizado em abril de 2011 na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, a Professora Doutora Maria Elisabette Prado, responsável por sintetizar a produção realizada nos subgrupos de discussão, destacou, dentre outras categorias discutidas, a de currículo da licenciatura, e nela os seguintes assuntos abordados, mas que ainda mereciam reflexões futuras: o delineamento do objeto de ensino da licenciatura em Matemática, a ressignificação das horas de prática de ensino, a reflexão sobre a reconstrução das disciplinas, a integração do conhecimento 28 pedagógico com o conhecimento matemático, entre outros. (COMISSÃO ORGANIZADORA, 2011) Da mesma forma, entendemos que esses temas destacados pela Prof.ª Elisabette Prado podem estar diretamente relacionados às interpretações que se fazem das Diretrizes Curriculares gerais e específicas da licenciatura em Matemática, ou ainda podem estar negligenciados nessas normas, como, por exemplo, a questão do delineamento do objeto de ensino dessas licenciaturas. No entanto, identificamos que poucos são os estudos que abordam essas interpretações sobre a formação inicial de professores, para cursos de licenciatura em Matemática. Isso talvez possa ser justificado por serem recentes as normatizações de cursos da educação superior que têm como objetivo apenas oficializar um conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos que devem ser observados na organização institucional, assim como na elaboração de projetos pedagógicos desses cursos, ao invés de fixarem suas normas rígidas de criação e funcionamento, ou estabelecerem cursos como modelo, conforme ocorrido no decorrer do século 20, como se pode observar ao se fazer um estudo desses documentos. Se partirmos de uma análise dos diferentes decretos, pareceres e resoluções relacionadas à Educação Superior, elaborados ao longo da história, poderemos identificar a existência de momentos em que os projetos pedagógicos dos cursos de formação de professores para a Educação Básica deveriam ser únicos, não poderiam variar de instituição para instituição, pois tinham, inclusive, fixadas as listas dos conteúdos que deveriam ser trabalhados em cada disciplina, também fixada. Outros momentos em que apenas eram fixadas as disciplinas e os períodos em que deveriam ser estudadas. Poderemos identificar, também, momentos em que nada era fixado ou que apenas foram determinadas as diretrizes para serem observadas, possibilitando, assim, diferentes interpretações e, consequentemente, a existência de diferentes propostas de formação, como nos dias de hoje. Por meio da referida análise, poderemos observar que em dado momento da história, houve, em cursos de formação de professores de Matemática para a Educação Básica, a inclusão de conteúdos da matemática dos atuais Ensinos 29 Fundamental e Médio por meio de disciplina fixada com o nome de Fundamentos de Matemática Elementar e que, com o passar do tempo, essa inclusão foi suspensa para retornar, com novo enfoque, nas atuais Diretrizes Curriculares. Dessa forma, o que anteriormente fora trabalhado com caráter de revisão, apesar de ter sido fixado com outros objetivos além desse, saiu de cena por um período de tempo para depois retornar, com novos objetivos, que poderão ser alcançados tendo, como base, um referencial de formação de professores de Matemática para a Educação Básica, como os estudos de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008). Também poderemos observar, ainda nessa análise, como a teoria e a prática se relacionaram na formação inicial de professores para a Educação Básica. Em dado momento da história, a prática coexistiu com a teoria, de forma totalmente dissociada dessa, com uma lógica própria e independente, configurando dois polos na formação de um professor, uma visão dicotômica, portanto. Houve também momentos em que a prática foi vista como uma aplicação da teoria, uma visão também dicotômica, mas que associava, de certa forma, teoria e prática, sendo a prática subordinada à teoria à qual era conferida um grau de importância bem maior. Além desses, houve momentos em que a teoria e a prática passaram a ser vistas como uma unidade indissociável, portanto dependentes uma da outra. Nessa última visão, Candau e Lelis (1993, p. 56) afirmam que “o primado é da prática, com a diferença de que esta prática implica em um grau de conhecimento da realidade que transforma e das exigências que busca responder. E este conhecimento da realidade é fornecido pela teoria [...]”, que da prática se constrói, ou seja, mesmo tendo prioridade, a prática não se subordina à teoria e, tampouco, vice-versa. Portanto, entendemos que este estudo é relevante, especialmente em um momento no qual a SBEM e a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) vêm realizando, desde 2011, reuniões conjuntas para escrever uma proposta única de Diretrizes Curriculares para o curso de licenciatura em Matemática, que será encaminhada para apreciação do MEC, uma vez que ambas entendem que as Diretrizes específicas precisam ser revisadas. 30 Particularmente, também somos a favor da revisão das Diretrizes Curriculares específicas para as licenciaturas em Matemática, uma vez que as Resoluções e Pareceres que tratam das normas desses cursos são, em nossa opinião, documentos generalistas em alguns aspectos e omissos em outros. Generalistas, por exemplo, na determinação, em um mesmo documento, de normas para dois cursos de naturezas distintas, não deixando clara a identidade de cada curso. Omissos em não indicarem investigações específicas sobre a formação inicial de professores para lecionar Matemática, como os conhecimentos necessários ao futuro docente para exercer sua função, assim como não abordar a relação que deve – ou não – existir entre esses tipos de conhecimentos e os conteúdos de nível superior, listados como comuns a todas as licenciaturas. Tal omissão pode, por exemplo, levar a interpretaçõesequivocadas sobre a formação inicial do professor de Matemática para a Educação Básica. Pela revisão dessas Diretrizes Curriculares específicas, entendida como necessária pela SBEM e pela SBM, e pela não especificidade e omissão contidos nesse documento, reforçamos a necessidade de estudos como o que apresentamos, pelo papel que eles podem desempenhar na melhoria das licenciaturas em Matemática. Para atingir os objetivos que anunciamos anteriormente, construímos duas questões de pesquisa. A primeira questão procura identificar a relação entre o projeto pedagógico de um curso de licenciatura em Matemática com as Diretrizes Curriculares desse curso: Como são interpretadas, por uma instituição federal de educação superior no Estado de São Paulo, as atuais Diretrizes Curriculares para o curso de licenciatura em Matemática, sobretudo no tocante à dimensão prática? A resposta a essa questão não se fixará apenas nos aspectos legais, mas buscaremos também entender como a instituição relaciona a dimensão prática da formação do professor de Matemática para a Educação Básica com as teorias estudadas no seu curso de licenciatura em Matemática. 31 A segunda questão procura identificar a relação entre a formação proposta por uma licenciatura em Matemática com estudos sobre a formação inicial de professores para atuar na Educação Básica, em especial, para lecionar Matemática: Quais são os pressupostos para a formação de professores de Matemática adotados pela instituição federal proponente do Curso investigado? Intrínseca a essa questão, buscamos identificar, além de outros aspectos, em que medida o curso de licenciatura em Matemática investigado concebe, em seu projeto pedagógico, disciplinas com características de contemplar conhecimentos necessários ao ensino de Matemática. Para responder a essas questões, será necessária a análise dos principais documentos que abordam as Diretrizes Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Matemática, assim como a análise da interpretação que é dada a essas Diretrizes, por uma instituição de educação superior. A instituição de educação superior escolhida foi a Universidade Federal do ABC, e os documentos em questão correspondem a: (1) duas resoluções e os pareceres que as fundamentam, todos elaborados e aprovados pelo Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação – a Resolução n.º 1 de 2002, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores para a Educação Básica, com base no Parecer n.º 9 de 2001, e a Resolução n.º 2 de 2002, que institui a duração e a carga horária desses cursos, que tem como base o Parecer n.º 28 de 2001 –; e (2) uma resolução, fundamentada no seu respectivo parecer, elaborada e aprovada pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação – a Resolução n.º 3 de 2003, que estabelece as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Matemática e o Parecer n.º 1.302 de 2001. Para a análise da interpretação que é dada às Diretrizes Curriculares pela Universidade Federal do ABC, serão necessários referenciais teóricos que abordem a formação inicial de professores para a Educação Básica, mais especificamente de professores de Matemática. E em se tratando do que é proposto nas atuais Diretrizes Curriculares, gerais e específicas para a formação na área de Matemática, entendemos que os estudos desenvolvidos por Deborah L. Ball, Mark H. Thames e 32 Geoffrey Phelps, a respeito dos conhecimentos para o ensino de Matemática, são essenciais para nossa investigação, pois associam, no nosso entendimento, teoria e prática, principal aspecto, a nosso ver, que diferencia as Diretrizes Curriculares atuais para os cursos de formação de professores para a Educação Básica das normatizações anteriores. Cabe ressaltar que os referidos estudos de Ball, Thames e Phelps têm suas bases teóricas nos artigos que abordam os conhecimentos necessários ao professor, de Lee S. Shulman, artigos esses que não poderíamos deixar de abordar, dada a importância deles no referencial citado no parágrafo anterior. Por outro lado, como entendemos que esses referenciais associam a teoria à prática, faz-se também necessária a presença, no estudo que apresentamos, de uma referência que aborde visões sobre a relação entre esses dois elementos, considerados indispensáveis na formação docente – teoria e prática. Para tanto, utilizamos um artigo de Vera Maria Candau e Isabel Alice Lelis. Dessa forma, os trabalhos de Shulman (1986, 1987), de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) e o artigo de Candau e Lelis (1993) constituem referenciais para as análises que fazemos. 1.3 Sobre os Procedimentos Metodológicos Pesquisar é mostrar-se. Pesquisar é um exercício para entendermos o mundo. Vicente Garnica4 Este estudo não tem como objetivo explicar ou fazer generalizações sobre um fato, mas analisar, com base no estudo do Projeto Pedagógico de um curso de licenciatura em Matemática proposto por uma instituição federal e do estudo de entrevistas a professores desse curso, interpretações assumidas por essa instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais e Diretrizes Curriculares específicas do curso, de modo a identificar pressupostos relacionados à formação inicial de professores de Matemática para a Educação Básica, sobretudo no que se refere à dimensão prática. 4 GARNICA, Antonio Vicente Marafioti. Algumas notas sobre Pesquisa Qualitativa e Fenomenologia. Interface – Comunicação, Saúde, Educação. Botucatu, v.1, n. 11: UNESP, 1997. 33 Para tanto, analisamos o projeto pedagógico de uma dessas licenciaturas, em funcionamento no Estado de São Paulo, com base nas DCNs, nas Diretrizes Curriculares específicas para os cursos de licenciatura em Matemática e em pressupostos teóricos relacionados à formação de professores de Matemática para a Educação Básica, defendidos por muitos pesquisadores em educação matemática, sobretudo no que diz respeito aos conhecimentos necessários para o exercício da docência. Nossa opção por uma instituição federal se justifica no fato de considerarmos necessária a identificação de interpretações dessas Diretrizes, normatizadas por órgão vinculado ao Ministério da Educação – o Conselho Nacional de Educação –, por instituições de Educação Superior também vinculadas ao MEC e supervisionadas pela Secretaria Executiva desse Ministério. Entendemos que, supostamente, as instituições federais de Educação Superior deveriam ser exemplos, no que se refere ao cumprimento das normatizações elaboradas e fixadas pelo Governo Federal e, por esse motivo, identificar as interpretações que elas fazem dessas normatizações é, em nossa concepção, conveniente. Dessa forma, escolhemos o Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do ABC (UFABC). Essa escolha se deve ao fato de essa instituição apresentar uma proposta de formação diferenciada e pioneira no Brasil, em que o aluno inicia seus estudos em um Curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia, que não tem como objetivo uma formação profissional específica, para depois fazer a Licenciatura em Matemática. Em uma primeira leitura, a proposta de formação da UFABC, que por um lado inova a estrutura acadêmica e curricular dos cursos de licenciatura, conforme incentiva o Prodocência, por outro lado parece ir de encontro com as DCNs5. Ao mesmo tempo, o Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC é reconhecido pelo Ministério da Educação, ou seja, tem um parecer favorável de funcionamento, elaborado por uma Comissão de Avaliadores do MEC, que analisou o Projeto 5 De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, que são discutidas no capítulo 3, a prática como componente curricular deve estar presente em todo o decorrer dos cursos de licenciatura. Isso parece nãoocorrer no Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC, conforme análise que é apresentada no capítulo 4. 34 Pedagógico do Curso e o aprovou com nota máxima: uma contradição, a nosso ver, se realmente essa proposta de formação não contemplar aspectos das DCNs. Com relação à coleta dos dados, pautamo-nos no Projeto Pedagógico do referido Curso e nas informações disponibilizadas nas páginas eletrônicas da respectiva instituição que propõe o Curso, assim como nas informações disponibilizadas nas páginas eletrônicas do Ministério da Educação. Guiamo-nos, também, pelas entrevistas que foram realizadas com a coordenadora do curso e com os seus docentes, as quais foram fundamentais para a análise que apresentamos no capítulo 4. Essas entrevistas foram do tipo semiestruturada que, segundo Lüdke e André (1986, p. 34), “se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça necessárias adaptações”. Partimos de um roteiro básico, contendo somente as questões norteadoras, e deixamos que os entrevistados discorressem sobre os assuntos que já estavam previamente determinados nesse roteiro. Nos casos em que as falas dos entrevistados não abordaram espontaneamente todos os tópicos que pretendíamos registrar, questionamos sobre tais tópicos. Quanto à análise dos dados, ela foi realizada com base nos referenciais teóricos adotados, identificados na subseção anterior, e nas Diretrizes Curriculares gerais para as licenciaturas e específicas para a licenciatura em Matemática. Pelo exposto, nossa investigação contempla aspectos da abordagem qualitativa de pesquisa, apresentadas por Lüdke e André (1986), sobretudo por envolver, pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, a obtenção de dados predominantemente descritivos e pela análise desses dados seguir um processo indutivo, em que não se procura buscar evidências para comprovar hipóteses previamente definidas, mas sim identificar entendimentos a respeito de aspectos abordados nas atuais Diretrizes Curriculares dos cursos de licenciatura. 35 1.3.1 Caracterização da Instituição proponente do curso investigado A Universidade Federal do ABC, com sede na cidade de Santo André, município do Estado de São Paulo, foi criada por uma Lei Federal6 no ano de 2005 e contava, em 5 de março de 2013, com 27 cursos autorizados, conforme consta do sítio do Ministério da Educação7, dentre eles o curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia e o Curso de Licenciatura em Matemática. O ingresso de alunos na UFABC se dá somente pelo Sistema de Seleção Unificado (SiSU), que tem o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como o processo de seleção nacional. Ao se cadastrar para concorrer a uma das 1.960 vagas anuais oferecidas pela UFABC, o candidato tem apenas duas opções de cursos: o Bacharelado em Ciência e Tecnologia (BC&T) e o Bacharelado em Ciências e Humanidades (BC&H), ambos bacharelados interdisciplinares8, com carga horária de 2.400 horas, cada um, e duração mínima de três anos. Teoricamente9, após ter cursado aproximadamente 35%10 da carga horária total do BC&T ou da carga horária total do BC&H, o aluno poderá optar por outros cursos de nível superior. Tais cursos são identificados no decorrer dessa subseção. Do total de vagas disponibilizado por ano para o ingresso na UFABC, 50% são destinados a alunos oriundos das escolas públicas e 50% são destinados para ingresso universal, conforme afirma Rosa (2013), pró-reitor de graduação da instituição, ao fazer uma apresentação dos bacharelados interdisciplinares da UFABC. Ambos os bacharelados têm disciplinas obrigatórias comuns, o que possibilita a integração de alunos desses cursos, em algumas disciplinas oferecidas. 6 Lei Federal n.º 11.145, de 26 de julho de 2005. 7 http://emec.gov.br. 8 Abordamos sobre esse tipo de bacharelado mais à frente. 9 Ao aluno é proposta uma ordem de disciplinas a cursar. Entretanto, ele não é obrigado a seguir essa ordem. 10 Neste ponto o Projeto Pedagógico do BC&T diverge do Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática. No Projeto da Licenciatura, após cursar 25% da carga do BC&T, o aluno pode optar pelo Curso. 36 Conforme constava, em março de 2013, no sítio do MEC, o BC&T, o mais antigo dos dois bacharelados interdisciplinares da UFABC, cujo início se deu em 2006, tem autorização para receber anualmente 1.560 novos alunos, distribuídos nos períodos diurno e noturno11. Desse total, 1.125 vagas são destinadas para o campus de Santo André e as demais vagas são destinadas para o campus de São Bernardo do Campo, outro município do Estado de São Paulo. Já o BC&H, iniciado em 2009, pode receber anualmente 400 alunos, distribuídos nos períodos diurno e noturno, somente no campus de São Bernardo do Campo. Uma vez cursando o BC&T ou o BC&H, denominados pela UFABC de cursos de ingresso, o aluno, ao concluir parte das disciplinas obrigatórias, conforme explicitamos acima, poderá escolher até três outros cursos de graduação da UFABC para uma formação específica. Ao concluí-los, os alunos poderão obter um segundo, um terceiro, ou um quarto diploma de graduação, uma vez que ambos os bacharelados interdisciplinares concedem diplomas de nível superior aos seus egressos. Consta dos Projetos Acadêmicos das graduações da UFABC que todos os cursos por ela propostos contêm disciplinas obrigatórias, disciplinas de opção limitada – disciplinas que constam de uma relação preestabelecida – e disciplinas de opção livre – disciplinas em que o aluno pode escolher dentre todas as disciplinas oferecidas pela UFABC. As disciplinas obrigatórias do BC&T e do BC&H são parte das disciplinas obrigatórias para os cursos de formação específica que o aluno poderá optar, ao passo que algumas disciplinas dos cursos de formação específica – licenciaturas, por exemplo – podem ser contadas como de opção limitada ou de opção livre para o BC&T ou o BC&H. O Quadro 1 apresenta os cursos existentes na UFABC, em 2013, e a vinculação entre os cursos de formação específica e os dois cursos de ingresso, os bacharelados interdisciplinares. Todos os cursos são propostos por três centros: o Centro de Ciências Naturais e Humanas (CCNH); o Centro de Matemática, Computação e Cognição (CMCC); e o Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências 11 As informações sobre os períodos foram identificadas no Projeto Pedagógico e em Rosa (2013). 37 Sociais (CECS). Os bacharelados interdisciplinares não são de responsabilidade de um único Centro e congregam professores desses três Centros. Os cursos oferecidos pelo CCNH são os Bacharelados e as Licenciaturas em Ciências Biológicas, em Física, em Química e em Filosofia. Os oferecidos pelo CMCC são o Bacharelado e a Licenciatura em Matemática e os Bacharelados em Ciência da Computação e em Neurociências. Já os cursos oferecidos pelo CECS são os Bacharelados em Ciências Econômicas, em Planejamento Territorial, em Políticas Públicas e em Relações Internacionais, além dos oito cursos de Engenharia. Quadro 1 – Vinculação entre os cursos de formação específica e os bacharelados interdisciplinares da UFABC Bacharelados interdisciplinares (cursos de ingresso) Cursos Vinculados (cursos de formação específica) Bacharelado em Ciência e Tecnologia Bacharelado em Ciências Biológicas (BC&T) Bacharelado em Física Bacharelado em Matemática Bacharelado em Química Bacharelado em Ciência da Computação Bacharelado em Neurociência Licenciatura em Ciências Biológicas Licenciatura em Física Licenciatura em Matemática Licenciatura em Química Engenharia Aeroespacial Engenharia Ambiental e Urbana Engenharia Biomédica Engenharia de Energia Engenharia de Gestão Engenharia de Informação Engenharia de Instrumentação, Automaçãoe Robótica Engenharia de Materiais Bacharelado em Ciências e Humanidades Bacharelado em Filosofia (BC&H) Bacharelado em Planejamento Territorial Bacharelado em Políticas Públicas Bacharelado em Relações Internacionais Bacharelado em Ciências Econômicas Licenciatura em Filosofia Fonte: Página eletrônica da graduação da UFABC: http://prograd.ufabc.edu.br/cursos O ingresso de docentes na UFABC é realizado por meio de concursos. Somente professores com titulação mínima de doutorado, conforme estatuto interno, é que podem participar dos concursos. Portanto, todos os docentes dessa instituição são, no mínimo, doutores formados. A UFABC não é organizada por departamentos, como outras universidades. Os concursos ocorrem para seleção de professores das disciplinas dos 26 cursos e 38 os docentes selecionados são vinculados, normalmente, ao Centro responsável pelo curso. Sendo assim, podem existir, por exemplo, professores das áreas de Matemática, Física e Química nos três Centros. Os bacharelados interdisciplinares não tinham, até março de 2013, Diretrizes Curriculares específicas normatizadas pelo Conselho Nacional de Educação. São cursos novos no rol de cursos de graduação brasileiros e propostos pela primeira vez no ano de 2006, tendo como pioneira a UFABC. Dessa forma, essa instituição se pautou em resoluções e leis já existentes para construir os Projetos Pedagógicos do BC&T e do BC&H. O BC&T da UFABC somente teve seu reconhecimento pelo MEC no ano de 2012, após o CNE se manifestar sobre essa modalidade de bacharelado por meio de um Parecer12 que examinou os Referenciais Orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares, documento produzido por um Grupo de Trabalho designado pelo MEC, em 2010. Os Bacharelados de Ciência e Tecnologia e de Ciências e Humanidades da Universidade Federal do ABC estão autorizados pelo MEC a conceder os títulos de Bacharel em Ciência e Tecnologia e Bacharel em Ciências e Humanidades, respectivamente. Porém esses títulos não qualificam profissionalmente os egressos desses cursos para uma profissão específica, uma vez que esses bacharelados não têm como objetivo a graduação profissionalizante, que ficaria a cargo de um segundo ciclo de estudos. A Figura 1 apresenta o fluxo de formação proposto pela UFABC envolvendo os bacharelados interdisciplinares e as graduações de formação específica. 12 Parecer CNE/CES n.º 266, de 6 de julho de 2011. 39 Figura 1 – Fluxo de formação proposto pela UFABC Fonte: Rosa (2013, p. 21) Conforme consta dos Referenciais Orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares, a implementação dos bacharelados interdisciplinares foi inspirada na proposta para concepção da Universidade de Brasília, de Anísio Teixeira na década de 1960, no Processo de Bolonha e nos Colleges americanos. Esses cursos têm como objetivo proporcionar, antes de uma formação superior específica, “[...] uma formação com foco na interdisciplinaridade e no diálogo entre as áreas de conhecimento e entre componentes curriculares, estruturando as trajetórias formativas na perspectiva de uma alta flexibilização curricular”. (BRASIL, 2010, p. 4) O propósito de o aluno cursar primeiro um bacharelado interdisciplinar e após um curso de formação específica, de acordo com os autores dos Referenciais Orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares, é o de oferecer um primeiro ciclo de formação com bases conceituais, éticas e culturais, nas grandes áreas que congregam campos de saberes, práticas, tecnologias e conhecimentos, como Ciência e Tecnologia. Essa formação objetivaria o desenvolvimento de um conjunto de competências, habilidades e atitudes, capazes de alicerçar um segundo ciclo de formação, que seria específica, porém não obrigatória, ou até mesmo alicerçar um terceiro ciclo de formação, de pós-graduação Lato Sensu ou até mesmo Stricto Sensu, dependendo da área. (BRASIL, 2010) 40 Dessa forma, deveria ter, ainda segundo os mesmos autores, um currículo flexível, possibilitando o diálogo entre disciplinas do primeiro com o segundo ciclo, dando, assim, liberdade para que o aluno pudesse escolher sua trajetória de formação. (BRASIL, 2010) 1.3.2 Caracterização do curso investigado O Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC é uma graduação de formação profissional em área específica do conhecimento, vinculado ao Bacharelado de Ciência e Tecnologia. Corresponde a um segundo ciclo de formação universitária que tem como primeiro ciclo o BC&T. Sendo assim, um aluno somente é aceito nessa licenciatura após cursar parte do Curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia. Dessa forma, para caracterizar o Curso de Licenciatura em Matemática da UFAB, faz-se necessário caracterizar, antes, o BC&T dessa IES. O BC&T da UFABC é um curso com carga horária total de 2.400 horas, com duração mínima de três anos, conforme já abordamos. Além de ser o pioneiro dos bacharelados interdisciplinares, o BC&T da UFABC, assim como todos os cursos dessa instituição, apresenta uma característica pouco adotada por cursos de nível superior brasileiros: tem periodicidade quadrimestral. O objetivo geral desse Bacharelado é atender às novas demandas da sociedade, contemplando os cenários e as oportunidades do mundo moderno, com uma proposta diferente, segundo a UFABC, daquela que prioriza as disciplinas clássicas ou que simplesmente incorpora a essas novas disciplinas. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC, 2009b) Quanto aos objetivos específicos, o curso pretende: Ampliar o currículo básico em extensão e profundidade no que diz respeito à Informática, Computação científica, às Ciências Naturais, às Ciências de Engenharia e à Matemática. Estruturar o currículo profissional de modo a atender as demandas das tecnologias modernas e emergentes e incorporar disciplinas que 41 permitam uma inserção mais rápida dos formandos na sociedade moderna. Incorporar disciplinas como a História da Ciência, História da Tecnologia e História do Pensamento Contemporâneo com o intuito de desenvolver a capacidade crítica no exercício da atividade profissional e da cidadania. Estimular e desenvolver nos estudantes as habilidades de descobrir, inventar e criticar, características respectivamente das Ciências Naturais, das Engenharias e das Matemáticas. Personalizar, ainda que parcialmente, o currículo de modo que o aluno possa desenhar sua formação profissionalizante de acordo com sua vocação e suas aspirações. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC, 2009b, p. 6) Como perfil do egresso, espera-se, por meio de “[...] uma formação com forte base científica e tecnológica [...]” (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC, 2009b, p. 8), que o egresso do BC&T esteja habilitado a aplicar os conhecimentos construídos na realização de tarefas e solução de problemas em organizações públicas, privadas ou do terceiro setor. Tais conhecimentos poderão ainda ser aplicados, segundo a UFABC, em atividades de pesquisa em Ciência e Tecnologia e na continuidade dos seus estudos em cursos de formação específica. Quanto à organização curricular, as disciplinas obrigatórias, de opção limitada e de opção livre, assim como as atividades extracurriculares, são contabilizadas por créditos, sendo cada unidade de crédito correspondente a 12 horas de atividades acadêmicas: as disciplinas obrigatórias correspondem a 90 créditos; as de opção limitada correspondem a 57 créditos; as de opção livre correspondem a 43 créditos; e as atividades extracurriculares correspondem a dez créditos. A tabela a seguir apresenta a relação entre os créditos e a carga horária das atividades que compõem o BC&T. Tabela 1 – Distribuição dos créditos, e seus correspondentes em horas, das atividades do BC&T da UFABC Atividades Número de créditos Correspondente em horas Disciplinas
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