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DOENCA ARTERIAL ATEROSCLEROTICA-FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO

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DOENÇA ARTERIAL ATEROSCLERÓTICA-FISIOPATOLOGIA E FATORES DE
RISCO
EPIDEMIO
A doença cardiovascular, incluindo uma de suas principais formas de apresentação, a
doença arterial coronária (DAC), permanece com uma das principais doenças do século 21
por sua morbidade e mortalidade.
A DAC é a principal causa de morte na maioria dos países industrializados, inclusive
nos EUA. No Brasil é a segunda maior causa de morte (o AVC é a primeira). Gera
incapacitação e perda de produtividade e é a causa principal de gastos em saúde pública.
Na população ocidental, entre 45 e 65 anos, a incidência é de aproximadamente 1%
ao ano, podendo chegar a 4%, em pacientes com idade entre 75 e 85 anos. Estima-se a
prevalência de angina em 12 a 14% dos homens, e em 10 a 12% das mulheres com idades
entre 65 a 84 anos.
Com o advento de terapias clínicas mais modernas, além de técnicas cirúrgicas e
intervencionistas mais recentes, a taxa de mortalidade por DAC reduziu-se nas últimas
décadas. Mas mesmo assim, o infarto agudo do miocárdio (IAM) mata 15 milhões de pessoas
no mundo por ano. Quase 900.000 pessoas nos EUA têm um IAM a cada ano e desses
aproximadamente 225.000 morrem, a maioria por arritmias ou insuficiência cardíaca
decorrentes. No Brasil, a estimativa é de 70 mil mortes por ano por IAM.
Portanto, embora a mortalidade por DAC tenha caído substancialmente em muitos
países, a DAC ainda permanece entre as principais causas de morte em adultos em países
desenvolvidos e está crescendo rapidamente como fator causal de óbito nos países em
desenvolvimento.
O espectro clínico da DAC varia desde a isquemia silenciosa (doença
assintomática), passando pela angina crônica estável, angina instável, infarto agudo do
miocárdio, cardiomiopatia isquêmica e morte súbita cardíaca.
FISIOPATOLOGIA
As síndromes clínicas decorrentes da DAC são na grande maioria das vezes resultado
de uma aterosclerose subjacente das artérias coronárias epicárdicas. Esse processo está
presente, em certo grau, em quase todas as faixas etárias e em homens e mulheres; no
entanto, a sua extensão em qualquer indivíduo varia em parte dependente do histórico
genético, dos fatores de risco e das condições hemodinâmicas locais.
Nas últimas décadas, o conhecimento sobre a fisiopatologia da aterosclerose
apresentou uma grande evolução. O conceito de aterosclerose antigamente aceito e
reconhecido era de um processo proliferativo insidioso e passivo, e suas consequências
vasculares decorrentes apenas da obstrução mecânica simples do fluxo sanguíneo. Por meio
de estudos experimentais recentes, do advento da biologia molecular, da imunologia e da
associação desses resultados às observações anatomopatológicas da placa aterosclerótica,
pode-se afirmar que aterosclerose trata-se de uma doença inflamatória crônica sistêmica de
grande complexidade, que ocorre sobretudo na camada íntima das artérias, mas também
envolvendo as camadas média e adventícia. Múltiplas evidências apontam a inflamação
como o processo regulatório-chave em todos os estágios do desenvolvimento da
aterosclerose, havendo íntima relação entre células e citocinas inflamatórias com o endotélio
vascular, com as lipoproteínas e com a cascata de coagulação.
Esse processo de inflamação tem seu início na primeira e segunda décadas de vida,
porém os sintomas e as complicações decorrentes começam a apresentar-se na meia-idade.
Assim, o processo de crescimento e de desenvolvimento da doença aterosclerótica se dá
de maneira silenciosa e ao longo de décadas.
Camadas de uma artéria normal: a) Túnica íntima: é a camada mais próxima da luz vascular, sendo
composta por uma monocamada de célula endotelial, que ficam apoiadas na lâmina elástifibrilar do
tipo IV, laminina, fibronectina, entre outras substâncias, e separa essa camada da seguinte; b) Túnica
média: é constituída pelas células musculares lisas, em camadas concêntricas de disposição
helicoidal, permeadas por matriz composta de colágeno fibrilar e glicoproteínas variadas. Tem função
fundamental para receber e “conter” a energia cinética proveniente da sístole ventricular. Separando
essa camada da próxima, encontra-se a lâmina elástica externa; c) Túnica adventícia: mais externa
das três, é formada principalmente por colágeno tipo 1 e fibras elásticas. Em geral, apresenta
continuidade com o tecido conjuntivo do órgão onde o vaso está localizado. Seu papel na
fisiopatologia da reestenose vascular pós-angioplastia por balão já era conhecido e, mais
recentemente, está sendo demonstrado que também pode contribuir para a formação da placa de
ateroma.
As células endoteliais ficam em contato direto com o sangue, permitindo que ele, em
situações de homeostase normal, possa fluir adequadamente pelos vasos. A superfície dessas
células expressa constitutivamente moléculas de heparan sulfato, trombomodulina, entre
outros, responsáveis por essa propriedade fundamental de manutenção de reologia sanguínea.
O endotélio também possui propriedades endócrinas, com secreção por exemplo de óxido
nítrico, capazes de promover relaxamento das células musculares lisas da túnica média. O
endotélio normal é um modulador importante do tônus vascular, produzindo substâncias
vasoativas como a prostaciclina e o fator relaxante derivado do endotélio, e também está
intrinsecamente envolvido no controle local da trombose intravascular (inibição da agregação
plaquetária). A disfunção endotelial é a anormalidade mensurável mais precoce nos vasos
ateroscleróticos.
BASE FISIOPATOLÓGICA DA DAC ATEROSCLEROSE
PRINCIPAL PROCESSO QUE
PERMEIA TODA A
ATEROSCLEROSE, DESDE SUAS
FASES INICIAIS ATÉ AS SUAS
COMPLICAÇÕES
INFLAMAÇÃO
ESPAÇO ANATÔMICO ONDE
OCORRE A MAIOR PARTE DA
ATEROGÊNESE
PAREDE DAS ARTÉRIAS DAS MAIS VARIADAS REGIÕES
DO ORGANISMO (EX CORONÁRIAS), SENDO A
CAMADA ÍNTIMA A MAIS IMPORTANTE
CÉLULAS RESPONSÁVEIS PELO
DESENVOLVIMENTO DA
ATEROGÊNESE
CÉLULAS ENDOTELIAIS E MUSCULARES LISAS
(PROVENIENTES EM SUA MAIOR PARTE DAS
CAMADAS ÍNTIMAS E MÉDIA, RESPECTIVAMENTE) E
AS CÉLULAS DO SISTEMA INFLAMATÓRIO (LINF T,
MONÓCITOS E MACRÓFAGOS)
PRINCIPAIS SUBSTÂNCIAS
IMPLICADAS NO
DESENVOLVIMENTO DA PLACA
ATEROSCLERÓTICA
MOLÉCULA DE ADESÃO CELULAR VASCULAR 1
(VCAM1), PROTEÍNA QUIMIOTÁTICA DE MONÓCITO
(MCP1), FATOR ESTIMULADOR DE COLÔNICA DE
MACRÓFAGO (M-CSF), METALOPROTEINASE DE
MATRIZ 9 (MMP9) E CD40 LIGANTE
O processo da aterosclerose inicia-se com a formação da estria gordurosa em
crianças e adolescentes, progredindo para formação de placas complexas na idade adulta.
Apesar de se tratar de um processo contínuo, para fins didáticos podemos dividí-lo em 4
fases:
1) Fase inicial:
-em seu estado normal, as células endoteliais, que recobrem a superfície luminal da
parede arterial, não permitem a adesão de células sanguíneas como os leucócitos.
Entretanto, fatores de risco ou desencadeadores da aterosclerose como cigarro,
hipertensão, hiperglicemia, dieta rica em gorduras saturadas, obesidade ou resistência à
insulina podem instigar a expressão de moléculas de adesão pelas células endoteliais,
permitindo a adesão dos leucócitos à parede arterial. Um dos responsáveis por permitir
essa adesão é a molécula de adesão celular vascular 1 (VCAM-1). A VCAM-1 liga-se a
monócitos e linfócitos T, os dois tipos principais de leucócitos encontrados na fase inicial da
placa aterosclerótica
(Estudos em ratos submetidos a uma dieta aterogênica evidenciaram a expressão de VCAM-1
pelas células endoteliais).
-a formação da placa aterosclerótica também é influenciada pelo tipo de fluxo
sanguíneo. Em áreas onde o fluxo é turbulento, há uma maior propensão para formação
de placas ateroscleróticas. Já em áreas com fluxo laminar, mecanismos antiaterogênicos são
deflagrados, como a expressão de uma enzima antioxidante, a superóxido dismutase, e a
produção de óxido nítrico, um potente vasodilatador. Acredita-se que as células endoteliais
possam sentir as diferenças de fluxo através de cílios presentes em sua superfície luminal e
receptores de adesão em sua parede lateral. Essas estruturas seriam responsáveis porfazer a
transdução de um sinal mecânico (alteração do fluxo sanguíneo vascular) em químico, por
meio da ativação de uma cascata de sinalização intracelular em resposta a esse estímulo,
culminando em alterações de transcrição gênica.
-também nessa fase inicial da aterogênese, observa-se a ocorrência de acúmulo
extracelular de lípides na íntima. O maior exemplo disso é a ligação das partículas de LDL
aos proteoglicanos da matriz extracelular arterial, através de um sítio específico da
apoproteína B que compõe as LDL. Postula-se também que as LDL pequenas e densas
tenham ainda maior afinidade para formação dessas ligações. Uma vez no espaço intimal, as
lipoproteínas apresentam suscetibilidade aumentada à oxidação, dada a escassez de
antioxidantes nessa região. De maneira complementar, a LDL oxidada também pode ser
capaz de amplificar o processo inflamatório inicial local.
Retomando a sequência de eventos: após uma fase inicial de rolamento, mediada por
moléculas endoteliais de adesão denominadas selectinas, os monócitos passam para a fase de
adesão firme, caracterizada pela interação entre a VCAM-1 do endotélio e moléculas
específicas de integrina na superfície dos monócitos e linfócitos T. Uma vez aderidos ao
endotélio arterial, os monócitos penetram por meio do endotélio e entram na íntima do vaso
por diapedese, processo dependente de um gradiente quimiotático, gerado, por exemplo, pela
proteína quimiotática de monócito (MCP-1).
(Placas de ateroma hiperexpressam MCP-1, e essa citocina é responsável por recrutar
monócitos de caráter inflamatório, presentes nos estágios iniciais da placa de ateroma.
Dados revelam que em ratos suscetíveis à aterosclerose e sem a habilidade de expressar
MCP-1, há uma redução de 83% na deposição de lipídios e uma menor presença de
macrófagos na parede arterial. Essa hipótese foi testada inibindo a expressão do receptor da
MCP-1, o que revelou menor progressão da lesão).
2) Fase de desenvolvimento da estria gordurosa:
--na íntima das artérias, monócitos maturam-se em macrófagos que, por apresentarem
expressão de receptores scavenger, permitem a internalização excessiva de lipídios
modificados, principalmente a LDL oxidado. Esteres de colesterol acumulam-se no
citoplasma e, assim, os macrófagos tornam-se células espumosas, características desse
estágio da aterogênese.
- os macrófagos multiplicam-se e liberam vários fatores de crescimento e citocinas,
amplificando e sustentando os sinais pró-inflamatórios. Um mediador importante para esse
processo é o fator estimulador de colônia de macrófago (M-CSF), que é hiperexpresso em
placas ateroscleróticas humanas.
- A presença de numerosos macrófagos transformados em células espumosas na
íntima vascular caracteriza uma lesão aterosclerótica precursora conhecida como estria
gordurosa que, nesse estágio, ainda pode ser reversível e não causar repercussões clínicas.
-As ações de fagocitose e de liberar citocinas exercidas por esses macrófagos são
componentes da chamada resposta imunológica inata, aquela que não necessita da ativação
e interação entre linfócitos T e B para ocorrer. Hoje, sabe-se, entretanto, que essas outras
funções do sistema imunológico, chamadas de resposta imune adaptativa, também
contribuem para a aterogênese. Apesar de em menor número, linfócitos T também estão
presentes na placa aterosclerótica. Células dendríticas teciduais ou os próprios macrófagos
provenientes da circulação funcionam como células apresentadoras de antígenos para esses
linfócitos T. Os antígenos apresentados são bastante variáveis, como porções de lipoproteínas
(epítopos da ApoB das LDL, por exemplo), agentes infecciosos, proteínas de choque térmico
(heat schock proteins), entre outros. Intensas discussões já foram feitas se alguns desses
antígenos poderiam determinar relação de causalidade, mesmo que parcial, no
desenvolvimento da aterosclerose, e, até o momento, isso ainda não foi possível de ser
demonstrado (como no caso da teoria da origem infecciosa da aterosclerose, com implicação
da Chlamydia Pneumoniae).
-Após a apresentação do antígeno (sinapse imunológica), as células T CD4+
(linfócitos T helper) são ativadas e diferenciam-se em dois subtipos principais de linfócitos T
CD4+, que realizam ações imunológicas distintas: as células efetoras Th1 e Th2. A resposta
Th1 produz citocinas pró-inflamatórias, como o interferon-γ, linfotoxina e TnF-alfa,
contribuindo para desestabilização da placa. A resposta Th2, por sua vez, é responsável por
secretar outro perfil de citocinas, como Il-4 e Il-10, que podem diminuir a inflamação,
inclusive controlando a resposta Th1 e reduzindo a apresentação de antígenos às células T;
sua função na aterogênese, entretanto, é menos estabelecida do que para a resposta Th1. Os
linfócitos TCD8+ (linfócitos T citotóxicos), por sua vez, estão relacionados ao processo de
apoptose de células como macrófagos, célula endotelial e célula muscular lisa, por meio da
expressão do fator citotóxico de membrana Fas ligante, além de outros mecanismos. os
TCD8+ são ativados tanto via células apresentadoras de antígeno quanto via linfócitos
TCD4+. Todas as ações descritas até o momento são chamadas de resposta imune adaptativa
celular. A resposta imune adaptativa humoral, que envolve a ativação das células B e sua
decorrente produção de anticorpos, possivelmente também participa do processo aterogênico.
Sua importância, entretanto, ainda está sendo investigada. Mastócitos são outras células do
sistema imunológico que talvez também desempenhem funções importantes na aterogênese, o
que está sendo investigado em modelos murinos. Essas células poderiam aumentar o poder
aterogênico do LDL e poderiam estar associadas a crescimento e instabilidade da placa
aterosclerótica.
- inúmeras outras moléculas de adesão, quimiocinas, citocinas e fatores de
crescimento participam desse processo, porém, VCAM-1, MCP-1 e M-CSF são os
mediadores-chave para o início e progressão da placa de ateroma.
3) Fase de progressão para placa complexa:
-enquanto o conjunto de células espumosas é característico da estria gordurosa, a
deposição do tecido fibroso define a lesão aterosclerótica mais avançada. Como visto,
macrófagos e linfócitos T infiltram as lesões ateroscleróticas e se localizam
preferencialmente na borda do ateroma, onde a inflamação é mais ativa e por onde se
dá o crescimento da placa. Nessa fase, as células musculares lisas (CMl) sintetizam a matriz
extracelular. Essas células migram da túnica média para a íntima em resposta à produção de
fator de crescimento secretado pelos macrófagos ativados e pelas células endoteliais. Uma
vez na íntima, as celulas musculares lisas proliferam sob influência de vários fatores de
crescimento e secretam proteínas da matriz extracelular, entre eles o colágeno intersticial. Em
contrapartida, também se observa conjuntamente a ocorrência de apoptose de células
musculares lisas, mediada, sobretudo, pelos linfócitos T citotóxicos;
-além de formação de matriz, também ocorre nesse momento a mineralização da
placa, também por ação das células musculares lisas.
-outro processo importante para a progressão da aterogênese é a formação de novos
vasos sanguíneos a partir da vasa vasorum, processo conhecido como neovascularização. A
neovascularização é mediada por fatores como VEGF e fatores de crescimento de fibroblasto.
Os neovasos permitem a progressão da placa aterosclerótica por facilitarem a entrada de mais
leucócitos nas placas já estabelecidas (por meio da hiperexpressão de VCAM-1) e por
possibilitarem o aporte de nutrientes para regiões mais centrais da placa e, por isso, mais
afastadas do lúmen vascular original. Os neovasos favorecem também a hemorragia
intraplaca e trombose in situ, visto que são vasos pequenos e friáveis. Nesse fenômeno, há a
produção de trombina, que promove a ativação de célula endotelial, monócitos e macrófagos,
célula muscular lisa e plaquetas. Em resposta à trombina, essas células secretam mediadores
inflamatórios, entre eles CD40 l e rAnTES, que promovem o crescimento daplaca,
tornando-as suscetíveis às complicações trombóticas da aterosclerose.
-as plaquetas têm um papel importante nessa fase, secretando mediadores
inflamatórios, entre eles CD40 l e fator de crescimento plaquetário, o que favorece o
sinergismo entre inflamação e trombose na fisiopatologia da aterotrombose. O CD40 l
tem grande importância nessa fase de aterogênese. Todas as principais células que participam
da aterosclerose expressam essa citocina pró-inflamatória, como também o seu receptor
CD40L. Essa ligação estimula a expressão de moléculas de adesão e a secreção de MMP
envolvidas na degradação da matriz extracelular. Essa citocina também tem um efeito
protrombótico, ao estimular a exposição de fator tecidual pelas células endoteliais,
macrófagos e células musculares lisas, ativando a coagulação extrínseca.
-a hemorragia causada pelos neovasos consiste em um bom exemplo para
ilustrar o conceito mais atual em relação à progressão temporal da doença
aterosclerótica. Antes, admitia-se que o crescimento das lesões ocorria de maneira contínua
e uniforme ao longo do tempo. Atualmente, acredita-se, na verdade, que essa evolução se dê
em surtos: as placas podem permanecer quiescentes por algum tempo, talvez anos, até que
algum evento específico (p.ex., uma hemorragia intraplaca) deflagre uma piora dessa lesão,
levando a um aumento de atividade inflamatória na região, com acúmulo de célula muscular
lisa, aumento de deposição de matriz e crescimento da espessura global da placa.
4) Fase de rotura da placa
-ao longo de todo o caminho de progressão da aterogênese, no qual há a
transformação de uma placa rica em gordura para uma placa fibrosa e muitas vezes
calcificada, pode haver estenose do lúmen do vaso. Considera-se que, em geral, no início
do desenvolvimento das lesões ateroscleróticas, o crescimento da placa se dá num sentido
contrário à luz vascular, aumentando, assim, a espessura total da parede do vaso. Esse
processo é conhecido como remodelamento positivo, sendo mediado, sobretudo, pelos
diversos ciclos de secreção e degradação da matriz extracelular produzida pelas células
musculares lisas. Acredita-se que quando a placa atinge um determinado tamanho (cerca
de 40% da espessura vascular em corte seccional), a lesão passa a crescer em direção à
luz do vaso, podendo assim causar lesões estenóticas. Essa progressão lenta da lesão em
geral é responsável por quadros clínicos crônicos, como a angina estável, com
desenvolvimento sintomático progressivo ao longo de anos, mas, que, salvo exceções, não
costuma gerar eventos clínicos agudos.
-A rotura da placa com sua trombose é a complicação mais temida da
aterosclerose, estando por trás da fisiopatologia de grande parte das síndromes
coronarianas agudas. nas tromboses agudas que ocorrem na luz das artérias coronárias,
a placa geralmente não causa obstrução ao fluxo sanguíneo. Dados evidenciam que em
somente 15% dos casos de infarto há estenose crítica semanas ou meses antes do evento
clínico. Sabe-se que o mais importante para a instabilização da placa é o seu nível de
atividade inflamatória, mais do que seu grau de estenose.
-Acredita-se que, para que a rotura aconteça, deve haver um desequilíbrio entre
produção e degradação de matriz extracelular que compõe a capa fibrosa, e, no cômputo
final, haja predomínio da degradação da matriz, enfraquecimento da capa e rotura.-A
inflamação, mais uma vez, seria o processo básico que faria essa regulação, sendo capaz
de modular o início e a propagação da cascata de coagulação, tendo, assim, importância
na determinação das repercussões clínicas diretamente advindas da instabilização da
placa aterosclerótica.
Aterosclerose: a) Fase inicial da aterosclerose - rolamento dos leucócitos pela superfície do
endotélio (mediada por selectinas, células endoteliais de adesão), adesão (interação VCAM1
do endotélio com integrinas dos monócitos e linfócitos, os monócitos penetram na camada
íntima (atraídos por quimiotáticos como MCP1). também nessa fase inicial da aterogênese,
observa-se a ocorrência de acúmulo extracelular de lípides na íntima (LDL, que é
oxidado); b) Fase de formação da estria gordurosa: monócitos maturam-se em macrófagos
que internalizam LDL (via receptores scavengers) formando as células espumosas.
ESTRIAS GORDUROSAS
Aterosclerose: placa aterosclerótica complexa: migração de células musculares
lisas e produção da matriz extracelular e da capa fibrosa, presença de células
inflamatórias: macrófagos, células dendríticas, mastócitos, linfócitos T e apoptose e
necrose de células, além de lípides intra e extracelular.
PLACA DE ATEROMA
Assim, a aterosclerose é uma doença multissistêmica e de fisiopatologia
complexa, que tem como base o processo inflamatório, responsável por modular todas
as etapas do seu desenvolvimento. Fatores de risco conhecidos para aterosclerose talvez
sejam o gatilho inicial para alterações funcionais e estruturais nas células do endotélio
arterial e do sistema imunológico, deflagrando o início do processo de formação da
placa de ateroma.
Com o crescimento adicional da placa, o lumen vascular fica comprometido e o fluxo
sanguíneo através do vaso fica prejudicado.
A isquemia miocárdica é um estado de perfusão diminuída durante o qual o
suprimento de oxigênio ao miocárdio é insuficiente para satisfazer as suas demandas
metabólicas. Este desiquilíbrio resulta nas manifestações de DAC.
A significância hemodinâmica de uma placa varia dependendo do comprimento
e da morfologia da lesão; no entanto, uma redução em 70% no diâmetro luminal de uma
artéria coronária geralmente é suficiente para limitar o fluxo sanguíneo na presença de uma
demanda aumentada (por exemplo exercício), e uma estenose de 90% pode limitar o fluxo em
estado de repouso. A incapacidade da artéria coronária afetada em aumentar o fluxo
sanguíneo nestes casos resulta em um padrão clínico de angina estável.
No estado normal, o oxigênio do sangue é extraído maximamente pelo coração, e um
aumento na demanda miocárdica de oxigênio (secundária a um aumento na frequência
cardíaca, no estresse parietal ou na contractibilidade), portanto precisa ser satisfeito por um
aumento proporcional no fluxo sanguíneo miocárdio. Esta função auto-regulatória ocorre ao
nível das arteríolas; ela é dependente de um tônus autonômico e de um endotélio intacto,
funcional; e resulta em vasodilatação coronariana em resposta ao aumento da demanda. A
aterosclerose altera a função endotelial e pode prejudicar a capacidade do vaso em se
dilatar.
Na presença de estenose fixa em uma artéria coronária, o vaso distal pode estar
maximamente ou quase que maximamente dilatado no estado de repouso. Durante período de
demanda aumentada, a artéria estenosada apresentará uma capacidade limitada de se
dilatar-se ainda mais (reserva vasodilatadora coronária diminuída), resultando em um
não-pareamento suprimento-demanda e subsequente isquemia.
Além do mais, um aumento normal no fluxo sanguíneo coronariano nas artérias
coronárias normais pode ainda assim ser insuficiente em face aos aumentos acentuados na
demanda miocárdica de oxigênio.
Durante a isquemia, a primeira anormalidade demonstrável da função cardíaca é o
relaxamento miocárdico prejudicado (disfunção diastólica) que é seguido por um prejuízo na
contração (disfunção sistólica). A dor torácica e as alterações eletrocardiográficas
isquêmicas ocorrem relativamente tarde na resposta isquêmica.
Se a isquemia for transitória, a disfunção pode durar pouco tempo. Uma isquemia
mais prolongada pode produzir um atordoamento ou a uma hibernação do miocárdio, ou até
um infarto do miocárdio. O atordoamento miocárdico refere-se a um período prolongado (
horas a dias) de disfunção miocárdica reversível após um evento isquêmico. A hibernação
ocorre no caso de uma isquemia crônica, presumivelmente quando a liberação de oxigênio é
adequada para manutenção da viabilidade miocárdica, mas inadequada para manter a função
normal. A importância clínica desse conceito é que o restabelecimento do fluxo sanguíneo
para omiocárdio envolvido, pode resultar em melhora na função ventricular.
A extensão da lesão miocárdica após a oclusão do fluxo sanguíneo a um determinado
território miocárdico depende, em grande parte, da duração da oclusão e da presença ou
ausência de vasos colaterais. Após pouco mais de 15 a 20 min de oclusão coronária, ocorre o
infarto, conforme evidenciado pela lesão celular irreversível e necrose. Quanto mais longo for
o período de isquemia, maior a área de necrose. O fluxo sanguíneo aumenta nos vasos
colaterais preexistentes segundos após a oclusão e ajudam a limitar a extensão do infarto.
Em artérias que gradualmente desenvolvem estenose, colaterais suficientes podem se
desenvolver para prevenir lesões miocárdicas irreversíveis, mesmo com o desenvolvimento
de uma oclusão coronariana.
Em contraste, após uma rotura aguda da placa com oclusão trombótica no local de
uma estenose previamente insignificante, a circulação colateral não tem tempo suficiente para
se desenvolver e segue-se um infarto extenso. Se uma grande área de isquemia se
desenvolver, pode ocorrer uma disfunção contráctil suficiente para resultar num volume de
ejeção diminuído, débito cardíaco diminuído e aumento da pressão intraventricular,
resultando em insuficiência cardíaca.
Quando 20-25% do miocárdio estiver envolvido, geralmente está presente uma
insuficiência cardíaca. Com a perda de 40% ou mais do miocárdio, desenvolve-se um choque
cardiogênico. Devido ao limitado gasto energético, o tecido de condução é mais resistente à
isquemia do que o tecido contráctil. No entanto, o sistema de condução do coração é
susceptível à lesão isquêmica. A isquemia resulta em transporte iônico alterado, tônus
autonômico alterado e lesão estrutural ao sistema de condução, resultando em uma variedade
de arritmias induzida pela isquemia e anormalidades na condução.
A DAC avançada pode existir com mínimo ou nenhum sintoma e suas manifestações
podem surgir subitamente.
QUESTÕES NORTEADORAS:
1-QUAL A IMPORTÂNCIA DA DAC NO BRASIL E NO MUNDO E
QUAL É O ESPECTRO CLÍNICO DA DOENÇA?
2-POR QUE OCORRE A ATEROSCLEROSE E COMO É O
PROCESSO DE FORMAÇÃO DA PLACA ATEROSCLERÓTICA
(FASES 1,2 E 3)?
3-QUAL É O PROCESSO REGULATÓRIO CHAVE EM TODOS OS
ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DA ATEROSCLEROSE?
4-EXPLIQUE O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO DA
ISQUEMIA MIOCÁRDICA.
5-QUAIS OS FATORES DETERMINANTES E QUAIS AS
CONSEQUÊNCIAS DA ISQUEMIA?
VÍDEOS
-https://youtu.be/RVKGpgVQceQ
-https://youtu.be/5gHIt-kx50I
https://youtu.be/RVKGpgVQceQ
https://youtu.be/5gHIt-kx50I
COMPLEMENTO
FATORES DE RISCO
Estudos epidemiológicos identificaram múltiplos fatores que aumentam a
probabilidade do desenvolvimento de aterosclerose em um determinado indivíduo.
A prevalência da DAC aumenta com o envelhecimento e em qualquer idade, a
prevalência de DAC é maior nos homens do que nas mulheres e em média ela tende a
manifestar-se 10 anos mais tarde nas mulheres e isto é pelo menos em parte devido aos
efeitos protetores do estrogênio, conforme evidenciado pelo acentuado aumento de DAC nas
mulheres pós menopausa. Uma história familiar de aterosclerose prematura (homens
antes dos 55 anos e mulheres antes dos 65 anos) aumenta o risco de aterosclerose,
provavelmente por fatores ambientais (ex dieta, tabagismo) e predisposição hereditária.
Outros fatores de risco são considerados modificáveis e o tratamento desses fatores
pode diminuir o risco de desenvolvimento da aterosclerose:
Dislipidemia
(estudos em grande
escala demonstraram
a eficácia da redução
do colesterol na
prevenção primária e
secundária da DAC)
Aumento de Colesterol, especialmente o LDL (lipoproteína de
baixa densidade), acelera a aterosclerose. O colesterol elevado
é considerado o principal fator de risco modificável.
Aumento de triglicérides (fator de risco independente para
DAC, especialmente em mulheres)
HDL (lipoproteínas de alta densidade), função protetora,
inversamente relacionados ao risco de DAC
HAS
(o tratamento da HAS
reduz o risco de DAC)
Aumenta significativamente o risco de DAC aterosclerótica e
esse risco aumenta proporcionalmente com o grau de elevação
da pressão arterial. Abaixo de 50 anos, a pressão diastólica é o
mais forte preditor de risco. Entre 50 e 59 anos, ambas as
pressões sistólica e diastólica são comparáveis e acima de 60
anos, a pressão de pulso é o principal preditor (diferença entre
pressão sistólica e diastólica).
Diabetes Aumenta o risco de DAC e aumenta a mortalidade associada
à DAC
Resistência à insulina e hiperinsulinismo, mesmo sem
diabetes, aumentam a incidência de DAC, possivelmente
através de alterações no metabolismo dos lípides e aumento da
agregação plaquetária. Além disso, é frequente a coexistência
do diabetes com DLP, HAS e obesidade.
Síndrome
metabólica
(obesidade
abdominal + 2
Sua presença identifica uma pessoa com risco
significativamente aumentado de ter ou desenvolver
aterosclerose.
Obesidade e elevação do IMC também se correlacionam com
fatores: TG alto,HDL
baixo,HAS,alteração
glicemia)
maior risco cardiovascular, além de flutuações significantes no
peso (ciclos de ganho e perda de peso).
Tabagismo
(é considerado a
principal causa
evitável de morte
prematura)
Produz efeitos adversos sobre o perfil lipídico, fatores de
coagulação e função plaquetária, aumentando o risco de IAM
em 2-3 vezes no homem e em 6 vezes na mulher.. Doze meses
após deixar de fumar, ocorre uma redução mensurável na
incidência de IAM.
Inatividade física Atividade física até mesmo em grau moderado é fator protetor
contra DAC e todas as causas de mortalidade. Os benefícios
são: elevação de HDL, redução na pressão sanguínea, redução
da resistência à insulina e perda de peso. O grau do
condicionamento físico, determinado pela duração e dispêndio
metabólico (consumo de o2) do exercício tem correlação com o
nível de proteção.
Não consumo de
legumes, verduras e
frutas
Consumo de legumes, verduras e frutas é fator protetor.
Fatores psicosociais Podem contribuir para o desenvolvimento precoce de
aterosclerose assim como risco de IAM e morte súbita, por
lesão endotelial direta ou por agravamento dos fatores de risco.
Consumo moderado
de álcool (um a dois
drinks por dia para
homem e um drink
por dia para a mulher)
Consumo excessivo
de álcool é a principal
causa evitável de
câncer e todas as
causas de morte.
Dados epidemiológicos apontam para o efeito protetor para
DAC do consumo de álcool moderado, provavelmente por seu
efeito no HDL, na sensibilidade à insulina, na atividade
trombótica e na inflamação. Porém, há aumento da mortalidade
para os que excedem o consumo moderado e o potencial
benefício deve ser contrabalançado aos múltiplos efeitos
deletérios do álcool (inclusive aumento de AVCH), de modo
que não devemos recomendar o uso moderado para quem não
ingere álcool de rotina.
Doença renal crônica Alguns pacientes sem doença arterial coronária têm um risco de
eventos cardiovasculares subsequentes que é equivalente ao
risco dos pacientes com DAC estabelecida e esses pacientes
são: a) os portadores de doença arterial aterosclerótica não
coronariana, b) os pacientes diabéticos, c) os pacientes com
doença renal crônica. Esses 3 grupos são considerados
equivalentes de risco e devem ser manejados de forma agressiva
para a prevenção de eventos.
Microalbuminúria reflete dano vascular e parece ser um
marcador de dano arterial inicial, podendo ser considerado um
marcador de risco CV.
Outros fatores
envolvidos com risco
aterosclerótico
Lipoproteína a = idêntica À LDL com uma molécula apo a=
tem homologia estrutural com o plasminogênio e parece
interferir com a geração de plasmina, predispondo às
complicações trombóticas da aterosclerose; Aumento da
apolipoproteina CIII e LDL pequeno e denso e diferentes
genótipos de apolipoproteína E também influenciam o risco de
aterogênese.
Homocisteína em níveis elevados = associação com maior
risco de DAC, doença arterial cerebral e vascular periférica =
provavelmente por lesão endotelial e por maior propensão à
trombose = tratamos com suplementação de folato,porém ainda
não se sabe qual o efeito do tratamento da
hiperhomocisteinemia e da lipoproteína a sobre a incidência de
eventos cardiovasculares;
Níveis elevados de fibrinogênio e atividade fibrinolítica
diminuída (inibidor do ativador do plasminogênio elevado)
Outros marcadores de
risco cardiovascular
aumentado
O grau de calcificação coronariana, determinado pela
tomografia de coronárias. Relaciona-se com a presença e com
a gravidade da DAC.
O nível de proteína C reativa (ultra sensível), um marcador de
inflamação sistêmica. Níveis elevados se correlacionam com a
presença e extensão da DAC, podendo refletir o grau de
inflamação e instabilidade das placas. Interleucina 6 e IL6-R
também tem direta relação com DCV. Níveis elevados de
mieloperoxidase que é secretada pelos leucócitos na
inflamação aguda e promovem oxidação das lipoproteínas, se
correlacionam com DAC.
A utilidade potencial na prática clínica atual desses marcadores
é na identificação de indivíduos assintomáticos considerados de
risco intermediário pelos escores de avaliação de risco e que
necessitarão de modificação mais agressiva dos fatores de risco.
90% dos eventos cardiovasculares ocorrem em indivíduos com pelo menos um dos
cinco fatores de risco modificáveis: dislipidemia, diabetes, HAS, obesidade abdominal e
tabagismo. O risco aumenta quando muitos desses fatores coexistem.

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