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Resumo - ORNELAS, Gabriela Vilas Boas Territórios de cultura Potencialidades de luta e recuperação na análise do discurso de lideranças culturais de grupos pernambucanos

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ORNELAS, Gabriela Vilas Boas. Territórios de cultura: potencialidades de luta e 
recuperação na análise do discurso de lideranças culturais de grupos pernambucanos/ 
Gabriela Vilas Boas Ornelas. – 2019, Universidade Federal de Minas Gerais, 
Departamento de Geografia 
 
 
A pesquisa de dissertação de Gabriela Ornelas objetivou compreender como a 
apropriação do elemento cultural por grupos culturais periféricos atinge as formas de 
atuação no espaço, significando-o e tecendo relações. Para tanto, ela utilizou como 
metodologia entrevistas semi-estruturadas com lideranças culturais de dois grupos 
pernambucanos no ano de 2018, a saber: Coco de Umbigada e Maracatu Nação Cambinda 
Estrela, localizados nas periferias urbanas de Olinda e Recife, respectivamente. A partir 
das falas das entrevistadas, a autora costurou a categoria geográfica território com a 
literatura por meio da análise do discurso das obras de Orlandi (2007) e Pêcheux (1996; 
1988). Por meio de sua pesquisa, a autora percebeu que nesses territórios cabem a cultura, 
a educação, a religião e a composição social. Suas lutas são organizadas de forma 
específica, por meio de estratégias adequadas às relações externas e protetoras do que 
lhes é caro enquanto simbologia. Assim, a presença da cultura espalha-se e organiza a 
vida pela dicotomia da recuperação e da insurgência associada à construção de uma 
referência política local, um espaço onde se pode pedir auxílio e se sentir integrado. 
 O problema de pesquisa que norteou o trabalho de Ornelas é entender em qual 
medida os territórios constituídos por grupos culturais interferem nas mobilizações e nas 
organizações de lutas por direitos em periferias urbanas. Em meio a vida urbana permeada 
por negações e exclusões de condições dignas, seria possível entender a cultura para além 
da distração e pensá-la como elemento estratégico no fortalecimento de territórios e suas 
lutas? 
 O objetivo do trabalho dissertativo de Gabriela Ornelas foi compreender como a 
apropriação do elemento cultural por grupos culturais periféricos atinge as formas de 
atuação no espaço, significando-o e tecendo relações. Especificamente, a pesquisa tratou 
de compreender quais lutas são elencadas a partir desse tipo de organização, quais sujeitos 
compõem esses territórios e quais as estratégias elaboradas para manter a dominância da 
cultura. 
 O referencial teórico usado pela autora centrou-se em David Harvey (2014, 
p.239), uma vez que ela acredita que os espaços comunitários em que a cultura se 
manifesta estão baseados na etnicidade, religião, história cultural e memórias coletivas, 
podem tanto unir como diferenciar com igual frequência para criar a possibilidade de 
solidariedades sociais e políticas de dimensões totalmente distintas daquelas que 
normalmente se manifestam nos locais de trabalho. Desta maneira, a autora entende as 
experiências da cultura como temporais e espacialmente compartilhadas, mesmo que a 
experiência em si seja individual e intransferível, capazes de gerar e manter relações 
sociais nos grupos culturais. Para Ornelas, tal característica implicará em compartilhar 
valores, atitudes e estabelecimento de vínculos sociais e políticos necessários por vezes a 
construção de um projeto político em comum que revelem a coesão do grupo. Ainda no 
campo teórico, a autora recorreu a Henri Lefebvre (1983), no que se refere as 
representações, o que para esse autor têm origem no vivido, ou seja, o imediato em que 
estão as singularidades, o diferente, as possibilidades. As representações não são simples 
fatos, nem resultados compreensíveis por sua causa, nem simples efeito; não são nem 
falsas nem verdadeiras, mas, simultaneamente, falsas e verdadeiras. Como afirma 
Ornelas, toda realidade é mais rica do que a representação que se possa ter desta, contudo, 
a representação não pode ser entendida desvinculada das práticas sociais e do contexto 
no qual se insere. 
No que concerne aos procedimentos metodológicos a autora trabalhou com a 
categoria geográfica território alinhado à entrevistadas semi-estruturadas, dialogando 
com a literatura e utilizando dos princípios e procedimentos da Análise de Discurso 
francesa soa partir da perspectiva de Eni Orlandi (2007). A autora recorreu ainda a Michel 
Pêcheux, o qual trata da análise das ideologias presentes nos discursos a partir da 
compreensão dos contextos, das posições dos sujeitos no discurso, das interpelações e das 
suas formações discursivas. A posição, no discurso, é significada em relação ao contexto 
sócio histórico e ao saber discursivo, à memória do que já foi dito. 
 “Desse modo, é a ideologia que, através do ‘hábito’ e do ‘uso’, está designando, ao 
mesmo tempo, o que é e o que deve ser, e isso, às vezes, por meio de ‘desvios’ 
linguisticamente marcados entre a constatação e a norma...” (PÊCHEUX, 1988, p.160) 
 
Ornelas contextualiza informando que O Coco de Umbigada e o Maracatu Nação 
Cambinda Estrela, objetos de análise de sua pesquisa, estão localizados em comunidades 
periféricas de Olinda e Recife, respectivamente. Para a autora, compreender as falas das 
interlocutoras significa tentar explicitar as diversas forças atuantes nos territórios onde se 
encontram e as motivações que levam às constituições e permanências desses grupos 
O território criado por esses grupos define o limite da diferença entre eles e os de 
fora através da constituição de uma rede de relações sociais. Em ambos os grupos, as 
relações sociais são projetadas em seus espaços físicos fixos, suas sedes, e em espaços 
temporalmente efêmeros, durante apresentações/ensaios abertos 
Segundo Ornelas, a análise das entrevistas aproximou a pesquisadora de como são 
constituídas essas relações no interior e no exterior dos grupos e, portanto, de como os 
grupos entendem seus territórios nos seus respectivos espaços, com a cultura. Territórios 
estes de dominância simbólica, a partir do conceito de (HAESBAERT, 2007) em função 
da rede de significados criados a partir da cultura, seu principal elemento agregador. 
Segundo Ornelas, a territorialização para esses grupos têm como fins abrigo físico para 
seus elementos simbólicos e materiais, os quais são seus meios de produção; identificação 
dos grupos por referentes espaciais, tanto as sedes quanto vestimentas, objetos e 
instrumentos; e construção e controle de conexões e redes entre sujeitos e grupos. Por 
isso a autora ressalta que o caráter predominantemente simbólico do território se combina 
às funções exercidas nesses territórios, sendo esses também territórios funcionais 
(HAESBAERT, 2005) 
Ornelas deixa clara a dificuldade que ainda existem em se romper com a leitura 
das culturas baseadas em matriz africana a partir de um olhar colonizador/deformado. Os 
dois grupos são da mesma nação de Candomblé, a Nagô. A autora diz que nos contextos 
dos grupos escolhidos para interlocução, verificou-se condições singulares que continham 
similaridades como violência relacionada à vulnerabilidade de jovens e crianças e renda 
média logo acima ou abaixo da Linha da Pobreza. Ademais, ela traz a informação de que 
a educação formal têm índices relativamente próximos, variando em torno da média 
nacional, mas é preciso ir além do que sugerem os índices e qualificar mais e melhor as 
situações. 
 Mediante sua análise, Ornelas assegura que as culturas do Coco e do Maracatu 
estabelecem as bases das relações sociais dos grupos, Neste sentido, o todo de cada 
manifestação é compreendido por aqueles que a integram e realizam, conduzindo o 
compartilhamento e os usos desses espaços ao devir. A apropriação do elemento cultural 
pelos grupos atinge as formas de atuação espacial, significando-os e tecendo relações. A 
dominância simbólica da cultura se estabelece a partir da vivência e da apropriação dos 
espaços territorializados fisicamente pela constituição e pelo uso das sedes e 
simbolicamente pela consolidação e apropriaçãode relações e conexões entre os sujeitos. 
Mediante Ornelas, a presença dos grupos em suas comunidades provoca 
sentimentos diversos nas vizinhanças, tais como aceitação, identificação, respeito e 
indiferença, repulsa e até mesmo violência. A autora utiliza desse argumento para 
justificar como territorialidade é percebida por aqueles que compreendem seus símbolos 
e por aqueles que os rejeitam mesmo sem compreender sua força, tenacidade e solidez. 
Na visão de Ornelas, é preciso entender que os territórios de cultura captam e organizam 
algumas das necessidades locais conjugadas com seus objetivos próprios. 
Por meio de sua pesquisa, Ornelas pode perceber a confluência das lutas para a 
identificação enquanto quilombos. Nesse termo cabem a cultura, a educação, a religião e 
a composição social. Ainda carrega um significado histórico, de memória, união, 
resistência e força, segundo a autora. Ela explica que enquanto quilombos organizam suas 
lutas de forma específica, por meio de estratégias adequadas às relações externas e 
protetoras do que lhes é caro enquanto simbologia. A pesquisa mostra que a cultura nesses 
territórios se espalha e organiza a vida pela dicotomia da recuperação e da insurgência 
associada à construção de uma referência local, um espaço onde se pode pedir auxílio e 
se sentir integrado, acolhido. Ornelas descreve que o reconhecimento enquanto projeto 
social e Ponto de Cultura compõe as estratégias entendidas pelos grupos para uma maior 
abertura ao diálogo externo dentre as opções que julgam compatíveis ao que 
compreendem enquanto Coco e Maracatu. A autora esclarece que apesar de ser uma 
espécie de pragmatismo no jogo com o opressor, as estratégias abordadas pelos grupos 
não são simplesmente escolhas racionais. Elas passam pelo crivo de uma representação 
que seja jus a subjetividade da cultura para aqueles que o fazem. 
A pesquisa dissertativa em questão, procurou compreender como a cultura atua na 
organização das lutas em territórios onde há carências da ordem do objetivo e do 
subjetivo. A proposta da pesquisa visava entender se a cultura poderia extrapolar a 
condição de distração que muitas vezes lhe é dada e incorporar uma tarefa de desalienação 
frente ao esmagamento da humanidade e das condições de vida dos sujeitos. No decorrer 
do texto, nota-se a educação tem papel central nas organizações dos grupos, enquanto 
preocupação para a formação de crianças, jovens e adultos para além da formalidade 
instituída. A pesquisa esclarece que a educação nos quilombo analisados passa pela 
vivência, pela preparação para o mundo, pela absorção da ancestralidade e pela 
reinvenção da tradição. 
A partir da pesquisa de campo Ornelas verificou que nos territórios dos grupos a 
potência educativa e de aglomeração da cultura. A autora encontrou formas de 
organização que visam a manutenção das manifestações e de seus sujeitos adaptando-se 
às possibilidades dadas pelo momento. Ela ainda diz que não encontrou elementos 
imprescindíveis que levem a uma transformação das condições atuais de exploração e 
opressão. O trabalho de Ornelas entende as lutas encampadas como continuidades de 
mobilizações anteriores e ainda necessárias no sentido de elaboração de políticas que 
incluam e resolvam pontualmente as demandas. Segundo a autora, há um enorme 
potencial de manutenção da humanidade dos sujeitos, já muito massacrados e destituídos 
de si mesmos. 
Cabe salientar que a metodologia da a análise do discurso foi de grande valia nas 
tentativas de compreender as entrevistas realizadas no contexto e na distância. Por essa 
metodologia a autora pode refletir sobre as posições das lideranças culturais, como a 
interpelação contribui em suas constituições sociais e influencia em seus papéis e como 
elaboram os discursos. 
 
 
HAESBAERT, Rogério. Território e multiterritorialidade: um debate. Revista 
GEOgraphia, ano IX, n.17, p. 19-46, 2007 
HAESBAERT, Rogério. Da desterritorialidade à multiterritorialidade. In: ENCONTRO 
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HARVEY, David. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: 
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PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, 
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Slavoj (Org.). Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. p.143 - 152.

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