Buscar

FILOSOFIA CAPTULO 34

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Políticos, educadores e 
representantes da sociedade civil 
debatem, em audiência na Câmara 
dos Deputados, em Brasília, 
a destinação de 10% do 
PIB (Produto Interno Bruto) 
à educação, em 2011. 
Assim como o voto nas eleições, 
o acompanhamento das 
atividades políticas e a 
participação em órgãos de 
 debate e deliberação também são 
formas de exercício da democracia.
capítulo
34
A questão 
democrática
Que elementos compõem uma sociedade democrática?
Vimos nos capítulos anteriores como se constituíram 
instituições e conceitos como soberania, Estado e 
direito. Vimos também que, diante de desafios como a 
desigualdade entre classes sociais, as limitações impostas 
pelo liberalismo e a máscara da ideologia, surgiram 
lutas sociais pela criação e ampliação de direitos.
No entanto, persistem obstáculos à participação política, 
à igualdade e à liberdade, elementos essenciais para o 
exercício da cidadania e realização plena da democracia. 
Pensando na realidade brasileira, paira uma questão: 
é possível ter democracia em um país historicamente 
marcado pela desigualdade socioeconômica e pelo 
autoritarismo nas esferas social e política?
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
348
INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_348a359_U1_c342.indd 348 5/9/13 3:49 PM
A questão democrática
ca
pí
t
u
lo
 3
4
349
A sociedade democrática
Vimos no capítulo 18 que uma ideologia não nasce 
do nada nem repousa no vazio, mas exprime, de ma-
neira invertida, dissimulada e imaginária, a práxis social 
e histórica concreta. Isso se aplica à ideologia liberal 
quando define a democracia. De fato, a ideologia libe-
ral define a democracia como o regime político da lei 
e da ordem a fim de garantir interesses e liberdades in-
dividuais. Essa definição corresponde à maneira como 
o liberalismo concebe a sociedade — isto é, como um 
campo de interesses particulares conflitantes — e como 
concebe a liberdade — isto é, como a livre competição 
entre indivíduos no mercado. 
Ora, há na prática e nas ideias democráticas uma pro-
fundidade e uma verdade muito maiores e superiores ao 
que a ideologia liberal percebe e deixa perceber, pois 
uma política democrática pressupõe a existência de uma 
sociedade democrática. Antes de abordarmos a noção 
de sociedade democrática, fiquemos, por um momento, 
nas duas práticas políticas que o liberalismo julga defini-
doras da democracia, quais sejam, as eleições e a existên-
cia de situação e oposição, maioria e minoria.
O que significam as eleições? Para a ideologia libe-
ral, se reduzem à mera rotatividade de governos ou à 
alternância no poder. Ora, elas são muito mais do que 
isso, pois simbolizam o essencial da democracia: que o 
poder não pertence aos ocupantes do governo, mas é 
sempre um lugar vazio que os cidadãos, periodica-
mente, preenchem com um representante, cujo man-
dato podem revogar se não cumprir o que lhe foi de-
legado para representar.
O que significam as ideias de situação e oposição, 
maioria e minoria? Para a ideologia liberal, se referem às 
vontades que devem ser respeitadas e garantidas pela lei. 
Ora, elas vão muito além dessa aparência. Significam que 
a sociedade não é uma comunidade una e indivisa volta-
da para o bem comum obtido por consenso, mas, ao 
contrário, que está internamente dividida e que as divi-
sões são legítimas e devem expressar-se publicamente.
A democracia é a única forma política que conside-
ra o conflito legítimo e legal, permitindo que ele seja 
trabalhado politicamente pela própria sociedade.
Da mesma maneira, as ideias de igualdade e liberda-
de como direitos civis dos cidadãos vão muito além de 
sua regulamentação jurídica formal pelo Estado. Signi-
ficam que os cidadãos são sujeitos de direitos e que, 
onde tais direitos não existam nem estejam garantidos, 
deve-se lutar por eles e exigi-los. É esse o cerne da de-
mocracia, pois a criação e a garantia de direitos defi-
nem a sociedade democrática.
Um direito se opõe a um privilégio. Um direito é 
universal, válido para todos os membros de uma socie-
dade, opondo-se, portanto, ao privilégio, possuído ape-
nas por alguns com exclusão de todos os outros. 
Um direito difere de uma necessidade ou carência 
e de um interesse. Uma necessidade ou carência é algo 
particular e específico. Alguém pode ter necessidade 
de água, outro, de comida. Um grupo social pode ter 
carência de transportes, outro, de hospitais. Há tantas 
necessidades quanto indivíduos, tantas carências 
quanto grupos sociais.
Um interesse também é algo particular e específico. 
Os interesses dos estudantes brasileiros podem ser di-
ferentes dos interesses dos estudantes argentinos. Os 
interesses dos bancários, diferentes dos interesses dos 
banqueiros. Os dos índios, diferentes dos interesses 
dos garimpeiros.
Eleitora vota na cidade de Curitiba, Paraná, em uma urna de 
identificação biométrica. Ela foi um dos 7,7 milhões de eleitores que 
tiveram sua identidade verificada por meio da leitura da impressão 
digital nas eleições de 2012.
R
o
b
e
rt
o
 D
zi
u
ra
 J
r.
/B
ra
zi
l 
P
h
o
to
 P
re
s
s
/A
g
ê
n
c
ia
 E
s
ta
d
o
INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_348a359_U1_c342.indd 349 5/9/13 3:49 PM
A política
u
n
id
a
d
e
 X
I
I
350
Necessidades ou carências podem ser conflitantes. 
Suponhamos que, numa região de uma grande cida-
de, as mulheres trabalhadoras tenham necessidade 
ou carência de creches para seus filhos e que, na mes-
ma região, outro grupo social, os sem-teto, tenha ca-
rência de moradia. O governo municipal dispõe de 
recursos para atender a uma das carências, mas não a 
ambas, de sorte que resolver uma carência significará 
abandonar a outra.
Interesses também podem ser conflitantes. Supo-
nhamos que interesse a grandes proprietários de terras 
deixá-las inativas para esperar pela valorização imobiliá-
ria, mas que interesse a trabalhadores rurais sem-terra 
cultivar alimentos para a sobrevivência; temos aí um 
conflito de interesses.
Suponhamos que interesse aos proprietários de em-
presas comerciais estabelecer um horário de trabalho 
que aumente as vendas, mas que interesse aos comerciá-
rios outro horário, no qual possam dispor de horas para 
estudar, cuidar da família e descansar. Temos aqui outro 
conflito de interesses.
Um direito, ao contrário de necessidades, carên-
cias e interesses, não é particular e específico, mas 
geral e universal, válido para todos os indivíduos, gru-
pos e classes sociais. Assim, por exemplo, a carência 
de água e de comida manifesta algo mais profundo: o 
direito à vida.
A carência de moradia ou de transporte também 
manifesta algo mais profundo: o direito a boas condi-
ções de vida. O interesse dos estudantes, o direito à 
educação e à informação. O interesse dos sem-terra, o 
direito ao trabalho. O dos comerciários, o direito a boas 
condições de trabalho.
Dizemos que uma sociedade — e não um simples 
regime de governo — é democrática quando, além 
de eleições, partidos políticos, divisão dos três pode-
res da república, respeito à vontade da maioria e das 
minorias, institui algo mais profundo, que é condi-
ção do próprio regime político: os direitos.
A criação de direitos
Quando a democracia foi inventada pelos ate-
nienses, instituíram-se três direitos fundamentais 
que definiam o cidadão: igualdade, liberdade e par-
ticipação no poder. Examinemos o significado desses 
três direitos na Grécia antiga:
1. Igualdade significava, perante as leis e os costumes 
da pólis, que todos os cidadãos possuíam os mesmos 
direitos e deviam ser tratados da mesma maneira. 
Por esse motivo, Aristóteles afirmava que a primeira 
tarefa da justiça era igualar os desiguais, seja pela re-
distribuição da riqueza social, seja pela garantia de 
participação no governo.
Policiais bloqueiam 
acesso ao bairro 
Pinheirinho, em São 
José dos Campos, 
estado de São Paulo, 
durante cumprimento 
do mandado 
de reintegração de 
posse do terreno, em 
janeiro de 2012.
R
oo
s
e
v
e
lt
 C
a
s
s
io
/R
e
u
te
r
s
/L
a
ti
n
s
to
c
k
INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_348a359_U1_c342.indd 350 5/9/13 3:49 PM
A questão democrática
ca
pí
t
u
lo
 3
4
351
 Pelo mesmo motivo, Marx afirmava que a igualdade 
só se tornaria um direito concreto quando não hou-
vesse escravos, servos e assalariados explorados, mas 
fosse dado a cada um, segundo suas necessidades, 
seus méritos e seu trabalho.
 As observações de Aristóteles e de Marx indicam 
algo preciso: a mera declaração do direito à igualda-
de não faz existir os iguais, mas abre o campo para a 
criação da igualdade por meio das exigências e de-
mandas dos sujeitos sociais. Em outras palavras, de-
clarado o direito à igualdade, a sociedade pode ins-
tituir formas de reivindicação para criá-lo como 
direito real.
2. Liberdade significava que todo cidadão tinha o di-
reito de expor em público seus interesses e suas 
opiniões , vê-los debatidos pelos demais e aprovados 
ou rejeitados pela maioria, devendo acatar a decisão 
tomada publicamente. Na modernidade, com a Re-
volução Inglesa de 1642-1651 e a Revolução Francesa 
de 1789, o direito à liberdade ampliou-se. Além da 
liberdade de pensamento e de expressão, passou a 
significar o direito à independência para escolher o 
ofício, o local de moradia, o tipo de educação, o côn-
juge, etc. — em suma, significou a recusa das hierar-
quias fixas, supostamente divinas ou naturais.
 Acrescentaram-se, em 1789, direitos de enorme 
importância: o de que todo indivíduo é inocente 
até que se prove o contrário perante um tribunal e 
o de que a liberação ou punição devem ser dadas 
segundo a lei. com os movimentos socialistas, a luta 
social por liberdade ampliou ainda mais esses direi-
tos, acrescentando-lhes o direito de lutar contra to-
das as formas de tirania, censura e tortura e contra 
todas as formas de exploração e dominação social, 
econômica, cultural e política.
 Observamos aqui o mesmo que na igualdade: a sim-
ples declaração do direito à liberdade não a institui 
concretamente, mas abre o campo histórico para a 
criação desse direito pela práxis humana.
3. Participação no poder significava que todos os ci-
dadãos tinham o direito de participar das discus-
sões e deliberações públicas da pólis, votando ou 
revogando decisões. Esse direito tinha um sentido 
muito preciso. Nele afirmava-se que, do ponto de 
vista político, todos os cidadãos têm competên-
cia para opinar e decidir, pois a política não é uma 
questão técnica (eficácia administrativa e militar) 
nem científica (conhecimentos especializados sobre 
administração e guerra), mas uma decisão coletiva 
sobre os interesses e direitos da própria pólis.
Ampliando a participação
A democracia ateniense era direta. A moderna, po-
rém, é representativa. O direito à participação tornou-
-se, portanto, indireto, por meio da escolha de repre-
sentantes. Ao contrário dos outros dois direitos, este 
último parece ter sofrido diminuição em lugar de am-
pliação. Essa aparência é falsa e verdadeira. 
Falsa porque a democracia moderna foi instituída 
na luta republicana contra as monarquias absolutistas 
e, portanto, em relação a elas , instituiu a participação 
dos cidadãos no poder, ainda que sob a forma da re-
presentação.
Verdadeira porque, como vimos, a república liberal ini-
cialmente limitou os direitos políticos aos proprietários 
Manifestante protesta pedindo a implementação de política de 
cotas no setor privado para castas historicamente discriminadas 
na Índia, na capital Nova Délhi, em 2012. A liberdade é a recusa 
das hierarquias fixas.
M
a
n
is
h
 S
w
a
ru
p
/A
s
s
o
c
ia
te
d
 P
re
s
s
/G
lo
w
 I
m
a
g
e
s
INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_348a359_U1_c342.indd 351 5/9/13 3:49 PM
A política
u
n
id
a
d
e
 X
I
I
352
privados dos meios de produção e aos profissionais libe-
rais da classe média, aos homens adultos “independentes” 
(isto é, excluindo os “dependentes”: todas as mulheres e os 
trabalhadores homens brancos, negros e indígenas).
Todavia, as lutas socialistas e populares forçaram 
a ampliação dos direitos políticos, levando à criação 
do sufrágio universal (todos são cidadãos eleitores: 
homens, mulheres, jovens, negros, analfabetos, tra-
balhadores, indígenas) e à garantia da elegibilidade 
de qualquer um que, não estando sob a suspeita de 
crime, se apresente para um cargo eletivo.
Vemos aqui, portanto, o mesmo que nos direitos an-
teriores: lutas sociais que transformam a simples decla-
ração de um direito em direito real, ou seja, vemos aqui 
a criação de um direito.
As lutas por igualdade e liberdade ampliaram os di-
reitos políticos (civis) e, com base nestes, criaram os 
direitos sociais — trabalho, moradia, saúde, transporte, 
educação, lazer, cultura —, os direitos das chamadas 
“minorias” — mulheres, idosos, negros, homossexuais, 
crianças, indígenas — e o direito à segurança planetária 
— as lutas ecológicas e contra as armas nucleares.
As lutas populares por participação política amplia-
ram os direitos civis: direito de opor-se à tirania, à cen-
sura, à tortura, direito de fiscalizar o Estado por meio 
de organizações da sociedade (associações, sindicatos, 
partidos políticos); direito à informação pela publici-
dade das decisões estatais.
Traços da democracia
A sociedade democrática institui direitos pela 
abertura do campo social à criação de direitos 
 reais, à ampliação de direitos existentes e à criação 
de novos direitos. com isso, dois traços distinguem a 
democracia de todas as outras formas sociais e 
 políticas:
1. A democracia é a única sociedade e o único regime 
político que considera o conflito legítimo. Não só 
trabalha politicamente os conflitos de necessidades 
e de interesses, mas também procura instituí-los 
como direitos e, como tais, exige que sejam reconhe-
cidos e respeitados. Mais do que isso, na sociedade 
democrática, indivíduos e grupos organizam-se em 
associações e movimentos sociais e populares, clas-
ses se organizam em sindicatos e partidos, criando 
um contrapoder social, que, direta ou indiretamente, 
limita o poder do Estado;
2. A democracia é a sociedade verdadeiramente histó-
rica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transfor-
mações e ao novo. com efeito, pela criação de novos 
direitos e pela existência dos contrapoderes sociais, a 
sociedade democrática não está fixada numa forma 
para sempre determinada, ou seja, não cessa de tra-
balhar suas divisões e diferenças internas, de orien-
tar-se pela possibilidade objetiva (a liberdade) e de 
alterar-se pela própria práxis.
BOBBIO, Norberto. O 
futuro da democracia. 
Tradução de Marco 
Aurélio Nogueira. 
São Paulo: Paz e 
Terra, 2000. p. 32-33. 
(Pensamento Crítico, 63). 
diálogos
filosóficos
Uma definição mínima de democracia
[...] No entanto, mesmo para uma definição mínima de democracia, como é a que aceito, 
não bastam nem a atribuição a um elevado número de cidadãos no direito de participar 
direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas, nem a existência de regras de pro-
cedimento como a da maioria (ou, no limite, da unanimidade). É indispensável uma tercei-
ra condição: é preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão 
decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder esco-
lher entre uma e outra. Para que se realize esta condição é necessário que aos chamados a 
decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de ex-
pressão das próprias opiniões, de reunião, de associação, etc. — os direitos à base dos quais 
nasceu o Estado liberal e foi construída a doutrina do Estado de direito em sentido forte, 
isto é, do Estado que não apenas exerce o poder sub lege [sob a égide da lei], mas o exerce 
dentro de limites derivados do reconhecimento constitucional dos direitos “invioláveis” do 
indivíduo. Seja qual for o fundamento filosófico destes direitos,eles são o pressuposto ne-
cessário para o correto funcionamento dos próprios mecanismos predominantemente 
procedimentais que caracterizam um regime democrático. [...] Disto segue que o Estado 
liberal é o pressuposto não só histórico mas jurídico do Estado democrático. 
INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_348a359_U1_c342.indd 352 5/9/13 3:49 PM
A questão democrática
ca
pí
t
u
lo
 3
4
353
Voluntária põe 
flores sobre tijolos 
em protesto 
realizado na 
Praça dos Três 
Poderes, em 
Brasília, pela 
ONG Rio de Paz, 
em novembro 
de 2012. Os 
960 tijolos são 
uma referência 
ao número de 
assassinatos 
cometidos no país 
semanalmente 
naquele ano.
Estado de Bem-Estar
 Social
O Estado do Bem-Estar Social i
mplantou-se nos 
Estados Unidos após a Grande 
Depressão, nos anos 
1930, e na Europa ocidental, ap
ós a Segunda Guerra 
Mundial. Suas principais carac
terísticas eram: 
1) destinação, pelo Estado, de g
rande parte da 
riqueza pública para os direitos
 sociais (saúde, 
educação, moradia, alimentação
, seguro-desemprego, 
etc.), criando o chamado salário
 indireto como 
complemento público do salári
o direto; 2) regulação 
da economia pelo Estado tanto 
por meio de 
empresas públicas como por m
eio de leis sobre o 
funcionamento do mercado; 3) d
o ponto de vista do 
capital produtivo, a adoção da pr
odução fordista, isto é, a 
produção em série e em larga es
cala, englobando todas 
as etapas da atividade econômic
a, desde a produção 
da matéria-prima até a distribuiç
ão do produto no 
mercado, e controlando, por me
io do planejamento e 
da chamada “gerência científica
”, a organização do 
trabalho, os estoques e os preço
s; 
4) inclusão dos indivíduos no me
rcado de trabalho (ideia 
de pleno emprego) e, conseque
ntemente, no consumo 
de massa; 5) formação de monop
ólios e oligopólios 
que, embora transnacionais ou m
ultinacionais, tinham 
como referência reguladora e, e
m alguns casos, como 
parceiro ou sócio, o Estado nacio
nal.
U
e
s
le
i 
M
a
r
c
e
li
n
o
/R
e
u
te
r
s
/L
a
ti
n
s
to
c
k
Os obstáculos à democracia
Liberdade, igualdade e participação conduziram à 
célebre formulação da política democrática como “go-
verno do povo, pelo povo e para o povo”. Entretanto, o 
povo da sociedade democrática está dividido em clas-
ses sociais — sejam os ricos e os pobres (Aristóteles), 
sejam os grandes e o povo (Maquiavel), sejam as classes 
sociais antagônicas (Marx).
É verdade que a sociedade democrática é aquela que 
não esconde suas divisões, mas procura trabalhá-las 
pelas instituições e pelas leis. Todavia, no capitalismo, 
são imensos os obstáculos à democracia, pois o con-
flito dos interesses é criado pela exploração de uma 
classe social por outra, mesmo que a ideologia afir-
me que todos são livres e iguais.
É verdade que as lutas populares nos países do capi-
talismo central ampliaram os direitos dos cidadãos e 
que a exploração dos trabalhadores diminuiu muito, 
sobretudo com o Estado do Bem-Estar Social. 
No entanto, houve um preço a pagar: a exploração 
mais violenta do trabalho pelo capital recaiu nas costas 
dos trabalhadores dos países da periferia do sistema.
INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_348a359_U1_c342.indd 353 5/9/13 3:49 PM
A política
u
n
id
a
d
e
 X
I
I
354
Houve uma divisão internacional do trabalho e da 
exploração que, ao melhorar a igualdade e a liberdade 
dos trabalhadores de uma parte do mundo, agravou as 
condições de vida e de trabalho da outra parte. E não 
foi por acaso que, enquanto nos países capitalistas cen-
trais cresciam o Estado do Bem-Estar Social e a demo-
cracia social, no então chamado Terceiro Mundo eram 
implantadas ditaduras e regimes autoritários aos quais 
se aliavam os capitalistas desses países e os capitalistas 
das grandes potências econômicas. 
A situação do direito de igualdade e de liberdade é 
também muito frágil nos dias atuais, porque o modo de 
produção capitalista sofreu uma mudança profunda 
com a crise do Estado de Bem-Estar Social. Para contor-
ná-la, os capitalistas recorreram ao neoliberalismo 
e à ideia liberal de autocontrole da economia pelo 
mercado. Isso afastou a presença do Estado do planeja-
mento econômico e da aplicação dos fundos públicos 
para a garantia de direitos sociais.
O abandono das políticas sociais chama-se privati-
zação, e o do planejamento econômico, desregulação. 
Ambos os termos asseveram que o capital é racional e 
pode, por si mesmo, resolver os problemas econômi-
cos e sociais. Viu-se também o desenvolvimento es-
pantoso das novas tecnologias eletrônicas, que trouxe 
a velocidade da comunicação e da informação e a au-
tomação da produção e distribuição dos produtos.
Essa mudança na organização das forças produtivas 
(pois a tecnologia alterou o processo social do traba-
lho) vem causando o desemprego em massa, o surgi-
mento de movimentos racistas, a exclusão social, políti-
ca e cultural de grandes massas da população.
Em outras palavras, os direitos econômicos e sociais 
conquistados pelas lutas populares correm perigo por 
causa da privatização, do encolhimento da esfera públi-
ca e do alargamento da esfera dos interesses privados. 
Hoje o capital pode acumular-se e reproduzir-se excluin-
do cada vez mais as pessoas do mercado de trabalho e de 
consumo. Não precisa mais de grandes massas trabalha-
doras e consumidoras, pode ampliar-se graças ao desem-
prego em massa e não precisa se preocupar em garantir 
direitos econômicos e sociais aos trabalhadores porque 
não necessita de seus trabalhos e serviços.
Dirigentes e executantes
O direito à participação política também encontra 
obstáculos. De fato, no capitalismo da segunda metade 
do século XX, a organização industrial do trabalho foi 
feita com base em uma divisão social nova: a separação 
entre dirigentes e executantes.
Os primeiros são os que recebem a educação cientí-
fica e tecnológica, são considerados portadores de sa-
beres que os tornam competentes e, por isso, têm o 
poder de mando. Os executantes são aqueles que não 
possuem conhecimentos tecnológicos e cientí ficos e 
são relegados a apenas executar tarefas, sem conhecer 
as razões e as finalidades de sua ação. São por isso con-
siderados incompetentes e destinados a obedecer.
Essa forma de organização da divisão social do tra-
balho propagou-se para a sociedade inteira. Todos es-
tão divididos entre “competentes” que sabem e “in-
competentes” que executam. Em outras palavras, a 
posse de certos conhecimentos tornou-se um poder 
para mandar e decidir.
Essa divisão social converteu-se numa ideologia: a 
ideologia da competência técnico-científica, isto é, a 
ideia de que quem possui conhecimentos está natural-
mente dotado de poder de mando e direção. Essa ideo-
logia, fortalecida pelo estímulo diário via meios de co-
municação de massa, invadiu a política, que passou a 
ser considerada uma atividade reservada para técnicos 
ou administradores políticos competentes, e não uma 
ação coletiva de todos os cidadãos.
Não só o direito à representação política diminui 
porque se restringe aos “competentes”, como também 
a ideologia da competência oculta e dissimula o fato de 
que, para ser “competente”, é preciso ter recursos eco-
nômicos para estudar e adquirir conhecimentos. Ou 
seja, os “competentes” pertencem à classe economica-
mente dominante, que, assim, dirige a política segundo 
seus interesses, e não de acordo com a universalidade 
dos direitos.
neoliberalismo
O neoliberalismo é uma teoria
 que se opôs ao 
Estado do Bem-Estar Social, at
acando seus encargos 
sociais e sua função de regula
dor do mercado. Os 
teóricos neoliberais afirmavam
 que tais medidas 
destruíam a liberdade dos cid
adãos e a competição, 
sem as quais não há prosperid
ade. Propuseram: 
1) o fim dos benefícios sociais 
ou dos direitos 
sociais garantidos pelo Estado
 e o fim das empresas 
públicas; 2) o fim do planejam
ento econômico pelo 
Estado; 3) o predomíniodo cap
ital financeiro sobre 
o capital produtivo; 4) a fragme
ntação e dispersão 
global da produção, de maneir
a a enfraquecer a 
classe trabalhadora e suas org
anizações; 
5) a destinação da riqueza púb
lica às empresas para 
investimento em tecnologias d
e ponta.
INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_348a359_U1_c342.indd 354 5/9/13 3:49 PM
A questão democrática
ca
pí
t
u
lo
 3
4
355
Outro obstáculo ao direito à participação política é 
posto pelos meios de comunicação de massa. Só pode-
mos participar de discussões e decisões políticas se 
possuirmos informações corretas sobre aquilo que va-
mos discutir e decidir.
Ora, os meios de comunicação de massa transmi-
tem as informações de acordo com os interesses de 
seus proprietários e das alianças econômicas e políticas 
destes com os grupos detentores do poder econômico 
e político. Assim, por não haver respeito ao direito de 
informação, não há como respeitar o direito à verdadei-
ra participação política.
Os obstáculos à democracia não inviabilizam a socie-
dade democrática. Pelo contrário. Somente nela somos 
capazes de perceber tais obstáculos e lutar contra eles.
Dificuldades para a democracia 
no Brasil
Periodicamente os brasileiros afirmam que vivemos 
numa democracia depois de concluída uma fase de au-
toritarismo. Por democracia entendem a existência de 
eleições, partidos políticos e a divisão republicana dos 
três poderes, além da liberdade de pensamento e de 
expressão. Por autoritarismo entendem um regime de 
governo em que o Estado é ocupado por meio de um 
golpe (em geral militar) e no qual não há eleições livres 
nem partidos políticos verdadeiros, o poder executivo 
domina o legislativo e o judiciário, há censura do pensa-
mento e da expressão, além de prisão (por vezes com 
tortura e morte) dos inimigos políticos.
Em suma, democracia e autoritarismo são vistos 
como algo que se realiza na esfera do Estado, e este 
é identificado com o modo de governo. Essa visão é 
cega para algo profundo na sociedade brasileira: o 
autoritarismo social. Nossa sociedade é autoritária 
porque é hierárquica, pois divide as pessoas em infe-
riores, que devem obedecer, e superiores, que devem 
mandar. Não há percepção nem prática da igualdade 
como um direito.
Nossa sociedade também é autoritária porque é 
violenta: nela vigoram racismo, machismo, discrimi-
nação religiosa, de origem, de orientação sexual e de 
classe social, desigualdades econômicas que estão 
entre as maiores do mundo, exclusões culturais e 
políticas. Não há percepção nem prática do direito 
à liberdade.
O autoritarismo social e as desigualdades eco-
nômicas levam a sociedade brasileira a polarizar-
-se entre as carências das camadas populares e os 
interesses das classes abastadas e dominantes, sem 
conseguir ultrapassá-los e alcançar a esfera dos di-
reitos. Os interesses, porque não se transformam em 
direitos, tornam-se privilégios de alguns, de sorte que 
a polarização social se efetua entre os despossuídos e 
os privilegiados. Estes, porque são portadores dos co-
nhecimentos técnicos e científicos, são os “competen-
tes”, cabendo-lhes a direção da sociedade.
como vimos, uma carência é sempre específica, sem 
conseguir generalizar-se num interesse comum nem 
universalizar-se num direito. Um privilégio, por defini-
ção, é sempre particular e não pode generalizar-se num 
interesse comum nem universalizar-se num direito, 
pois, se tal ocorresse, deixaria de ser privilégio. Se a de-
mocracia é a criação e garantia de direitos, nossa socie-
dade, polarizada entre a carência e o privilégio, não 
consegue ser democrática.
Estudantes de Ensino Médio 
participam de atividade de 
robótica em escola particular de 
São Paulo, em 2011. A ideologia 
da “competência” privilegia os 
que possuem recursos econômicos 
para estudar e adquirir 
conhecimentos, perpetuando 
desigualdades.
Is
a
d
o
ra
 B
ra
n
t/
F
o
lh
a
p
re
s
s
INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_348a359_U1_c342.indd 355 5/9/13 3:49 PM
A política
u
n
id
a
d
e
 X
I
I
356
Clientelistas, vanguardistas e populistas
Esse conjunto de determinações sociais manifes-
ta-se na esfera política. Em lugar de democracia, te-
mos instituições que têm origem nela, mas que ope-
ram de modo autoritário. Assim, por exemplo, os 
partidos políticos costumam ser de três tipos: os 
clientelistas, que mantêm relações de favor com 
seus eleitores; os vanguardistas, que substituem 
seus eleitores pela vontade dos dirigentes partidá-
rios; e os populistas, que tratam seus eleitores como 
um pai de família trata seus filhos menores.
Favor, substituição e paternalismo evidenciam que 
a prática da participação política, por meio de repre-
sentantes, não consegue se realizar no Brasil. Os re-
presentantes, em lugar de cumprir o mandato que 
lhes foi dado pelos representados, surgem como che-
fes, mandantes, detentores de favores e poderes, sub-
metendo os representados e transformando-os em 
clientes de seus favores.
A “indústria política” — a criação da imagem dos 
políticos pelos meios de comunicação de massa para 
a venda do político aos eleitores-consumidores —, 
aliada à estrutura social do país, alimenta um imaginá-
rio político autoritário. As lideranças políticas são 
sempre imaginadas como chefes salvadores da nação, 
verdadeiros messias escolhidos por Deus e referenda-
dos pelo voto dos eleitores.
A imagem populista e messiânica dos governantes 
indica que a concepção teocrática do poder não desa-
pareceu: ainda se acredita no governante como um en-
viado das divindades cuja vontade tem força de lei. 
Além disso, longe de tomar como referência a ideia 
maquiaveliana da virtù como qualidade das instituições 
públicas e não como virtudes morais dos governantes, 
tende-se a considerar a corrupção como ação de políti-
cos (indivíduos) imorais, e não como efeito da má qua-
lidade das instituições públicas, feitas para servir os po-
derosos e não os cidadãos.
como consequência, as leis não são vistas como ex-
pressão de direitos nem de vontades e decisões públi-
cas coletivas. O poder judiciário aparece como miste-
rioso, envolto num saber incompreensível e numa 
autoridade quase mística. Por isso mesmo, aceita-se 
que a legalidade seja, ao mesmo tempo, incompreensí-
vel e ineficiente, e que a única relação possível com ela 
seja a da transgressão (o famoso “jeitinho”).
como se observa, a democracia, no Brasil, ainda está 
por ser inventada.
Os meios de comunicação e a cultura de massa reproduzem a violência social. Na foto, modelos negros protestam no Rio de Janeiro, em 2012, 
reivindicando representação igualitária em desfiles de moda e na publicidade.
A
n
to
n
io
 S
c
o
rz
a
/A
g
ê
n
c
ia
 F
ra
n
c
e
-P
re
s
s
e
INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_348a359_U1_c342.indd 356 5/9/13 3:49 PM
A questão democrática
ca
pí
t
u
lo
 3
4
357
Carro oficial estacionad
o sobre uma calçada na
 região central 
do Rio de Janeiro, em 20
12.
R
o
b
e
rt
o
 M
o
re
y
ra
/E
x
tr
a
/A
g
ê
n
c
ia
 O
 G
lo
b
o
Esta atividade trabalha com conteúdos de Histó-
ria e Filosofia e com o tema transversal Ética. 
Você já deve ter ouvido falar na expressão “jeiti-
nho brasileiro”, ou seja, o meio pelo qual a transgres-
são das leis e das normas de conduta é praticada na 
sociedade brasileira tanto na esfera pública quanto na 
esfera privada, com a finalidade de contornar proble-
mas ou obter privilégios. O termo é corriqueiro e já faz 
parte do imaginário social.
1. Relate uma situação em que você tenha flagrado al-
guém ou se flagrado fazendo uso do “jeitinho” e respon-
da: Como você se sentiu e/ou agiu diante dessa situação?
2. Você concorda que o “jeitinho” seja um hábito danoso 
à vida em sociedade? Justifique sua resposta buscando 
exemplos tanto na história do Brasil como em situações 
cotidianas.
a filosofia nas e
ntrelinhas
Cena do filme O som ao 
redor, com o ator Gustavo 
Jahn no papel de João.D
iv
u
lg
a
ç
ã
o
/C
in
e
m
a
S
c
ó
p
io
IndIcação de fIlme
O som ao redor
Direção de Kleber 
Mendonça Filho. 
Brasil, 2012. 
Preocupados com a seguran-
ça, os moradores de uma rua 
em um bairro de classe média 
do Recife aceitam os serviços 
oferecidos por uma milícia de 
segurança. O dia a dia das fa-
mílias faz um retrato do Brasil 
atual, marcado pela violência, 
pelo autoritarismo, pela dis-
criminação social e racial, pelo 
consumismo, pela especulação 
imobiliária e pela corrupção. 
atividades
 1. Como opera a ideologia democrática?
 2. Que significa afirmar que as ideias de igualdade e liberda-
de como direitos civis dos cidadãos vão muito além de 
sua regulamentação jurídica formal?
 3. Explique em que medida um direito difere de uma ne-
cessidade ou carência ou de um interesse.
 4. Com base na resposta da questão anterior, em que mo-
mento podemos dizer que uma sociedade — e não um 
simples regime de governo — é democrática?
 5. A democracia grega era direta; a moderna é representa-
tiva. O que isso significa?
 6. O que se entende por direitos políticos e direitos sociais? 
Cite exemplos de ambos.
 7. O que é privatização? E desregulação? Em que medida 
afetam o modo de produção capitalista?
 8. Com o neoliberalismo, houve um encolhimento da es-
fera pública e um alargamento da esfera privada. O que 
isso representa na prática?
 9. O que é a ideologia da competência técnico-científica 
e como ela interfere na política? Que contradições traz 
consigo?
10. De acordo com o texto, a sociedade brasileira é social-
mente autoritária e economicamente desigual. Você 
concorda com essa análise? Justifique sua resposta.
11. Por que, na prática, a sociedade brasileira não consegue 
ser democrática?
INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_348a359_U1_c342.indd 357 5/9/13 3:49 PM
A política
u
n
id
a
d
e
 X
I
I
358
Democracia e revolução 
no Oriente Médio
 p Democracia liberal e democracia de fato
Estamos acostumados a aceitar a definição liberal da 
democracia como regime da lei e da ordem para a garan-
tia das liberdades individuais. Visto que o pensamento 
e a prática liberais identificam liberdade e competição, 
essa definição significa 1) que a liberdade se reduz à 
competição econômica (“livre-iniciativa”) e à competi-
ção política entre partidos que disputam eleições; 2) que 
há uma redução da lei à potência judiciária para limitar 
o poder político, defendendo a sociedade contra a tira-
nia e garantindo os governos escolhidos pela vontade da 
maioria; 3) que há uma identificação entre a ordem e a 
potência dos poderes executivo e judiciário para conter 
os conflitos sociais por meio da repressão; e 4) que, em-
bora apareça justificada como “valor”, a democracia é 
encarada pelo critério da eficácia — medida pela ação 
legislativa dos representantes, entendidos como políti-
cos profissionais, e pela atividade executiva de uma elite 
de técnicos aos quais cabe a direção do Estado.
A democracia é, assim, reduzida a um regime polí-
tico eficaz que se manifesta no processo eleitoral de 
escolha dos representantes, na rotatividade dos gover-
nantes e nas soluções técnicas para os problemas eco-
nômicos e sociais.
Podemos, porém, caracterizar a democracia como ul-
trapassando a simples ideia de um regime político identi-
ficado à forma do governo, tomando-a como forma geral 
de uma sociedade. Assim, podemos considerá-la como:
1. forma sociopolítica definida pela isonomia (igual-
dade dos cidadãos perante a lei) e a isegoria (direi-
to de todos para expor suas opiniões), baseada na 
afirmação de que todos são iguais porque livres. 
Ninguém está sob o poder de outro porque todos 
obedecem às mesmas leis das quais todos são auto-
res. Donde o maior problema da democracia numa 
sociedade de classes ser o da manutenção de seus 
princípios — igualdade e liberdade — sob os efei-
tos da desigualdade real;
2. única forma política na qual o conflito é conside-
rado legítimo e necessário, buscando mediações 
institucionais para que possa exprimir-se. A demo-
cracia não é o regime do consenso, mas do trabalho 
dos e sobre os conflitos. Donde outra dificuldade 
nas sociedades de classes: como operar com os con-
flitos quando estes apresentam a forma da contradi-
ção e não a da mera oposição?
3. forma sociopolítica que busca enfrentar as dificul-
dades e a necessidade de conciliações acima apon-
tadas introduzindo a ideia dos direitos. Graças aos 
direitos, os desiguais conquistam a igualdade, en-
trando no espaço político para reivindicar a partici-
pação nos direitos existentes e, sobretudo, a criação 
de novos direitos, que fazem surgir, como cidadãos, 
novos sujeitos políticos. 
4. único regime político — devido à criação dos di-
reitos — aberto às mudanças temporais, pois con-
sidera o novo como parte de sua existência e, con-
sequentemente, a temporalidade como constitutiva 
de seu modo de ser;
5. única forma sociopolítica na qual o caráter popular 
do poder e das lutas tende a evidenciar-se nas so-
ciedades de classes, na medida em que os direitos 
só surgem ou ampliam seu alcance pela ação das 
classes populares contra a cristalização jurídico-
-política que favorece a classe dominante;
6. forma política na qual a distinção entre o poder e o 
governante é garantida não só pela presença de leis 
e pela divisão de várias esferas de autoridade, mas 
também pela existência das eleições, pois estas sig-
nificam não mera “alternância no poder”, mas assi-
nalam que o detentor do poder é a sociedade e que 
o governante apenas o ocupa por haver recebido um 
mandato temporário para isto. Em outras palavras, 
eleger significa não só exercer o poder, mas manifes-
tar a origem do poder, repondo o princípio romano 
de que eleger é “dar a alguém aquilo que se possui, 
porque ninguém pode dar o que não tem”.
 p O caminho da participação popular
Como poder popular (demos = ‘povo’; krathós = ‘po-
der’), a democracia exige que a lei seja feita por aque-
les que irão cumpri-la e que exprima seus direitos. Nas 
sociedades de classe, o povo como governante não é a 
totalidade das classes nem da população, mas a classe 
dominante, que se apresenta, por meio do voto, como 
representante de toda a sociedade para a feitura das leis, 
seu cumprimento e a garantia dos direitos. Assim, para-
doxalmente, a representação política tende a legitimar 
formas de exclusão política sem que isso seja percebido 
pela população como ilegítimo, ainda que seja perce-
bido por ela como insatisfatório. Consequentemente, 
desenvolvem-se, à margem da representação, ações e 
movimentos sociais que buscam interferir na política 
sob a forma de pressão e reivindicação. Essa forma 
de olho
na atualiDaDe
INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_348a359_U1_c342.indd 358 5/9/13 3:49 PM
A questão democrática
ca
pí
t
u
lo
 3
4
359
costuma receber o nome de participação popular, sem 
que o seja efetivamente, uma vez que só será política e 
democrática se puder produzir as próprias leis, normas, 
regras e regulamentos que dirijam a vida sociopolítica. 
Assim, a cada novo direito criado, a democracia exige 
a ampliação da representação pela participação e a des-
coberta de outros procedimentos que garantam a parti-
cipação como ato político efetivo.
Analisemos, então, os acontecimentos de 2011 no 
Oriente Médio e no Norte da África. Considerando, de 
um lado, os dois traços que definem uma revolução (a 
luta política por fora dos aparelhos políticos institucio-
nais e dos que detêm os postos governamentais; e o Baixo 
da sociedade recusando o Alto, isto é, o poder estabeleci-
do) e, de outro lado, os traços que definem a democracia 
como criação de novos direitos, podemos dizer que esses 
acontecimentos foram revolucionários.
No entanto, os acontecimentos posteriores à “Pri-
mavera do Oriente Médio” suscitam uma reflexão. A 
forma assumida pelo capitalismo, ao transferir o po-
der econômico do setor produtivo para o financeiro, 
destruiu as formas de organização das classes popu-
lares, estruturadas no local de trabalhoe baseadas na 
expressão de demandas por meio de movimentos sin-
dicais e sociais. A fragmentação da produção econô-
mica, agora espalhada em microproduções por todo o 
planeta com a terceirização do trabalho e dos serviços, 
fragmentou as classes populares, isolou os trabalhado-
res e dificultou a organização de movimentos sociais.
 p as tecnologias e a revolução
Muitos teóricos e políticos julgam positivo o térmi-
no das formas tradicionais de organização dos movi-
mentos populares e sociais, que tendiam a se expressar 
em partidos políticos. Julgam que novas maneiras de 
realizar a prática política democrática estão em curso 
na Grécia, em Wall Street e no Oriente Médio, onde 
indivíduos dispersos se associam em prol de uma 
demanda comum ou um interesse comum, sem as 
amarras das antigas organizações sindicais, partidá-
rias, associações de bairro, associações comunitárias, 
etc. Para muitos desses teóricos e políticos, a internet 
abriu um novo horizonte para os novos movimentos 
sociais, como se tem visto com o surgimento e a pro-
pagação das redes sociais. 
Por isso mesmo, considerando que se trata da apro-
priação social e política de uma tecnologia — a tec-
nologia eletrônica —, proponho compará-la a outra. 
No século XVII, os radicais da Revolução Inglesa usa-
ram uma nova técnica de comunicação: a imprensa. Era 
uma pequena prensa portátil, com tipos de madeira pos-
tos numa caixa e recipientes de tinta; um revolucionário 
fabricava sua prensa e os tipos e arranjava papel, levava 
esse material a uma reunião ou discussão pública e im-
primia os resultados dos debates, produzindo panfletos 
que, em algumas horas, eram distribuídos por todo o 
país, mobilizando novos revolucionários. Os radicais não 
só deram um sentido revolucionário à nova tecnologia, 
mas também a um dos resultados da Reforma Protestan-
te, isto é, a alfabetização das populações a fim de garantir 
acesso às traduções da Bíblia para as línguas vernáculas. 
Assim, a alfabetização e a imprensa tornaram-se instru-
mentos de ação política revolucionária.
Se, hoje em dia, levarmos em conta o monopólio 
da informação pelas empresas de comunicação de 
massa, podemos considerar as redes sociais como ação 
democratizadora tanto por quebrar esse monopólio da 
produção e da circulação da informação quanto por 
promover acontecimentos políticos de afirmação do 
direito democrático à participação. 
No entanto, se mantivermos essa comparação, será 
preciso assinalar duas diferenças significativas. A ação 
dos revolucionários ingleses era fundada num saber e 
numa prática autônomos; o revolucionário tinha o saber 
da técnica por ele empregada — fabricava a prensa, a 
tinta e os tipos, produzia o panfleto e o distribuía. Em 
contrapartida, os usuários das redes sociais são heterô-
nomos pois: 1) não possuem, em geral, o domínio tec-
nológico da ferramenta que empregam e 2) não detêm 
qualquer poder sobre a ferramenta empregada, pois 
esta se viabiliza por meio de uma estrutura concentra-
da, a Internet Protocol, com dez servidores nos Estados 
Unidos e dois no Japão. Todos os endereços eletrôni-
cos existentes estão alojados nesses doze servidores, de 
maneira que, se eles se desligarem, desaparece toda a 
internet. Além disso, a gerência do cadastro mundial 
da internet é feita por uma empresa estadunidense em 
articulação com o Departamento de Comércio dos Es-
tados Unidos. Assim, sob o aspecto criativo e anárquico 
das redes sociais em ação política ocultam-se o controle 
e a vigilância sobre seus usuários em escala planetária.
Além disso, a ferramenta usada pelos revolucionários 
ingleses tinha como finalidade organizá-los para a ação 
revolucionária, isto é, visava que eles se encontrassem e 
formassem associações políticas comunitárias de longa 
duração. Não é o caso das redes sociais: por um lado, a 
fragmentação e o isolamento não desaparecem em novas 
formas de organização política e, por outro lado, as ações 
são efêmeras, voláteis e terminam quando os poderes es-
tabelecidos se apropriam das palavras de ordem e das de-
mandas feitas pelas redes. Estas, portanto, não participam 
do desenrolar dos acontecimentos políticos. As redes são 
um estopim político, um evento, mas não dão origem a 
um processo político sob controle de seus participantes. ¶
INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_348a359_U1_c342.indd 359 5/9/13 3:49 PM

Mais conteúdos dessa disciplina