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Autor: Prof. Paulo Afonso Rodi Colaboradores: Prof. Pedro José Gabriel Ferreira Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Ergonomia Professor conteudista: Paulo Afonso Rodi Formado em Engenharia Mecânica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Epusp), bacharel em Física pelo Instituo de Física da USP e Técnico em Mecânica de Precisão pela Escola Senai Suíço‑Brasileira. Possui mestrado em Engenharia Mecânica pela Epusp e trabalha desde 1984 em empresas nacionais e internacionais no desenvolvimento de projetos de equipamentos e produtos para os setores automotivo, militar, metal mecânico, industrial plástico, nuclear e de tecnologias assistivas. Em 2014, recebeu o Prêmio de Melhor Desenvolvimento Tecnológico em Plásticos de Engenharia, com a Roda com Marcha para Cadeiras de Rodas, criada no Centro Tecnológico Mueller e por ele idealizada. Em 2017 iniciou a carreira de docência na Universidade Paulista (UNIP) ministrando as disciplinas de Métodos de Fabricação Mecânica e Projeto de Elementos de Máquinas para os cursos de Engenharia Mecânica e de Produção. Atualmente, leciona disciplinas ligadas ao ensino tecnológico para os cursos de Engenharia na UNIP. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) R692e Rodi, Paulo Afonso. Ergonomia / Paulo Afonso Rodi. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 92 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517‑9230. 1. Ergonomia. 2. Fatores ambientais. 3. Biomecânica ocupacional. I. Título. CDU 331.827 W504.09 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vitor Andrade Jaci Albuquerque de Paula Sumário Ergonomia APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 A ERGONOMIA NO CONTEXTO DE ENSINO DA ENGENHARIA .........................................................9 1.1 A importância da disciplina para o mercado de trabalho dos engenheiros mecânicos no Brasil .................................................................................................................................... 10 1.2 Conceito da ergonomia ..................................................................................................................... 11 1.3 Objetivos da ergonomia ..................................................................................................................... 14 1.4 A evolução da ergonomia ................................................................................................................. 14 1.5 Regulamentação da ergonomia e associações de estudo ................................................... 15 2 NOÇÕES DE FISIOLOGIA APLICADA AO TRABALHO ........................................................................... 17 2.1 Idade, fadiga, vigilância e acidentes ............................................................................................. 18 2.2 Noções de biomecânica ..................................................................................................................... 20 2.3 Fisiologia .................................................................................................................................................. 21 2.4 Antropometria ....................................................................................................................................... 22 3 DIMENSIONAMENTO DE POSTOS DE TRABALHO................................................................................ 25 3.1 Postura e movimentos........................................................................................................................ 26 3.2 Limitações sensoriais .......................................................................................................................... 31 3.3 Dispositivos de controle .................................................................................................................... 38 3.4 Dispositivos de informações ............................................................................................................ 40 3.5 Sistema homem-máquina ................................................................................................................ 42 4 TRABALHO EM TURNO .................................................................................................................................. 43 4.1 Ritmo biológico circadiano .............................................................................................................. 43 4.2 Temporalidades sociais da vida fora do trabalho .................................................................... 44 4.3 Dinâmica temporal das atividades de trabalho ....................................................................... 44 4.4 Formas de regulação pessoal para enfrentar o trabalho em turno ................................. 45 4.5 Organização em trabalhos coletivos ............................................................................................ 45 4.6 Regulações fora do trabalho ........................................................................................................... 45 4.7 Contar com seus ritmos biológicos ............................................................................................... 46 4.8 Prática do trabalho em turnos ao longo dos anos ................................................................. 46 4.9 Recomendações para a organização dos trabalhos ............................................................... 46 Unidade II 5 CONFIABILIDADE TÉCNICA E CONFIABILIDADE HUMANA .............................................................. 51 5.1 Confiabilidade técnica ........................................................................................................................ 51 5.2 Confiabilidade humana ...................................................................................................................... 52 5.3 Classificação das falhas humanas ................................................................................................. 53 5.4 Classificação dos erros ....................................................................................................................... 53 5.5 Classificação das transgressões ...................................................................................................... 54 6 AMBIENTE DE TRABALHO: FATORES AMBIENTAIS ............................................................................. 55 6.1 Ruídos .......................................................................................................................................................55 6.2 Vibrações .................................................................................................................................................. 57 6.3 Iluminação .............................................................................................................................................. 59 6.4 Clima .......................................................................................................................................................... 60 6.5 Substâncias químicas.......................................................................................................................... 61 7 BIOMECÂNICA OCUPACIONAL ................................................................................................................... 61 7.1 BMOcup .................................................................................................................................................... 61 7.2 Posturas corporais ................................................................................................................................ 63 7.3 Aplicação de forças – características dos movimentos ........................................................ 64 7.4 Transmissão de forças manuais ...................................................................................................... 64 7.5 Levantamento de cargas ................................................................................................................... 66 7.6 Equação de Niosh para determinação do peso limite recomendável ............................. 67 8 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO .................................................................................................................. 71 8.1 Tarefas ....................................................................................................................................................... 72 8.2 Cargos ....................................................................................................................................................... 72 8.3 Organização do trabalho ................................................................................................................... 73 8.4 Método ergonômico ........................................................................................................................... 74 8.5 Estudo de caso: cadeira de rodas com marcha ........................................................................ 76 7 APRESENTAÇÃO Este livro-texto apresenta os fundamentos teóricos e práticos associados à ergonomia, que são necessários para selecionar e elaborar postos de trabalho fabris e novos produtos. Nesse contexto, destacam-se a avaliação de produtos e as organizações produtivas já existentes. Acentuam-se os principais aspectos funcionais do ser humano, que, no modelo idealizado homem-máquina-ambiente, desempenha o papel de maior relevância e, em muitos casos, tais aspectos são limitantes. A ação ergonômica contribui na correção da idealização inicial de um produto. Há ilustrações de diversos exemplos reais neste livro-texto, que apresentam sucintamente muitas recomendações práticas importantes quanto aos novos empreendimentos de projetos, com foco na adaptação do ambiente ao trabalhador. Para ampliar o conhecimento, há várias referências feitas ao longo do texto, assim o aluno poderá fazer consultas mais especializadas. Ao assimilar tais conteúdos, deseja-se que o aluno se sinta estimulado a trabalhar na área de ergonomia, contribuindo com a sociedade no futuro. INTRODUÇÃO Engenharia é uma ciência aplicada a um largo espectro de atividades humanas. Dedica-se ao emprego de conceitos científicos ou de evidências empíricas para projeto, construção, operação ou serviços de manutenção de estruturas, máquinas, dispositivos diversos, produtos, processos fabris, materiais. A bioengenharia, um segmento importante dedicado a projetos relacionados ao setor da saúde humana, contribui eficazmente com o desenvolvimento das próteses de membros amputados ou por meio de outras tecnologias assistivas. Esta disciplina reúne de maneira científica diversos saberes de outras disciplinas, não só do campo técnico, mas também das ciências humanas, como psicologia, anatomia, fisiologia e biomecânica, assumindo, portanto, o caráter multidisciplinar. Em geral, estudantes de engenharia iniciam seus estudos com uma dose maior de informações exclusivamente técnicas, necessárias para a solução de diversos “problemas” pré-elaborados, o que é vital para sua formatação mental e treinamento para enfrentar os reais desafios do futuro. É natural haver maior preocupação com fórmulas, equações e métodos de solução computacionais que o ajudem a tratar as questões técnicas. No entanto, quando se percebe que um elemento complexo, não fácil de “modelar” matematicamente, está presente em quase tudo o que se desenvolve no mundo, para o qual tudo é feito, isto é, o indivíduo humano, aí é que as coisas se tornam muito mais difíceis de serem resolvidas, pois, nesse sistema ambiente-homem-máquina, as interações nas interfaces não têm um tratamento muito bem estabelecido para muitas das diversas situações. 8 De início, apresenta-se a importância desta disciplina nos cursos de engenharia, bem como conceito, objetivos, surgimento e evolução até hoje. Trata-se das regulamentações aplicadas no âmbito nacional e internacional, aspectos fisiológicos do trabalhador e limitações decorrentes de idade e cansaço, motivos para uma adequação específica de postos de trabalho e estabelecimento eficiente de jornadas de atividade. Estuda-se o conteúdo prático referente ao correto movimento corporal, gestos posturais, formas de captação sensorial de informações e seu uso no modelo idealizado homem-máquina-ambiente, muito difundido para o estudo e análise do indivíduo nesse sistema. Em suma, primeiramente trata-se a ergonomia sob os aspectos humanos envolvidos. Posteriormente, faz-se uma abordagem qualitativa e quantitativa dos principais aspectos do meio ambiente, que influenciam o desempenho e o bem-estar do indivíduo em suas atividades produtivas. A aplicação prática da biomecânica musculoesquelética na execução de estudo ergonômico de atividades e de projeto é enfatizada. Alguns exemplos de aplicação são citados para demonstrar o valor do método ergonômico no desenvolvimento ou na avaliação de produtos e elaboração de postos de trabalho. Serão analisados os fatores ambientais no trabalho, como clima, ruído, vibrações, iluminação e toxicidade, cujas influências sobre o desempenho de atividades e saúde do indivíduo podem ser benéficas ou danosas. Diversas recomendações para o bom projeto de postos de trabalho serão acentuadas. Por fim, destaca-se um estudo de caso sobre a aplicação da ergonomia em projeto de produto voltado à tecnologia assistiva. Um bom estudo desse conteúdo é o que desejo a você, caro leitor! 9 ERGONOMIA Unidade I O intuito deste livro-texto é trazer de forma sucinta, porém didática, os conhecimentos básicos envolvidos na compreensão dos conceitos e da terminologia própria de ergonomia. Apesar da vasta abrangência dos estudos ergonômicos – aplicados ao desenvolvimento ou avaliação de produtos, organização de postos de trabalho, ou mesmo no leiaute de uma fábrica inteira –, foi necessário ilustrar o foco de interesse dos alunos da área de engenharia, tendo em vista sua aplicação como material de apoio para cursos de ensino a distância (EaD). Inicialmente, destaca-se o que é ergonomia, situando sua origem e evolução mundial nos últimos anos, as regulamentações envolvidas especialmente no Brasil (NR-17) para as empresas profissionais, com o objetivo de melhor adaptação do local de trabalho às necessidades dos trabalhadores, promovendo maior eficiência na execução das atividades. 1 A ERGONOMIA NO CONTEXTO DE ENSINO DA ENGENHARIA O contexto atual do ensino de ergonomia e projeto nos cursos de ensino superior apresentauma série de desafios ao professor: por um lado, tem-se a aparente distância entre as discussões conceituais, subjetivas, inerentes ao campo da ergonomia e a característica prática recorrente à disciplina de projeto; por outro, a grande diversidade de áreas de formação e interesses dos alunos pode acarretar a incompreensão da real importância da área de ergonomia e projeto, possivelmente causando a falta de interesse em alguns alunos (BRAATZ et al., 2017). A ergonomia pode contribuir para solucionar diversos problemas sociais relacionados a saúde, segurança, conforto e eficiência. Muitos acidentes podem ser causados por erros humanos. Estes podem ocorrer com aviões, carros, guindastes ou tarefas domésticas. Analisando-os, conclui-se que são causados pelo relacionamento inadequado entre os operadores e suas tarefas. A probabilidade de ocorrência dos acidentes pode ser reduzida quando se consideram adequadamente as capacidades e limitações humanas e as características do ambiente durante o projeto do trabalho (DUL; WEERDMEESTER, 2016). A evolução dos processos de trabalho demanda o aprendizado contínuo, para tornar-se mais competente e eficaz, sendo um imperativo nas organizações que buscam maior competitividade; portanto, é uma questão central para a psicologia do trabalho, a psicologia educacional, a educação profissional e a ergonomia (ANTIPOFF; LIMA, 2017). Atualmente, a ergonomia abrange sistemas complexos, nos quais dezenas ou até centenas de homens, máquinas e materiais interagem continuamente entre si na realização de um trabalho. Abarca quase todos os tipos de atividades humanas, em especial no setor de serviços, como saúde, educação, transporte, lazer e até no estudo de trabalhos domésticos (IIDA; BUARQUE, 2005). 10 Unidade I 1.1 A importância da disciplina para o mercado de trabalho dos engenheiros mecânicos no Brasil A ergonomia nasceu após a Segunda Guerra Mundial, quando engenheiros, psicólogos e fisiologistas trabalhavam em conjunto para propor soluções práticas às demandas extremas de trabalho às quais os operários envolvidos no esforço de guerra eram submetidos. Com esse trabalho inicial e de natureza interdisciplinar, nascia um novo campo de estudo, cujo objetivo era analisar o sistema formado pelo homem e o seu ambiente de trabalho, evidenciando os possíveis fatores de estresse muscular e, consequentemente, fadiga, riscos à saúde e eventuais acidentes. Avaliava-se a desmotivação para a realização de tarefas, que à época eram de natureza repetitiva. Nesse contexto, a presença de engenheiros nessa equipe multidisciplinar já era vital, tendo em vista seus conhecimentos, competências e habilidades desenvolvidas para a solução de problemas. No âmbito atual das atividades industriais, não é apenas o engenheiro mecânico o responsável pela condução dos projetos de ergonomia associados a todas as interações do trabalhador em seu local de trabalho existentes em uma indústria, qualquer profissional de engenharia pode sê-lo. As atribuições inerentes ao cargo do engenheiro ergonomista vão desde a adequação de postos de trabalho às limitações físicas e cognitivas do trabalhador, leiautes organizacionais, avaliações de situações de risco à segurança no trabalho até a metodologia de incentivos à participação eficiente na produção. O objetivo alcançado é demonstrado pela métrica do resultado auferido na operação fabril: índice de refugo muito baixo, sem ocorrências de acidentes e afastamentos do trabalhador, maior rentabilidade do negócio e, não menos importante, a maior satisfação do “colaborador” envolvido no processo produtivo. Nota-se, portanto, a grande relevância e contribuição do engenheiro nesse campo de trabalho. O projeto da ergonomia orienta-se para a adaptação do trabalho ao homem, com o objetivo de associar a saúde dos trabalhadores (cognitiva e mental) a sua eficácia no trabalho. Todavia, a formação das pessoas – seja ela um meio, seja ela um objetivo da intervenção no trabalho – constitui uma ação que permite à ergonomia contribuir para o desenvolvimento de três domínios interdependentes: • A concepção de produtos e sistemas de produção de bens ou serviços, orientada pelo uso e pelo utilizador. • A construção da saúde, a promoção da segurança no trabalho e a prevenção dos riscos profissionais. • O reconhecimento de competências, o desenvolvimento da especialização profissional dos trabalhadores e a transmissão da experiência no trabalho, considerando as condições de produção (LACOMBLEZ; TEIGER, 2014). Por isso, o aprendizado da ergonomia no âmbito dos cursos de engenharia é um fator essencial no desenvolvimento de uma dinâmica de concepção do espaço de trabalho, capaz de produzir experiências de sua aplicação no contexto do ensino de uma metodologia de análise. Essa aproximação da teoria à prática é o que possibilita o projeto de melhorias pretendidas, por meio da articulação dos conceitos relevantes à temática, e promove um maior engajamento dos alunos no processo de aprendizagem. 11 ERGONOMIA O profissional que trabalha nessa área é o ergonomista. Dependendo do país, essa titulação pode ser obtida por meio de um curso de graduação (embora no Brasil ainda não esteja disponível, somente em nível de pós-graduação na modalidade de especialização) ou pela prática. O sistema certificador estabelecido pela Associação Brasileira de Ergonomia (Abergo) – Norma ERG BR 0000 de 4/9/2004 – possibilita o credenciamento do ergonomista no País. 1.2 Conceito da ergonomia Historicamente, o termo ergonomia foi criado na Inglaterra (1949) por um grupo de pesquisadores interessados em formalizar esse novo ramo de aplicação interdisciplinar da ciência para o estudo da relação do homem produtivo com o seu ambiente de trabalho. Daí em diante, os antigos termos “fisiologia e psicologia do trabalho”, então voltados para tais estudos, foram abandonados na Europa e substituídos por “ergonomia”, do grego ergon, que significa “trabalho”, e nomos, que expressa “leis, regras ou normas”. Designa a ciência do trabalho que se aplica a todos os aspectos da atividade humana (IEA, [s.d.]). Também chamada de engenharia dos fatores humanos, ergonomia é a disciplina voltada ao entendimento das interações do homem com os demais elementos de um sistema, aplicando teorias e métodos analíticos para otimizar o seu desempenho e bem-estar, aumentando sua eficiência e produtividade nas tarefas realizadas. Os ergonomistas contribuem no projeto de produtos, avaliação de tarefas, serviços e ambiente de trabalho de forma sistêmica, a fim de compatibilizá-los às habilidades, necessidades e limitações da pessoa. Figura 1 – Ergonomia harmoniza a interação do homem com suas habilidades, limitações e necessidades 12 Unidade I A ergonomia lida com conteúdo de base, com diagnósticos e com projetos. Nesse particular, cabe fazer uma importante distinção entre ela e as práticas de projeto, como a arquitetura, o design e a engenharia, bem como as que operam sobre diagnósticos, como a medicina, a fisioterapia e a administração, separando-as ainda das disciplinas de base, como a anatomia, a fisiologia, a psicologia e, mais recentemente, a linguística. A ergonomia se situa entre todas essas áreas, buscando das disciplinas de base elementos e conhecimentos que, examinados à luz de seu estudo particular da atividade de trabalho, permitem enriquecer os diagnósticos e esclarecer os modelos conceituais para um projeto (programação, necessidades ou projeto básico). Onde se colocar a relação sociotécnica entre pessoas, tecnologia e organização, ali estará a ergonomia. É essencial diferenciar a ergonomia das disciplinas correlatas e das que empregam seus resultados. Assim como a medicina não engloba a química no caso de exames laboratoriais, a engenharia não envolve o cálculo infinitesimal nos projetos estruturais. Então não é correto apontar a ergonomia como um capítulo da engenharia de segurança, do design de produtos, da arquitetura de locais de trabalho,tampouco como um conteúdo da medicina do trabalho, da fisioterapia preventiva ou da administração da produção. Relatos acerca de situações do cotidiano pessoal ou profissional de milhares de pessoas pelo mundo afora revelam que a atividade produtiva de homens e mulheres, jovens e idosos, sadios ou adoentados, não é tão simples como parece; deve ser objeto de estudo mais embasado, análise mais elaborada. A isso é que se propõe a ergonomia: produzir esse entendimento para que mudanças e decisões tecnológicas sejam mais bem aplicadas. Assim, a saúde das pessoas, a eficiência dos serviços e a segurança das instalações estarão sendo efetivamente incorporadas à vida das organizações e em seu cotidiano. Um exemplo que pode ilustrar a ação ergonômica em projetos de produtos é apresentado a seguir, na figura, dois leiautes distintos da grafia de instrumentos de painéis veiculares são mostrados, e podemos notar o indicador de velocidade e o conta-giros do motor. Na ilustração (A) é claro que à esquerda está o indicador de rotações do motor, e à direta, o velocímetro, pois as escalas numéricas utilizadas nas cifras impressas são bem distintas entre si. O mesmo não acontece com o mostrador em (B). A) B) Figura 2 – Exemplos de painéis de instrumentos veiculares: A) percepção correta; B) sujeito à má interpretação pelo motorista 13 ERGONOMIA Na imagem (B), a aparente confusão e má interpretação das grandezas ilustradas no indicador poderiam até causar um acidente de trânsito ou, no mínimo, uma multa por excesso de velocidade, caso o motorista entendesse que sua velocidade, por exemplo, fosse de 30 km/h (observando o instrumento à direita), quando na realidade poderia ser 60 km/h ou 70 km/h (observação do instrumento à esquerda), dado que ambas as leituras não são dependentes entre si em um automóvel típico. A rigor, sabe-se que instrumentos alinhados ou muito próximos devem ter suas escalas numéricas feitas de forma bem distintas – com incrementos entre as cifras também distintos – de forma a minimizar as possibilidades de má interpretação para qualquer usuário. Esse exemplo em particular está associado à capacidade cognitiva do homem em relação aos outros componentes do sistema, nesse caso, o habitáculo do automóvel. Observação Lembre-se de que a ergonomia trabalha com diversos conceitos multidisciplinares e, por isso, é uma área bastante complexa, cujo domínio leva um bom tempo para o seu aprendizado. Em tudo que é feito para o uso humano há uma boa parcela da aplicação dos conceitos e das técnicas ergonômicas. Saiba mais As interfaces homem-sistema (IHSs) são as partes importantes de uma planta industrial na qual as pessoas interagem para realizar suas funções e tarefas. As IHSs incluem alarmes, mostradores de informação e controles. Um exemplo de aplicação da ergonomia no desenvolvimento de uma nova tela de visão geral de uma planta nuclear, simulada sob procedimentos de operação em emergência, pode ser vista no site a seguir: OLIVEIRA, M. V. MOREIRA, D. M.; CARVALHO, P. V. R. Construção de interfaces para salas de controle avançadas de plantas industriais. Ação Ergonômica – Revista Brasileira de Ergonomia, v. 3, n. 1, p. 1-8, 2007. Disponível em: http://www.abergo.org.br/revista/index.php/ae/article/ download/57/54. Acesso em: 11 set. 2019. Para ilustrar o que já foi feito e poder aprender por meio de exemplos reais, em projetos de produtos, alguns até engraçados pela falta de ergonomia, acesse: www.baddesigns.com A ergonomia tem o fito de responder às demandas acerca da atividade de trabalho e do uso de produtos. Demandas que estabelecem campos de interesse amplos e diversificados, que abrangem 14 Unidade I temas que vão da anatomia à teoria das organizações, do cognitivo ao social, do conforto à prevenção de acidentes, e que, por isso mesmo, estão acima da capacidade de um profissional, requerendo multidisciplinaridade, para formar uma equipe, e interdisciplinaridade, para que possam trabalhar juntos e conseguir bons resultados. 1.3 Objetivos da ergonomia Podemos afirmar que o objetivo desta disciplina é duplo. De um lado, um propósito centrado nas organizações e no seu desempenho, que pode ser aprendido sob diferentes aspectos: eficiência, produtividade, confiabilidade, qualidade, durabilidade etc. De outro, um objetivo centrado nas pessoas, desdobrando-se em diferentes dimensões: segurança, saúde, conforto, facilidade de uso, satisfação, interesse do trabalho, prazer etc. (FALZON, 2007). Entre alguns de seus objetivos básicos estão: oferecer conforto ao trabalhador e prevenir a ocorrência de acidentes de trabalho, bem como de patologias específicas para determinado tipo de tarefa laboral. Os procedimentos ergonômicos contribuem para a diminuição do cansaço, bem como tornam eficientes os procedimentos que se propõem a evitar lesões ao trabalhador. Verifica-se que a segurança no trabalho e a prevenção dos acidentes laborais são temas de extrema relevância. Para tanto, a ergonomia propõe-se à criação de locais adequados e de apoios ao trabalho; à criação de métodos laborais e sistemas de retribuição de acordo com o rendimento; à determinação de horários; ritmo de trabalho, entre outros procedimentos, sempre contemplando a empresa e suas relações estabelecidas com os trabalhadores sob uma ótica humanitária. Ora, fica claro que não é o trabalhador que tem que se adaptar às condições de trabalho, e sim o contrário, não somente às questões físicas, mas às suas características psicofisiológicas, como atenção, estresse, pressão por resultado etc. 1.4 A evolução da ergonomia Já na Pré-História, havia a adaptação de ferramentas a uma atividade específica. Naquele tempo, o homem moldava uma pedra à sua mão para facilitar os movimentos e poder caçar melhor ou defender-se de inimigos. Na era da produção artesanal, as atividades também eram adequadas às necessidades humanas, mas a Revolução Industrial imprimiu um novo ritmo de trabalho, obrigando os empregados a se sujeitarem a jornadas mais longas de trabalho e em ambientes muitas vezes insalubres. No fim do século XIX, surge nos EUA o movimento da administração científica, também chamado de taylorismo, quando estudos sistemáticos sobre o trabalho começam a ser realizados. Na Europa, na mesma época, os estudos da área de fisiologia humana são transferidos para o terreno prático dos trabalhadores de minas de carvão e fundições, onde se verificavam grandes esforços e gastos de energia em situações muito insalubres. Novos interesses em fadiga muscular e aptidão física impulsionaram outros institutos de pesquisa a desenvolverem estudos interdisciplinares com a psicologia e a fisiologia do trabalho nas áreas de postura corporal, manuseio de cargas, iluminação e ventilação de postos de trabalho, entre muitas outras. 15 ERGONOMIA O esforço de guerra gerado pela Segunda Guerra Mundial trouxe como contribuição positiva à ergonomia a necessidade de adaptação do manuseio de artefatos bélicos às características e capacidades físicas do soldado, de forma a melhorar seu desempenho, reduzindo a fadiga e o nível de acidentes no ambiente de batalha. Com o fim da guerra, os conhecimentos adquiridos nesse campo da ergonomia puderam ser aplicados na vida civil, contribuindo para as condições de trabalho e produtividade dos trabalhadores. Muitos estudos realizados a partir de então foram direcionados a melhorias nos sistemas de interface homem-máquina, como em aviões, embarcações navais, automóveis, aparelhos domésticos, beneficiando de maneira mais ampla a população. Seguindo essa evolução, a primeira associação científica de ergonomia foi a Ergonomics Research Society, fundada na Inglaterra no início da década de 1950. Nos Estados Unidos, funda-se a Humar Factors Society, em 1957. A terceira associação surgiu na Alemanha, em 1958. A partir disso, durante as décadas de 1950 e 1960, a ergonomia difundiu-se rapidamente em diversos países, principalmente no mundo industrializado.Em 1961, criou-se a Associação Internacional de Ergonomia (International Ergonomics Association – IEA), que agrega hoje as associações de ergonomia dos diversos países. No Brasil, a Associação Brasileira de Ergonomia (Abergo) foi fundada em 1983. Saiba mais Para ampliar seu conhecimento sobre a história da ergonomia na Europa, recomenda-se a seguinte leitura: FALZON, P. Ergonomia. São Paulo: Edgard Blücher, 2007. 1.5 Regulamentação da ergonomia e associações de estudo A Abergo, com sede no Rio de Janeiro, é uma associação sem fins lucrativos formada com o objetivo do estudo das interações das pessoas com a tecnologia, a organização e o ambiente, considerando as suas necessidades, habilidades e limitações, promovendo a divulgação desses resultados por meio de simpósios, publicações e cursos nessa área. Também é a responsável por conceder o certificado de ergonomista aos profissionais da área que atuam no Brasil. Nesse contexto, com o fito de regulamentar e fixar parâmetros, procedimentos e metas para tal, surgiu a Norma Regulamentadora 17 (Ergonomia), do Ministério do Trabalho e Emprego, regulamentada pela Portaria 3.214, de 8 de junho de 1978, que aprova as normas regulamentadoras do Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), relativas a Segurança e Medicina do Trabalho. A NR-17 é de extrema relevância, pois algumas doenças de trabalho são desenvolvidas a partir da exposição ao risco ergonômico que muitos trabalhadores estão sujeitos, por exemplo: lesões por esforços repetitivos (LER); trabalhos realizados em pé durante toda a jornada; levantamentos de cargas; monotonia. 16 Unidade I De início, a NR-17 foi criada para um grupo específico de trabalhadores: pessoas que lidavam com processamento eletrônico de dados, tanto que ao longo do texto da norma, nos deparamos diversas vezes com expressões como “toques sobre o teclado”; “toques reais exigidos pelo empregador não deve ser superior a”; “exigência de produção; “processamento eletrônico de dados”; “terminais de vídeo”; “a exigência de produção em relação ao número de toques”. No entanto, hoje abrange as mais diversas categorias de trabalho. Nesse passo, para garantir a eficácia dessa norma, de acordo com o que estabelece o subitem 17.1.2 da NR-17, cabe ao empregador realizar a chamada análise ergonômica do trabalho (AET), o que é feito por qualquer profissional capacitado para tal, que irá elaborar um laudo descritivo de análise ergonômica. No que consiste tal análise? Consiste em um processo que divide a linha produtiva em vários seguimentos para que se tenha conhecimento das tarefas a serem realizadas, quais ações são desempenhadas para executá-las, como as atividades são elaboradas, bem como quais as dificuldades encontradas pelos trabalhadores. A partir dessa análise, é possível definir os procedimentos ergonômicos a serem desenvolvidos. Nos dias atuais, as empresas que pretendem sobreviver no mercado globalizado e extremamente competitivo devem desenvolver uma estrutura ergonomicamente projetada para seus trabalhadores, visando não apenas ao aumento de produtividade, mas também com objetivo de melhorar constantemente a imagem da empresa junto aos seus colaboradores. É possível estabelecer a aplicação da ergonomia no ambiente de trabalho por meio dos seguintes passos: • Elaboração do programa de ergonomia, que consiste no levantamento dos riscos ergonômicos e na concepção do programa de ergonomia. • Conscientização dos funcionários, que se dá através de treinamentos e palestras para sua conscientização acerca dos riscos ergonômicos e formas de prevenção. • Aperfeiçoamento do programa de ergonomia, o que é feito por meio de correção e aperfeiçoamento do programa de ergonomia aplicado no ambiente de trabalho. Em nível internacional, a International Organization for Standardization (ISO) elabora diversas normas com a participação de entidades interessadas e especialistas em ergonomia. Saiba mais Uma lista completa dessas normas pode ser encontrada em: www.iso.org A abrangência das normas ISO compreende aspectos gerais em ergonomia, tratando de: segurança de máquinas, projeto do produto, posto de trabalho e equipamento; normas para postura e movimento 17 ERGONOMIA (biomecânica, antropometria); normas para informação e operação (interfaces, software, mostradores e controles); normas sobre fatores ambientais (ruídos, vibrações, iluminação, clima); normas sobre organização do trabalho (carga de trabalho); normas sobre o método ergonômico (DUL; WEERDMEESTER, 2016). Há diversas associações que congregam entidades interessadas no estudo e desenvolvimento da ergonomia em nível mundial. • Ergonomics Society: criada na Inglaterra em 1949, é a mais antiga associação de ergonomia do mundo. • International Ergonomics Association (IEA): fundada em 1961, congrega 40 associações de ergonomia de vários países, representando cerca de 19 mil ergonomistas. A IEA desenvolveu um diretório de cursos de ergonomia no mundo. • Human Factors and Ergonomics Society (HFES): instaurada em 1957 nos EUA, congrega cerca de 4.500 ergonomistas de vários países. • Federation of European Ergonomics Societies (FEES): com 15 associações de ergonomia da Europa ligadas à International Ergonomics Association (IEA), representa cerca de quatro mil sócios. Também há empresas internacionais que fornecem muitas informações úteis nessa disciplina. • Ergonomics Abstracts: provê uma base de dados sobre livros e artigos em ergonomia publicados em periódicos e apresentados em congressos. • Ergoweb: apresenta informações sobre ergonomia veiculadas pela empresa americana Ergoweb Inc. • Usernomics: é uma empresa que atua na usabilidade de softwares, hardwares e postos de trabalho. Observação No fim deste livro-texto há a indicação dos sites das associações citadas anteriormente. 2 NOÇÕES DE FISIOLOGIA APLICADA AO TRABALHO O corpo humano pode ser entendido como um complexo mecanismo de elos (o esqueleto) interconectados por juntas (articulações) e acionados por atuadores (músculos) localizados adequadamente (ligamentos). Por meio desse intrincado mecanismo, controlado por uma lógica igualmente complexa (o cérebro), é dada a capacidade ao homem de assumir inúmeras posturas e realizar movimentos diversos. Como em todo mecanismo, dependendo da postura e da carga (condição estática) ou do movimento sob carga (condição dinâmica), o gasto energético ou mesmo do nível atingido das forças em seus elementos pode assumir magnitudes muito elevadas e danificar em certo grau o seu desempenho ou até causar a sua total ruptura, decorrente das altas tensões provocadas por algumas combinações inadequadas. 18 Unidade I Por essa razão, a postura e o movimento corporal têm grande importância na ergonomia das tarefas em postos de trabalho, envolvendo as diversas situações usuais na posição sentada, em pé, levantando e movimentando cargas. 2.1 Idade, fadiga, vigilância e acidentes O envelhecimento da população ativa nos países industrializados é um fato observado e decorrente de fatores diversos: diminuição da taxa de fecundidade nas últimas décadas; entrada tardia de jovens no mercado de trabalho em razão do efeito combinado da escolaridade mais longa exigida e do desemprego; e a dificuldade imposta pelos limites mais altos de idade para a aposentadoria. Os trabalhadores mais velhos são confrontados às condições modernas do trabalho, como: • Respeito a normas de produção e prazos estritos, tendo que responder com urgência a flutuações de demandas, sem haver estratégias mais apropriadas ao seu envelhecimento. • Irregularidade e imprevisibilidade de horários, especialmente em trabalho noturno, sem uma adequada planificação antecipada, opondo-se à buscada regularidade pelos que estão envelhecendo. E os horários, que pressupõem trabalhar em defasagem em relação aos ritmos biológicos, acabam acentuando a fragilização devido à idade das regulações dos ritmos vigília-sono-refeições. • O ritmorápido nas reestruturações industriais e a busca de flexibilidade nos postos de trabalho trazem a consequente pressão do tempo de aprendizagem aos mais velhos, que não são mais adaptados a tais situações de mudanças, e assim comprometem a valorização e a consolidação de sua experiência mais vasta. O trabalho também interfere nas transformações que ocorrem com a idade. Por um lado, o trabalho e suas condições de execução agem sobre os processos de envelhecimento, sobre o declínio de certas capacidades e sobre as modalidades de construção da experiência: trata-se do envelhecimento “pelo” trabalho. Por outro, as transformações do indivíduo facilitam ou tornam difícil a execução do trabalho nas condições impostas pelo sistema de produção: trata-se, então, do envelhecimento “em relação” ao trabalho, com consequências negativas (fadiga aumentada, baixa no desempenho, desqualificação profissional) ou positivas (rearranjo eficiente da maneira de trabalhar, mobilidade ascendente etc.). Confrontada com essa evolução, cabe à ergonomia ter uma visão precisa e sensível para propor alternativas inteligentes à concepção de novos meios de trabalho que possam abranger, em resumo, as modificações decorrentes com o avanço da idade: • Diminuição da capacidade de esforço físico intenso e da mobilidade articular. • Fragilização do sistema de equilíbrio do corpo, que explica a frequência de quedas entre os mais velhos. 19 ERGONOMIA • Diminuição das capacidades sensoriais principais na aquisição de informação, a visão e a audição, sendo que as demais são pouco afetadas no decorrer da vida ativa. • Fragilização do sono e da regulação vigília-sono decorrente da perturbação do ciclo biológico (ritmo circadiano), o que explica a diminuição da tolerância ao trabalho em turnos ou noturno, com a idade. • Diminuição na velocidade do tratamento da informação e, portanto, do processo decisório, que em parte se explica pelo desenvolvimento de comportamento de prudência, de verificação, e torna o trabalho sob pressão de tempo cada vez mais difícil de lidar com a idade. • Fragilização da memória imediata e da atenção continuada, partilhada, alternada ou seletiva, tornando mais difícil lidar com os modernos meios de produção multitarefas. Alguns desses problemas podem encontrar soluções na concepção dos meios de trabalho: ajuda na manutenção, reforço das características físicas das informações ou modalidades de sua redundância, lembretes. Outros requerem modificações da organização do trabalho. Outros ainda excluem os mais velhos de certos postos (passagem do trabalho em turnos ou noturno para um de dia com mudança de ofício); é preciso, portanto, prever antecipadamente sua realocação com uma formação prévia (FALZON, 2007). Outro aspecto vital, que está relacionado ao grau de atenção exigido por um tipo de tarefa e a eventualidade de acidentes gerados por uma diminuída vigilância, é a fadiga do trabalhador. Todo projeto ergonômico deve procurar balancear o gasto energético para uma desejada produtividade com redução da fadiga. No campo da aviação, por exemplo, os problemas mais observados na relação homem/máquina/meio durante a operação aérea estão relacionados com a carga de trabalho do piloto. É notável que a automação trouxe significativa redução da carga física de trabalho dos pilotos, com a simplificação de inúmeras tarefas que outrora demandavam uma ação mecânica da tripulação técnica. Entretanto, houve aumento substancial de sua carga cognitiva de trabalho, através da qual o estresse (no sentido de tensão mental), a confusão e a fadiga mental se fazem mais presentes no cotidiano operacional (ABREU JÚNIOR, 2008). A NR-17, no seu item 17.4.2, também faz menção à fadiga visual nas atividades que envolvam leitura de documentos para digitação, datilografia ou mecanografia. No posto de trabalho deve ser montado um suporte adequado para documentos que possa ser ajustado, proporcionando boa postura, visualização e operação, evitando movimentação frequente do pescoço e fadiga visual (BRASIL, 2002). Como citado anteriormente, diversos princípios importantes da ergonomia derivam-se de outras áreas do conhecimento, como a biomecânica, a fisiologia e a antropometria. Esses conhecimentos são vitais para formular as recomendações sobre a postura e a movimentação, que contribuem para reduzir os níveis de estresse (tensão muscular) e de fadiga, possibilitando melhor produtividade na atividade. 20 Unidade I 2.2 Noções de biomecânica Nesse campo, aplicam-se as leis da física para o estudo da mecânica do corpo humano, podendo-se estimar as tensões desenvolvidas nas ligações dos músculos à estrutura óssea e as reações nas articulações, bem como determinar os respectivos níveis seguros para não ocasionar lesões, tanto em nível estático como dinâmico, por longos períodos de atuação (fadiga). Trabalho estático O trabalho estático é aquele que exige contração contínua de alguns músculos para manter uma determinada posição. Esse tipo de contração, que não produz movimentos da estrutura óssea, é chamado de contração isométrica. O tempo de permanência da contração aplicada – cuja magnitude nunca deverá ser superior a 100% da força máxima suportada pelos respectivos músculos em ação – é uma função dessa magnitude. Em suma, níveis mais elevados de força requerem tempo de permanência menor da contração. Para esforços repetitivos ao longo de uma jornada de trabalho, a carga estática não deve superar aproximadamente 8% da força máxima, para evitar o aparecimento, ao longo de determinado prazo de execução da atividade, de dores e sinais de fadiga, conforme mostrado na figura a seguir. Por exemplo, com 50% do esforço muscular máximo, o tempo suportável seria de aproximadamente um minuto. Duração versus esforço muscular 1000 100 10 1 0,1 0 10 30 50 70 9020 40 60 80 100 Esforço muscular (%) Du ra çã o (m in ut os ) Figura 3 – Limitação de esforço muscular localizado contínuo Trabalho dinâmico Ocorre quando há contrações e relaxamentos alternados dos músculos, como em atividades de movimento corporal, exigindo maior circulação sanguínea, a qual promove maior oxigenação muscular e, consequentemente, aumentando a resistência à fadiga. Portanto, o trabalho estático é muito mais fatigante e deve ser evitado, ou ao menos aliviado por meio de mudanças de postura e utilização de apoios para partes do corpo, com o objetivo de reduzir as contrações estáticas dos músculos. 21 ERGONOMIA Deve-se prevenir a exaustão muscular para não exigir um tempo de recuperação muito longo, sem capacidade de produzir, conforme resumido no gráfico a seguir. 100 80 60 40 20 0 90 70 50 30 10 0 10 205 15 25 30 Recuperação da capacidade muscular (%) Tempo de descanso (minutos) Re cu pe ra çã o (% ) Figura 4 – Recuperação muscular conforme o tempo de descanso Observa-se que um músculo exausto requer cerca de 30 minutos para readquirir aproximadamente 95% de sua capacidade, podendo levar horas para a completa recuperação. A fadiga muscular pode ser reduzida com diversas pausas curtas distribuídas ao longo da jornada de trabalho. Isso é mais eficaz do que acumular todo o período de descanso para o fim da jornada. Em muitas situações de trabalho, pausas curtas ocorrem naturalmente dentro do próprio ciclo, por exemplo, espera-se a máquina completar o seu ciclo ou quando o carregador retorna sem carga. Caso contrário, é recomendável programar pausas periódicas durante o ciclo de trabalho. 2.3 Fisiologia A fisiologia pode estimar a demanda energética cardiopulmonar conforme o esforço muscular. Longos períodos de esforço muscular também podem levar à exaustão física do coração e dos pulmões. O metabolismo basal (consumo energético do corpo humano em completo repouso) da maioria da população requer cerca de 80 watts (1 W = 60 J/min = 14,3 cal/min). Tarefas usuais que não excedam um gasto energético acima de 250 W podem ser executadas por um longo período sem causar fadiga.Até esse limite, não são necessárias pausas intermediárias ou alternância com atividades mais leves para a recuperação do organismo. Exemplos de atividades com baixa demanda energética são: montagem de pequenas peças, trabalhos de digitação, operação de máquinas leves, caminhar a passos normais. Em casos de trabalhos mais pesados, com gastos energéticos superiores a 250 W, deve-se fazer pausas intermediárias ou alternar com atividade mais leve, de maneira a obter um gasto energético médio de 250 W ao logo de toda a jornada diária. 22 Unidade I Lembrete Não se deve esperar pelo término da tarefa ou final da jornada para conceder pausas, porque isso pode levar os músculos à exaustão e exigir tempo de recuperação muito longo. A tabela a seguir acentua valores de consumo energético para algumas atividades pesadas, cujo consumo é superior a 250 W, para poder orientar um cálculo preliminar do número de pausas ou alternâncias com atividades mais leves na jornada diária (DUL; WEERDMEESTER, 2016). Tabela 1 – Gastos energéticos médios por atividade pesada (> 250 W) Atividade Gasto energético (watts) Andar a 4 km/h com peso de 30 kg 370 Levantar peso de 1 kg, 1 vez/seg. 600 Correr a 10 km/h 670 Pedalar a 20 km/h 670 Subir escada de 30 degraus, 1 km/h 960 2.4 Antropometria A antropometria ocupa-se das dimensões e proporções do corpo humano. Desde a Antiguidade, artistas, teóricos e arquitetos estudam as dimensões do corpo humano, sendo emblemático o tratado de dez livros elaborado por Vitrúvio (século I a.C., em Roma) sobre arquitetura; a obra estabelecia, entre muitas outras observações, as proporções do corpo humano. Séculos depois, a figura do homem-padrão vitruviano seria reconstruída por Leonardo da Vinci e, mais tarde, por John Gibson e J. Bonomi (meados do século XIX) (PANERO; ZELNIK, 2015). O projeto de postos de trabalho, máquinas, móveis e de instalações e construções civis deve ter atenção às variações individuais de estaturas dos usuários. Por exemplo, o vão de luz (tamanho da largura de passagem) de uma porta de saída de emergência deve ser adequado ao extremo superior da população. Já a altura do assento de cadeiras e tampos de mesas de trabalho são mais bem projetados quanto ao conforto quando consideram algum tipo de mecanismo capaz de adequar a diversidade observada entre indivíduos altos, médios e baixos. O leiaute interno de um novo automóvel sempre é iniciado posicionando-se ao volante o indivíduo de maior estatura e prevendo-se inclinação e regulagens de bancos e/ou de altura para acomodar o maior número possível de usuários. Analogamente, o projeto de cabines de aeronaves considera a relação homem-máquina nas situações de acionamento dos comandos manuais e eletrônicos, pois as possibilidades de erro humano devem ser eliminadas e os equipamentos devem ser operados com a eficiência máxima. Em todos os casos de projeto que envolvam a interface com o usuário, deve-se dar atenção especial às dimensões corporais do(s) grupo(s) de usuários que compõem essa população específica. 23 ERGONOMIA É muito útil conhecer dados antropométricos adequados aos projetos em foco. Muitos desses dados foram obtidos no passado por meio de medições realizadas pelas Forças Armadas americanas e pela Nasa (National Aeronautics and Space Administration) para o uso no projeto de seus artefatos, constituindo até os dias de hoje uma base importante para toda a comunidade científica. São de dois tipos básicos as dimensões corporais: estruturais e funcionais. Dimensões estruturais, às vezes chamadas de estáticas, incluem medidas de cabeça, tronco e membros em posições padronizadas. Dimensões funcionais, também chamadas dinâmicas, incluem medidas tomadas em posições de trabalho ou durante um movimento associado a determinada tarefa. São inúmeras as dimensões corporais possíveis, como se pode verificar ao consultar, por exemplo, um livro de anatomia. Por outro lado, alguns pesquisadores sugerem que dez são as dimensões mais importantes para o uso objetivo de projetos de engenharia humana, nessa ordem: altura, peso, altura quando sentado, comprimento nádegas-joelho e nádegas-sulco poplíteo (região posterior do joelho), largura entre os cotovelos e entre os quadris em posição sentada, altura do sulco poplíteo, dos joelhos e espaço livre para as coxas. A figura a seguir ilustra essas dimensões mais significativas para tais projetos (PANERO; ZELNIK, 2015). Figura 5 – Tabela antropométrica da Norma DIN 33402:1981 24 Unidade I Uma vez que as dimensões antropométricas variam muito dentro de qualquer grupo populacional, não é prático projetar para toda a abrangência. Portanto, a distribuição estatística das dimensões corporais é vital para o projetista, no sentido de estabelecer os padrões conforme os requisitos desejados e auxiliá-lo na tomada de decisões durante o projeto. Saiba mais Uma excelente fonte de consulta para medidas antropométricas organizadas a partir de dados de diversas fontes citadas nesta obra é: PANERO, J.; ZELNIK, M. Dimensionamento humano para espaços interiores. Barcelona: Gustavo Gili, 2015. Essa obra possui diversas orientações para o estudo e projeto voltados para ambientes de setores produtivos, como o industrial, de serviços, hospitalares, lazer, residenciais e escritórios corporativos, além de muitas dimensões estáticas e dinâmicas tabeladas. Outra referência muito útil é o livro a seguir, que contém diversas ilustrações e práticas para os projetos voltados para diversos setores. NEUFERT, E. Arte de projetar em arquitetura. 18. ed. São Paulo: Gustavo Gili, 2013. Um cuidado que se deve tomar ao utilizar as dimensões tabeladas é o significado estatístico que elas possuem. Devido às variações expressivas nas dimensões corporais individuais, as “médias” são obviamente pouco usadas para o projeto, sendo obrigatório trabalhar com a gama de variação das medidas. Estatisticamente, qualquer grupo populacional apresenta a maior parte de suas medidas corporais distribuídas numa faixa média, enquanto um menor número de medidas extremas situa-se nas bordas do espectro, que segue a forma de uma distribuição normal (ou gaussiana). A maior parte dos dados antropométricos é frequentemente expressa em percentis, normalmente 5 percentis ou 95 percentis, como nas tabelas da referência (PANERO; ZELNIK, 2015). Uma dada medida corporal é dividida em cem categorias percentuais, organizadas da menor para a maior. Por exemplo, a altura dos indivíduos é dividida em 100 percentis, sendo que o valor do primeiro indica que 99% da população teriam alturas maiores. Analogamente, o percentil 95 indicaria que somente 5% da população estudada teriam estaturas maiores e que 95% teriam alturas iguais ou menores. Percentis indicam a percentagem de pessoas dentro da população que tem uma dimensão corporal de um certo tamanho (ou menor). Os seres humanos não são constituídos antropomorficamente de forma uniforme em todas as dimensões corporais. Por exemplo, uma pessoa com estatura no 25 ERGONOMIA percentil 50 pode ter um percentil 55 no alcance lateral de braço. Ou seja, não há correlação estatística entre as dimensões de segmentos corporais. Dependendo da natureza do problema de projeto, os requisitos antropométricos podem ser estabelecidos para acomodar o percentil 5 ou o 95, de modo que a maior parte da população seja atendida. Um erro grave na aplicação desses dados dimensionais é pressupor que o percentil 50 represente as medidas de um “homem médio” e daí criar um projeto para acomodar os seus dados. A consequência de assumir essa hipótese é que 50% desse grupo sofreria com o projeto não adequado ao seu uso. Uma maneira de resolver esse problema é definir um projeto com capacidade de regulagem ou de ajuste, como visto em certos tipos de cadeiras, prateleiras, mesas etc. A gama de regulagens deve ser baseada na antropometria do usuário, na natureza da tarefa e nas limitações físicas ou mecânicas envolvidas. Lembrete Emtodos os casos de projeto que envolvam a interface com o usuário, deve-se dar atenção especial às dimensões corporais do(s) grupo(s) de usuários que compõem essa população específica. 3 DIMENSIONAMENTO DE POSTOS DE TRABALHO Define-se como posto de trabalho a configuração física do sistema homem-máquina-ambiente onde ocorre uma determinada atividade produtiva. Assim, podemos dizer que uma fábrica ou um escritório são exemplos de conjuntos de postos de trabalho interligados para determinada produção. O dimensionamento de postos de trabalho fará uso das noções apresentadas anteriormente sobre biomecânica, fisiologia e antropometria. Historicamente, a evolução da elaboração do projeto de postos de trabalho apresenta dois enfoques distintos: o taylorista e o ergonômico. No primeiro, é dada maior ênfase à análise dos movimentos básicos e aos tempos associados para a execução da tarefa, objetivando-se gastar o menor tempo na realização da atividade. O enfoque ergonômico, mais recente, busca mesclar outras atividades com a atividade principal, de maneira a tornar o trabalho mais agradável, menos monótono e respeitando as exigências biomecânicas de postura e cognitivas. As máquinas, ferramentas, dispositivos e materiais são adaptados às características do trabalho e capacidade do trabalhador, proporcionando equilíbrio biomecânico, menor desgaste físico e mental e, consequentemente, maior segurança, menor índice de acidentes e maior satisfação pessoal. 26 Unidade I Saiba mais Para estudar a adequação de postos de trabalho, foi realizada uma investigação dos fatores de risco presentes nas operações de desbobinar e enrolar cabos no almoxarifado de uma concessionária distribuidora de energia elétrica de pequeno porte, com a finalidade de desenvolver ações para melhorar a situação de trabalho dentro das exigências de esforço e de postura. Consulte os detalhes desse trabalho em: HEMBECKER, P. K. et al. Proposição de melhorias na operação de desbobinamento de cabos no almoxarifado de uma concessionária de energia elétrica. Ação Ergonômica – Revista Brasileira de Ergonomia, v. 5, n. 3, p. 1-5, 2010. Disponível em: http://www.abergo.org.br/revista/index.php/ae/article/ view/96. Acesso em: 11 set. 2019. 3.1 Postura e movimentos A postura é determinada pela natureza da tarefa ou pela configuração do posto de trabalho. Posturas prolongadas podem prejudicar a estrutura osteomuscular e comprometer o sistema vascular. Longos períodos em pé ou sentado provocam estresse, assim como o uso contínuo dos membros superiores no manuseio de ferramentas. Deve-se buscar, o quanto possível, a alternância postural ao longo da jornada de trabalho, de maneira a reduzir o cansaço visual e dores musculares decorrentes das tensões da atividade estática. Por exemplo, muitos postos de trabalho empregam atualmente cadeiras mais altas com apoio para os pés (figura a seguir), garantindo uma posição ortostática do corpo, mais adequada ao metabolismo orgânico. Figura 6 – Exemplo de cadeira alta, com altura ajustável, com apoio para os pés e giratória, utilizada em muitos postos de trabalho que exigem a posição sentada A NBR 13.962 (móveis para escritório – cadeiras – requisitos e métodos de ensaios), traz uma importante contribuição para a avaliação do conforto postural de cadeiras (ABNT, 2006). Um gabarito especial posicionado sobre o assento e o encosto mede o ângulo β de abertura (figura a seguir), que está associado ao nível de conforto percebido pelo usuário. É recomendável que esse ângulo seja de 95° a 115° (PANERO; ZELNIK, 2015). 27 ERGONOMIA O uso de uma cadeira adequada e confortável não é suficiente para garantir uma postura correta. A postura do tronco, da cabeça e dos braços são muito influenciadas pela posição da altura da superfície de trabalho. A altura da mesa deve ser regulável para compensar a ampla variação de medidas entre os grupos feminino e masculino (54 cm a 78,5 cm, compreendendo 5 percentis de mulheres e 95 percentis de homens) (DUL; WEERDMEESTER, 2016). O espaço livre para as coxas deve ser verificado e garantido em todas as situações de utilização. A figura após a imagem a seguir mostra a regulagem recomendada da mesa de trabalho, observando-se o alinhamento com a altura do cotovelo na posição sentada, de modo que o antebraço fique horizontal e paralelo à superfície. β a B 20 kg A Figura 7 – Indicação do ângulo de abertura entre assento e encosto. Posicionamento do gabarito para medida 90° a 100° min. 20° 40 cm a 75 cm 54 cm a 78,5 cm 38 c m a 5 5 cm 72 c m a 7 5 cm Figura 8 – Variação recomendada para o ajuste da altura da superfície de trabalho A figura anterior também mostra a regulagem do assento da cadeira para adequar-se à variação da altura poplítea, fazendo com que os pés repousem sobre o piso. Todos os arranjos mostrados favorecem a mudança de postura ao longo da jornada de trabalho, contribuindo para a redução de fadiga. 28 Unidade I A postura em pé exigida para trabalhos sobre superfície plana alta deve cuidar para que não obrigue o indivíduo a reclinar-se sobre a mesa (figura a seguir), causando dores em sua coluna cervical. O apoio de pé é bastante útil nesses casos. Figura 9 – Comparação entre posturas em pé. Uso recomendado para o apoio de pé Plano transversal 20 cm acima do cotovelo Plano sagital 10 cm à direita do plano de simetria Zona de alcance máximo Zona preferencial Alcance máximo Alcance ótimo Dimensões em cm 30 100 160 25 50 35 -6 5 Área ótima para trabalho com duas mãos 35-45 Figura 10 – Zonas de alcance para a posição sentada 29 ERGONOMIA Os alcances com os braços, para frente e para os lados, devem ser limitados para evitar a inclinação ou a rotação do corpo. As zonas de alcance máximo possíveis para um trabalhador sentado são representadas na figura seguinte. Por isso ferramentas, peças, alavancas de controles de uso ou os acionamentos mais frequentes devem situar-se em frente e perto do corpo, nas áreas identificadas como preferenciais na figura anterior. Figura 11 – Manuseio de carga com excessiva inclinação do tronco No trabalho dinâmico que envolve o manuseio de cargas, como o que ocorre no empilhamento de pacotes (figura anterior), é frequente a má postura do tronco. A causa de dores lombares é associada à repetição desse gesto ao longo das horas de trabalho. Particular atenção aos trabalhos com ferramentas manuais deve ser dada, para respeitar os limites de tensões nos músculos envolvidos. Cada gesto no manuseio dessas ferramentas pode envolver músculos de pequena capacidade de carga, por exemplo os associados aos movimentos de rotação dos punhos, que, não estando bem adaptados, atingem rapidamente fadiga ou mesmo distensões musculares. Há uma recomendação de peso máximo de 2 kg para as ferramentas manuais, com o intuito de prevenir situações de fadiga pelo uso frequente. Ferramentas mais pesadas, quando necessárias, devem ser contrabalanceadas por meio de algum sistema de suspensão (molas). Movimentos associados ao transporte de cargas são limitados ao esforço de 23 kg, conforme estudos desenvolvidos pelo órgão americano National Institute for Occupational Safety and Health (Niosh). Uma equação foi elaborada para corrigir esse valor máximo (sempre reduzindo-o) por meio de diversos fatores multiplicativos que levam em conta: • as distâncias horizontais (H) e verticais (V) entre a carga e o corpo; • a rotação do tronco (A); • o deslocamento vertical da carga (D); • a frequência do levantamento da carga (F); • a dificuldade de manuseio da carga (M). 30 Unidade I Supõe-se que o trabalhador tenha liberdade em escolher a melhor postura e que a carga é segura com as duas mãos. Assim, a carga máxima é multiplicada por seis coeficientes, que consideram as variáveis citadas, resultando no limite de peso recomendável (LPR): LPR = 23 kg × CH × CV × CA × CD × CF × CM Onde: CH = coeficiente de localização horizontal da carga CV = coeficientede localização vertical da carga CA = fator de assimetria (rotação do tronco) CD = coeficiente de deslocamento vertical da carga CF = coeficiente de frequência de levantamentos CM = fator de manuseio (fácil, regular, difícil) A figura seguinte ilustra a relação desses coeficientes considerados na equação de Niosh. Uma série de recomendações práticas para a movimentação manual de cargas, baseadas na fisiologia e na biomecânica mencionadas, dizem respeito à maneira correta de agarramento com as mãos; postura de tronco e pernas ao elevar uma carga do solo; posicionamento próximo da carga ao corpo, evitando o giro do tronco durante o manuseio da carga; usar o peso próprio do corpo a favor do movimento ao empurrar ou puxar uma carga; bem como o uso de equipamentos mecânicos capazes de auxiliar o transporte manual (carrinhos, esteiras de roletes, plataformas de elevação de cargas). H V D A C Figura 12 – Fatores de carga considerados na equação de Niosh 31 ERGONOMIA Saiba mais Para aplicação prática desse método de cálculo, os valores tabelados para cada coeficiente podem ser obtidos na seguinte referência: DUL, J.; WEERDMEESTER, B. Ergonomia prática. São Paulo: Edgard Blücher Ltda., 2016. Um trabalho prático que aborda a questão da melhoria das condições de conforto oferecidas aos trabalhadores de uma empresa do setor industrial, com o objetivo de diminuir a carga física do trabalho sobre eles e conseguir o aumento de produtividade, pode ser lido em: MENEZES, M. L. A.; SANTOS, I. J. A. L. Avaliação das condições de trabalho no setor industrial: uma abordagem centrada na ergonomia física e organizacional. Ação Ergonômica – Revista Brasileira de Ergonomia, v. 9, n. 2, p. 67-85, 2017. Disponível em: http://www.abergo.org.br/revista/index. php/ae/article/download/295/216. Acesso em: 14 out. 2019. 3.2 Limitações sensoriais A era do processamento digital da informação trouxe mudanças na maneira pela qual as pessoas se comunicam por meio de equipamentos digitais. Os dispositivos móveis assumiram posição fundamental e os fabricantes apresentaram ao mercado diferentes maneiras de interagir. É notável como uma nova tecnologia modificou a forma de as pessoas interagirem entre si, de aprenderem ou mesmo de passar o tempo. E isso abrange indivíduos de todas as faixas etárias, incluindo aqueles com necessidades especiais. Figura 13 – Exemplo de interação com tablet Todavia, no planejamento arquitetônico de ambientes públicos, por exemplo de um hospital, a ergonomia pode contribuir de forma a proporcionar uma leitura clara da sinalização que facilite as movimentações de seus usuários com rapidez, adequando o leiaute às suas necessidades reais e tornando-o mais eficiente (RANGEL, 2011). 32 Unidade I Figura 14 – Exemplos de sinalização em hospital Quando se elaboram sistemas de informação, é importante saber quem serão os seus usuários. Pelos exemplos anteriores, fica claro que as limitações dessas pessoas determinarão as principais características da interface a ser projetada. Portanto, a caracterização do público-alvo deve considerar, entre outros fatores: faixa etária; língua e cultura; escolaridade (alfabetizado ou não); pessoas com deficiência (cegos, cadeirantes, surdos-mudos). Além disso, a familiaridade com sistemas similares e o local onde a tarefa será executada, que pode contribuir ou não com a motivação para o novo aprendizado, são igualmente relevantes para o projeto da nova interface do ponto de vista ergonômico. As diferenças culturais entre países criam restrições importantes na concepção de qualquer artefato que será manuseado por povos com diferentes formas de vestir, pensar, escrever, entender simbologias etc. Figura 15 – Exemplos de diversidade cultural 33 ERGONOMIA Observação Para destacar o que estudamos, basta pensar quantas formas diferentes de se expressar e de costumes há entre portugueses e brasileiros, povos de mesmo idioma. Em muitas situações de trabalho, nossos órgãos sensoriais servem efetivamente para captar sinais emitidos, por máquinas ou pessoas, que o operador não necessariamente solicitou. O operador de uma máquina não procura o pisca-pisca luminoso que indica um possível problema de funcionamento, o alerta sonoro que indica o fim de uma operação, uma vibração sentida pelo tato ao encostar em um mancal de eixo girando a uma determinada rotação e que já esteja com desgaste, ou mesmo pelo grito de um colega que chama sua atenção para um fator de risco. Os órgãos sensoriais estão passivamente disponíveis a essas emissões de informação, cujo teor é transmitido aos centros nervosos para uma análise conveniente. Aquisição de informação visual A concepção dada pela fisiologia de que nossos órgãos ditos sensoriais são meros receptores, na linguagem do modelo de sistema homem-máquina, não é suficiente para o estudo que interessa ao ergonomista, o qual deve considerar o ambiente onde a atividade se realiza. Nesse caso, o operador não é um simples captador, ou receptador, de informação, mas em vez disso, o agente principal da aquisição de informação. Vamos nos limitar a certos aspectos da aquisição de informações visual, auditiva e mecânica, numa perspectiva sensório-motora apenas. Informações olfativas também poderiam ser consideradas, porém há poucos estudos realizados nesse campo. A visão é o sentido mais importante e imediato para a aquisição de informação. A leitura de textos e de sinais é tanto mais eficiente quanto melhor adaptadas à percepção do olho humano. Há diversas recomendações ergonômicas para facilitar a legibilidade. Por exemplo, em textos contínuos, letras minúsculas são melhores que as maiúsculas, pois a diferenciação entre suas alturas gráficas facilita a visualização da palavra inteira, sem necessidade de reconhecer letra a letra. Isso é muito útil para as placas de sinalização de trânsito, nomes de ruas e outras aplicações. O uso de letras de tipo simples (como o deste livro-texto) são mais recomendáveis do que letras com serifas (ou cursivas, como normalmente se escreve à mão). Confusão entre letras e números, cujas grafias são parecidas, deve ser evitada: O e Q, S e 5, 2 e Z, I e 1. As placas de licença de automóveis são bons exemplos (com raras exceções), para evitar, por exemplo, um erro de interpretação do agente de trânsito ao multar um veículo estacionado em local proibido. As características da visibilidade do objeto de trabalho, sobretudo as dimensionais, óticas e cinéticas, devem ser também consideradas. A maioria das atividades visuais recorre ao poder da distinção da visão para reconhecer um objeto e distinguir separadamente seus componentes. Sabe-se desde a Antiguidade grega que estes devem, em princípio, estar separados por 1 minuto de arco (1/60 de grau ou 0,017°). Em tarefas visuais rotineiras, a capacidade de identificar, sem erro, letras de um texto exige 34 Unidade I uma relação tamanho/distância correspondente a cinco minutos (1/12 de grau ou 0,083°). Um estudo feito com milhares de transeuntes (FALZON, 2007, p. 63) mostrou que as letras dos cartazes públicos ou publicitários devem atingir 12 minutos (0,2°) para que 95% dos indivíduos possam lê-las. Para distâncias mais curtas, o tamanho angular deve ser ainda maior. Como exemplo, as projeções em um auditório com 20 m de profundidade devem ter letras com altura mínima de 10 cm na tela, correspondente a um padrão recomendado de aproximadamente 1/200 de grau da distância de leitura (cerca de 0,3°). Em segundo lugar, a visibilidade depende das propriedades óticas do objeto, de sua refletância. Contudo, como todo objeto se apresenta necessariamente sobre um fundo, é de fato o contraste visual (C) que deve ser considerado, o qual é definido pela relação: C = (Lo – Lf) / (Lo + Lf)% Onde: Lo indica a luminância do objeto Lf indica a luminância do fundo Trata-se de otimizar o contraste, pois tanto um contraste muito fraco quanto um muito forte interferem no desempenho, o primeiro tornandoconfusos os contornos do objeto, o segundo criando desconforto ocular. O contraste entre as cores de letras e o fundo tem mais influência para a boa legibilidade do que o nível de iluminação. Há pessoas com dificuldade visual para distinguir certas cores (como os daltônicos com o vermelho e o verde) ou o que é muito comum, a dificuldade de leitura de texto na cor preta sobre fundos vermelho ou azul, devido ao baixo contraste. O melhor é utilizar grafia preta sobre fundo claro, para uma rápida adaptação do olho humano. A refletância de paredes e objetos é outro fator importante a ser considerado na análise de adequação do ambiente às limitações visuais. A refletância é a capacidade de uma superfície em refletir a luz é expressa em percentagem; é o resultado tanto da textura da superfície quanto da própria cor (tonalidade/saturação/claridade). Uma superfície perfeitamente lisa, de qualquer cor, é propícia para reflexos especulares, podendo dirigir reflexos perturbadores aos olhos de um operador e, portanto, devem ser evitadas. O uso de símbolos merece uma boa atenção. Como não estão vinculados a qualquer linguagem, a imagem icônica precisa transmitir um conceito único e o mais universal possível entre as culturas para as quais o produto é usado. Por outro lado, a forma de dispor tais símbolos em um painel de elevador, por exemplo, pode levar ao constrangimento de alguns usuários que, ao tentar abrir a porta, pressionam o símbolo, e não a tecla logo ao lado (figura seguinte). 35 ERGONOMIA Figura 16 – Painel de elevador: ícone de abertura de porta pode ser confundido com a tecla do comando Nesse caso, uma possível solução seria diferenciar um pouco a largura do símbolo com relação à tecla, como é o caso dos andares, ou apenas criar uma identificação mais clara para o usuário. Por último, a visibilidade depende das características cinéticas do objeto. A acuidade visual diminui quando ele está em movimento. Para pequenas velocidades, ocorre certa compensação por meio de reflexos oculares de perseguição, permitindo obter centralização do objeto móvel. Todavia, há limites para essa capacidade de perseguição ocular: certas atividades de inspeção podem levar o operador a multiplicar os erros e levá-lo até o “desligamento” pela fadiga dos músculos extraoculares, induzindo uma parada momentânea da atividade exploratória. Portanto, a aquisição de informação visual não deve ser encarada apenas como uma recepção passiva de um sinal por um receptor. Os princípios anteriormente enunciados devem ser considerados na concepção de sinalizadores simples, visores luminosos e cartazes mostrando uma palavra de advertência, na organização de elementos físicos de um posto de trabalho, mostradores analógicos ou digitais, leiaute de páginas de apresentação ou de portal na internet. Aquisição de informação auditiva A audição é um sentido menos utilizado na aquisição de informações. Contudo, como auxiliar ao sentido da visão, pode descarregar esse canal, desviando algumas informações como faz com o auditivo. 36 Unidade I O ambiente sonoro é mais invasivo, pois não se fecha simplesmente o canal auditivo como os olhos. É altamente complexo: as emissões sonoras de máquinas e ferramentas se somam às de sistemas de ventilação, sistemas de áudio e de muitas outras fontes, podendo atingir intensidades consideradas desagradáveis aos trabalhadores, normalmente acima de 85 decibéis, gerando ruídos prejudiciais quando eles ficam expostos por longos períodos. A audição é a captação passiva e indiferenciada de todos os sons presentes, e a escuta é a aquisição ativa de informação. Há alguns mecanismos, ainda pouco estudados devido à sua maior complexidade em relação aos do sentido da visão, que desviam a atenção para emissões de informação sonoras. O som é adequado para transmitir sinais de alerta porque ele se propaga em todas as direções. Os sinais luminosos têm como desvantagem se propagarem em linha reta e só serem perceptíveis para quem olha diretamente para eles. Para ser percebido, o som deve fazer parte do espectro de frequência audível (entre 20 Hz e 20.000 Hz) e ter uma intensidade suficiente, estimada em torno de 40 dB acima do limiar absoluto. O problema existe, portanto, nos ambientes ruidosos, nos quais a interferência do sinal sonoro torna complexa a sua detecção. A frequência do som (grave ou agudo) está ligada ao comprimento de onda e a intensidade à energia transmitida. Baixas frequências (graves) são melhores para o som se propagar, superando cantos e obstáculos. Se a distância entre emissor e receptor for grande, o som deve ter maior intensidade, com frequências mais baixas. Sons agudos são mais bem detectados em ambientes onde há predominância de sons graves. Só se obtém uma inteligibilidade satisfatória quando o contraste sonoro é significativo, quando a relação sinal-ruído (isto é, a diferença entre o nível do sinal e o do ruído expressa em decibéis) seja igual ou maior do que 10 dB. Por exemplo, a inteligibilidade da fala gritada, à qual é inevitável recorrer em ambiente ruidoso, é mais baixa que de uma elocução em voz normal, decorrente, nessa última, da amplificação diferencial das vogais e consoantes. O ruído ambiente também é mais crítico em locais com paredes pouco absorventes, reverberando todos os sons e causando mais confusão para aquele que escuta. Na concepção de sistemas técnicos de comunicação, bem como na seleção dos sinais, deve-se dar atenção aos aspectos das três atividades relacionadas: detecção, localização e reconhecimento. Na monitoração de um processo, por exemplo, pode ser necessário utilizar um sinal sonoro conjugado ao sinal luminoso para avisar que algo precisa ser corrigido. No caso do ambiente ruidoso, o que é normal, tanto a frequência quanto a intensidade do sinal devem ser diferenciadas para o seu fácil reconhecimento. A localização da fonte é mais bem tratada considerando a intermitência do sinal emitido. Aquisição de informação manual Embora ainda não muito estudadas pela ergonomia, atividades manuais com o fim de obter informação relevante para, por exemplo, o controle de fino de textura de um produto nas últimas etapas da produção, ocorrem em numerosas operações de inspeção: de pneus, de produtos plásticos ou metálicos saindo do molde, do acabamento de carrocerias de automóveis, dentre muitas outras, são exemplos práticos nos quais a inspeção é feita não só visualmente, mas também pelo tato. 37 ERGONOMIA Paradoxalmente, estudos mostram que o uso de luvas de algodão ou seda por operadores envolvidos em inspeção tátil promovem melhor percepção aos defeitos de relevo, pois essas reduzem o atrito entre a pele e o objeto (FALZON, 2007, p. 67). Esse mesmo efeito – redução do coeficiente de atrito com a superfície – ocorre com encarregados do polimento final de revestimentos, que ficam cobertos de poeira. O reconhecimento de formas pelas mãos também desperta interesse para o acionamento de comandos. Muitas situações de uso de um produto podem exigir do operador algum tipo de reconhecimento do efetivo comando feito às cegas, recorrendo unicamente à informação tátil. Como exemplo, o projeto de uma roda com marcha para equipar cadeiras de rodas, de maneira a facilitar a movimentação do usuário em terrenos de difícil locomoção (subidas ou descidas de rampas com declividade acentuada), faz um bom uso desse princípio. Figura 17 – Rodas com marcha: acionamento da segunda velocidade A última figura mostra uma cadeira de rodas equipada com um novo projeto da roda, desenvolvido pelo autor, que possibilita a redução do torque de acionamento manual efetuado pelo usuário, selecionando-se uma segunda marcha, mais reduzida, por meio de um comando central, como mostrado à direita. Esse acionamento ocorre normalmente fora do campo visual, devido ao fluxo contínuo do deslocamento de cadeirantes mais ativos ou mesmo pela impossibilidade de curvar o tronco para ver o comando ser efetuado. Cadeirantes com
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