Prévia do material em texto
Linfadenomegalias na infância Vitória de Siqueira, MEDXIV O sistema linfático é uma complexa rede de órgãos, estruturas e tecidos linfoides que é responsável pela produção e transporte da linfa, promoção de defesas orgânicas pela produção de células imunes – e de anticorpos – e remoção de fluidos teciduais. Tecido linfoide na criança Os linfonodos e as outras formações linfáticas secundárias sofrem constantes estímulos, levando a modificações histológicas de suas estruturas que induzem transformação e multiplicação celulares. Esse processo é mais intenso nos primeiros anos de vida, em função da imaturidade do sistema imunológico e seu contato inicial com inúmeros agentes, especialmente os infecciosos. Há aumento rápido do tecido linfático, especialmente dos linfonodos, no período da vida de maior ganho de peso e altura – a primeira fase da infância –, época em que as infecções ocorrem mais frequentemente e às quais ele responde prontamente com grande hiperplasia, que é quase sempre de origem benigna. O crescimento máximo ocorre na puberdade, diminuindo progressivamente até a senilidade. Com o passar do tempo, os mecanismos imunológicos se tornam mais específicos, produzindo reatividade ganglionar menor e mais localizada. A hiperatividade linfática pode ser referida como adeno ou linfonodomegalia, adeno ou linfonodopatia e hiperplasia de linfonodo. Adenomegalias na infância Na infância, as adenomegalias são um processo reativo decorrente de doenças benignas/autolimitadas em que há aumento dos linfonodos. Esse sinal também pode estar associado a doenças graves: infecciosas, neoplásicas e autoimunes. Também é importante diferenciar de malformações congênitas (na região cervical e inguinal). Na prática clínica, o diagnóstico etiológico é difícil, já que há inúmeras possibilidades. Por isso, é necessário conhecer dados de prevalência, características funcionais e anatômicas do tecido linfoide ganglionar e doenças que cursam com adenomegalias. Prevalência Variáveis importantes no estudo das linfadenomegalias são a localização e a faixa etária. Crianças saudáveis ou em consultas de rotina podem apresentar gânglios de 0,3 x 1,6 cm, firmes, não aderidos, restritos a uma cadeia ganglionar, assim como 1/3 dos RNs e 50-60% em lactentes até 1 ano. As cadeias acometidas mais frequentemente são: cervical, axilar e inguinal (RNs). 55% das crianças normais de 3 semanas a 6 anos apresentavam linfonodos de 0,5 a 1,5 cm de diâmetro em todas as regiões (exceto a supraclavicular), mas com predomínio cervical, submandibular e occipital. Crescimento linfático na infância Na infância, é normal perceber linfonodos com até 1,5 cm. Mas segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, a linfonodomegalia é suspeita quando há aumento maior que 1cm em mais de um local anatômico; linfonodos epitrocleares com mais de 0,5 cm; e linfonodo inguinal maior que 1,5cm. Pela maior quantidade de tecido linfoide nessa fase da vida, é possível perceber hipertrofia dos linfonodos do TGI com pico aos 2 anos, visualizar a sombra tímica em radiografias de crianças até 3 anos, notar hipertrofia das amígdalas e adenoides entre 4 e 6 anos. Na adenite mesentérica há inflamação dos nódulos linfáticos do mesentério, ligados ao intestino, que resulta de uma infecção geralmente causada por bactéria ou vírus, levando ao surgimento de dor abdominal intensa, semelhante à de uma apendicite aguda. Também aparecem febre, náuseas e vômitos, diarreia, mal-estar e perda de peso. Enfartamento ganglionar O enfartamento ganglionar é uma resposta hiperplásica do tecido ganglionar que pode ser desencadeada por diversos fatores. Esse processo é conhecido popularmente como Linfadenomegalias na infância Vitória de Siqueira, MEDXIV “íngua”. Na infância, os aumentos ganglionares surgem geralmente em áreas de cadeias periféricas. Mecanismos a) proliferação de linfócitos e histiócitos próprios dos linfonodos por estímulos antigênicos inflamatórios, infecciosos, tumorais e de certas drogas; uma vez cessados esses estímulos, o órgão tende a retornar ao estado de repouso; b) invasão dos linfonodos por células extrínsecas, como micro-organismos e metástases celulares; c) proliferação inicial de células neoplásicas malignas em seu parênquima (linfadenopatia maligna primitiva); d) acúmulo de histiócitos, nas doenças de depósito lipídico e histiocitoses; e) proliferação local de células reticulares, na anemia hemolítica, na sarcoidose e em certas colagenoses, reticuloendotelioses, doenças endócrinas e carências metabólicas, mesmo na ausência dos fatores anteriores. São considerados anormais os linfonodos que apresentam alterações de tamanho, número e consistência, o que se denomina linfadenopatia, linfadenomegalia, hipertrofia de linfonodos e adenomegalia. É chamado de linfadenopatia localizada o acometimento de linfonodos satélites de uma única região ou órgão, enquanto a linfadenopatia generalizada acontece quando são acometidas duas ou mais cadeias de linfonodos não contíguos, como no pescoço e nas axilas. Cadeias Cadeia occipital e retroauricular Área de drenagem: Pele da região occipital, pavilhão auricular e ouvido externo Principais causas: + Infecções virais sistêmicas como a rubéola + Inflamações da pele como a dermatite seborreica, Tinea capitis, pediculose, impetigo Há adenomegalias em 5% das crianças normais sem doenças. Cadeia pré-auricular Área de drenagem: Região temporal e bochechas, porção lateral das pálpebras e a conjuntiva Principais causas: + Síndrome oculoglandular + Infecções por clamídias, adenovírus e herpes + Lues, tuberculose, arranhadura do gato + Febre faringoconjuntival e queratoconjuntivital: adenovírus 3 e 8 + AIDS - parotidites recorrentes Cadeia submandibular e submentoniana Área de drenagem: Gengiva, dentes, língua, amígdalas, mucosa oral/labial Principais causas: + Faringoamigdalites, gengivoestomatites + Abscessos dentários, cáries + Infecções exantemáticas: escarlatina e sarampo + Infrequentes: difteria, coxsackioses e lues Gânglios cervicais superiores, anteriores e posteriores, superficiais e profundos Áreas de drenagem: Tecidos superficiais da cabeça e pescoço, ouvido externo, língua, parótidas e das vias aéreas superiores Cadeias ganglionares inferiores do pescoço e da região supraclavicular Áreas de drenagem: estruturas profundas (traquéia, laringe, tireóide e mediastino) Linfadenomegalias na infância Vitória de Siqueira, MEDXIV Cadeias infraclaviculares e axilares Área de drenagem: Mama, parte radial da mão e do braço, parede torácica e porção da parede abdominal Principais causas: + Infecções/trumas de pele + Doença da arranhadura do gato + Esporotricose + Linfadenite após-BCG Complicações da BCG no deltoide são pouco frequentes (0,01 a 3,8%), mas a mais comum dentre elas é a linfadenite supurativa. Esse processo geralmente é ipsilateral e pode ser supraclavicular e cervical 2/4 meses após imunização por causa de: erro na dose de aplicação, erro na técnica de aplicação e > reatividade pela cepa vacinal. + Herpes zoster + Brucelose + Sífilis extragenital + Neoplasias: Linfomas, leucemias, neoplasias de pele e mama Cadeias epitrocleares Área de drenagem: Metade ulnar do 3º, 4º e 5º dedos, da mão e do antebraço Principais causas: + Infecções de pele + Linfomas + Doença da arranhadura do gato + Esporotricose Cadeias supraclaviculares Áreas de drenagem à esquerda: Estruturas intra- abdominais Áreas de drenagem à direita: Estruturas do mediastino, estruturas pulmonares e da caixa torácica A adenomegalia nessa região é um sinal de alto risco, uma vez que, em 50% dos casos, indica algum tipode câncer, sendo necessária a biópsia. Sintomatologia: Tosse seca persistente, broncoespasmo, estridor, rouquidão, disfagia, edema de membros superiores Causas principais: Tuberculose (acometimento unilateral em 80% dos casos), histoplasmose, linfomas Adenomegalia inguinal e ilíaca Áreas de drenagem: Área genital, pele da porção inferior do abdome, do períneo, do glúteo, perianal e dos MMII Causas: Afecções de pele, DSTs Adenomegalia abdominal e pélvica Áreas de drenagem: Extremidades inferiores e órgãos abdominais e pélvicos Sintomatologia: Desconforto abdominal, dores, constipação, alterações urinárias e quadro de abdome agudo por invaginação Causas: Processos alérgicos, infecções (hepatite, mononucleose infecciosa, febre tifóide, tuberculose), processos inflamatórios (colite ulcerativa, doença de Crohn), doenças Linfadenomegalias na infância Vitória de Siqueira, MEDXIV neoplásicas (linfomas), adenite mesentérica aguda não específica Abordagem semiológica Dadas as particularidades dos tecidos linfáticos na infância, a linfadenomegalia é uma manifestação frequente e mais exacerbada nessa faixa etária. Ocorre em vários grupos de doenças, especialmente nas infecciosas, comuns na criança. Sendo assim, os linfonodos devem ser examinados em todo exame físico da criança. A abordagem semiológica da linfadenopatia deve ser cuidadosa e abrangente, pois envolve amplo diagnóstico diferencial. Anamnese Na anamnese, além de informações epidemiológicas e da evolução da alteração dos linfonodos, devem ser investigados antecedentes clínicos que possam estar associados ao processo, sugerindo diagnósticos. Características do aumento ganglionar englobam: + Tempo de aparecimento, forma de evolução + Localização, tamanho e consistência + Presença de inflamação local ou regional + Aderência a planos profundos + Coalescência (fusão de linfonodos) e tendência à fistulização, que, para ser resolvida, necessita de drenagem + Febre, emagrecimento, comprometimento do estado geral + Alteração do apetite (geofagia, anorexia) + Anemia do paciente e familiares + Processos infecciosos atuais ou pregressos + Sintomas respiratórios, osteoarticulares e/ou GI Dados epidemiológicos são: + Contato com doenças infectocontagiosas e animais + Permanência em zonas endêmicas + Chagas e esquistossomose, calazar; + Ingestão regular de drogas e reações apresentadas + Antecedentes transfusionais + Infecções recorrentes graves/ germes oportunistas + Imunodeficiência primária/adquirida + História familiar de AIDS, LUES (sífilis), tuberculose Por isso, é importante conhecer o quadro clínico das doenças que mais frequentemente se associam com adenomegalias. Exame físico O exame do sistema linfático envolve ectoscopia, palpação e, eventualmente, percussão e ausculta, na dependência da suspeita diagnóstica. Os linfonodos grandes podem ser visíveis à inspeção, porém o método mais útil para exame das linfadenomegalias superficiais é a palpação, quando se observam todos os sinais que têm importância na diferenciação entre os linfonodos normais e os alterados por processo inflamatório ou neoplásico. Na palpação, deve-se utilizar a ponta dos dedos, aplicando uma pressão moderada sobre a região e movimentando os dedos para palpar os linfonodos, deslizando-os. Palpam-se os linfonodos em sequência a partir dos submentonianos até os occipitais. Em seguida, são palpados os linfonodos cervicais posteriores e anteriores, e, finalmente, os supraclaviculares. Para palpar os linfonodos epitrocleares, deve-se flexionar o cotovelo do paciente até um ângulo reto e palpar com os dedos os linfonodos que se encontram em um sulco acima e posterior ao côndilo medial do úmero. Para palpar os Linfadenomegalias na infância Vitória de Siqueira, MEDXIV linfonodos inguinais, a criança deve estar deitada. Devem ser palpados os linfonodos da cadeia horizontal, abaixo do ligamento inguinal, e a cadeia vertical, que fica ao longo da veia safena. Explorar a fossa poplítea após flexionar passivamente o joelho. Devem ser descritas: Localização em termos anatômicos precisos e relacionando os gânglios a estruturas anatômicas fixas (proeminências ósseas, cartilaginosas), acidentes da pele (umbigo), músculos e vasos. Na linfadenopatia localizada, é examinada a região drenada em busca de evidência de infecção localizada, lesão de pele, arranhaduras ou mordeduras de animais e tumores de partes moles. Uma cuidadosa palpação dos linfonodos submandibulares, cervicais anteriores e posteriores, axilares e inguinais deve ser realizada para excluir a possibilidade de linfadenopatia generalizada, uma vez que ela ocorre em 17% a 35% casos. Tamanho dos linfonodos deve ser estabelecido em centímetros e, pelo menos, nos seus dois maiores diâmetros (largura e comprimento). Linfonodos palpáveis, móveis, elásticos e indolores com até 1,5cm de diâmetro em cadeias cervicais, axilares e inguinais são considerados normais. Em geral, outros gânglios não são palpáveis e nem visualizados por métodos radiológicos habituais. Geralmente, linfonodos elásticos, móveis, indolores, de tamanho menor que 2 a 3cm são reacionais. Aqueles que são duros, elásticos, pouco dolorosos, aderidos a planos profundos, coalescentes com outros linfonodos e maior que 4cm indicam neoplasias. Linfonodos doloridos, com sinais flogísticos, pouco aderidos a planos profundos e mais frequentemente únicos são relativos a processos bacterianos. Dor, sensibilidade e temperatura, em que se deve ter o cuidado de examinar primeiro as áreas menos dolorosas para não prejudicar o restante do exame. A dor ocorre por crescimento rápido pela distensão da cápsula, processo inflamatório, supuração e hemorragia por necrose em área central do linfonodo. Não permite diferenciar processo benigno ou maligno. A temperatura no local da linfadenopatia (elevada nos processos inflamatórios) deve ser avaliada, preferencialmente, com o dorso dos dedos da mão, cuja temperatura se aproxima mais da temperatura ambiente. Consistência deve ser elástica (cede ligeiramente à compressão e, quando esta é interrompida, retorna rapidamente à forma original). Linfonodos endurecidos, fixos ou elásticos, de bordas irregulares, sugerem processo maligno (metástases e linfoma). Amolecidos, em geral, resultam de processo infeccioso ou inflamatório. Os linfonodos supurativos podem apresentar consistência variável e geralmente ocorrem em processos infecciosos crônicos. Linfonodos cervicais, com aspecto de chumbo grosso debaixo da pele, são observados em crianças com infecções virais. Coalescência é percebida como massa única, que pode ocorrer em processos benignos, como tuberculose ou sarcoidose, e em processos malignos, como metástases e linfomas. Relação com estruturas adjacentes por edema localizado e compressão de tecidos e órgãos vizinhos, manifestados, como disfagia, tosse, obstrução de vias aéreas e icterícia. Adenomegalias profundas estão associadas com adenomegalias periféricas e apresentam maior dificuldade de avaliação. Manifestações clínicas que acompanham esse quadro são: + Tosse seca persistente, dispneia, disfagia, dor abdominal + Ascite, diarreia, obstrução intestinal aguda Nas linfadenomegalias de cadeias profundas (mediastinais e abdominais), o exame físico é pouco esclarecedor, sendo necessários exames de imagem. RX, USG e TC podem ser solicitados para melhor visualização caso seja necessário. Também devem ser investigados: + Exantemas, enantemas, fenômenos hemorrágicos + Hepatoesplenomegalias + Nódulos subcutâneos, ferimentos e afecções da pele Como já mencionado, se a avaliação clínica das adenomegalias for insuficiente para o diagnósticode certeza, exames subsidiários confirmam/afastam certas hipóteses diagnósticas. Se o sinal ainda for inicial ou incaracterístico, deve-se realizar observação clínica cuidadosa por 2 semanas, sem intervenção, avaliando a evolução exceto situações de risco. Classificação das adenomegalias Linfadenomegalias na infância Vitória de Siqueira, MEDXIV Para a discussão do diagnóstico diferencial, as linfadenopatias são divididas de acordo com o grupo de linfonodos acometidos (generalizada ou localizada) e com a etiologia do processo (infecciosa e não infecciosa). Embora essa seja uma divisão didática, sabe-se que a evolução das linfadenopatias é dinâmica, e os processos inicialmente localizados podem evoluir para quadros generalizados, assim como as doenças sistêmicas podem se manifestar com aumento ganglionar exclusivamente localizado. Linfadenomegalia localizada/regional Os aumentos restritos a uma única cadeia de linfonodos ou a cadeias contíguas, em geral, estão associados a doenças limitadas a eles ou à sua área de drenagem, mas podem representar a etapa inicial ou preferencial de doenças sistêmicas. Na criança, estão associados com maior frequência às infecções e inflamações da pele, das vias aéreas superiores e das áreas de drenagem de locais de aplicação de vacinas. A região mais frequentemente comprometida é a cervical, onde cerca de dois terços das crianças normais apresentam linfonodos palpáveis. Esse processo ocorre também após a imunização pela DPT (tríplice bacteriana), BCG e MMR (tríplice viral). O diagnóstico diferencial cursa com as malformações congênitas: + Cistos branquiais e do ducto do tireoglosso + Higroma cístico e cisto dermóide + Doenças das glândulas salivares + Localização anômala da tireóide + Neoplasias Linfadenomegalia generalizada Geralmente associada a infecções sistêmicas virais (mononucleose infecciosa, citomegalovirose, rubéola, AIDS, varicela, sarampo, hepatite), pode ocorrer em infecções bacterianas (tuberculose, sífilis, doença da arranhadura do gato, escarlatina), parasitárias (toxoplasmose, doença de Chagas, esquistossomose aguda) e fúngicas (paracoccidioidomicose, histoplasmose). Pode estar presente nas doenças do colágeno (artrite reumatoide juvenil e lúpus eritematoso sistêmico – LES) e nas neoplasias do sistema reticuloendotelial (linfomas e leucemias). A linfadenopatia generalizada costuma associar- se a outros sinais e sintomas de maneira inespecífica, sendo os mais comuns a hepato e/ou a esplenomegalia, a anemia e sinais de comprometimento sistêmico, como febre, emagrecimento e astenia. Sua evolução pode ser aguda ou prolongada. Entre as causas mais comuns de linfadenopatia generalizada está a síndrome da mononucleose infecciosa, classicamente associada a febre, hepatosplenomegalia, exantema maculopapular, amigdalite com ou sem exsudato, petéquias no palato, astenia, mialgias e artralgias. Esse quadro é bastante variável e pode ser causado, principalmente, pelo vírus Epstein-Barr, citomegalovírus e Toxoplasma gondii. A associação entre linfadenopatia, hepatosplenomegalia e febre sugere, entre outras causas, a endocardite bacteriana. Quando a esplenomegalia é acentuada e afebril, sugere doenças de depósito (Niemann-Pick, Gaucher). A linfadenopatia pode preceder as alterações articulares na artrite reumatoide juvenil e no LES e pode ser o primeiro sinal das neoplasias que acometem o tecido linfoide (leucemias, linfomas e tumores do sistema nervoso central). São observados tanto em doenças virais benignas (rubéola, hepatite) quanto em doenças mais graves, como infecções por micobactérias e fungos ou neoplasias. HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS Linfonodos cervicais Linfonodo reacional Adenite reacional é a causa mais comum de adenomegalia regional e pode ser derivada de infecções de vias aéreas superiores (VAS) ou de doenças exantemáticas. O quadro clínico é marcado por aumento agudo de gânglios associado a alterações de VAS e/ou quadros dermatológicos. Essa apresentação tem resolução espontânea ou após tratamento específico em 2-3 semanas, mas pode ser etapa inicial de evolução prolongada de: + Mononucleose + Toxoplasmose, que em 82% dos casos é a única alteração inicial antes do quadro sistêmico Linfadenomegalias na infância Vitória de Siqueira, MEDXIV Adenite piogênica aguda A adenite piogênica geralmente tem localização na região submandibular (50-60%) e na região cervical superior (30%), sendo, geralmente, unilaterais. 2⁄3 supuram nas 1ª e 2ª semanas de evolução. A faixa etária de maior acometimento é em menores de 5 anos de idade e o processo geralmente tem origem em foco infeccioso nasofaríngeo, em dentes ou em pele adjacente por S. aureus ou S. β-hemolítico. A conduta consiste na punção aspirativa para isolar agente e no teste terapêutico com antibióticos. Se não houver resposta, investigar outras hipóteses. Adenite tuberculosa Na infância, a adenite tuberculosa corresponde de 1 a 6% das adenomegalias cervicais, tendo maior frequência em menores de 5 anos, com contato domiciliar. Essa é a forma mais frequente de manifestação extrapulmonar da doença, que tem preferência pela região cervical, geralmente bilateral. De 10- 20% dos casos pode ocorrer adenomegalia generalizada. O quadro clínico é marcado por comprometimento do estado geral e 46% da forma miliar cursam com adenomegalia periférica. Alterações radiológicas sugerem doença pulmonar e a prova tuberculínica é > 10mm, PCR +. Como o diagnóstico clínico é difícil, exames complementares são importantes para confirmar, principalmente pelo isolamento do agente no material aspirado/biópsia. Tumores malignos Os tumores malignos são infrequentes e somente 25% dos casos apresentam alterações na cabeça/pescoço, o que inclui aumento do gânglio. Apesar disso, para cada 7 crianças com massa palpável na região cabeça/pescoço, 1 é neoplasia. Em 50% dos casos é de doença de Hodgkin, leucemia ou outra forma de linfoma. Em cabeça/pescoço, 2% das massas palpáveis são cancerosas. Na região cervical inferior e supraclavicular, a probabilidade de malignidade eleva-se para 50%. As adenomegalias cervicais malignas podem ser distribuídas por faixa etária em: a) Menores 6 anos: leucemias, linfomas não-Hodgkin, neuroblastoma b) Maiores 6 anos: doença de Hodgkin, linfossarcoma c) Adolescência: doença de Hodgkin A evolução pode ser descrita por aumentos ganglionares indolores, de consistência firme e crescimento lento, que pode supurar se houver infecção secundária. Regiões mais acometidas são cervical ântero-inferior e posterior e supraclavicular. Doença de Hodgkin Adenomegalia unilateral cervical de 60 a 80% dos casos, axilar e inguinal de 6 a 20% dos casos, mediastinal em 20 a 50% dos casos. Linfoma não Hodgkin Enfartamento cervical bilateral em 40% dos casos. A adenopatia não é patognomônica de neoplasia, mas se não regredir em 2-3 semanas, considerar biópsia para diagnóstico de certeza. Linfadenomegalias na infância Vitória de Siqueira, MEDXIV Linfonodos torácicos Doença da arranhadura do gato A doença da arranhadura do gato é uma infecção provocada por bactérias Gram- negativas Bartonella henselae, em que aparecem pápulas locais e linfadenite regional, além de sinais de arranhadura ou mordedura. 60 a 90% dos casos as lesões são nas mãos e braços e em 80% dos casos, é unilateral. A adenomegalia pode ser generalizada, medindo 1 a 5 cm e se espalhando por: 45% axilar 25% cervical e supraclavicular 15% inguinal 5% pré-auricular Linfadenomegalia generalizada Síndrome da mononucleose infecciosa (doença do beijo) A síndrome da mononucleose infecciosa tem evolução prolongada e incidência frequente.O quadro clínico é variado: Adenopatia pouco dolorosa, móvel, não aderente, sem flogose associada a febre, hepatomegalia (15%), esplenomegalia (50%). Exantema maculo-papular não-descamativo (10%), angina pseudomembranosa e petéquias em palato, mialgias e/ou artralgias também podem aparecer. No leucograma há linfocitose atípica causada pelo agente etiológico da doença: o vírus Epstein- Barr em 1/3 dos casos. O citomegalovírus (CMV), adenovírus, herpesvírus e Toxoplasma gondii também podem causar a doença. Toxocaríase A toxocaríase é uma infecção humana causada por larvas de ascarídeos nematoideos que ordinariamente infectam animais. Essa é a causa Linfadenomegalias na infância Vitória de Siqueira, MEDXIV mais comum em nosso meio devido ao contato com cães. Sinais e sintomas englobam: + Hepatoesplenomegalia e anemia associados + Geofagia + Quadro respiratório de grande eosinofilia no hemograma Os quadros clínico e laboratorial são semelhantes a: + Esquistossomose aguda + Doença de Chagas aguda + Estrongiloidíase sistêmica + Certas formas de leucemia Leishmaniose visceral Doença grave causada pelo protozoário Leishmania chagasi, que é transmitido através da picada de um inseto chamado flebotomíneo, popularmente conhecido por mosquito palha e que pode atingir pessoas e animais, principalmente o cão. No quadro, há adenomegalias e hepatoesplenomegalia acentuada com febre, comprometimento do estado geral, anemia e distúrbio de coagulação. Doenças neoplásicas primárias ou metastáticas Causas menos frequentes de adenomegalias na infância são as doenças neoplásicas, mas é preciso ficar atento para fornecer um diagnóstico seguro. As principais doenças são leucemias e linfomas, que têm início pelo acometimento ganglionar não doloroso. Depois aparecem sinais de comprometimento geral, como febre, emagrecimento, anemia, sangramentos, hepatoesplenomegalia, alteração das características dos gânglios e sintomatologia de acometimento ganglionar profundo. Linfomas atingem mais especificamente o tecido ganglionar ao passo que leucemias provocam o acometimento uniforme dos tecidos linfáticos e sintomas de falência medular. O esclarecimento diagnóstico é anatomopatológico. Linfomas Linfomas são alterações nas células do sistema linfático, os linfócitos, e são a terceira causa de câncer em pediatria. Os linfomas se dividem em Doença de Hodgkin e os linfomas não Hodgkin. I. Linfomas não-Hodgkin Mais frequente que a doença de Hodgkin na infância, é um tipo de neoplasia que acomete menores de 6 anos e forma um grupo heterogêneo de neoplasias: linfomas de Burkitt, não-Burkitt, de células linfo-basofílicas. Por isso, esses linfomas têm apresentação variada, de modo que podem acometer todo o tecido linfoide do organismo ou somente algumas regiões, como placas de Peyer, anel de Waldeyer (amígdalas) e gânglios. II. Linfomas Hodgkin Neoplasia rara antes dos 5-6 anos que propicia o acometimento ganglionar insidioso não doloroso. Embora generalizada, 60-90% apresenta-se como adenopatia cervical crônica. No diagnóstico, de 20-50% com adenomegalias mediastinais, 6-20% com gânglios axilares, 6- 12% tem gânglios inguinais e somente 30% com sintomas sistêmicos como febre prolongada, Linfadenomegalias na infância Vitória de Siqueira, MEDXIV queda do estado geral, astenia, emagrecimento, outros. Leucemias Doença progressiva desencadeada por uma proliferação descontrolada de blastos (células precursoras dos glóbulos brancos). A principal característica é o acúmulo de células jovens anormais na medula óssea. A leucemia aguda tem número aumentado dessas células jovens, que não desempenham suas funções e levam a uma rápida piora clínica. A leucemia crônica tem células que desempenham ainda suas funções, podendo retardar os sintomas clínicos. AIDS Adenopatia generalizada e persistente em que, em 50% dos casos, o quadro clínico é composto por síndromes associadas, como pneumonia intersticial linfocítica, linfomas, hepatoesplenomegalia, processos infecciosos recorrentes, otites, parotidites, infecções oportunistas e outros sintomas. Doença de Kawasaki A doença de Kawasaki é uma condição que causa inflamação nas paredes de alguns vasos sanguíneos do corpo. Os critérios diagnósticos consistem em: + Febre por mais de 5 dias + Alterações mucocutâneas + Faringite, língua “em framboesa”, fissuras labiais + Edema e/ou eritema e/ou descamação periungueal de mãos e pés + Eritema polimorfo não-vesicular em tronco + Linfadenomegalia (em 75% dos casos há acometimento ganglionar único na região cervical, mas pode ser generalizado). Abordagem diagnóstica Na maioria das crianças, os quadros de linfadenopatia generalizados ou localizados são benignos e autolimitados. Como a adenopatia é, na maioria das vezes, um sinal não característico, pode-se optar por um período de observação de 2 a 3 semanas sem intervenção. Nesse período, a anamnese e o exame físico devem ser refeitos periodicamente na tentativa de identificar fatos novos que auxiliem o diagnóstico. Acredita-se que nesse período as infecções agudas, virais (rubéola, sarampo etc.) ou bacterianas (linfadenite piogênica) evoluam para definição clínica ou resolução. Entretanto, se a linfadenomegalia estiver associada a fatores de risco para malignidade, não se deve aguardar esse período de observação, devendo ser iniciada prontamente a propedêutica específica. Apesar disso, o diagnóstico pode ser difícil pela possível associação com diversas doenças, que têm características clínicas e gravidades variáveis. Por isso, pode ser necessária ampla investigação laboratorial através de: + Hemograma completo + Bioquímica + Funções renal e hepática + Desidrogenase lática (DHL) + Ácido úrico Hemograma Linfocitose absoluta com 10-20% de linfócitos atípicos sugere mononucleose infecciosa, doença de Chagas. Leucocitose com neutrofilia e desvio à esquerda sugere infecção bacteriana sistêmica, escarlatina, endocardite. Anemia e reticulocitose sugere anemia hemolítica. Leucocitose com 20% ou mais de eosinofilia sugere toxocaríase ou migração larvária de parasitas. Bicitopenia ou pancitopenia sugere doença de medula óssea. Bioquímica Avaliação da presença de doença sistêmica ou de um quadro de linfonodomegalia localizada. DHL Enzima intracelular que aumenta em todos os processos com lise celular. Elevação de DHL com linfonodomegalia deve orientar diagnóstico de síndromes hemolíticas e/ou morte celular espontânea (neoplasias agressivas, como leucemias e linfomas). Ácido úrico Linfadenomegalias na infância Vitória de Siqueira, MEDXIV Elevado nas células neoplásicas por linfomas e/ou leucemias. Avaliação por imagem Radiografia de tórax/USG (screening) identificam adenomegalias profundas e/ou diferenciam adenomegalias de malformações congênitas. A avaliação laboratorial é diferenciada em cada caso de acordo com as hipóteses diagnósticas mais prováveis. Por isso, a solicitação de exames deve ser racional e individualizada. Casos mais específicos, por exemplo, precisam de sorologia para HIV, mielograma, avaliação de doenças autoimunes, hormônios tireoidianos. Diagnóstico etiológico de certeza é difícil, mas a biópsia pode elucidar o diagnóstico com maior eficiência e pode excluir patologias mais graves. Adenomegalias nos processos patológicos + Linfonodos com características diferentes do normal: endurecimento e aderências a planos profundos + Maioria reacional por processos infecciosos focais/sistêmicos geralmente causados por vírus e autolimitados + Biópsia e Adenomegalia + Infecção por fungos, micobactérias, toxo + Doenças autoimunes, outras + Tipos celulares variáveisSinais de alerta para necessidade de biópsia + Presença persistente e inexplicável de febre e/ou perda de peso e/ou sudorese noturna; + Linfonodomegalia generalizada e hepato ou esplenomegalia; + Gânglios aderidos a planos profundos ou à pele, de crescimento rápido, coalescentes e endurecidos; + Localização supraclavicular ou de mediastino; + Aumento progressivo do gânglio ou sua não-regressão em 4 semanas ou mais; + Gânglios de tamanho maior que o inicial, após 2 semanas de uso de antibióticos; + Gânglios que não diminuem de tamanho após 4 a 6 semanas ou que não retornam ao tamanho normal em 8 a 12 semanas, principalmente se associados a novos sinais e/ou sintomas; + Investigação laboratorial: negativa, e o gânglio se mantém por mais de 8 semanas. Fazer biópsia quando: + História e exame físico sugerem neoplasia; + Linfonodomegalia >2,5cm na ausência de sinais de infecção; + Linfonodomegalia persistente ou em progressão; + Ausência de redução do linfonodo após 2 semanas de antibioticoterapia; + Linfonodomegalia supraclavicular. Conduta para linfonodomegalia sem risco + Observação rigorosa + Analgesia e calor local a cada 4 h + Fistulização ou drenagem cirúrgica para pesquisa do agente Tratamento ● Antibioticoterapia VO + Azitromicina + Cefuroxima + Cefalexina + Claritromicina + Clindamicina + Eritromicina ● Anti-inflamatórios não hormonais VO + Ibuprofeno + Nimesulida + Naproxeno REFERÊNCIAS MARTINS, Maria A.; VIANA, Maria Regina de A.; VASCONCELLOS, Marcos Carvalho D.; FERREIRA. Semiologia da criança e do adolescente. MedBook Editora, 2010. E-book. 9786557830666. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books /9786557830666/. Acesso em: 03 set. 2022.