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TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO (À LUZ DE NORBERTO BOBBIO) Parte II PROFA. DENISE LEAL F. ALBANO LEOPOLDO V- A QUESTÃO DA NORMA FUNDAMENTAL E SUA IMPORTÂNCIA NA AFIRMAÇÃO DA UNIDADE DO SISTEMA NORMATIVO A NORMA FUNDAMENTAL ➢ Considerando o poder constituinte como poder último, impõe-se pressupor uma norma que atribua ao poder constituinte a faculdade de produzir normas: a norma fundamental. Ela não é expressa, mas pressuposta para fundar o sistema normativo. Essa norma última só pode ser aquela da qual deriva o poder primeiro. É o fundamento de validade e o princípio unificador das normas de um ordenamento. O fato de essa norma não ser expressa não significa que ela não exista: referimo- nos a ela como fundamento subentendido de legitimidade de todo o sistema.(BOBBIO) A pertinência de uma norma a um ordenamento é aquilo que se chama validade e a norma fundamental é o critério supremo que permite estabelecer se uma norma pertence a um ordenamento; em outras palavras, é o fundamento de validade de todas as normas do sistema. EM QUE SE FUNDA A NORMA FUNDAMENTAL? ➢ A norma fundamental é um pressuposto do ordenamento; ela cumpre, num sistema normativo a mesma função a que estão destinados os postulados de um sistema científico. ➢ Os postulados – postos por convenção ou por sua suposta evidência – são aquelas proposições primitivas de que se deduzem as outras, mas que por sua vez não são dedutíveis. Enfrentar o problema do fundamento da norma fundamental implica sair da teoria do direito positivo e entrar na secular discussão em torno do fundamento ou justificação em sentido absoluto do poder. ALGUMAS RESPOSTAS DADAS À QUESTÃO DO FUNDAMENTO ÚLTIMO DO PODER A) Todo poder vem de Deus (omnis potestas nisi a Deo). B) O dever de obedecer ao poder constituído deriva da lei natural (dictamen rectae rationis- ditame da reta razão). C) O dever de obedecer ao poder constituído deriva de uma convenção originária (contrato social). Para Bobbio, qualquer poder originário repousa um pouco sobre a força e um pouco sobre o consenso. VI- DIREITO E FORÇA – A QUESTÃO DO CONTEÚDO DA NORMA FUNDAMENTAL ➢ Considerando que o poder originário (que é o próprio poder constituinte) é o conjunto das forças políticas que, num determinado momento histórico, tomaram a dianteira e instauraram um novo ordenamento jurídico, objeta- se que fazer com que todo o sistema normativo decorra do poder originário significa reduzir o direito à força. ➢ Mas não se pode confundir o poder com a força (sobretudo com a força física). ➢ A força é um instrumento necessário do poder, mas isso não significa que ela seja o fundamento. Em síntese, a força é necessária para exercer o poder, não para justificá-lo. ➢ O conceito do direito como “ordenamento com eficácia reforçada”. O direito tal como é, é expressão dos mais fortes, não dos mais justos. Melhor seria se os mais fortes fossem também os mais justos. ➢ Mas para BOBBIO, a definição de ROSS e KELSEN (o direito como conjunto de regras para o exercício da força) é limitativa, pois o objetivo de todo legislador não é o de organizar a força, mas organizar a sociedade mediante a força. VII- A COERÊNCIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO ➢ Quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema, perguntamo-nos se as normas que o compõem estão em relação de compatibilidade entre si e em que condições é possível essa relação. Assim, o ordenamento jurídico é, além de uma unidade, um sistema, ou seja, uma unidade sistemática, compreendido sistema como uma totalidade ordenada. ➢ Segundo Kelsen, nos ordenamentos normativos há dois tipos de sistema: - sistema estático: as normas derivam umas das outras como um sistema dedutivo, e estão ligadas entre si em relação ao seu conteúdo (material). Ex: Hobbes põe como fundamento de sua teoria do estado e do direito a máxima Pax est quaerenda (a paz deve ser procurada), isto é que o postulado ético fundamental é o de que a paz deve ser buscada e a guerra evitada. - sistema dinâmico: as normas derivam umas das outras através de sucessivas delegações de poder, ou seja, derivam umas das outras não em razão do seu conteúdo, mas em através da autoridade. Nesse tipo de ordenamento, a ligação entre as várias normas não é de ordem material, mas formal. Ex: seria o de um ordenamento que coloque em seu vértice a máxima: “É preciso obedecer a vontade de Deus”. Kelsen sustenta que os sistemas jurídicos são dinâmicos, pois estáticos seriam os ordenamentos morais. Hoje, diríamos que os sistemas jurídicos são mistos. TRÊS SIGNIFICADOS DE SISTEMA No uso histórico da filosofia e da ciência do direito emergem três diferentes significados de sistema: - um dado ordenamento é um sistema, uma vez que todas as normas jurídicas daquele ordenamento derivam de alguns princípios gerais. Consagra-se o procedimento dedutivo ; - indica um ordenamento da matéria, realizado com procedimento indutivo, ou seja, partindo do conteúdo das normas singulares com o objetivo de elaborar conceitos cada vez mais gerais, e classificações ou divisões de toda a matéria. Ex: a construção da teoria do negócio jurídico, toda ela baseada na experiência, na práxis. - diz-se que um ordenamento jurídico constitui um sistema porque nele não podem coexistir normas incompatíveis. Nesse caso, “sistema” equivale a validade do princípio que exclui a incompatibilidade das normas. COERÊNCIA E COMPATIBILIDADE ➢ Assim, o terceiro significado de sistema é o que Bobbio adota em sua teoria do Ordenamento Jurídico. ➢ Não seria correto falar de coerência do ordenamento jurídico no seu todo, pode-se falar de exigência de coerência somente entre as partes singularmente consideradas desse ordenamento. ➢ Enquanto num sistema dedutivo uma contradição faz desmoronar todo o sistema, num sistema jurídico a incompatibilidade de duas normas não leva ao colapso de todo o sistema, mas apenas de uma das normas ou de ambas. Assim, pelo princípio da incompatibilidade, para verificar a pertinência de uma norma ao sistema não basta demonstrar que deriva de uma das fontes autorizadas, mas se ela é compatível com as outras normas. AS ANTINOMIAS A situação de normas incompatíveis entre si é uma tradicional dificuldade dos juristas de todas as épocas, e que recebeu a denominação de antinomia. A tese de que o ordenamento jurídico constitui um sistema também pode ser expressa dizendo que o direito não tolera antinomias. Para compreender em que consiste uma antinomia jurídica, é necessário verificar as relações intercorrentes entre as quatro figuras de qualificação normativa: o comandado, o proibido, a permissão negativa e a permissão positiva. AS RELAÇÕES INCOMPATÍVEIS Das seis relações possíveis , três são de incompatibilidade e três são de compatibilidade: - É obrigatório fazer / é proibido fazer. - É obrigatório fazer/ é permitido não fazer. - É proibido fazer / é permitido fazer. - É obrigatório fazer / é permitido fazer. - É proibido fazer / é permitido não fazer. - É permitido fazer / é permitido não fazer. ATENÇÃO! VÁRIOS TIPOS DE ANTINOMIAS Para haver antinomia são necessárias duas condições: I – as duas normas devem pertencer ao mesmo ordenamento. II – as duas normas devem ter o mesmo âmbito de validade: ● temporal – “é proibido fumar das cinco às sete” não é incompatível com “é permitido fumar das sete às nove”. ● espacial - “é proibido fumar na sala de cinema ” não é incompatível com “é permitido fumar na sala de espera”. ● pessoal - “é proibido aos menores de 18 anos fumar” não é incompatível com “é permitido aos adultos fumar”. ● material - “é proibido fumar charutos” não é incompatível com “é permitido fumar cigarros”. MELHOR DEFINIÇÃO ➢ Antinomia jurídica é aquela situação que se verifica entre duas normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e com o mesmo âmbito de validade. ➢ A partir dessa definição, as antinomias jurídicas podem ser divididas em três diferentes tipos, segundo a maior ou menor extensão do contraste entreduas normas: ➢ ● total-total (Ex: É proibido aos adultos fumar [o que quer que seja] das 17h às 19h na sala do cinema - É permitido aos adultos fumar da 17h às 19h na sala do cinema) ➢ ● parcial-parcial (Ex: É proibido aos adultos fumar cachimbo e charuto das 17h às 19h na sala do cinema - É permitido aos adultos fumar charuto e cigarro da 17h às 19h na sala do cinema) ➢ ● total-parcial (Ex: É proibido aos adultos fumar das 17h às 19h na sala do cinema - É permitido aos adultos fumar da 17h às 19h na sala do cinema, somente cigarros) ANTINOMIAS IMPRÓPRIAS ➢ - Antinomias de princípios: quando um ordenamento é inspirado em valores contrapostos (liberdade e segurança, por exemplo). Essas antinomias não são antinomias propriamente ditas, mas podem dar lugar a normas incompatíveis. ➢ - Antinomias de valoração: é verificada no caso de uma norma punir um delito menor com uma pena mais grave do que a prevista para um delito maior. Nesse caso, não se deve falar de antinomia mas de injustiça. A antinomia produz incerteza, a injustiça produz desigualdade e, portanto, a correção obedece, nos dois casos, a dois valores diversos: no primeiro, ao valor da ordem; no segundo, ao valor da igualdade. ➢ - Antinomias teleológicas: têm lugar quando existe um contraste entre a norma que prescreve o meio para alcançar o fim e aquela que prescreve o fim. Nesse caso o contraste nasce mais da insuficiência do meio e seria mais adequado falar em lacuna e não antinomia. ANTINOMIAS SOLÚVEIS E ANTINOMIAS INSOLÚVEIS ➢ - Antinomias solúveis: também chamadas de “antinomias aparentes”. ➢ - Antinomias insolúveis: também chamadas de “antinomias reais”. São aquelas em que o intérprete é abandonado a si mesmo ou pela ausência de um critério ou por conflito entre os critérios dados. ➢ As razões pelas quais nem todas as antinomias são solúveis são duas: 1. há casos de antinomias em que não se pode aplicar nenhuma das regras excogitadas para a solução das antinomias; 2. há casos em que se podem aplicar ao mesmo tempo duas ou mais regras em conflito entre si. CRITÉRIOS PARA SOLUÇÃO DE ANTINOMIAS Da Determinação à Solução das Antinomias ➢ - Critério cronológico (lex posterior derrogat priori). Serve quando duas normas incompatíveis são sucessivas; ➢ - Critério hierárquico (lex superior derrogat inferiori). Serve quando duas normas incompatíveis estão em nível diferente; ➢ - Critério da especialidade (lex specialis derrogat generali). Serve no conflito entre uma norma geral e uma norma especial. A antinomia é do tipo total-parcial. Quando se aplica o critério cronológico ou aquele hierárquico, em geral se tem a eliminação total de uma das duas normas. Portanto, diferentemente da relação cronológica e daquela hierárquica, que não suscitam necessariamente situações antinômicas, a relação de especialidade é necessariamente antinômica. O que significa que os dois primeiros critérios se aplicam quando surge uma antinomia; o terceiro se aplica porque passa a existir uma antinomia. INSUFICIÊNCIA DOS CRITÉRIOS OU CONFLITO DOS CRITÉRIOS ➢ Há casos em que se verifica uma antinomia entre duas normas: A) contemporâneas; B) no mesmo nível; C) ambas gerais. ➢ Qual seria o critério válido nesses casos? ➢ A questão do critério da “forma da norma” e a tendência à conservação das normas dadas (a interpretação corretiva). (Ex: prevalece a lex favorabilis em detrimento da lex odiosa) ➢ Outro caso diz respeito às normas contrárias (proíbe e obriga). Nesse caso, as duas devem ser excluídas, afastadas ou anuladas e passa a prevalecer o permitido. ➢ A questão da incompatibilidade de 2º grau (a incompatibilidade entre os critérios válidos para a solução da incompatibilidade entre as normas. INCOMPATIBILIDADE ENTRE OS CRITÉRIOS ➢ Critérios Fortes: hierárquico (+) e especialidade ( - ); ➢ Critério Fraco : cronológico. ➢ E no caso de conflito entre dois critérios fortes? A gravidade do conflito decorre do fato de que estão em jogo dois valores fundamentais de todo ordenamento jurídico, aquele do respeito à ordem, que exige o respeito à hierarquia e, portanto, ao critério da superioridade, e aquele da justiça, que requer a adaptação gradual do direito às necessidade sociais e, portanto, o respeito ao critério da especialidade. Para BOBBIO, a coerência não é condição de validade, mas é sempre condição para a justiça do ordenamento jurídico. VIII- A COMPLETUDE DO ORDENAMENTO JURÍDICO ➢ O problema das lacunas: O ordenamento é um sistema porque é uma unidade sem contradições (a serem removidas) e é completa, sem lacunas (a serem preenchidas) ➢ Carnelutti fala de incompletude por exuberância no caso das antinomias e incompletude por deficiência do caso de lacunas. ➢ A completude é uma condição necessária para os OJ em que valem essas duas regras: A) O Juiz é obrigado a julgar todas as controvérsias que se apresentam ao seu exame; B) O Juiz é obrigado a julgá-las com base em uma norma pertencente ao sistema. O DOGMA DA COMPLETUDE ➢ O dogma da completude integra a concepção estatista do Direito. ➢ Uma manifestação macroscópica desse desejo de completude foram as grandes codificações (o código como uma espécie de prontuário). ➢ A Reação de Erlich (A lógica dos juristas). Para esse autor, o raciocínio do jurista tradicional está baseado em 3 pressupostos: 1) a proposição maior de todo raciocínio jurídico deve ser uma norma jurídica; 2) essa norma deve ser sempre uma lei do Estado; 3) todas essas normas devem formar no seu conjunto uma unidade. ➢ A batalha da escola do direito livre contra o fetichismo da lei e o dogma da completude é a batalha pelas lacunas. ➢ Seus adeptos defendiam que o direito constituído está cheio de lacunas e é necessário confiar no poder criativo dos juízes . ➢ Para Bobbio, esse movimento contra o estadismo jurídico tem 2 principais razões: A) o envelhecimento da codificação; B) as transformações sociais, impulsionadas pelas revolução industrial. O CONTRA-ATAQUE ➢ A Escola do Direito Livre encontrou fortes resistências entre aqueles que a viam como uma tentativa de quebrar a barreira do princípio da legalidade. ➢ A reação ao movimento estava baseada na defesa de que a completude não era um mito e sim uma exigência de justiça; não era uma função inútil, mas uma defesa útil de um importante valor: a certeza. A REAÇÃO DE KARL BERGBOHM ➢ O espaço jurídico vazio – Aquilo que o Direito não alcança não constituiria lacuna do Direito e sim atividade ou matéria indiferente ao Direito. ➢ A norma geral exclusiva – todo caso encontraria no ordenamento jurídico sua regulamentação. Se não existir uma regulamentação própria, será abarcado por uma norma geral referida. ➢ Mas essas duas teses sofreram críticas. - Quanto à primeira, a questão do “juridicamente irrelevante” é questionável. - Quanto à segunda, há a possibilidade da norma geral inclusiva, como, por exemplo, a que admite recorrer à analogia. AS LACUNAS PRÓPRIAS E IMPRÓPRIAS ➢ Para Bobbio, a incompletude do ordenamento jurídico não decorre da falta de uma norma a ser aplicada, mas da falta de critérios válidos para decidir qual deve qual norma deve ser aplicada. ➢ A questão das lacunas ideológicas (ou de iuri condendo) e das lacunas reais (ou de iuri condito). ➢ Para Brunetti, o problema das lacunas não faz sentido, pois as únicas lacunas existentes seriam as ideológicas. Só faria sentido em uma comparação entre um OJ real e um OJ ideal. As lacunas próprias podem ser eliminadas mediante as normas vigentes, enquanto as impróprias apenas através de novas normas. AS LACUNAS AINDA PODEM SER: ➢ Quanto aos motivos que a provocaram, as lacunas podem ser objetivas ou materiais e subjetivas. ➢ Geny e Ehrlich defenderam que o sistema normativo tem lacunas materiais que somente podem ser preenchidas pela livre investigação científica e pela livre interpretação do direito. ➢ As lacunas subjetivas podem ser voluntárias ou involuntárias. ➢ Elas também podem ser praeter legem (comum quando há normas muito particulares eelas não conseguem abarcar todos os casos) e intra legem (quando prevalecem normas muito gerais e estas deixam vácuos jurídicos que cabe ao intérprete preencher). HETEROINTEGRAÇÃO E AUTOINTEGRAÇÃO ➢ “Se, estaticamente considerado, um ordenamento jurídico não é completo a não ser pela norma geral exclusiva, dinamicamente considerado, porém, é completável.” ➢ Para completar um ordenamento jurídico, é possível recorrer a esses dois métodos diferentes. ➢ A heterointegração consiste na integração em que há : A) recurso a ordenamentos diversos (Direito natural, por exemplo); B) recurso a fontes diversas daquelas que é dominante. (poder criativo do juiz, por exemplo). ➢ Já a autointegração apoia-se, particularmente, em dois procedimentos: a analogia e os princípios gerais do direito. REFERÊNCIA BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria Celeste Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: Edit. UNb, 1997.
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