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Apostila Obras Literarias VR 2023-27-28

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@vestibularesumido
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A descrição das personagens a seguir, ainda que não 
substitua a leitura da obra, proporcionará um olhar 
mais apurado da trama.
João Romão: português de baixa estatura, com 
barba sempre por fazer, sovina e com ares de cobiça. 
É dono do cortiço e da pedreira e não mede esforços 
para acumular riquezas; dorme sobre o balcão do 
próprio armazém e faz do trabalho a sua vida, 
privando-se dos mais simples prazeres.
Miranda: também português, vive em um sobrado 
ao lado do cortiço de João Romão, que o inveja por 
sua condição social. É casado por conveniência com 
Estela, mulher com alguns casos extraconjugais.
Bertoleza: escravizada fugida que acredita ter sido 
alforriada e passa toda a trama prestando serviços 
humildemente a João Romão; vive como amante do 
“patrão”, é quitandeira e limpa os peixes que darão 
apelido aos moradores do cortiço – “carapicus”.
Jerônimo: português íntegro e bom. Inicialmente, 
apresenta-se como marido e pai gentil. Apaixona-se 
por Rita Baiana e passa por um “abrasileiramento”, 
degradando-se.
Piedade: esposa de Jerônimo que é traída e 
abandonada pelo marido; alcança, depois disso, sua 
completa degradação e é expulsa pelo cortiço.
O ser humano determinado pelo meio
O cortiço, uma habitação coletiva, é o espaço 
principal do romance; esse importante cenário do 
enredo acaba se tornando o grande protagonista da 
obra. De sua entrada até os fundos (a pedreira), o 
espaço é descrito em toda sua decrepitude: é sujo, 
malcheiroso, abarrotado de gente de péssimos 
hábitos de higiene, está em condições deploráveis e 
nele acontecem relações promíscuas. Uma das teorias 
da linha do Naturalismo tomada como referência 
para a produção dessa obra – o determinismo, de 
Hippolyte Taine – indica que o meio é capaz de 
determinar o comportamento dos seres e modificá-
los. Logo, o cortiço e sua sordidez abrigaram também 
gente decrépita, suja e promíscua. Os adjetivos para 
as personagens locais parecem cruéis, mas é o que se 
pretendia com a linguagem realista-naturalista: a 
observação e descrição objetivas da realidade 
circundante. Em grupo, os indivíduos devem moldar-
se, adaptar-se ao ambiente; portanto, não podemos 
dizer que em O cortiço alguém figura como 
personagem principal, visto que, como apontam 
muitos estudiosos, é o ambiente coletivo, ou seja, o 
pode ser considerada a personagem principal do livro. 
Observe os trechos a seguir, em que a habitação ganha 
ares humanos.
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os 
olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 29.
daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco. E naquela 
terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, 
começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer um mundo, uma coisa 
viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo,
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 18.
Ao recurso apresentado nos trechos anteriores, dá-se o 
nome de personificação (ou prosopopeia), em que algo 
inanimado, no caso a habitação coletiva, adquire vida e 
sentidos. Assim, justifica-se a tese de que o cortiço pode 
ser considerado o protagonista do romance. Sobre o 
clima dos trópicos: o português em terras brasileiras 
Além do cenário do cortiço, Aluísio Azevedo abordou a 
questão do “abrasileiramento” em sua obra. Não só a 
moradia pobre altera o comportamento da personagem, 
mas também a natureza tropical do Brasil, a qual é capaz 
de modificar a estrutura emocional do estrangeiro. 
Jerônimo é um português caracterizado, inicialmente, 
como um trabalhador honesto, marido íntegro e bom 
pai. Segundo o narrador, a personagem, já em terras 
cariocas, acaba por se esvaziar da coragem de outrora e 
se torna preguiçoso, indisciplinado e transgressor da 
moral. Desse modo, a narrativa apregoa que o Brasil 
opera em Jerônimo uma “revolução tropical”, causada 
pelo sol e pela atração que o rapaz sente por Rita 
Baiana. A sensualidade da mulher brasileira é 
fator preponderante para que observemos 
uma transformação em Jerônimo, também 
abalado pela música e pela dança. O rapaz se 
torna pura luxúria, pois, segundo a concepção da época, 
o cheiro e a luz do Rio de Janeiro são afrodisíacos. 
Comprovando o determinismo do meio, Jerônimo 
torna-se indolente, preguiçoso e apreciador imoderado 
de fumo, de café, de cachaça e de sexo. Assim, ele deixa 
de trabalhar na terra e se deixa levar pelos prazeres, ao 
contrário de João Romão, também português e dono do 
cortiço, que triunfa sobre o meio e não é dominado por 
ele.
João Romão: o êxito do ser humano sobre o 
meio
João Romão é um português que se destaca pela força, 
pois, diferentemente de Jerônimo, não se submete ao 
meio. É um vendeiro que ascende na nova terra à custa 
da exploração dos outros, principalmente de Bertoleza,
@vestibularesumido
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uma escravizada fugida para quem ele acaba 
falsificando uma carta de alforria. Todos os esforços 
de João Romão se concentram em ocupar uma 
posição social superior, equiparando-se ao invejado 
Miranda, também português e vizinho do cortiço, 
morador de um sobrado “aristocrático”. Por esse 
motivo, João Romão utiliza, de forma doentia, 
recursos para guardar dinheiro. É ambicioso, rouba os 
clientes no armazém e abusa da companheira 
Bertoleza, tanto do trabalho braçal quanto do corpo 
dela, acumulando primitivamente capital a fim de 
alcançar certa fortuna. É ele quem cria o mundo do 
cortiço e o reduz ao feroz antro fétido descrito na 
obra. Entretanto, João Romão se nega a interagir com 
a desordem instaurada e com a sensualidade/
sexualidade sempre muito presentes na rotina do 
local. Com o único objetivo de ascender socialmente, 
torna-se um ser humano desprezível. Por fim, 
consegue uma considerável fortuna, conquistando 
certa admiração de Miranda, que acabara de receber 
o título de barão. João agora compreende que seu 
império fora construído sobre o vazio. Tenta, a todo 
custo, casar- se com a vizinha Zulmira, filha de 
Miranda, como modo de pôr fim à sua existência nula 
e solitária, mas vê Bertoleza como um grande 
problema. Como se casar com uma jovem aristocrata 
tendo a escravizada fugida sob seu teto como amásia? 
Ela já não lhe servia mais, era apenas um estorvo do 
qual ele precisava se livrar. Nessa passagem da 
história, Aluísio Azevedo nos brinda com uma forte 
cena, carregada de pessimismo e crueldade típicas do 
Realismo-Naturalismo: João Romão, que forjara a 
carta de alforria de Bertoleza e a enganara para 
explorar sua mão de obra, denuncia a mulher ao filho 
de seu antigo dono, a fim de que ela fosse capturada e 
levada de volta ao cativeiro. Em seguida, constrói-se a 
cena desoladora da exasperação de Bertoleza, a qual 
se desespera diante da farsa do amante e crava em 
seu ventre o mesmo facão com que rotineiramente 
limpava os peixes, rasgando-o.
Atravessaram o armazém, depois de um pequeno 
corredor que dava para um pátio calçado, e chegaram 
finalmente à cozinha. Bertoleza, que havia já 
feito subir o jantar dos caixeiros, estava de 
cócoras no chão, escamando peixe, para a 
ceia do seu homem, quando viu parar 
defronte dela aquele grupo sinistro. 
Reconheceu logo o filho mais velho do seu 
primeiro senhor, e um calafrio percorreu-
lhe o corpo. Num relance de grande perigo 
compreendeu a situação: adivinhou tudo com a 
lucidez de quem se vê perdido para sempre; adivinhou 
que tinha sido enganada; que a sua carta de alforria 
era uma mentira, e que o seu amante, não tendo 
coragem para matá-la, restituía-a ao cativeiro.
Seu primeiro impulso foi de fugir. Mal, porém, 
circunvagou os olhos em torno de si, procurando 
escapulir, o senhor adiantou-se dela e segurou-lhe o 
ombro.
— É esta! disse aos soldados, que, com um gesto, inti-
maram a desgraçada a segui-los. — Prendam-na! É escrava minha!
A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma 
das mãos espalmadas no chão e com a outra segurando a faca de 
cozinha, olhouaterrada para eles, sem pestanejar. Os polícias, 
vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. 
Bertoleza, então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou 
de um salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só 
golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado. E depois 
emborcou para frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa 
lameira de sangue.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. [s.l]: Nova Fronteira, 2014.
Entre as personagens do romance O cortiço, destaca-se 
Pombinha – a “flor do cortiço” –, cuja transformação é 
marcante e delineia o forte apelo naturalista do autor. A 
princípio, Pombinha é apresentada como um escudo à 
forma de vida instintiva do local. A moça vive a 
adolescência sem sinais de menstruação, o que, 
simbolicamente, caracteriza-a ainda como uma menina, 
considerada pura e ingênua. Pombinha é prometida em 
casamento a um bom moço, e a primeira menstruação 
dela é ovacionada por sua mãe, que considera o sangue 
um milagre, um símbolo de fertilidade e bonança. Assim, 
Pombinha também começa a viver as primeiras 
experiências sexuais e aflora para a vida em um 
encontro com Léonie, uma prostituta. A mocinha casa- 
se em seguida, mas já não é a mesma menina que amara 
o noivo um dia, mas sim uma mulher transformada 
pelas circunstâncias da vida. Ela passa a trair o marido 
constantemente e só encontra felicidade plena quando 
passa a viver definitivamente um romance com Léonie 
e também se torna prostituta. Assim, surge o 
questionamento: tais eventos evidenciam seu instinto, 
sua essência ou a influência do meio sobre ela?
Pombinha ergueu-se de um pulo e abriu de carreira
para casa. No lugar em que estivera deitada o capim verde ficou 
matizado de pontos vermelhos. A mãe lavava à tina, ela chamou-a 
com instância, enfiando cheia de alvoroço pelo número 15. E aí, 
sem uma palavra, ergueu as saias do vestido e expôs a Dona Isabel 
as suas fraldas ensanguentadas.
— Veio?! – perguntou a velha com um grito arrancado do fundo 
d’alma.
A rapariga meneou a cabeça afirmativamente, sorrindo feliz e 
enrubescida. As lágrimas saltaram dos olhos da lavadeira.
— Bendito e louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo! ex-
clamou ela, caindo de joelhos defronte da menina e erguendo para 
Deus o rosto e as mãos trêmulas. Depois abraçou-se às pernas da 
filha e, no arrebatamento de sua comoção, beijou- lhe repetidas 
vezes a barriga e parecia querer beijar também aquele sangue 
abençoado, que lhes abria os horizontes da vida, que lhes garantia 
o futuro; aquele sangue bom, que descia do céu, como a chuva 
benfazeja sobre uma pobre terra esterilizada pela seca.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 138.

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