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RESUMO: TRATAMENTO COMPULSÓRIO E INTERNAÇÕES PSIQUIÁTRICAS Fernanda Silva de Oliveira Bioética | Psicologia (noturno) INTRODUÇÃO O texto “Tratamento compulsório e internações psiquiátricas”, de Fortes (2010), objetiva traçar um histórico das concepções de loucura e doença mental, abordando a institucionalização, as violações dos direitos humanos, a reforma psiquiátrica, a legislação brasileira e o resgate e garantia da autonomia, do respeito, da singularidade e da dignidade do doente mental, inclusive quando sua internação é compulsória. A noção de que as doenças mentais representam um sério problema de saúde pública é relativamente recente; dentre os milhões de pessoas que sofrem de transtornos mentais ou comportamentais, apenas uma minoria tem tratamento. Segundo Fortes (2010, p. S322), estas pessoas tornam-se vítimas “por causa da sua doença e convertem-se em alvos de estigma e discriminação.” A definição de saúde, pela OMS (*** apud FORTES, 2010), não se limita a ausência de doença, mas a um bem-estar físico, mental e social. Singer (1987 apud FORTES, 2010) acrescenta a esta definição as circunstâncias econômicas, sociais e políticas. A Constituição Brasileira reconhece a saúde como um direito fundamental dos cidadãos e um dever do Estado, considerando suas relações com trabalho, moradia e ambiente. A saúde mental, por sua vez, é definida pela OMS (*** apud FORTES, 2010, p. S322) como o “bem-estar subjetivo, a auto-eficácia percebida, a autonomia, a competência, a dependência intergeracional e a auto-realização do potencial intelectual e emocional da pessoa”. Com o avanço das terapias psicofarmacológicas e das terapias interdisciplinares, os pacientes – doentes mentais – deslocaram-se da internação e da institucionalização para os tratamentos ambulatoriais e extra-hospitalares. Ainda assim, ainda há situações em que a internação se torna necessária, principalmente quando o paciente coloca em risco a vida ou a integridade de outras pessoas ou de si mesmo. A HISTÓRIA DA LOUCURA E DA SAÚDE MENTAL “A história da saúde mental pode ser definida como a história das diversas interpretações da loucura que são levadas ao fim nas distintas épocas de acordo com os diferentes modelos vigentes de saúde [...] é a história da tolerância para com a diferença entre as pessoas.” (FORTES, 2010, p. S323). Sociedades primitivas: consideravam os indivíduos com transtornos mentais como mensageiros divinos, portadores de poderes sobrenaturais, uma contribuição à comunidade. Hipócrates (460-380 a.C.): foi o primeiro a tentar desmistificar a medicina; associava quadros mentais a estados infecciosos, hemorragias e ao parto; considerava o cérebro a sede dos sentimentos e ideias; foi o pioneiro na classificação de doenças mentais. Galeno (131-200 d.C.): considerava o cérebro a sede da alma, controlador dos fenômenos mentais; dividia a alma em razão e intelecto, coragem e raiva, apetite carnal e desejos. Período Medieval (476 d.C.-1492): caracterizado pelo retrocesso do pensamento científico, é influenciado pela feitiçaria e demonologia; marcado pela intolerância com os loucos, os fracos e as mulheres (demonização da loucura). Século XVIII: estabelecimento do “diferente”; aqueles que não se conformavam aos padrões da sociedade normal, pensante, produtiva, eram afastados e confinados; Pinel (1755- 1826) representou o marco inaugural da Psiquiatria; apropriação da loucura pela ciência; transformou o louco em doente e a loucura em uma doença a ser tratada com ocultamento e exclusão; criou o Tratamento Moral, baseado em confinamentos, sangrias e purgativos, e consagrou o hospício como o lugar social dos loucos; a instituição psiquiátrica do século XVIII tornou-se um emblema de exclusão, descomprometida com a saúde e com a reinserção social. Freud (1856-1939): mentor de uma revolução intelectual na visão do homem pelo homem; propôs uma nova dimensão (o inconsciente) à condição humana; apesar da importante contribuição, o hospital psiquiátrico permanece sendo o lugar dos loucos. Período Imperial Brasileiro (séc. XIX): início da assistência psiquiátrica pública, exercida por asilos da Igreja Católica; recolhimento dos loucos, alienados, inoportunos aos asilos como medida de segurança pública; criação do hospício Pedro II e estabelecimento do hospício como lugar social dos loucos no território brasileiro. Proclamação da República: novos confrontos entre Estado, médicos e clérigos; marco divisório entre psiquiatria empírica e científica; até o final da década de 1950, tratar o doente mental continuava restrito ao interior dos hospitais. A REFORMA DA ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA A partir da década de 1970, os movimentos de transformação da assistência psiquiátrica, iniciados após a Segunda Guerra Mundial passaram a ter grande influência nos programas de saúde mental do Brasil. A reforma da assistência psiquiátrica, segundo Fortes: dá-se em razão do crescente clamor social causado pelas recorrentes denúncias de violência e outras variadas formas de desrespeito aos Direitos Humanos, gerando uma consciência crescente acerca da importância de se lutar pela preservação do direito à singularidade, à subjetividade e à diferença. (FORTES, 2010, p. S324) Os principais movimentos reformistas incluíam as comunidades terapêuticas na Inglaterra, o setor de política da França, o movimento de saúde mental comunitária nos Estados Unidos e a psiquiatria democrática italiana (que propunha substituir o modelo asilar/carcerário pineliano por uma rede diversificada de Serviços de Atenção Diária em Saúde Mental de Base Territorial e Comunitária). No Brasil, até o início da década de 1980, o cenário da assistência psiquiátrica era marcado pelas condições desumanas de vida e pela falência ética e terapêutica nas instituições psiquiátricas. A realidade foi denunciada à sociedade por profissionais de saúde mental, que organizaram o Movimento de Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), no Rio de Janeiro, dando início à reforma psiquiátrica. A reforma psiquiátrica compreende um processo social e complexo, denominado de desinstitucionalização, que consiste em uma estratégia teórico-prática de desmontagem do conjunto de aparatos científicos, legislativos, administrativos, de códigos de referência e de relações de poder que se estruturam em torno do objeto doença; é uma progressiva devolução à comunidade da responsabilidade em relação aos seus doentes e aos seus conflitos. Espera-se, como resultado da reforma o (re)estabelecimento da cidadania do doente mental, o respeito a sua singularidade e subjetividade, o resgate da autonomia e a reintegração social do sujeito. DIREITOS HUMANOS & LEGISLAÇÃO A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura a todo indivíduo o direito à dignidade, respeito, autonomia, humanidade e autodeterminação. Um problema crucial em relação à questão dos direitos dos portadores de transtornos mentais é o antagonismo entre o enfoque da saúde pública e o dos direitos humanos. Enquanto o primeiro se preocupa prioritariamente com a maioria da população, o segundo se preocupa fundamentalmente com a exceção, opera em nível individual e insiste em igualdade. No Brasil dentre os instrumentos de proteção e defesa dos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais, encontra-se a Lei Federal 10.216/2001, que determina a centralidade da proteção dos direitos humanos e de cidadania das pessoas com transtornos mentais, a necessidade de construir redes de serviços que substituam o modelo pineliano e o pacto de ações por parte dos diferentes atores sociais. A Lei Federal 10.216/2001 também prevê que o indivíduo com transtornos mentais tem direito ao melhor tratamento do sistema de saúde; de ser tratado com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde (beneficência); à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecera necessidade ou não de sua hospitalização involuntária (justiça e autonomia); de receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento (autonomia). Também prevê que a internação A internação, só será indicada, mediante laudo médico, quando os recursos extra hospitalares se mostrarem insuficientes (beneficência) e visará a reinserção social do paciente em seu meio. São considerados tipos de internação psiquiátrica, segundo a Lei 10.216/2001: (1) internação voluntária, que se dá com o consentimento do usuário; (2) internação involuntária, que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro (familiar ou responsável legal); e (3) internação compulsória, determinada pela Justiça. As internações voluntária ou involuntária devem ser registradas por um médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina do estado onde atua; a internação involuntária deve ser comunicada ao Ministério Público; e a internação compulsória será solicitada pelo juiz competente. O Ministério da Saúde prevê, através da portaria nº 2391, quatro modalidades de internação: internação psiquiátrica voluntária (IPV), mediante consentimento livre e esclarecido; internação psiquiátrica involuntária (IPI), mediante comunicação; internação psiquiátrica voluntária que se torna involuntária (IPVI) quando o paciente internado exprimir sua discordância com a manutenção da internação; e internação psiquiátrica compulsória (IPC), mediante ordem judicial. Por fim, também o Código de Ética Médica legisla acerca dos direitos humanos e relação com familiares e pacientes, vedando a realização de procedimentos sem consentimento do paciente ou representante legal; a limitação da autonomia do paciente; o desrespeito à integridade física e mental do paciente. Além disso, prevê a internação involuntária somente nos casos em que o paciente oferece riscos para si ou para outros, ou em caráter judicial. INTERNAÇÕES PSIQUIÁTRICAS Uma das questões mais complexas da Psiquiatria diz respeito ao tratamento psiquiátrico que ocorre sem o consentimento do paciente. A meta da internação é intervir na crise e controlá- la a fim de estabilizar os pacientes gravemente doentes e garantir a sua segurança e das outras pessoas. Uma vez determinada a necessidade de internação, é obrigação do médico informar ao paciente sobre a conduta proposta, garantindo ao mesmo o direito de livre arbítrio. São critérios técnicos para a internação involuntária, os direitos do paciente, a existência de um transtorno mental grave e o risco pessoal eminente ou de outrem e, critérios substantivos, a impossibilidade de tratamento em regime ambulatorial e a recusa ao tratamento proposto pelo médico. O doente mental pode ter sua capacidade reduzida, ou até mesmo nenhuma capacidade de expressar seu, mas, por outro lado, sua vida deve ser igualmente protegida e sua saúde recuperada pelo atendimento das suas necessidades. Capacidade é o critério legal que indica ser um indivíduo capaz de tomar decisão autônoma e válida. Já a competência refere-se ao conceito clínico de possuir habilidades para a tomada de decisões válidas em relação ao tratamento. A internação involuntária, como o tratamento involuntário de uma forma geral, levanta uma série de questões éticas, devido à privação de liberdade do paciente, trazendo, inevitavelmente, um conflito entre os princípios de autonomia e beneficência. Deve-se prover cuidado e proteção a quem é um risco para si ou para outros, mesmo quando esta atenção não é desejada, ou deve- se respeitar a autonomia, ainda que isso possa implicar no aumento da vulnerabilidade destes pacientes e da sociedade? CONSIDERAÇÕES FINAIS A sociedade tem uma dívida com os portadores de transtornos mentais, por ter sido, em algum momento, conivente com a exclusão e sequestro da cidadania dos mesmos, pela criação de instituição de características asilares, sem preocupação com a reinserção psicossocial. Se faz necessário o estímulo ao diálogo entre os profissionais de saúde, o judiciário e a sociedade por meio dos seus representantes, objetivando unicamente o bem-estar dos pacientes. BIBLIOGRAFIA FORTES, H. M. Tratamento compulsório e internações psiquiátricas. Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, n. 10, supl. 2, p. S321-S330, dez. 2010.
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