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APOSTILA PSICODIAGNOSTICO 2024

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PSICODIAGNÓSTICO 
Capítulo 1
O processo psicodiagnóstico
Caracterização. Objetivos. Momentos do Processo.
Enquadramento.
María L. S. de Ocampo e María E. García Arzeno 
r
A concepção do processo psicodiagnóstico, tal como o postulamos nesta obra, é 
relativamente nova.
Tradicionalmente era considerado “a partir de fora”, como uma situação em que o 
psicólogo aplica um teste em alguém, e era nestes termos que se fazia o encaminhamento. 
Em alguns casos especificava-se, inclusive, que teste, ou testes, se deveria aplicar. A 
indicação era formulada então como “fazer um Rorschach” ou “aplicar un desiderativo” em 
alguém.
De outro ponto de vista, “a partir de dentro”, o psicólogo tradicio nalmente sentia sua tarefa 
como o cumprimento de uma solicitação com as características de uma demanda a ser 
satisfeita seguindo os passos e utilizando os instrumentos indicados por outros (psiquiatra, 
psicanalista, pediatra, neurologista, etc.). O objetivo fundamental de seu contato com o 
paciente era, então, a investigação do que este faz frente aos estímulos apresentados. Deste 
modo, o psicólogo atuava como alguém que aprendeu, o melhor que pôde, a aplicar um 
teste. O paciente, por seu lado, represen tava alguém cuja presença é imprescindível; 
alguém de quem se espera que colabore docilmente, mas que só interessa como objeto 
parcial, isto é, como “aquele que deve fazer o Rorschach ou o Teste das Duas Pessoas”. 
Tudo que se desviasse deste propósito ou interferisse em seu sucesso era considerado como 
uma perturbação que afeta e complica o trabalho.
Terminada a aplicação do último teste, em geral, despedia-se o pacien te e enviava-se ao 
remetente um informe elaborado com enfoque atomiza do, isto é, teste por teste, e com uma 
ampla gama de detalhes, a ponto de incluir, em alguns casos, o protocolo de registro dos 
testes aplicados, sem levar em conta que o profissional remetente não tinha conhecimentos 
específicos suficientes para extrair alguma informação útil de todo este material. Este tipo 
de informe psicológico funciona como uma prestação de contas do psicólogo ao outro 
profissional, que é sentido como um superego exigente e inquisidor. Atrás desse desejo de 
mostrar detalhada mente o que aconteceu entre seu paciente e ele, esconde-se uma grande 
insegurança, fruto de sua frágil identidade profissional. Surge, então, uma necessidade 
imperiosa de justificar-se e provar (e provar para si) que proce 13
14 O PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO E AS TÉCNICAS PROJETIVAS 
O PROCESSO PSICODIA GNÓSTICO
deu corretamente, detalhando excessivamente o que aconteceu, por medo de não mostrar 
nada que seja essencial e clinicamente útil. Esses informes psicológicos são, à luz de nossos 
conhecimentos atuais, uma fria enumera ção de dados, traços, fórmulas, etc.,
freqüentemente não integrados numa gestalt que apreenda o essencial da personalidade do 
paciente e permita evidenciá-lo.
O psicólogo trabalhou durante muito tempo com um modelo similar ao do médico clínico 
que, para proceder com eficiência e objetividade, toma a maior distância possível em 
relação a seu paciente a fim de estabe lecer um vínculo afetivo que não lhe impeça de 
trabalhar com a tranqüili dade e a objetividade necessárias.
Em nossa opinião, o psicólogo freqüentemente agia assim — e ainda age — por carecer de 
uma identidade sólida que lhe permita saber quem é e qual é seu verdadeiro trabalho dentro 
das ocupações ligadas à saúde men tal. Por isso tomou emprestado, passivamente, o modelo 
de trabalho do médico clínico (pediatra, neurologista, etc.) que lhe dava um pseudo-alívio 
sob dois aspectos. Por um lado, tomou emprestada uma pseudo-identidade, negando as 
diferenças e não pensando para não distinguir e ficar, de novo, desprotegido. O preço deste 
alívio, além da imposição externa, foi a sub missão interior que o empobrecia sob todos os 
pontos de vista, ainda que lhe evitasse um questionamento sobre quem era e como deveria 
trabalhar. A não-indagação de tudo o que se referia ao sistema comunicacional dinâ mico 
aumentava a distância entre o psicólogo e o paciente e diminuía a possibilidade de 
vivenciar a angústia que tal relação pode despertar. Assim, utilizavam-se os testes como se 
eles constituíssem em si mesmos o objetivo do psicodiagnóstico e como um escudo entre o 
profissional e o paciente, para evitar pensamentos e sentimentos que mobilizassem afetos 
(pena, rejeição, compaixão, medo, etc.).
Mas nem todos os psicólogos agiram de acordo com esta descrição. Muitos 
experimentaram o desejo de uma aproximação autêntica com -o paciente. Para pô-lo em 
prática, tiveram que abandonar o modelo médico enfrentando por um lado a desproteção é, 
por outro, a sobrecarga afetiva pelos depósitos( *) de que eram objeto, sem estarem 
preparados para isso. Podia acontecer então que atuassem de acordo com os papéis 
induzidos pelo paciente: que se deixassem invadir, seduzir, que o superprotegessem, o 
abandonassem, etc. O resultado era uma contra-identificação projetiva com o paciente, 
inconveniente porque interferia em seu trabalho. Deve mos levar em conta que é escassa a 
confiança que podemos ter em um diagnóstico em que tenha operado este mecanismo, sem 
possibilidades de correção posterior. Devido à difusão crescente da psicanálise no âmbito
universitário e sua adoção como marco de referência, os psicólogos optaram por aceitá-la 
como modelo de trabalho, diante da necessidade de achar uma imagem de identificação que 
lhes permitisse crescer e se forta lecer. Esta aquisição significou um progresso de valor 
inestimável, mas provocou, ao mesmo tempo, uma nova crise de identidade no psicólogo. 
Tentou transferir a dinâmica do processo psicanalítico para o processo psicodiagnóstiCO, 
sem levar em conta as características específicas deste. Isto trouxe, paralelamente uma 
distorção e um empobrecimento de cará ter diferente dos da linha anterior. Enriqueceu-se a 
compreensão dinâmica do caso mas foram desvalorizados os instrumentos que não eram 
utilizados pelo psicanalista. A técnica de entrevista livre foi supervalorizada enquanto era 
relegado a um segundo plano o valor dos testes, embora fosse para isso que ele estivesse 
mais preparado. Sua atitude em relação ao paciente estava condicionada por sua versão do 
modelo analítico e seu enquadramento específico: permitir a seu paciente desenvolver o 
tipo de conduta que surge espontaneamente em cada sessão, interpretar com base neste 
mate rial contando com um tempo prolongado para conseguir seu objetivo, podendo e
devendo ser continente de certas condutas do paciente, tais como recusa de falar ou brincar 
(caso trabalhasse com crianças), silêncios prolongados, faltas repetidas, atrasos, etc.
Se o psicólogo deve fazer um psicodiagnóstico, o enquadramento não pode ser esse: ele 
dispõe de um tempo limitado; a duração excessiva do processo toma-se prejudicial; se não 
se colocam limites às rejeições, blo queios e atrasos, o trabalho fracassa, e este deve ser 
protegido por todos os meios. Em relação à técnica de entrevista livre ou totalmente aberta, 
se adotamos o modelo do psicanalista (que nem todos adotam), devemos deixar que o 
paciente fale o que quiser e quando quiser, isto é, respeitare mos seu timing. Mas com isto 
cairemos numa confusão: não dispomos de de tempo ilimitado. Em nosso contrato com o 
paciente falamos de “algu ma. entrevistas” e às vezes até se especifica mais ainda, 
esclarecendo que se trata de três ou quatro. Portanto, aceitar silêncios muito prolongados, 
lacunas totais em temas fundamentais, insistência em um mesmo tema, etc., “porque é o 
que o paciente deu”, é funcionar com uma identidade alheia (a do terapeuta) e romper o 
próprio enquadramento. Daremos um exemplo: se o paciente chega muito atrasado à sua 
sessão, o terapeuta interpretará em função do material com que conta, e esse atraso pode 
constituir para ele uma conduta saudável em certo momento da terapia, como, por exemplo, 
no caso de ser o primeiro sinal de transferência nega tiva em um pacientemuito predisposto 
a idealizar seu vínculo com ele. No caso do psicólogo que deve realizar um diagnóstico, 
esses poucos minutos que restam não lhe servem para nada, já que, no máximo, poderá 
aplicar algum teste gráfico mas sem garantia de que possa ser concluído no mo
(*) Depositar será usado no sentido de colocar no outro e deixar (N. do E.).
16 O PROCESSO PSICODIA GNÓSTICO E AS TÉCNICAS PROJETIVAS 
O PROCESSO PSICODIÁ GNÓSTICO
17
mento preciso. Pode ocorrer então que prolongue a entrevista, rompendo seu 
enquadramento, ou interrompa o teste; tudo isto perturba o paciente e anula seu trabalho,já 
que um teste não concluído não tem validade. Esse mesmo atraso significa, nesse segundo 
caso, um ataque mais sério ao vín culo com o profissional porque ataca diretamente o 
enquadramento pre viamente estabelecido.
Não resta a menor dúvida de que a teoria e a técnica psicanalíticas deram ao psicólogo um 
marco de referência imprescindível que o ajudou a entender corretamente o que acontecia 
em seu contato com o paciente. Mas, assim como uma vez teve que se rebelar contra sua 
própria tendência a ser um aplicador de testes, submetido a um modelo de trabalho frio, 
desumanizado, atomizado e superdetalhista, também chegou um momento (e diríamos que 
estamos vivendo este momento) em que teve que definir suas semelhanças e diferenças em 
relação ao terapeuta psicanalítico. Todo este processo se deu, entre outras razões, pelo fato 
de ser uma profissão nova, pela formação recebida (pró ou antipsicanalítica) e fatores 
pessoais. Do nosso ponto de vista, até a inclusão da teoria e da técnica psicanalíticas, a 
tarefa psicodiagnóstica carecia de um marco de referência que lhe desse consistência e 
utilidade clínica, especialmente quando o diagnóstico e o prognóstico eram realizados em 
função de uma possível terapia. A aproxi mação entre a tarefa psicodiagnóstica e a teoria e 
a técnica psicanalíticas realizou-se por um esforço mútuo. Se o psicólogo trabalha com seu 
pró prio marco de referência, o psicanalista deposita mais confiança e esperan ças na 
correção e na utilidade da informação que recebe dele. O psicana lista se abriu mais à
Juliana Toyokawa
Realce
informação proporcionada pelo psicólogo, e este, por seu lado, ao sentir-se melhor 
recebido, redobrou seus esforços para dar algo cada vez melhor. Até há pouco tempo, o fato 
de o informe psicoló gico incluir a enumeração dos mecanismos defensivos utilizados pelo 
paciente constituía uma informação importante. No estado atual das coisas, consideramos 
que dizer que o paciente utiliza a dissociação, a iden tificação projetiva e a idealização, é 
dar uma informação até certo ponto útil mas insuficiente. Possivelmente, todo ser humano 
apela para todas as defesas conhecidas de acordo com a situação interna que deve enfrentar. 
Por isso, pensamos que o mais útil é descrever as situações que põem em jogo essas 
defesas, a sua intensidade e as probabilidades de que sejam efica zes. Consideramos que o 
terapeuta extrairá uma informação mais útil de um informe dessa natureza.
O psicólogo teve que percorrer as mesmas etapas que um indivíduo percorre em seu 
crescimento. Buscou figuras boas para se identificar, aderiu ingênua e dogmaticamente a 
certa ideologia e identificou-se intro jetivamente com outros profissionais que funcionaram 
como imagens p até que pôde questionar-se, às vezes com crueldade excessiva
(como adolescentes em crise), sobre a possibilidade de não ser como eles. Pensamos que o 
psicólogo entrou num período de maturidade ao perceber que utilizava uma “pseudo” - 
identidade que, fosse qual fosse, distorcia sua identidade real. Para perceber esta última, 
teve que tomar uma certa distân cia, pensar criticamente no que era dado como 
inquestionável, avaliar o que era positivo e digno de ser incorporado e o que era negativo 
ou com pletamente alheio à sua atividade, ao que teve que renunciar. Conseguiu assim uma 
maior autonomia de pensamento e prática, com a qual não só se distinguirá e fortalecerá sua 
identidade própria, como também poderá pensar mais e melhor em si mesmo, contribuindo 
para o enriquecimento da teoria e da prática psicológica inerente a seu campo dc ação.
Caracterização do processo psicodiagnóstico
Institucionalmente, o processo psicodiagnóstico configura uma situação com papéis bem 
definidos e com um contrato no qual uma pessoa (o paci ente) pede que a ajudem, e outra 
(o psicólogo) aceita o pedido e se com promete a satisfazê-lo na medida de suas 
possibilidades. É uma situação bi-pessoal (psicólogo-paciente ou psicólogo-grupo familiar), 
de duração limitada, cujo objetivo é conseguir uma descrição e compreensão, o mais 
profunda e completa possível, da personalidade total do paciente ou do grupo familiar. 
Enfatiza também a investigação de algum aspecto em parti cular, segundo a sintomatologia 
e as características da indicação (se hou ver). Abrange os aspectos passados, presentes 
(diagnóstico) e futuros (prognóstico) desta personalidade, utilizando para alcançar tais 
objetivos certas técnicas (entrevista semidirigida, técnicas projetivas, entrevista de 
devolução).
Objetivos
Em nossa caracterização do processo psicodiagnóstico adiantamos algo a
respeito de seu objetivo. Vejamo-lo mais detalhadamente. Dizemos que nossa investigação 
psicológica deve conseguir uma descrição e compreen são da personalidade do paciente. 
Mencionar seus elementos constitutivos não satisfaz nossas exigências. Além disso, é 
mister explicar a dinâmica do caso tal como aparece no material recolhido, integrando-o 
num quadro global. Uma vez alcançado um panorama preciso e completo do caso, 
incluindo os aspectos patológicos e os adaptativos, trataremos de formular recomendações 
terapêuticas adequadas (terapia breve e prolongada, indivi dual, de casal, de grupo ou de
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
Realce
grupo familiar; com que freqüência; se é recomendavel um terapeuta homem ou mulher; se 
a terapia pode ser ana lítica ou de orientação analítica ou outro tipo de terapia; se o caso 
necessi ta de um tratamento medicamentoso paralelo, etc.).
18
O PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO E AS TÉCNICAS PROJETIVAS 
Momentos do processo psicodiagnóstico
Segundo nosso enfoque, reconhecemos no processo psicodiagnóstico os seguintes passos: 
10)
2.°)
3.0)
Primeiro contato e entrevista inicial com o paciente.
Aplicação de testes e técnicas projetivas.
Encerramento do processo: devolução oral ao paciente (e/ou 
seus pais).
4.0) Informe escrito para o remetente.
No momento de abertura estabelecemos o primeiro contato com o paciente, que pode ser 
direto (pessoalmente ou por telefone) ou por inter médio de outra pessoa. Também 
incluímos aqui a primeira entrevista ou entrevista inicial, à qual nos referiremos 
detalhadamente no capítulo II.
O segundo momento consiste na aplicação da bateria previamente selecio nada e ordenada 
de acordo com o caso. Também incluímos aqui o tempo que o psicólogo deve dedicar ao 
estudo do material recolhido, O terceiro e o quarto momentos são integrados 
respectivamente pela entrevista de devo lução de informação ao paciente (e/ou aos pais) e 
pela redação do informe pertinente para o profissional que o encaminhou. Estes passos 
possibilitam informar o paciente acerca do que pensamos que se passa com ele e orien tá-lo 
com relação à atitude mais recomendável a ser tomada em seu caso. Faz-se o mesmo em 
relação a quem enviou o caso para psicodiagnóstico. A forma e o conteúdo do informe 
dependem de quem o solicitou e do que pediu que fosse investigado mais especificamente.
Enquadramento
Já nos referimos à necessidade de utilizar um enquadramento ao longo do processo 
psicodiagnóstico. Definiremos agora o que entendemos por enquadramento e 
esclareceremos alguns pontos a respeito disto.
Utilizar um enquadramento significa, para nós, manter constantes certas variáveis que 
intervêm no processo, a saber:
— Esclarecimento dos papéis respectivos (natureza e limite dafunção que cada parte 
integrante do contrato desempenha).
— Lugares onde se realizarão as entrevistas.
— Horário e duração do processo (em termos aproximados, tendo o cuidado de não 
estabelecer uma duração nem muito curta nem muito longa).
— Honorários (caso se trate de uma consulta particular ou de uma instituição paga).
Não se pode definir o enquadramento com maior precisão porque seu conteúdo e seu modo 
de formulação dependem, em muitos aspectos, das c do paciente e dos pais.
O PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO
19
Por isso recomendamos esclarecer desde o começo os elementos imprescindíveis do 
enquadramento, deixando os restantes para o final da primeira entrevista. Perceber qual o 
enquadramento adequado para o caso e poder mantê-lo de imediato é um elemento tão 
importante quanto dif í cil de aprender na tarefa psicodiagnóstica. O que nos parece mais 
recomen dável é uma atitude permeável e aberta (tanto para com as necessidades do 
paciente como para com as próprias) para não estabelecer condições que logo se tornem 
insustentáveis (falta de limites ou limites muito rígidos, prolongamento do processo, 
delineamento confuso de sua tarefa, etc.) e que prejudiquem especialmente o paciente. A 
plasticidade aparece como
/ uma condição valiosa para o psicólogo quando este a utiliza para se situar acertadamente 
frente ao caso e manter o enquadramento apropriado. Também o é quando sabe discriminar 
entre uma necessidade real de modi ficar o enquadramento prefixado e uma ruptura de 
enquadramento por àtuação do psicólogo induzida pelo paciente ou por seus pais. A contra
-identificação, projetiva com algum deles (paciente ou pai) pode induzir a
tais erros.
A
1
CONCEITUAÇÃO DE
PSICODIAGNÓSTICO NA ATUALIDADE
Jefferson Silva Krug
Clarissa Marceli Trentini
Denise Ruschel Bandeira
avaliação psicológica clínica com fins diagnósticos é uma prática muito
comum no Brasil. Há décadas, ​muitos profissionais habituaram-se a chamar
essa atividade de “psicodiagnóstico”. No entanto, constatamos que o uso do
termo é mais comum quando, durante o seu desenvolvimento, o profissional se vale de
testes psicológicos para coletar informações sobre o consultante. Nas avaliações em
que esses testes não são empregados ou inexistem para os objetivos do exame, outros
termos se destacam, como avaliação clínica, avaliação psicológica, entrevistas
preliminares, diagnóstico psicológico, etc. (Krug, 2014). Essa constatação nos levou a
questionar o concei​to clássico de psicodiagnóstico e a examinar se a compreensão
desses profissionais quanto à associação direta do termo “psicodiagnóstico” com a
administração de testes também é compartilhada pela literatura da área.
O PSICODIAGNÓSTICO EXIGE A APLICAÇÃO DE TESTES
PSICOLÓGICOS?
Ao consultar a literatura, identificamos conver​gências conceituais. Arzeno (1995, p. 5)
diz, por exemplo, que “. . . fazer um diagnóstico psicoló​gi​co não significa
necessariamente o ​mesmo que fazer um psicodiagnóstico. Este termo implica
automaticamente a administração de testes e estes nem sempre são necessários ou con​-
venientes”. Portanto, parece claro o entendimento da autora de que toda avaliação
psicológica que não utilize testes não deva ser nomeada de “psicodiagnóstico”.
Cunha (2000, p. 23, grifo nosso), em concordância, preconiza que
“psicodiagnóstico” é um termo que designa um tipo de avaliação psicológica com
propósitos clínicos, em que “. . . há a utilização de testes e de outras estratégias, para
avaliar um sujeito de forma sistemática, científica, orientada para a resolução de
problemas”. A autora segue afirmando que:
Psicodiagnóstico é um processo científico, limitado no tempo, que utiliza
técnicas e testes psicológicos (input), em nível in​di​vidual ou não, seja para
entender proble​má​ticas à luz de pressupostos teóricos, identificar e avaliar
aspectos específicos, seja para classificar o caso e prever seu curso possível,
comunicando os resultados (output), na base dos quais são propostas
soluções, se for o caso. (Cunha, 2000, p. 26, grifo nosso).
Observamos que, em todas as definições de Cunha (2000), o uso da expressão “e”
sugere a obrigatoriedade do uso de testes para que o processo de avaliação psicológica
clínica seja chamado de “psicodiagnóstico”. Aparentemente, Castro, Campezatto e
Saraiva (2009) também entendem dessa forma, diferenciando “período de avaliação”
de “psicodiagnóstico”. Para as au​toras, durante o “período de avaliação” que precede a
psicoterapia, o psicólogo poderá reali​zar um “psicodiagnóstico” ou fazer o
encaminhamento para outro psicólogo que o realize, quando ocorrer a aplicação de
testes psicológicos: “. . . a aplicação de testes pode ser realizada pelo próprio
psicoterapeuta, se esse dominar as técnicas necessárias e se sentir confortável para tal,
ou por um colega especializado em psicodiagnóstico” (Castro et al., 2009, p. 100).
Em Ocampo e Arzeno (1979/2009), também encontramos a ideia de que o
processo psicodiagnóstico inclui, obrigatoriamente, uma etapa de aplicação de testes e
técnicas projetivas. Para explicar seu posicionamento, as autoras diferenciam a prática
avaliativa que chamam de “psi​codiagnóstico” da prática avaliativa de psicanalistas em
suas primeiras consultas, referindo que, nestas últimas, se tem a possibilidade do uso
de entrevistas livres ou totalmente ​abertas, algo não viável no psicodiagnóstico devido
à limitação do tempo.
Neste debate sobre a terminologia adotada para a atividade avaliativa clínica,
observamos que, excluindo-se a necessidade de aplicação de testes, as descrições do
processo psicodiagnósti​co contidas nos manuais citados relatam exata​mente o que é
feito pelos profissionais que di​zem não realizar psicodiagnóstico. Dito de outra forma,
o que diferencia a avaliação clínica feita por psicólogos que nomeiam sua prática de
“psi​codiagnóstico” da daqueles que não a chamam assim é, apenas, o uso de testes
psicológicos (Krug, 2014).
Parece-nos infrutífera essa distinção termi​nológica, uma vez que, para nós, o que ​-
define um psicodiagnóstico relaciona-se mais ao caráter investigativo e ao diagnóstico
do que à necessidade do uso de determinado tipo de instrumento de coleta de dados.
Diferentemente dos trabalhos citados, encontramos outros ​autores que defendem a ideia
de que o uso de testes pode não ser necessário em um psicodiagnóstico. Conforme
Trinca (1983), por exemplo, o uso ou não de testes depende do psicólogo e de seu
pensamento clínico em relação a cada paciente.
Tomemos como referência para essa reflexão as definições feitas pelo Conselho
Federal de Psicologia (CFP) para alguns termos comumente utilizados na área. A
definição de “avaliação psicológica” do CFP (2013, p. 11), por exemplo, engloba
qualquer atividade, com ou sem o uso de testes:
A avaliação psicológica é compreendida como um amplo processo de
investigação, no qual se conhece o avaliado e sua demanda, com o intuito de
programar a tomada de decisão mais apropriada do psicólogo. Mais
especialmente, a avaliação psicológi​ca refere-se à coleta e interpretação de
da​dos, obtidos por meio de um conjunto de procedimentos confiáveis,
entendidos co​mo aqueles reconhecidos pela ciência psicológica.
Quanto à diferença entre “avaliação psico​ló​gica” e “testagem psicológica”, a
Cartilha (CFP, 2013, p. 13) diz:
A avaliação psicológica é um processo amplo que envolve a integração de
informações provenientes de diversas fontes, dentre elas, testes, entrevistas,
observações e análise de documentos, enquanto a testagem psicológica pode
ser considerada um processo diferente, cuja principal fonte de informação
são os testes psicológicos de diferentes tipos.
Luiz Ferro 
Juliana Toyokawa
Realce
Na Cartilha sobre Avaliação Psicológica, editada em 2007 pelo CFP (2007), não
há referência ao termo “psicodiagnóstico”. Já na Cartilha de 2013 (CFP, 2013, p. 34),
há apenas uma menção ao termo, descrito como uma modalidade de avaliação
psicológica, sem a especifica​ção da necessidade ou não do uso de testes: “. . . no
âmbito da intervenção profissional,os processos de investigação psicológica são
denomina​dos de avaliação psicológica, descritos em ​termos de suas modalidades –
psicodiagnóstico, exame psicológico, psicotécnico ou perícia” (CFP, 2013, p. 34, grifo
nosso).
Portanto, a partir da reflexão sobre o uso do termo “psicodiagnóstico”, podemos
fazer os seguintes questionamentos: as chamadas “en​trevistas preliminares”,
“entrevistas de avaliação” ou “entrevistas iniciais”, conduzidas por psicólogos de
diferentes abordagens teóricas antes de indicar ao paciente uma análise, uma
psicoterapia ou qualquer modalidade de tratamento psicológico ou de outra área, não
poderiam ser consideradas uma prática de avaliação psicológica? A avaliação clínica
inicial feita pelo psicólogo com o objetivo de conhecer aspectos psíquicos do paciente
à luz da teoria psicanalíti​ca ou de qualquer outra teoria não se ​configura como uma
prática de avaliação psicológica? Ou o mais apropriado seria chamar essa prática
psicológica orientada pela teoria psicanalítica de “avaliação psicanalítica” e a prática
de profissionais orientados pelo comportamentalismo de “avaliação comportamental”?
Somente quando um psicanalista, um gestaltista ou um comportamentalista aplica testes
psicológicos durante o período de entrevistas preliminares diagnósticas é que
poderíamos chamar essa prática avaliativa de “psicodiagnóstico”? E, ainda, não
poderemos chamar de “psicodiagnóstico” os processos de avaliação psicológica
clínica com pacientes para os quais não dispomos de testes psicológicos aprovados
pelo CFP? Por fim, sabendo que o profissional, durante uma avaliação clínica, tem o
dever e a liberdade de optar pelas estratégias mais indicadas para realizar o
procedimento, caso deseje realizar um psicodiagnóstico, terá ele de, obrigatoriamente,
aplicar testes psicológicos?
Essa confusão conceitual é descrita pela li​teratura (Wainstein, 2011; Wainstein &
Bandeira, 2013). Nesses estudos, investigou-se o que profissionais da saúde e da
educação ​entendem e esperam de um processo psicodiagnóstico para crianças e
adolescentes, assim como de que forma encaminham seus pacientes para esse tipo de
avaliação. Os resultados indicaram que o conceito de “psicodiagnóstico” é associado
ao uso de algum instrumento psicológico, mais es​pecificamente testes que avaliam as
capacida​des cognitivas, e sugeriram que os profissionais que encaminham seus
pacientes não sabem ao certo a nomenclatura que deve ser utilizada, usando
“psicodiagnóstico”, “avaliação diagnóstica”, “psicoavaliação”, “testagem”, conforme o
tipo de interesse (aspectos cognitivos, ​aspectos sociais e outros). Essa pesquisa
apontou que todas as nomenclaturas usadas representam a avaliação psicológica
clínica, mas o termo que aparenta ser o melhor para esses casos é “psico​diagnóstico”,
que tem uma definição clara de to​do o processo. Para as autoras, não é o uso ou não de
testes, ou de determinados tipos de testes, que configura a realização de um
psicodiagnóstico, uma vez que, em alguns casos, o psicólogo abrirá mão do uso de
testes, especialmente quando não houver testes validados no mercado. Lembram que,
para a avaliação de ​crianças pré-escolares (0 a 6 anos), a observação do de​-
senvolvimento infantil, baseada em critérios, tem sido muito usada entre os
profissionais que costumam trabalhar com essa faixa etária. Por fim, concluem dizendo
que parece não haver um consenso a respeito da nomenclatura utilizada para designar o
encaminhamento de um indivíduo para avaliação psicológica.
DEFINIÇÃO DE PSICODIAGNÓSTICO
A definição encontrada nos manuais ​consultados, que associam a prática de
psicodiagnóstico à obrigatoriedade de aplicação de testes psicológicos, está em
desacordo com a compreensão de muitos profissionais da área da avaliação psico​ló​-
gica sobre o que é um psicodiagnóstico na atua​lidade. Defendemos a ideia de que a
prática realizada por psicólogos, tanto aqueles que nunca se valem de testes
psicológicos quanto aqueles que os usam ocasionalmente, independentemente de sua
teoria de base, também possa ser nomeada de “psicodiagnóstico”. Portanto, em nosso
entendimento, há a necessidade de se rever a definição do termo na atualidade, de
maneira a abranger variadas formas de realização desse procedimento investigativo
clínico, a partir de diferentes teorias psicológicas.
Compreendemos que o ​psicodiagnóstico é um procedimento científico de
investigação e intervenção clínica, limitado no tempo, que emprega técnicas e/ou testes
com o propósito de avaliar uma ou mais características psicológi​cas, visando um
diagnóstico psicológico (descritivo e/ou dinâmico), construído à luz de uma orientação
teórica que subsidia a compreensão da situa​ção avaliada, gerando uma ou mais
indicações terapêuticas e encaminhamentos.
Assim, o psicodiagnóstico pressupõe a adoção de um ponto de vista científico
sobre o fenômeno avaliado. Em psicologia, acreditamos que esse caráter científico é
adquirido por meio de métodos e técnicas de intervenção, com base em teorias
psicológicas.
O PSICODIAGNÓSTICO NECESSITA DE UMA TEORIA
PSICOLÓGICA QUE O FUNDAMENTE
Felizmente, nas últimas décadas, a área da avaliação psicológica no Brasil tem
investido ​muito no desenvolvimento de instrumentos mais con​fiáveis, construídos a
partir da nossa realidade cultural. É perceptível o aumento da ​oferta e da qualidade dos
testes em nosso país, o que proporcionou maior qualificação dos serviços prestados à
população. Sem dúvida, o estudo desses instrumentais qualificou os testes, mas não o
processo psicodiagnóstico.
Observamos, na atualidade, uma superva​lo​rização dos instrumentos psicométricos
e pro​jetivos em detrimento da escuta e da tarefa de síntese compreensiva que deve ser
realizada pe​lo psicólogo a partir de todas as informações coletadas durante a
avaliação. Em alguns casos, a teoria psicológica tem cada vez menos in​​fluência no
processo, seja por não orientar o pró​prio processo avaliativo, seja por não estar
contemplada na construção dos ​instrumentos que são utilizados de forma
indiscriminada. Veem-se verdadeiros frankensteins técnicos e teóricos quando
psicólogos adotam em seus processos avaliativos técnicas que se estruturam em
diferentes teorias (muitas vezes com concepções teóricas e epistemológicas
conflitantes). Assim, como avaliar a personalidade de um paciente utilizando, ao
mesmo tempo, instrumentos que se alicerçam na psicanálise, na psicologia positi​va, na
gestalt e na neuropsicologia? O resultado é uma total dependência do profissional ao
resultado do teste, fazendo com que ele construa a conclusão de sua avaliação
desconsiderando os aspectos específicos de cada ​disciplina teórica e montando seu
diagnóstico de forma ateórica.
Entendemos que não é possível descuidar da formação teórica do profissional que
deve escolher, administrar, interpretar e integrar os resultados desses instrumentos em
um procedimento clínico como o psicodiagnóstico, sob pena de ficarmos reféns dos
testes para a reali​za​ção de qualquer avaliação. Compreendemos que o aperfeiçoamento
dos testes, tornando-os mais válidos e fidedignos para o que se propõem examinar,
deve ser acompanhado por uma formação teórica que também possibilite um “psicólogo
válido” (Bandeira, 2015), capaz de compreender os resultados de um teste ou de uma
entrevista com base em uma teoria psicológica que fundamente o trabalho de qualquer
psicólogo.
Por esse motivo, defendemos que o ​ensino da avaliação psicológica não pode se
abster do aprofundado estudo das teorias psicológicas que fundamentam a técnica de
coleta e análise de informações adotada em processos avaliati​vos. Não compactuamos
com uma ​proposta de avaliação ateórica e não interventiva por entendermos que
qualquer leitura e intervenção sobre o comportamento humano, seja com instrumentos ​-
objetivos, como testes psicométricos, seja com técnicas me​nos diretivas, como testes
projetivos e entrevistas clínicas, está embasada em paradigmas teóricos e produz
modificação no objeto analisado. Assim, não existe a possibilidade de o psicólogotrabalhar sem uma teoria de base, uma vez que os fenômenos são observados e
analisados à luz de pressupostos teóricos, em um processo interativo.
Juliana Toyokawa
Realce
O PSICODIAGNÓSTICO É UMA INTERVENÇÃO
O afastamento, percebido na atualidade, entre a área da avaliação psicológica e as
teorias psicológicas pode ser compreendido, também, pelas reflexões de Barbieri
(2008, p. 583). Para ela,
. . . o predomínio do pensamento positivista nas Ciências Sociais e Humanas
trouxe consigo, ao longo da história, uma dissocia​ção entre pesquisa
acadêmica e prática profissional. Essa situação ocasionou um
empobrecimento na produção de conheci​mentos oriundos do trato direto com
as pessoas ou a ele destinados, promovendo um distanciamento daquilo que
deveria se constituir na meta principal do nosso tra​ba​l​ho como psicólogos.
É perigoso considerar as práticas avaliativas apenas em sua dimensão
investigativa, excluindo os aspectos interventivos e ​terapêuticos que lhes são inerentes.
Para Barbieri (2008), a separação entre as atividades de investigação e de intervenção
é resultado do olhar positivista, que busca atingir um ideal de objetividade para a
pesquisa científica. A autora entende que um psi​codiagnóstico isento de intervenções
pode trazer ao paciente muitos malefícios. As entrevistas iniciais empregadas sem
intervenção, além de não atingirem seus objetivos de formular o diagnóstico e iniciar o
tratamento, desperdiçam a chance de o paciente estabelecer conta​to com outra pessoa, o
que pode resultar em uma experiência terapêutica negativa.
Assim, entende-se que usar o termo “psicodiagnóstico” apenas para as situações
em que os testes psicológicos são utilizados com a intenção de tornar mais objetiva a
avaliação parece estar em consonância com a visão positivista. Pode-se pensar que a
rejeição, por parte de alguns profissionais que realizam avaliações clínicas, ao uso
tradicional do termo “psicodiagnóstico” para a descrição das práticas avaliativas é
uma forma de manter-se distante da perspecti​va positivista de investigação do objeto
totalmente separada do observador. Além disso, essa noção está em desacordo com as
muitas propostas contemporâneas que debatem a complexidade humana e a
intersubjetividade.
Portanto, ao considerarmos as caracterís​ticas da pesquisa qualitativa e quantitativa
pós-moderna associadas à prática avaliativa, pode-se pensar que o uso do termo
“psicodiagnóstico” deva incluir a preocupação clínica não apenas com a objetividade
diagnóstica, mas também com o processo avaliativo. Por meio de relatos, produzidos
em entrevistas e/ou com o uso de outras técnicas, o sujeito conta sua histó​ria, suas
experiências, as revive no relacionamento com o psicólogo, fazendo com que, como
afirma Barbieri (2010), possa modificar-se com o auxílio das devoluções.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O psicodiagnóstico abrange qualquer tipo de ava​liação psicológica de caráter clínico
que se apoie em uma teoria psicológica de base e que adote uma ou mais técnicas
(observação, entre​vista, testes projetivos, testes psicométricos, etc.) reconhecidas pela
ciência psicológica. Não sugerimos a adoção do termo para situações avaliati​vas em
contextos jurídicos ou organizacionais, uma vez que, nessas situações, estão presentes
outras variáveis geralmente não encontradas no contexto clínico, como a simulação e a
dissimulação conscientes. Também não com​preendemos que o psicodiagnóstico se
limite, em todos os casos, a uma avaliação de sinais e sintomas, tendo com resultado
apenas um diagnóstico nosológico, o que se aproximaria ​muito de uma avaliação
psiquiá​trica. Tampouco entendemos que uma simples aplicação de um teste, por mais
complexo que ele possa ser, deva ser entendida como psicodiagnóstico. Reservamos o
termo para descrever um procedimento complexo, interventivo, baseado na coleta de
múltiplas informações, que possibilite a elaboração de uma hipótese diagnóstica
alicerçada em uma compreensão teórica.
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ns.
Capítulo XII
Desafios no psicodiagnóstico infantil
Rosana F. Tchirichian de Moura
Silvia Ancona-Lopez
Durante os 25 anos de nossa atuação com o psicodiagnóstico interventivo, confrontamo-nos com
diversos desafios que colocaram em xeque a nossa prática, obrigando-nos a retomar conceitos, rever
técnicas e refletir sobre as contingências e características do mundo moderno, contexto no qual estão
inseridas as crianças e as famílias às quais atendemos.
Por desempenharmos nossa profissão principalmente em clínicas-escola de Psicologia que oferecem
atendimento gratuito, grande parte dos clientes tem dificuldades socioeconômicas, acarretando carências
em diversos aspectos, o que induz a atuações que escapam do campo tradicional da psicologia clínica.
Como lembra o Conselho Federal de Psicologia (2007, p. 8), frequentemente “o trabalho profissional
requer inventividade, inteligência e talento para criar, inovar, de modo a responder dinamicamente ao
movimento da realidade”.
Embora considerando as questões sociais e as condições do mundo atual, não é nosso objetivo
fazer uma análise sócio-histórica do nosso tempo, mas levantar questões e organizar alguns elementos
que contribuam para uma reflexão prática sobre o psicodiagnóstico, levando em conta o contexto no
qual ele se dá. São questões que passam pelas demandas da nossa época, pelas novas formas de
linguagem e comunicação, pelas novas configurações familiares e por aspectos especificamente ligados à
realidade brasileira, como nossas características socioeconômicas, a crise de valores políticos e morais, a
situação da educação e a cruel realidade da violência com asquais nossas crianças convivem, seja no
âmbito familiar, seja no âmbito social.
Frequentemente, nas clínicas-escola de psicologia as crianças comparecem para atendimento
psicológico trazendo como queixa dificuldades na escolarização. Na sua maioria, são encaminhadas por
escolas públicas, que esperam obter dos psicólogos clínicos explicações acerca dos motivos que as
impedem de se desenvolver pedagogicamente. Atendendo a essa demanda, comumente o profissional,
restringindo-se à singularidade da criança, realiza o psicodiagnóstico privilegiando os aspectos da
personalidade, “que resultam em uma predisposição para a formação desse sintoma” (Bossa, 2002, p. 13),
desconsideram, assim, os aspectos institucionais que contribuem para o chamado fracasso escolar.
Embora haja exceções e esforços governamentais e de alguns educadores no Brasil, é fato que a escola
tem se tornado
cada vez mais o palco de fracassos e de formação precária, impedindo os jovens de se apossarem da
herança cultural, dos conhecimentos acumulados pela humanidade e, consequentemente, de
compreenderem melhor o mundo que os rodeia. A escola, que deveria formar jovens capazes de
analisar criticamente a realidade, a fim de perceber como agir no sentido de transformá-la e, ao
mesmo tempo, preservar as conquistas sociais, contribui para perpetuar injustiças sociais que
sempre fizeram parte da história do povo brasileiro (Bossa, 2002, p. 19).
Embora a situação descrita seja a mais comum, é preciso lembrar que estão sendo feitos esforços
governamentais e de alguns educadores visando mudar essa condição.
Rafael, 8 anos de idade, faz parte desse contingente injustiçado. Como inúmeras crianças, foi
encaminhado pela escola para atendimento psicológico porque apresentava dificuldade de aprendizagem
e não estava alfabetizado. A mãe, muito preocupada, temia que seu filho fosse portador de deficiência
mental. Durante o processo de psicodiagnóstico interventivo, a mãe relatou que, em um mesmo
semestre, o filho enfrentou quatro mudanças de professoras de alfabetização. Essa criança confrontou-
se, como denuncia Souza (2007, p. 6), com:
[…] uma escola pública cuja má-fé institucional permite incutir, nos próprios pobres, vítimas de
abandono secular, que seu fracasso escolar é culpa da própria vítima. A criança pobre, sem
estímulos em casa para apreender, passa a se ver como burra, incompetente e preguiçosa,
cumprindo a promessa que a sociedade lhe legou […]
Concordamos com Bossa (2002), quando afirma ser comum que as escolas e os psicólogos
compreendam o fracasso escolar de uma criança considerando os aspectos intrassubjetivos e relacionais,
as primeiras possivelmente por uma dificuldade de se confrontar com suas próprias deficiências e os
segundos apoiados na tradição da sua formação profissional que tende a privilegiar o indivíduo. Uma
visão ampliada da clínica psicológica permitiria levar em conta esses dois aspectos, de tal forma que a
compreensão da dificuldade de aprendizagem se construísse a partir da avaliação do contexto escolar no
qual a criança está inserida. Assim, no caso de Rafael, antes de pensarmos em uma possível deficiência
cognitiva, deveríamos atentar para a deficiência da instituição escolar, que, além de não oferecer a
estabilidade necessária para o bom desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, culpabilizou
a criança pelo seu insucesso.
No Psicodiagnóstico Interventivo, cientes da limitação do fazer clínico, procuramos engajar a
família e a escola num processo que visa não apenas à compreensão das dificuldades da criança, mas
também encontrar formas de auxiliá-la no seu desenvolvimento. Nesse sentido, a visita escolar, que é um
procedimento nesse processo e tema deste livro (ver capítulo VII), tem uma importância significativa,
principalmente por possibilitar uma reflexão conjunta com as equipes das escolas sobre o seu papel na
dificuldade dos alunos. Associado a isso, discriminar para os pais quais são as dificuldades de seus filhos
e o que é responsabilidade das instituições escolares pode levá-los a se colocar mais criticamente em
relação ao problema e se posicionarem como cidadãos ativos que podem fazer suas reivindicações junto
às escolas. A participação no psicodiagnóstico interventivo pode propiciar aos pais uma mudança de
atitude em relação aos seus filhos, reconhecendo e favorecendo seus aspectos positivos e ajudando-os a
encontrar a melhor maneira de auxiliar a criança a superar os aspectos negativos.
Entendemos que ainda temos como desafio no psicodiagnóstico interventivo ampliar nosso olhar,
de modo a ir além da criança como foco da investigação e integrar outros aspectos, como os efeitos do
mundo moderno sobre ela e sua família.
Como é o caso do acesso aos computadores, um avanço tecnológico que já faz parte da vida escolar
de muitas crianças da rede pública, e se de um lado propicia a inclusão em um mundo globalizado de
informações, de outro não garante aquilo que lhes seria de direito, ou seja, aprender. Um número
expressivo de crianças que chegam às clínicas de psicologia está prestes a finalizar o primeiro grau
praticamente sem alfabetização. Para essas crianças, qual sentido terá o uso dos computadores e a
navegação na internet? O uso dos aparelhos eletrônicos, nesses casos, não é uma forma de adquirir ou
armazenar conhecimentos, mas uma ferramenta de consumo que cria para elas a ilusão de fazerem parte
da modernidade e do mundo virtual, o que, de algum modo, compensaria o sentimento de exclusão no
contexto escolar.
Uma visão sociológica nos parece oportuna para caracterizar o mundo atual. De acordo com
Baumann (1998, p. 32):
O sentimento dominante, agora, é a sensação de um novo tipo de incerteza, não limitada à própria
sorte e aos dons de uma pessoa, mas igualmente a respeito da futura configuração do mundo, a
maneira correta de viver nele e os critérios pelos quais julgar os acertos e erros de viver. O que
também é novo em torno da interpretação pós-moderna da incerteza (em si mesma, não exatamente
uma recém-chegada num mundo de passado moderno) é que ela já não é vista como um mero
inconveniente temporário, que com o esforço devido possa ser abandonado ou inteiramente
transposto. O mundo pós-moderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza
que é permanente e irredutível.
Esse mesmo autor aponta que a época em que vivemos tem por característica privilegiar o
consumo, o imediatismo e o individualismo competitivo. Como consequência, também os laços afetivos
(familiares, amorosos, de amizade etc.) adquirem os atributos de volatilidade e superficialidade,
assumindo um caráter que Bauman (2004) chama de “amor líquido”. São relações facilmente
substituíveis que se pautam pelo compromisso provisório e, frequentemente, são de curta duração.
Na verdade, são vários os fatores que têm contribuído para novos formatos das famílias, o que tem
redesenhado a constituição dos laços afetivos que tem no âmbito familiar a principal matriz das
formações vinculares.
Na nossa prática clínica, esse quadro se reflete em algumas das configurações familiares das crianças
que vêm para o psicodiagnóstico. Grande parte é de famílias monoparentais femininas (mães solteiras ou
abandonadas por seus parceiros); crianças que têm irmãos de pais diferentes; avós que criam seus netos;
casais que trazem filhos de relacionamentos anteriores e que geram outros filhos. Enfim, são novos
modos de organização familiar, como se observa a seguir.
Marcelo, um menino muito inteligente, de 9 anos, alegre e conversador, começa a relatar como é a
composição de sua família:
Eu tenho muitos irmãos. Tenho um de 22 anos que trabalha em uma oficina, com o irmão dele de
18. Quer dizer, meu irmão de 18 anos, é que eles têm outra mãe. Não é a minha… mas eu tenho um
irmão de 12 que é da minha mãe, e não é do meu pai… é assim… às vezes eu me confundo, sabe?
Porque eu tenho uma irmã que… é fácil… é assim… vou começar de novo… (sic)
Paulo, de 11 anos, é criado pelos avós desde bebê. Sua mãe engravidou solteira e não assumiua
criança, assim como o pai, que já tinha um filho. Sua mãe teve mais dois relacionamentos, e de cada um
deles teve mais dois filhos, sendo que um vive com ela e o outro com o pai, em outro estado. A avó
procura ajuda psicológica para o neto, preocupada com os efeitos que essa experiência de vida possa
trazer ao garoto. Ela e a mãe participam do psicodiagnóstico interventivo do menino, que, de modo
confuso, se refere a ambas como mãe.
A história de Paulo não é única. Segundo Dias, Hora e Aguiar (2003), na última década, aumentou a
quantidade de netos e bisnetos criados por avós e bisavós. O número foi de um milhão e setecentos mil,
o que significa 55,1% mais do que foi apurado em 1991, correspondente a um milhão e cem mil. Muitos
destes casos chegam às clínicas de psicologia, pois, como Silva e Salomão (2003, p. 192) constatam, com
frequência há conflitos de papéis entre ser mãe e avó, no caso das avós guardiãs, conflitos estes que, sem
dúvida, se refletirão nas crianças a seus cuidados. Dias, Hora e Aguiar (idem) corroboram esta ideia ao
afirmar que foram identificadas vantagens, dificuldades e necessidades nos lares em que os avós
desempenham o papel de pais para seus netos na ausência (permanente ou de longo prazo) dos
genitores. Já no que se refere à situação de corresidência, ainda pouco se sabe sobre as repercussões que
tal condição acarreta na vida e nas relações estabelecidas entre avós, pais e netos.
Uma nova configuração familiar que está se consolidando, inclusive com o amparo legal, é a das
famílias homoparentais. Em alguns anos não se ouvirão mais depoimentos como o de Joaquim (12 anos)
durante uma sessão de psicodiagnóstico:
Eu gosto muito da Cleuza. Se minha mãe se separar dela eu prefiro morar com ela. Minha mãe é
legal, mas a Cleuza me leva no futebol, gosta de assistir luta livre, conta piada… é bom. Só que tem
uma coisa… eu não convido ninguém para ir na minha casa. Não convido meus amigos. Minha mãe
fala: vamos fazer uma festa de aniversário? Eu não quero, não gosto. Eu acho a Cleuza legal, mas…
é que… é que… acho esquisito minha mãe ser casada com uma mulher. Meus amigos vão zoar…
(sic)
A esse respeito, Passos (2005, p. 6) comenta:
[…] as condições por meio das quais os homossexuais constroem seus laços afetivos, no Brasil,
estão longe de obter uma legitimidade social e jurídica e, enquanto esse quadro não se reverte,
teremos famílias e pais envergonhados. Resta explorarmos os sentimentos desta vergonha nas
produções de subjetividade que decorrem daí.
Os progressos nessa área vêm se desenvolvendo rapidamente do ponto de vista jurídico, como a
legalização do casamento entre homossexuais, mas, do ponto de vista pessoal, a aceitação se dá mais
lentamente, mantendo ainda a situação descrita pela autora. Cabe ao psicólogo questionar de que forma
essas metamorfoses nas famílias repercutem na constituição das crianças, e o psicodiagnóstico inter-
ventivo é um momento privilegiado para esse questionamento por ter como objetivo conhecer os
sentidos e os significados que as crianças e seus pais dão às suas vidas e a seus mundos.
Ainda para a mesma autora, as novas formatações familiares, de famílias homoparentais ou não,
colocam em xeque os apoios teóricos dos psicólogos.
Cabe-nos também o enfrentamento rigoroso das teorias, que são insuficientes para dar conta das
profundas transformações processadas nas famílias, sobretudo em seus enredamentos afetivos
(ibidem, p. 5).
Marcelo, Paulo e Joaquim são crianças que vivem a necessidade de se adaptar a configurações
familiares não tradicionais. Assim, também o psicólogo, diante de situações novas e inusitadas para ele,
sente-se desamparado sem um balizamento para suas intervenções. Naturalmente escudado pelas teorias
psicológicas que conhece, procura, durante o processo diagnóstico, situar-se no mundo do cliente,
qualquer que seja ele, para compreendê-lo. Entretanto, na contemporaneidade, é preciso despir-se das
amarras teóricas com o objetivo de acolher o cliente e sua família, sem cair na armadilha de considerar
que a criança ficará, obrigatoriamente, prejudicada no seu desenvolvimento psicológico. Como lembra
Passos (2005, p. 14): “[…] é necessária a criação de abordagens que apontem para as distintas facetas da
grupalidade familiar e que permitam a compreensão de diferentes formas de ser família hoje”. O que
fazer enquanto essas abordagens não surgem? A inventividade, o bom-senso e, principalmente, a
reflexão poderão auxiliar o psicólogo na sua atuação, sempre tendo em mente que, enquanto
profissional, deve acompanhar essas transformações e os estudos que sobre elas são realizados.
É possível observar, no entanto, que apesar das questões teóricas que o psicólogo venha a enfrentar,
o psicodiagnóstico interventivo, ao oferecer a oportunidade de uma reflexão conjunta, permite enfrentar
as lacunas teóricas através de uma compreensão co-constituída que se pauta pelo mundo vivido do
cliente. Além disso, quando o atendimento a pais e crianças acontece em grupo (modelo usualmente
utilizado em clínicas-escola e outras instituições), o psicodiagnóstico interventivo se enriquece ao
facilitar a identificação e a troca entre os componentes do grupo, auxiliando na compreensão da própria
família, contribuindo, em muitos casos, para diminuir a sensação de isolamento e eliminando a
impressão de que seu caso é diferente, único e que talvez não tenha solução.
Não poderíamos deixar de incluir nessa discussão nossas inquietações frente à cruel realidade de
crianças que, em circunstâncias mais adversas, são obrigadas a conviver diretamente com a violência
social e familiar.
A violência doméstica, incluindo o abuso sexual e psicológico, não é fato dos tempos atuais, haja
vista ser tema que faz parte dos estudo no campo da Psicologia (Azevedo e Guerra, 2000),
ocupando sempre, dada a sua complexidade, lugar importante nas discussões a respeito do trabalho
clínico com crianças (Azambuja, 2005; Gay e Costa Júnior, 2005) e impondo dilemas éticos que
exigiriam um capítulo especial.
O CFP (2010, p. 38) lembra que
a violência sexual é um problema complexo e delicado. Suas múltiplas causas, interfaces e,
principalmente, o sofrimento psíquico de todas as pessoas envolvidas, exigem extremo cuidado dos
profissionais responsáveis pelo atendimento e de todos os integrantes da rede de proteção.
A ocorrência de situações de violência contra crianças e adolescentes não é fenômeno exclusivo da
atualidade, como também não pode ser analisada de forma descontextualizada da cultura e das
condições impostas pela vulnerabilidade social.
Como vemos com frequência em nossa rotina de trabalho, o abuso sexual, em muitos casos, é um
episódio intrafamiliar marcado pela existência de vinculação afetiva entre seus integrantes, dependência
econômica entre os cuidadores, negligências, conivências e vulnerabilidades. O manejo desse assunto no
psicodiagnóstico é bastante difícil, porque nem sempre essa questão é trazida prontamente pelos pais ou
responsáveis ou pela própria criança. Temos como compromisso profissional zelar pelo bem-estar da
criança ou adolescente, mas com o cuidado de não cometer imprudências, considerando tratar-se de um
tema que deve ser “contextualizado e tratado conforme as vicissitudes de cada caso e jamais analisado
isoladamente” (CFP, 2007).
Julgamos, ainda, oportuno abordar neste espaço de reflexão outra forma de violência, a violência
social que, apesar de todos os avanços que vivemos, tem tomado forma e dimensão assustadoras.
Segundo Campos (2004, p. 157), a competitividade e desigualdade têm provocado consequências sociais
perversas que se traduzem “[…] pelo aumento de: violência; uso de drogas; conflitos e rupturas
familiares; alienação social e política; xenofobia; conflitos étnicos e religiosos; doenças psicossomáticas”.
A convivência com episódios violentos vem, dia a dia, se incorporando à realidade brasileira,
especialmente no cotidiano de crianças e famílias que vivem em regiões com alto índice de
criminalidade.
Na sala de espera deum Centro de Psicologia Aplicada, Luiza, com cerca de 10 anos, está
desenhando enquanto aguarda sua mãe. Uma psicóloga se aproxima e vê o desenho de uma casa
com uma criança ao lado e no alto um grande coração onde está escrito PAZ. Ao perguntar o que
ela queria dizer com aquele desenho, a menina responde que o lugar onde mora é muito violento e
que ela queria que houvesse paz.
Ana, 5 anos de idade, estava com seu pai quando ele foi assassinado a tiros por um assaltante. Os
irmãos de 9 e 7 anos de idade, Otávio e Márcia, presenciaram o pai matar sua mãe a facadas. Pedro,
de 11 anos, assistiu a seu irmão mais velho, usuário de drogas, ser espancado por traficantes…
Esses são apenas alguns dos casos atendidos no psicodiagnóstico.
Do ponto de vista prático, o que fazer diante dos problemas que aqui apresentamos? A proposta do
psicodiagnóstico interventivo é de que o psicólogo não atue apenas como um examinador ou avaliador,
mantendo a neutralidade, mas que, durante esse processo, ataque frontalmente esses temas,
considerando-os não apenas fontes de desestabilização emocional das crianças, compreendidas através
do seu psiquismo, mas também questões sociais que devem ser discutidas com os pais e, eventualmente,
também com as crianças (como nos casos de abuso e violência, ajudando-as a encontrar formas de se
defender).
Acreditamos que faz parte do papel do psicólogo sugerir, apoiar e incentivar os pais ou
responsáveis a atitudes ativas, como a de organizar grupos nas comunidades para enfrentar o problema
das drogas de seus filhos, procurar formas de reagir ao banditismo, exigir uma melhor atuação das
escolas ou um atendimento adequado no que se refere à saúde. Enfim, auxiliá-los a conhecer, reconhecer
e batalhar por seus direitos como cidadãos.
Como profissionais da psicologia, cabe-nos, ainda, desenvolver pesquisas sobre esses temas que nos
desafiam e criar grupos de discussão e estudos sobre eles.
Finalmente, embora alguns dos dilemas discutidos neste capítulo pareçam sem solução e em muitos
momentos, como profissionais, sejamos tomados por um sentimento de impotência que quase nos leva a
um estado de paralisação, podemos dizer que ainda há um espaço para nossa atuação, que é o espaço da
crítica, da reflexão, criação e, especialmente, do acolhimento e do respeito. Se as teorias psicológicas
parecem ter chegado aos seus limites, possivelmente não encontraremos uma saída para essas questões
pelo “saber” único da psicologia, mas pela interlocução com outros saberes, pela ética pessoal, pelo
respeito ao outro e suas diferenças. Como “profissionais do encontro” (Figueiredo, 1993),
lidar com o outro (indivíduo, grupo ou instituição) na sua alteridade faz parte da nossa atividade
cotidiana. Mesmo que cheguemos a este encontro com a relativa e muito precária segurança de
nossas teorias e técnicas, o que sempre importa é a nossa disponibilidade para a alteridade nas suas
dimensões de algo desconhecido, desafiante e diferente; algo que no outro nos obriga a um trabalho
afetivo e intelectual; algo que no outro nos propulsiona e nos alcança; algo que no outro se impõe a
nós e nos contesta, fazendo-nos efetivamente outros que nós mesmos.
No que se refere ao psicodiagnóstico interventivo, cabe-nos tentar, conforme dissemos,
compreender e respeitar o mundo do cliente, o que implica contemplar as questões políticas, sociais e
econômicas que estão imbricadas na sua vida e que se não consideradas nos tornarão incapazes de
atingir nosso objetivo. Isso significa que o psicólogo não deve ater-se apenas ao espaço clínico, mas
conhecer o ambiente escolar da criança, suas condições de moradia e seu meio social. Contudo, entrar
nesse mundo implica o confronto com as nossas inquietações e limitações, pois frequentemente nos
perguntamos o que é possível fazer.
Após todos estes anos de prática, entendemos que o enfrentamento dos desafios aqui apresentados
é o caminho que nos levará a manter o psicodiagnóstico interventivo como um procedimento útil para a
compreensão dos que vêm em busca de auxílio psicológico e para a criação de um espaço diferenciado
que permita àqueles que estão envolvidos no processo compartilhar seu sofrimento e encontrar um
novo modo de lidar com sua realidade. Desse modo, por ser uma prática compartilhada e uma
construção conjunta, a resposta para a pergunta feita anteriormente só poderá ser encontrada junto com
os clientes.
O ser humano é o ser do desamparo, da falta e a Psicologia, de alguma forma, pode atender a essa
necessidade, não com a ilusão de preencher esse vazio, mas
comprometendo-se a uma constante atualização de seus conhecimentos, sendo para isso necessário
estar atento à realidade que se apresenta e na qual os clientes estão inseridos (Gelernter et al., 2012,
p. 19).
Acreditamos que o psicodiagnóstico interventivo, pelas suas características de valorização do
sujeito como indivíduo e cidadão, vem ao encontro do CFP (2007, p. 20) quando propõe que:
Atuar na valorização da experiência subjetiva do sujeito contribui para fazê-lo reconhecer sua
identidade. Operar no campo simbólico da expressividade e da interpretação com vistas ao
fortalecimento pessoal pode propiciar o desenvolvimento das condições subjetivas de inserção
social. Assim, a oferta de apoio psicológico de forma a interferir no movimento dos sujeitos e no
desenvolvimento de sua capacidade de intervenção e transformação do meio social é uma
possibilidade importante.
Em artigo intitulado Pós-evolucionismo, publicado no caderno Aliás de O Estado de S. Paulo (10 fev.
2013), Paul Kendall refere-se a um robô chamado “Rex — sigla de robotic exoskeleton, que foi montado
pela companhia de robótica Shadow usando membros e órgão artificiais”. Esse robô, exibido no Museu
da Ciência de Londres, mostra que já é possível reconstruir de 60% a 70% do corpo humano e
“prenuncia um futuro no qual órgãos artificiais serão melhores do que aqueles com os quais nascemos”
(OESP, caderno Aliás, p. 2). O artigo termina com a afirmação de um psicólogo suíço, Bertold Meyer, de
que “estamos indo além das fronteiras da evolução”, e de que daqui há alguns anos ter um corpo
natural, normal “será considerado maçante” (ibidem).
Esse será o novo mundo dos psicólogos que se formarão dentro de alguns anos, os quais, como
permite antecipar o exemplo acima, encontrarão desafios ainda inimagináveis para lidar com a
humanidade.
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http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2003000100015
Capítulo II
Psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-
existencial
Marizilda Fleury Donatelli
Este capítulo tem por objetivo apresentar o psicodiagnóstico interventivo, destacando seus
pressupostos. Essa prática postulou diferenças significativas, tanto no que se refere à postura do
psicólogo quanto à postura do cliente. Acrescentou-se ao processo, que se caracterizava somente pela
investigação, um caráter interventivo. Descrevo a seguir os principais aspectos deste modelo de
atendimento psicológico.
1. Psicodiagnóstico como processo de intervenção
Durante muito tempo, o psicodiagnóstico foi entendido como um processo que se desenvolvia a
partir de um levantamento de dados do cliente (queixa, história de vida pregressa e atual, funcionamento
psíquico etc.), cabendo ao psicólogo analisar esses dados com base na nosologia psicopatológica e dar o
encaminhamento possível para o caso. Evitavam-se, nesse processo, estabelecer vínculo com o paciente e
fazer intervenção, sendo esses procedimentos delegados aos processos psicoterápicos.
Ocampo e Arzeno (1981, p. 13) comentam:
O psicólogo tradicionalmente sentia sua tarefa como o cumprimento de uma solicitação com as
características de uma demanda a ser satisfeita, seguindo os passos e utilizando instrumentos
indicados por outros (psiquiatra, psicanalista, pediatra, neurologista etc.). O objetivo fundamental
de seu contato com o paciente era, então, a investigação do que este faz frente aos estímulos
apresentados.
Fischer, nos Estados Unidos, nos anos 1970, e M. Ancona-Lopez, no Brasil, na década de 1980,
foram as precursoras na introdução do psicodiagnóstico interventivo, o qual, como indica o próprio
nome, rompe com o modelo anterior, fazendo do atendimento um processo ativo e cooperativo. Não se
trata apenas de um processo investigativo; ao contrário, o que fundamentalmente o caracteriza é a
possibili-dade de intervenção. No psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial, as questões
trazidas pelos clientes são ao mesmo tempo investigadas e trabalhadas, a fim de que se possam construir,
em conjunto, possíveis modos de compreendê-las.
As intervenções no Psicodiagnóstico Interventivo se caracterizam por propostas devolutivas ao
longo do processo, acerca do mundo interno do cliente. São assinalamentos, pontuações, clarificações,
que permitem ao cliente buscar novos significados para suas experiências, apropriar-se de algo sobre si
mesmo e ressignificar suas experiências anteriores.
A esse respeito, Santiago (1995, p. 17) informa que os profissionais
[…] reconhecem a necessidade de fazer certos apontamentos ao paciente durante o processo
Psicodiagnóstico por considerarem que o trabalho alcança uma dimensão mais ampla e
compreensiva. Também argumentam a favor de devoluções parciais e de realizar um trabalho em
conjunto com o paciente.
No caso do psicodiagnóstico infantil, esse processo pressupõe a implicação da família na
problemática, atribuída à criança, na queixa. Parte da ideia de que, se a criança apresenta um
comportamento que atinge os pais, mobilizando-os a procurar por um psicólogo, a família está, de
algum modo, envolvida no problema. Além disso, como diz Yehia (1995, p. 118):
[…] mesmo sendo a criança a precisar de atendimento psicológico, são os pais que arcam com
muitos dos custos do atendimento infantil; o tempo para levar e buscar a criança, o pagamento das
sessões (quando estas são gratuitas, o pagamento das conduções) e os possíveis efeitos
transformadores do atendimento infantil na dinâmica da família.
Esse modo de compreender o psicodiagnóstico decorre, como já mencionado, da concepção de
homem e de mundo postulada pela fenomenologia existencial, isto é, considera o ser humano como um
ser sempre em relação, cuja subjetividade se constitui pelas relações que o indivíduo estabelece no
decorrer de sua existência. Dessa forma, os pais ou responsáveis também são clientes e têm participação
ativa no referido processo.
2. Psicodiagnóstico como prática colaborativa
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O psicodiagnóstico é visto como uma prática conjuntamente realizada pelo psicólogo, pelos pais e
pela criança. Os pais e a criança têm uma participação ativa nesse tipo de diagnóstico; atribui-se grande
valor às informações trazidas pelos pais, à forma de compreensão do problema do filho, às explicações
prévias, às fantasias e expectativas construídas antes e no momento da procura do psicólogo. Nessa
medida, não há uma relação verticalizada, pois o psicólogo não se põe no lugar de quem “detém o
saber”; ao contrário, dialoga com os clientes no sentido de construírem, juntos, possíveis modos de
compreensão acerca do que está acontecendo com a criança.
3. Psicodiagnóstico como prática compartilhada
Em tal modalidade de atendimento, o psicólogo compartilha com os clientes suas impressões,
permitindo que estes as legitimem ou ainda as transformem. Entende-se que é no compartilhar de
experiências e percepções que pode emergir uma nova compreensão, um novo sentido, que possibilite
diminuir ou eliminar o sofrimento psíquico da criança e da família.
Essa é uma posição derivada da Psicologia Fenomenológica, na medida em que entende o indivíduo,
em seu “estar no mundo”, como uma pessoa consciente, capaz de fazer escolhas e de responsabilizar-se
por elas, diante de quem se abre um leque de possibilidades. As intervenções do psicólogo, obtidas por
meio de suas percepções, se oferecem como possibilidades para ampliar o campo de consciência da
pessoa, permitindo novas experimentações.
Para S. Ancona-Lopez (1991, p. 87), o processo de psicodiagnóstico interventivo, quando efetuado
numa abordagem fenomenológico-existencial, “é uma prática colaborativa, contextual e
intervencionista”.
Yehia (1995, p. 120) complementa: “A situação do psicodiagnóstico torna-se então uma situação de
cooperação, em que a capacidade de ambas as partes observarem, apreenderem, compreenderem
constitui a base indispensável para o trabalho.
4. Psicodiagnóstico como prática de compreensão das vivências
O registro das experiências que as pessoas vão tendo ao longo da vida e às quais atribuem sentido
constitui seu campo fenomenal.
No psicodiagóstico interventivo fenomenológico-existencial, o psicólogo busca compreender esse
campo fenomenal e evita que as explicações teóricas se anteponham ao sentido dado pelo cliente.
M. Ancona-Lopez (1995) comenta que, quando do desenvolvimento do processo de
psicodiagnóstico interventivo, ocorreu na equipe que o desenvolvia uma mudança no modo de
compreender a relação entre teoria e prática. A prática, embora planejada a partir de indicações teóricas,
ultrapassa a teoria de referência, expondo o psicólogo a experiências que não são abarcadas pelos
conceitos teóricos. Desse modo, torna-se local privilegiado para apontar lacunas do conhecimento
teórico e produzir questionamentos. Segundo Ancona-Lopez, M. (1995, p. 93),
NoPsicodiagnóstico essa posição trouxe como consequência a valorização do conhecimento
pessoal do cliente e de seus pais, assim como a necessidade de se trabalhar desde o início de modo
conjunto e participativo, evitando guiar-se perante o caso apenas a partir de referências teóricas.
A fim de que possa compreender o campo fenomenal, o psicólogo deve, com os clientes,
desconstruir a situação apresentada e buscar seu significado principal. Ancona-Lopez (1995, p. 94)
discorre:
A queixa deixou de ser vista de modo isolado para tornar-se via de acesso ao mundo do sujeito, a
seus objetos intencionais, e aos conflitos nele instalados, considerando-se o esclarecimento dos
significados ali presentes como processo necessário para uma possível re-significação e consequente
modificação do modo de estar consigo e com o outro.
A identificação da experiência do outro, bem como seu significado, é uma tarefa que exige, de
alguma maneira, que o psicólogo se reconheça nesse outro. Portanto, é preciso que haja um
envolvimento existencial; é preciso mergulhar no mundo do cliente, compartilhar seus códigos, deixar-se
enredar por sua trama de sentidos e, ao mesmo tempo, conseguir uma distância suficiente que permita
refletir sobre a situação.
M. Ancona-Lopez (1995, p. 94), referindo-se a esse aspecto, observa que ele se apoia no conceito de
intersubjetividade, o qual afirma a possibilidade de “reconhecer o outro como um outro eu, que,
possuindo um corpo inserido em um mundo, portador de comportamentos e construtor de significados,
constitui a si e ao mundo”.
5. O psicodiagnóstico interventivo como prática descritiva
O Psicodiagnóstico, conforme concebido tradicionalmente, busca obter um diagnóstico do
indivíduo, classificando-o quanto às patologias, a partir das definições das características de
personalidade e fatores específicos, como nível mental e outros.
O psicodiagnóstico interventivo evita classificações. Não pretende montar um quadro estático
sobre o sujeito. É um modelo descritivo na medida em que faz um recorte na vida da pessoa, em dado
momento e em determinado espaço, focalizando seu modo de estar no mundo, com os significados nele
implícitos.
6. O psicodiagnóstico interventivo e o papel do psicólogo e dos clientes
Convém reiterar que os clientes, nesse atendimento, têm um papel ativo, participam da construção
de uma compreensão sobre o que acontece com eles. O psicólogo solicita e valoriza a sua colaboração
na intenção de que o esforço conjunto possa produzir novo entendimento para as questões por eles
trazidas.
Desse modo, tanto as experiências do cliente quanto as impressões do psicólogo sobre elas são
compartilhadas, caindo por terra a ideia de que existem aspectos que não devem ser mencionados pelo
psicólogo ao cliente: o importante é como dizer, e não o que dizer.
Nesse sentido, diz M. Ancona-Lopez (1995, p. 98):
Pais e psicólogo engajam-se no processo de criação de sentido e, diminuída a assimetria na relação,
o conhecimento profissional perde seu caráter de verdade, mostrando-se como uma forma possível
de significação.
DESCRIÇÃO DO ATENDIMENTO EM PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO
NA ABORDAGEM FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
Essa modalidade de atendimento pode ser realizada individualmente, ou com mais frequência, nas
instituições. As etapas do processo são as mesmas, em ambos os casos. Nesta descrição, apresento minha
forma de trabalhar, individualmente, em psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial.
1. Entrevista inicial
Para a entrevista inicial convoco somente os pais. Inicio com os cumprimentos e apresentações
habituais e deixo-os falar sobre como vieram até mim, por que e o que esperam. Em seguida, converso
sobre minha forma de trabalhar, ou seja, compartilho com eles o fato de o psicodiagnóstico ser um
processo cujo objetivo é compreender aquilo que ocorre com a criança e com eles, pais, na relação com
o filho, dos motivos que levam a criança a apresentar determinados comportamentos, bem como o que é
possível fazer para ajudá-la. Explico que parto da ideia de que se a criança tem uma dificuldade, os pais
estão implicados nela, e que, por essa razão, a participação deles no processo é fundamental. Enfatizo
que não se trata de um diagnóstico feito somente por mim, mas que buscaremos juntos compreender o
que se passa, que eles são parte ativa do atendimento, e que tanto as informações por eles fornecidas
como seu modo de entender a criança são essenciais para a efetivação do processo. Explico ainda as
visitas domiciliar e escolar que fazem parte do atendimento e que serão realizadas durante seu curso.
Combino dia, horário, falo a respeito do sigilo. Certifico-me de que os pais compreenderam minha fala e
pergunto-lhes se concordam com o que apresentei. Procuro, por meio de seu discurso, entender as
expectativas em relação ao processo. Busco entender os aspectos manifestos e latentes da demanda.
Deixo que eles falem sem interrupções. As eventuais dúvidas ou perguntas que tenha a fazer deixo para
depois que os pais derem sinal de que concluíram o que tinham para comunicar. Procuro observar os
temores, as fantasias, as angústias que eles demonstram ao se referir à criança, a si mesmos e à vida de
modo geral. Começo a notar quais são as explicações que constroem para dar conta de sua queixa, dos
sintomas apresentados pela criança. A esse respeito, M. Ancona-Lopez (1995, p. 98) relata:
O valor atribuído à escolha, responsabilidade e autonomia do cliente para imprimir direções à sua
existência leva os psicólogos a privilegiar na relação clínica a participação dos pais, a valorização do
esforço pessoal e a abrir espaço para as crenças e construções explicativas que criaram para dar
conta das angústias levantadas pelos conflitos gerados pelos papéis, funções e jogos familiares.
No caso de comparecer o casal, tento compreender se ambos têm as mesmas demandas e se
atribuem a elas os mesmos significados. Desse modo, vou sendo transportada para outro universo que
não é o meu, mas no qual, de algum modo, também me reconheço. Assim Yehia (1995, p. 120) diz:
Compreender é participar de um significado comum, do projeto do cliente, de sua abertura e
limitações para o mundo. É importante identificar os acontecimentos e a forma como se
desenvolveram em relação a seu contexto, gerando a pergunta, precipitando a crise e levando ao
pedido de atendimento.
Após essa primeira imersão na teia de significados construídos pelos clientes, procuro fazer
eventuais intervenções de esclarecimento e pontuações, de tal forma que possa compartilhar com eles
minhas impressões e eles possam ou não legitimá-las. É nessa interação entre o que eles me falam e o
que eu apreendo do que me dizem que vamos estabelecendo um modo de trabalho que permite emergir
de nós possibilidades de compreensão.
Geralmente, verifico se a sessão atendeu ao objetivo, que é a contextualização da queixa e o
esclarecimento da forma de trabalho e, caso ainda existam dúvidas, conversamos sobre o
prosseguimento da entrevista no próximo encontro, no qual pretendo também aclarar determinados
pontos. Informo aos pais que o atendimento posterior será destinado a conhecer a história de vida da
criança e que, provavelmente, dedicaremos a esse tema um ou dois encontros.
2. História de vida da criança
O segundo encontro destina-se à anamnese, que pode ser feita de duas formas. Segundo M.
Ancona-Lopez (1995), é possível entregar o questionário de anamnese aos pais, que o levam para casa e
lá o respondem. Quando retornam ao atendimento, conversam com o profissional sobre suas respostas e
sobre como responderam ao questionário: se apenas o pai ou a mãe o fez ou se a família se reuniu em
torno dos temas, revivendo sua história, se consultaram outros membros da família em relação às
informações etc. Outra forma de encaminhamento da questão é entrevistar os pais ou responsáveis
durante o atendimento. Essa é a maneira que prefiro utilizar em meu trabalho, pois me permite ver,
sentir as emoções que os pais refletem a cada pergunta ou cada etapa

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