Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS 1 Sumário NOSSA HISTÓRIA .................................................................................................... 2 1. NOÇÕES DE TEXTO ....................................................................................... 3 1.1- O que é um texto? ..................................................................................... 3 1.2-Diferença entre compreender e interpretar um texto ....................................... 8 2. LER E CONSTRUIR SIGNIFICADOS ............................................................ 16 3. LITERATURA NA ESCOLA ........................................................................... 18 4. TEXTO LITERÁRIO E NÃO LITERÁRIOS .................................................. 23 4.1-Interpretação de textos literários x não literários ........................................... 25 5. LINGUAGUAGEM VERBAL E LINGUAGEM NÃO VERBAL ......................... 26 6. ENSINAR OU MEDIAR A LEITURA LITERÁRIA? ......................................... 28 7. REFERÊNCIAS .............................................................................................. 32 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 1. NOÇÕES DE TEXTO 1.1- O que é um texto? No dia a dia, a palavra texto é usada para se referir ao resultado da escrita. Quando dizemos que devemos fazer um texto, significa que temos de escrever algo. Nos estudos discursivos, no entanto, texto tem uma concepção bem mais ampla. Se verificarmos a etimologia da palavra, aprenderemos que texto vem do particípio do verbo em latim tecere, que significa tecer ou construir. Isso revela que o texto é um tecido, o resultado de um entrelaçamento de fios que se combinam em uma forma definida. Em outra analogia, se pensarmos no texto como construção, compreenderemos que ele é a obra composta por unidades elementares. De fato, quando produzimos um texto, combinamos elementos de modo a obter uma peça final. Essa imagem nos remete a uma das músicas mais belas e conhecidas de Chico Buarque, Construção, cuja letra reproduzimos a seguir. Construção Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última E cada filho seu como se fosse o único E atravessou a rua com seu passo tímido Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosse sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe 4 Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego Amou daquela vez como se fosse o último Beijou sua mulher como se fosse a única E cada filho seu como se fosse o pródigo E atravessou a rua com seu passo bêbado Subiu a construção como se fosse sólido Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Tijolo com tijolo num desenho lógico Seus olhos embotados de cimento e tráfego Sentou pra descansar como se fosse um príncipe Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo Bebeu e soluçou como se fosse máquina Dançou e gargalhou como se fosse o próximo E tropeçou no céu como se ouvisse música E flutuou no ar como se fosse sábado E se acabou no chão feito um pacote tímido Agonizou no meio do passeio náufrago Morreu na contramão atrapalhando o público Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse lógico 5 Ergueu no patamar quatro paredes flácidas Sentou pra descansar como se fosse um pássaro E flutuou no ar como se fosse um príncipe E se acabou no chão feito um pacote bêbado Morreu na contramão atrapalhando o sábado Note que o título da música pode referir-se tanto à atividade do personagem da história (um trabalhador da construção civil que morre ao cair da obra) quanto à atividade do compositor, que constrói sua narrativa de três formas diferentes. Observamos, em cada uma, quatro fases da mesma narrativa. Na primeira e na segunda versão, são narradas etapas: na primeira, aparece a relação do operário com a família antes de ir ao trabalho; na segunda, a produção do trabalhador na obra; na terceira, o descanso após horas trabalhadas; na quarta, o fim trágico. Na última versão, essas quatro etapas são condensadas. Assim, a mesma história é contada em três versões em que algumas palavras, tais como peças de um Lego, mudam de posição e, com essa troca, criam-se novos sentidos e formas de perceber a realidade. Peguemos, por exemplo, um dos versos finais do enredo, nas três versões em que aparecem na música. E se acabou no chão feito um pacote flácido. E se acabou no chão feito um pacote tímido. E se acabou no chão feito um pacote bêbado. Os adjetivos (flácido, tímido e bêbado) que qualificam o personagem morto constroem para o leitor imagens diferentes do operário. Na primeira, vemos o ser como um pacote deformado, disforme, sem tonicidade, esparramado pelo chão. Na segunda, somos conduzidos à ideia de um pacote que tenta passar despercebido, alguém que tenha se 6 habituado a ser socialmente invisível e mantém isso até mesmo na morte. Na terceira, a ideia da embriaguez remete a algo fora do padrão social do trabalho e, de certo ponto de vista, considera o homem passível de ser culpabilizado pela sua morte, uma vez que foi imprudente ao beber em serviço. Nas três versões, apesar das diferentes construções, a morte do operário é banalizada, pois ele sempre acaba atrapalhando o tráfego, o público e o sábado. Dessa forma, entendemos o aspecto de denúncia da canção contra o descaso e a exploração do trabalhador. Observação: Todas as palavras finais dos versos da canção são proparoxítonas. Fazer rimas com essa categoria de palavras é algo extremamente difícil, o que comprova a genialidade do compositor. Com esse exemplo, podemos formular uma importante definição: o texto não se constitui como um amontoado de elementos. Intencionalmente construído para transmitir uma mensagem, trata-se de uma composição em que todas as peças são importantes e devem estar bem encaixadas com as demais. Concluímos, então, que qualquer texto é uma unidade de sentido. Cada elemento interage com os outros, tecendo significados e materializando um discurso, palavra tomada aqui como o plano do conteúdo do texto. Lembrete: Todo texto produz um discurso e todo discurso só pode ser compreendido por meio de um texto. Com o que foi dito, fica nítido que a escolha de palavras, bem como do modo com que construímos umenunciado, influencia o seu sentido. 7 Nas palavras de Fiorin e Platão (2011, p. 28), “um texto é, pois, um todo organizado de sentido. Dizer que ele é um todo organizado de sentido implica afirmar que o texto é um conjunto formado de partes solidárias, ou seja, que o sentido de uma depende das outras”. Embora o nosso exemplo tenha sido um texto composto por palavras, essa não é uma característica fundamental em sua definição. Consideramos texto toda forma de expressão de ideias. De acordo com essa concepção, uma imagem é um texto, assim como uma fala ou mesmo uma representação de mímica. Vamos observar a charge a seguir: Figura: 1 Na figura 1, percebemos dois personagens sentados à mesa. Pelos trajes deles, notamos que um é rico e o outro, pobre. O rico está feliz e olha para o prato com apetite. O prato do pobre, por sua vez, está virado para baixo, indicando que não há comida nele. A expressão do rosto revela a insatisfação do personagem. Devemos ainda observar que os pratos foram representados como conhecidas partes da arquitetura do Congresso Nacional, referência que se reforça também pelo edifício ao fundo. Assim, notamos que a charge tem como objetivo mostrar a desigualdade social e associá-la ao governo. Entende-se que o poder mantém as diferenças sociais, atendendo aos ricos e ignorando os pobres. 8 Observação Um texto é toda forma de expressar uma ideia. Em outras palavras, é a materialização de um discurso. Em síntese, podemos dizer que um texto apresenta algumas características: • Seus elementos internos interagem coerentemente na construção de um sentido. • Como unidade, ele se associa a outros textos e ao contexto em que foi construído, ou seja, um texto não existe de forma desvinculada de suas condições de produção. Nas palavras de Fiorin e Platão (2007, p. 13), Nenhum texto é uma peça isolada, nem a manifestação da individualidade de quem o produziu. De uma forma ou de outra, constrói-se um texto para, através dele, marcar uma posição ou participar de um debate de escala mais ampla que está sendo travado na sociedade. Até mesmo uma simples notícia jornalística, sob a aparência de neutralidade, tem sempre alguma intenção por trás. 1.2-Diferença entre compreender e interpretar um texto Imagine que, em uma lavanderia, haja o seguinte aviso: “Quando a máquina apitar retire toda a roupa”. Imagine, ainda, que uma pessoa que esteja lá ouça o apito e, então, comece a se despir. Essa situação é risível pelo grau de absurdo. A pessoa claramente não compreendeu o aviso da gerência do estabelecimento. Isso nos faz perceber que saber ler e dominar o significado das palavras não indica que a pessoa saiba interpretar o texto. No exemplo, a personagem nem mesmo compreendeu corretamente a mensagem. Assim, percebemos que a mera alfabetização não torna alguém competente na interpretação de textos. 9 Observação Você já ouviu falar em analfabetos funcionais? São pessoas que, embora identifiquem letras e números, não conseguem compreender adequadamente textos nem realizar operações matemáticas minimamente elaboradas. Essa condição limita o desenvolvimento pessoal e profissional, além de fazer com que os indivíduos sejam facilmente manipulados e enganados. É importante perceber a diferença entre compreender e interpretar um texto. Embora as duas palavras sejam utilizadas nos dia a dia como sinônimos, elas representam competências diferentes do leitor. Veja esta brincadeira muito comum nas redes sociais: INTERPRETAÇÃO DE TEXTO NOS DIAS DE HOJE! Figura VOCÊ POSTA ISTO NAS REDES SOCIAIS: “Oi, meu nome é João e vou vender bolo de laranja hoje das 15h ás 17 h cada fatia custa 3,00 reais interessados podem entrar em contato pelo numero 9999-9999” E AS PESSOAS PERGUNTAM: “O bolo é de quê?” “Quanto custa?” “Posso buscar ás 18h?” “Qual o contato?” 10 Figura: 2 As perguntas feitas a quem publicou o post revelam que as pessoas não compreenderam o anúncio, talvez por não lerem, de fato, o que está escrito. Compreender é a primeira etapa da leitura e corresponde à mera decodificação. No exemplo, todas as perguntas têm suas respostas literalmente no texto, colocadas de forma explícita. Interpretar, por sua vez, significa apreender o sentido do texto e depende de elementos que estão além dele. Vamos a um exemplo: “Pedro só retorna do trabalho depois das 23 horas, todas as noites!”. Existe uma informação factual que todos compreendemos: o horário de retorno de Pedro à sua casa. No entanto, o que esse enunciado significa? Pode ser, por exemplo, um elogio a ele, que é muito esforçado e trabalha muito. Pode ainda ser um aviso para que ninguém o procure em casa. Também pode ser uma insinuação de que Pedro não vai diretamente para casa depois do trabalho. A interpretação do sentido desse simples enunciado depende da situação comunicacional: quem o diz, em que contexto e a quem. Se identificamos corretamente o sentido do enunciado, podemos dizer que o interpretamos. Se apenas entendemos a informação, então devemos dizer que apenas compreendemos a mensagem. Em outras palavras, é possível compreender um texto e não ser capaz de interpretá-lo, mas não é possível interpretá-lo sem compreendê-lo. A compreensão exige a decodificação de informações presentes no texto. A interpretação depende também de elementos extratextuais, bem como do repertório e da competência do leitor. É comum ouvirmos falar que a “interpretação é subjetiva”, “cada um entende um texto de um jeito” e outras frases que expressam essa ideia. Claro que a interpretação depende do repertório do sujeito que recebe o texto. A interpretação de determinado texto pode ser mais bem realizada se o receptor tiver um bom repertório. No entanto, sua interpretação não pode ser descolada dos elementos textuais, ou seja, de sua 11 compreensão. O indivíduo não pode, simplesmente, interpretar de acordo com as ideias que ele tem na cabeça. Observação Quanto mais amplo for o repertório do leitor, melhor tende a ser a sua capacidade interpretativa. A leitura depende do conhecimento de mundo que o indivíduo tem. Como um texto não é um amontoado de frases ou de signos, cada um dos seus elementos não pode ser analisado fora do todo. Uma frase, tirada do texto, pode ter seu sentido totalmente deturpado. Vamos observar um exemplo do cotidiano. Imagine que uma pessoa da sua equipe de trabalho mande a seguinte mensagem ao grupo: “Nem que eu me desdobre em duas, estarei presente na reunião de hoje à tarde”. Se um membro do grupo fizer uma leitura desatenta da mensagem, poderá apreender somente a oração final, “estarei presente na reunião de hoje à tarde”. Dessa forma, a sua compreensão da mensagem será totalmente equivocada. Também podemos, como exemplo, citar um caso de 2005 em que Caetano Veloso escreveu uma carta para defender José Miguel Wisnik de críticas que ele vinha sofrendo de uma revista semanal. Caetano indignou-se com a postura da publicação e, em certo ponto da carta, questiona por que a revista estaria fazendo aquilo com um professor e compositor muito valorizado no circuito intelectual e artístico, mas pouco conhecido pela massa. Exatamente esse trecho da carta, em que Veloso questiona o porquê de tal perseguição, foi descontextualizado pela revista e publicado como se fosse um ataque de Caetano a Wisnik. O trecho recortado foi o seguinte: “José Miguel Wisnik não é um campeão de vendas de CD, não lota casas de show, não tem seus livros na lista dos mais vendidos – por que diabos seu nome vai parar numa manchete?” (NOBLAT, 2005). 12 Reparamos que, fora do texto e do contexto, o enunciado pode mesmo ser interpretado como uma crítica a Wisnik. Pode-se entender que Caetano não julgava o colega merecedor de ter seu nome emuma manchete. No exemplo, a descontextualização foi feita por má-fé da revista, que distorceu propositalmente o sentido original do trecho. Prova disso é que a revista, embaixo da citação do trecho de Caetano Veloso, comentou que se tratava de “um inexplicável ataque” de Caetano a Wisnik, ou seja, houve a intenção do veículo em deturpar o sentido original da carta. No entanto, no dia a dia, é comum que as pessoas interpretem equivocadamente um texto porque só leem um fragmento dele. Isso gera problemas de compreensão e, consequentemente, de interpretação de textos. Lembrete Os significados de partes de um texto não são independentes; eles dependem das outras partes, com as quais se relacionam. Cabe ainda ressaltar que o significado global de um texto não é a mera soma de suas partes, mas, sim, o resultado gerado pela combinação delas. Outro exemplo pertinente é a música Como nossos pais, composta por Belchior e imortalizada na voz de Elis Regina. Se recortarmos da letra os versos “Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, podemos ter uma interpretação equivocada do seu sentido. Com esse recorte, é possível entender que o enunciador considera bom seguir o modo de vida dos pais. A permanência e a manutenção de valores podem ser vistas como algo positivo, a ser seguido pelos filhos. No entanto, a música, lançada em 1976, no período da ditadura militar brasileira, revela a desilusão de uma juventude que lutou contra o regime, o sistema e a moral da época e que se percebe, no final, como reprodutora dos valores que combateu. Isso fica nítido na referência aos valores religiosos e capitalistas no trecho “quem me deu a ideia de uma nova consciência e juventude está em casa, guardado por Deus, contando o vil metal”. Note-se que “vil metal” significa dinheiro. 13 A última estrofe revela bem o sentimento de frustração ao expressar a dor de alguém que, apesar de tudo que fez, teve de se render àquilo que tentou mudar. Veja a letra completa a seguir: Como nossos pais Não quero lhe falar Meu grande amor Das coisas que aprendi Nos discos Quero lhe contar como eu vivi E tudo o que aconteceu comigo Viver é melhor que sonhar Eu sei que o amor É uma coisa boa Mas também sei Que qualquer canto É menor do que a vida De qualquer pessoa Por isso cuidado, meu bem Há perigo na esquina Eles venceram e o sinal Está fechado pra nós Que somos jovens Para abraçar seu irmão E beijar sua menina na rua É que se fez o seu braço O seu lábio e a sua voz 14 Você me pergunta Pela minha paixão Digo que estou encantada Como uma nova invenção Eu vou ficar nesta cidade Não vou voltar pro sertão Pois vejo vir vindo no vento Cheiro de nova estação Eu sinto tudo na ferida viva Do meu coração Já faz tempo Eu vi você na rua Cabelo ao vento Gente jovem reunida Na parede da memória Essa lembrança É o quadro que dói mas Minha dor é perceber Que apesar de termos Feito tudo o que fizemos Ainda somos os mesmos E vivemos Ainda somos os mesmos E vivemos Como os nossos pais Nossos ídolos Ainda são os mesmos E as aparências 15 Não enganam não Você diz que depois deles Não apareceu mais ninguém Você pode até dizer Que eu tô por fora Ou então Que eu tô inventando Mas é você Que ama o passado E que não vê É você Que ama o passado E que não vê Que o novo sempre vem Hoje eu sei Que quem me deu a ideia De uma nova consciência E juventude Está em casa Guardado por Deus Contando o vil metal Minha dor é perceber Que apesar de termos Feito tudo, tudo Tudo o que fizemos Nós ainda somos Os mesmos e vivemos 16 Ainda somos Os mesmos e vivemos Ainda somos Os mesmos e vivemos Como os nossos pais ► A música Como nossos pais ficou muito conhecida na interpretação de Elis Regina. Mesmo em um texto que utiliza a linguagem não verbal, a interpretação não pode acontecer com a mera leitura de partes fragmentadas. 2. LER E CONSTRUIR SIGNIFICADOS Figura: 3 A leitura é caracterizada por um processo de interação e construção de significado que ocorre entre o texto e o leitor. Assim, ler é construir significado para o texto e com o texto, o qual é compreendido como um produto histórico e social que apresenta relações com outros textos armazenados na memória coletiva de um povo. Dessa forma, ele não é uma manifestação isolada, sua produção está ligada diretamente a conhecimentos prévios que determinam sua compreensão. Tal afirmativa nos leva a ideia de intertextualidade, que é conceituada por Silva, 2006, como a relação explícita ou implícita existente entre textos. Essa relação é possível através da percepção de operadores linguísticos, estruturais, visão de mundo do leitor, citações, entre outros. 17 Diante desse contexto, e considerando a leitura como uma prática social na qual o leitor reconhece e extrai do texto significado numa construção de sentido, que está ligada à compreensão estabelecida por associações intratextuais e intertextuais, pretende-se um ensino de literatura que trabalhe a relação entre textos amplamente reconhecidos no âmbito literário com outros difundidos na atualidade, bem como, analisar em ambos os diferentes contextos situacionais, num enfoque intra e intertextual. É importante que se compreenda a leitura como um processo ativo. O indivíduo, ao ler o texto, constrói o significado. É como se ambos entrassem num diálogo, em que o objetivo final é a comunicação e esta só se faz pela interação. Esse conceito de diálogo é apresentado por Bakhtin (1981) que enfatiza a linguagem, em dois princípios: o interdiscurso, que se constitui pelo diálogo entre os diferentes discursos, e o da alteridade estabelecida pela interação entre o “eu” e o “outro”. O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra ‘diálogo’ num sentido mais amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN 1981, p. 123). Bakhtin concebe o mecanismo de interação no processo comunicativo que se dá pela ação recíproca entre os interlocutores que se constituem no leitor e no texto. O leitor é um participante ativo no processo da leitura, considerado como um ser ativo que constrói o seu próprio conhecimento, pela sua experiência cognitiva, cultural e linguística. O texto, por sua vez, “[...] não é um objeto, sendo, por essa razão, impossível eliminar ou neutralizar nele a segunda consciência, a consciência de quem toma conhecimento dele”. (BAKHTIN, 1997, p. 333). O leitor confirma ou rejeita as suas hipóteses e assimila a nova informação, ajustando-a àquela que já possui. Nessa perspectiva, quanto maior a experiência cultural do indivíduo, maior será a sua eficácia no processo de leitura, que, por sua vez, trará novas informações culturais. Essa visão da construção dos sentidos está diretamente relacionada às atividades discursivas e às práticas sociais, às quais os sujeitos têm acesso ao longo de seu processo histórico de socialização. As atividades discursivas podem ser compreendidas como as ações de enunciado que representam o assunto, que é objeto da interlocução e orientam a interação. 18 Para Bakhtin (1981) são estes modos de relação entre os interlocutores que vão determinar os aspectos pertinentes ao gênero discursivo, assim como o tema, a forma composicional e o estilo do texto ou discurso. A prática da leitura representa um fenômeno social, ou seja, o trabalho realizado por meio da leitura e da produção de texto é muito mais que decodificação de signos linguísticos. É um processo de construção de significado e atribuiçãode sentidos; é uma atividade que ocorre no meio social através do processo histórico da humanização. Nesse sentido, o trabalho com a leitura e a escrita adquire o caráter sócio Histórico do diálogo. A linguagem, por sua vez, constitui-se na representação social, “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial”. (BAKHTIN, 1981, p. 95). Desse modo, o leitor realiza seu mundo e amplia seu horizonte de compreensão. Numa interação entre os locutores, é instaurado o espaço de uma discursividade. Leitores e autores confrontam-se e definem-se nesse contexto de discurso individual, e o processo de leitura é configurado a partir dessas condições de produção. 3. LITERATURA NA ESCOLA 19 Figura: 4 Durante muito tempo, a leitura de obras literárias era um pressuposto básico da formação do leitor. Assentada em uma tradição que se formou antes mesmo da existência formal da escola, tais como a conheceram, a relação entre literatura e educação pode ser remontada ao processo de preparação dos escribas egípcios, passando pelo subvencionamento da tragédia grega pelo Estado e a pedagogia retórico-política dos romanos, até chegar, translada do ensino do grego e do latim, ao ensino da língua nacional, conforme se pode verificar em estudos de Zilberman e Silva (1990), Zilberman (1991) e Lajolo (1982), entre vários outros estudiosos que registram o percurso da literatura transformada em matéria de ensino. Transformações de ordem social, pedagógica e teórica, associadas a uma cristalização da formação humanista que sustentava essa tradição, terminaram por reduzir o espaço da leitura da literatura no ensino da língua materna, agora comandada por livros didáticos, textos de jornais e outros textos de uso cotidiano ou produtos da comunicação de massa (COSSON, 2010). Mesmo com o seu espaço diminuído ou encurtado, a leitura da literatura permaneceu na escola, conforme a divisão pedagógica da leitura escolar em dois tipos de atividades: a leitura ilustrada e a leitura aplicada. No primeiro caso, tem-se a leitura como uma atividade de fruição e deleite, voltada quase que exclusivamente para a inserção do aluno no mundo da escrita ou o manuseio livre de impressos, sendo esse o modo preferencial de uso do texto literário nos anos iniciais do ensino fundamental. No segundo, a leitura aplicada se destina a promover o conhecimento, ou seja, a leitura se destina ao aprendizado de alguma coisa do qual o texto é veículo. Trata-se do modo dominante da leitura nos anos finais do ensino fundamental e daí por diante, mudando-se o grau de complexidade dos textos e os fins imediatos da leitura. A literatura assume, neste caso, uma posição ancilar no ensino de língua, contribuindo para a consolidação da competência de leitura e escrita por meio de exercícios de compreensão e outras estratégias didáticas aplicadas aos textos literários (COSSON, 2011). No caso da escola, um dos consensos formados sobre o tema é que essa formação passa necessariamente pela fruição do texto literário como uma das atividades centrais na criação e manutenção do hábito e gosto pela leitura. Também se verificou que as crianças costumam reagir positivamente à leitura ilustrada, mas a passagem para a leitura aplicada 20 simplesmente não obtém o mesmo sucesso, com as taxas de leitores diminuindo à medida que avançam os anos escolares, tal como constata Ceccantini ao dizer que: “os dados mostram que o simples fato de se ter despertado o gosto pela leitura nas séries iniciais, contando-se com leitores assíduos e motivados na infância, não tem sido suficiente para garantir a estabilidade desse comportamento em fases posteriores da escolarização” (CECCANTINI, 2009, p. 220). Em consequência, complementa o autor, “hoje, sem dúvida, um dos maiores problemas a enfrentar na formação de leitores é o de como dar continuidade às conquistas obtidas junto às crianças, à medida que vão crescendo, de tal modo que continuem sendo leitores fiéis e motivados” (idem, p. 218). Uma das respostas a esse desafio foi justamente a expansão da leitura ilustrada para todo o ensino fundamental. Desse modo, a literatura, decisivamente incorporada ao polo da fruição e do prazer de ler da leitura ilustrada, deixa de ocupar uma mera função ancilar no ensino da língua portuguesa e parece ocupar um lugar renovado na escola como centro da formação do leitor. É nesse contexto que queremos configurar o papel do professor como mediador da leitura literária. 21 Figura: 5 De um modo geral, a mediação da leitura literária é vista como uma “animação” que envolve uma série de atividades, tais como a Hora do Conto, que é “uma das atividades mais utilizadas pelos mediadores de leitura”, sendo muito valorizada porque se trata de uma “atividade [que] pode despertar na criança a curiosidade sobre o mundo da literatura infantil, com histórias fantásticas que contribuem para melhor compreender a vida e também adquirir o gosto pela leitura” (GOMES; BORTOLIN, 2011, p. 164); a Feira Literária, na qual as crianças trocam livros entre si; a Exibição de filmes, que pode envolver ou não comentários posteriores; as Oficinas de leitura, que “fomentam a cultura e a leitura, por meio de narrativas, roda de histórias, dramatizações de produções literárias e artísticas” (idem, p. 165); a dramatização de um conto; encontro com escritores; lançamento de livros; banca de troca-troca de gibis; murais e exposições de produções de alunos; entre outras que, segundo Gomes e Bortolin, de onde compilamos essas atividades, são projetos que numa biblioteca escolar visam “a capacitar os alunos a lerem diversificadamente e com prazer” (ibidem, p. 164). Nessas atividades de mediação, o professor deve guiar-se por princípios que envolvem diversidade, sensibilidade, valorização da experiência e da contemplação, 22 afetividade e fortalecimento da autoestima para possibilitar ao aluno o desenvolvimento de suas potencialidades (TÉBAR, 2011). Esse papel de mediador ou mais propriamente dito de animador não apenas coloca o aluno em primeiro plano, como também parece deixar de lado o lugar do professor como responsável pelo ensino na escola. É o que fica bem claro nas regras da “animação da leitura” estabelecidas por Camacho e Yela Gómez (2008, apud CECCANTINI, 2009, p. 215-216): ► ter desejo de animar a ler; ► despertar a vontade de ler; ► colocar livros à disposição das crianças; ► tornar os livros acessíveis ao leitor, de modo que possam ser facilmente encontrados; contar com uma biblioteca organizada e um pessoal com conhecimento, tempo, ideias claras e muita boa vontade; ► trabalhar em equipe e estabelecer um plano de atuação; ► contar com uma mãe e um pai leitores e com vontade de que seus filhos leiam. No comentário que faz a essa citação, Ceccantini (2009) destaca que os autores enfatizam que esse papel do mediador tem um pré-requisito fundamental que é ser o professor um leitor apaixonado e capaz, por meio de sua experiência de leitura, de contagiar os alunos com sua paixão e seu vasto repertório de leitura. Tal característica é fundamental para que a “leitura por obrigação” da escola seja efetivamente substituída pela “leitura para o prazer” da mediação. 23 4. TEXTO LITERÁRIO E NÃO LITERÁRIOS Figura: 6 Textos literários e textos não literários apresentam diversas diferenças: na forma, na linguagem, na significação,… Principalmente, diferenciam-se na sua finalidade comunicativa. O texto literário visa entreter o leitor e o texto não literário visa informar o leitor. ►Os textos literários são baseados na vontade e imaginação do escritor/artista e, portanto, são subjetivos. Sua função é entreter e está ligado /á arte. ►Por ser um texto artístico, não tem compromissocom a objetividade e com a transparência das ideias. ►Possui caráter estético, não somente linguístico, onde a interpretação e significação variam de acordo com a subjetividade do leitor. ►São exemplos dele: novela, contos, biografias, discursos, dramas, poemas e poesias. Os textos não literários são informativos. ►A informação deve ser passada de modo a facilitar a compreensão da mensagem. 24 ►Exemplos: livros didáticos, documentos, artigos em revistas acadêmicas, recitas, livros didáticos e manuais de instruções. ►Texto literário é um texto construído com recursos e normas da literatura causando diferentes emoções ao leitor e expressando vários sentimentos. A musicalidade, as funções e os tons poéticos e artísticos também faz parte disso. ►O texto não literário é um texto construído com uma linguagem informativa, explicativa, esclarecedora e que tenha alguma utilidade para o leitor. Logo ele é produzido em um tom claro, objetivo, direto e que não possa geralmente dúvida quanto a sua interpretação. Observe no quadro 1 as diferenças entre texto literário e texto não literário. TEXTO LITERÁRIO TEXTO NÃO LITERÁRIO Apresentam elementos artísticos e tendem a causar emoção. São textos informativos e objetivos. Tem função estética, destinam ao entretenimento, à arte, à ficção. Sua função é informar, convencer, explicar, comunicar. Linguagem subjetiva e conotativa. Linguagem objetiva e denotativa. Utiliza elementos como a variabilidade figura de linguagens, multissignificação metáforas e possuem liberdade na criação. Linguagem objetiva, concisa e clara. Costuma subverter a gramática normativa. Geralmente adotam a gramática normativa. Compõe ficção, baseada na vontade e imaginação do artista. Utiliza fatos e informações. Análise da leitura de um texto literário inclui a busca de metáforas e simbolismos. Analisar um texto não literário requer confirmação dos fatos, conhecimentos, desenvolvimento de habilidades e realização de tarefas. Exemplos: Poesia, novelas, histórias e drama. Exemplos: Diários pessoais, noticiais, receitas, jornais e artigos. Quadro: 1 25 Na leitura de texto literário, os sentidos dependem do contexto da língua. O leitor pode não ter dificuldade em relação ao tema, mas pode encontrar muita dificuldade na forma como o autor usou a língua: palavras polissêmicas, estrutura da frase indireta etc. De forma geral, a fruição estética do texto literário deve começar de um gosto pessoal por envolver tanto o lado acional-intelectual do leitor quanto o lado emocional afetivo. 4.1-Interpretação de textos literários x não literários No senso comum, o que definiria a literatura seria o seu caráter ficcional. Mas há obras literárias baseadas na história ou em acontecimentos verídicos, ao mesmo tempo em que há histórias imaginadas que não são narradas de forma literária. • Paul Valéry, teórico francês, aponta como diferença essencial entre o texto literário e os demais textos o fato de o literário não poder ser resumido sem perder sua essência, pois a forma tem tanta relevância quanto o conteúdo. • Outros tipos de texto não têm essa característica: se resumirmos uma noticia ou uma reportagem, ainda teremos o seu essencial. • A linguagem, explorada em sua dimensão expressiva e estética, é apontada como o fator determinante da literariedade de um texto. • Uma obra literária não é lida, em geral, com um objetivo pragmático. Quando lemos um conto ou um romance, buscamos o prazer da leitura e a compreensão de aspectos da nossa vida por meio da narrativa. Por outro lado, quando lemos um texto jornalístico, estamos interessados em informações. • Segundo Antonio Candido, a literatura cumpre a função de humanização, de “fazer viver”, de desenvolver o imaginário, a fantasia, a reflexão e o pensamento. • Devido a essas características, um texto literário pressupõe várias interpretações e, assim, para que seja possível a fruição do objeto estético, é aconselhável que se façam várias leituras, pois, na primeira, tendemos a perceber apenas aquilo que aparece de forma mais superficial no texto. 26 • Entre as características da linguagem literária, estão a expressividade, o uso de conotação e a exploração de outros recursos sonoros, semânticos, sintáticos e morfológicos, que definem a presença de função poética da linguagem. 5. LINGUAGUAGEM VERBAL E LINGUAGEM NÃO VERBAL A Comunicação Verbal é todo tipo de passagem ou troca de informações por meio de linguagem escrita ou falada. O sucesso da Comunicação Verbal depende completamente da clareza das mensagens passadas, e esta clareza está ligada à compatibilidade do acervo vocabular e intelectual dos envolvidos na troca de informações. Para que haja êxito na Comunicação Verbal, seja ela escrita ou falada, o receptor da mensagem precisa compreender o que lê ou ouve, para isso é necessário que a mensagem esteja em um código comum ao emissor e ao receptor (mesmo idioma) e que ambos estejam no mesmo patamar de conhecimento. Quando qualquer uma dessas condições essenciais falha, há o que é chamado de ruído na comunicação. Exemplos de linguagem verbal: um texto narrativo, um carta, uma receita, um diálogo, um entrevista, um poema, uma bula de remédio, rótulo etc... Figura: 7 O uso da simbologia é uma forma de comunicação não verbal, por exemplo: sinalização, logotipos, ícones, são símbolos gráficos constituídos basicamente de formas, cores e tipografia. Através da combinação destes elementos gráficos é possível exprimir ideias e conceitos numa linguagem figurativa ou abstrata. 27 Exemplos de linguagem não verbal: O semáforo, o apito do juiz numa partida de futebol, o cartão vermelho, o cartão amarelo, uma dança, o aviso de “não fume” ou de “silencio”, o bocejo, a identificação de “feminino” e “masculino” através de figuras na porta do banheiro, as placas de trânsito etc... Figura: 8 Resumindo: Linguagem – é o uso da língua como forma de expressão e comunicação entre as pessoas (interlocutores). A linguagem pode ser verbal ou não verbal: 1. Linguagem verbal – quando se usa palavras ao falar ou escrever. Ex.: poesias, músicas, carta, duas pessoas dialogando, etc. 2. Linguagem não verbal – não se usa palavras, mas sim gestos, desenhos, placas, símbolos, objetos, cores, etc. Ex.: um sinal de trânsito; uma placa de proibido fumar, etc. 28 6. ENSINAR OU MEDIAR A LEITURA LITERÁRIA? Figura: 9 Aparentemente, enquanto parte da formação do leitor na escola, essas concepções de mediação da leitura literária e professor mediador encontram correspondência em conhecidas recomendações de estudiosos que trabalham com o ensino da literatura e letramento literário. Em primeiro lugar, a autonomia do leitor frente ao texto literário, tal como coloca Graça Paulino ao dizer que “a leitura literária deve ser processada com mais autonomia tendo os estudantes direito de seguir suas próprias vias de produção de sentidos, sem que estes deixem, por isso, de serem sociais” (PAULINO, 2005, p. 63). Depois, a necessidade de o professor ser um leitor de literatura, como bem coloca Ana Maria Ribeiro Filipouski: “Para [a leitura literária] ser desenvolvida na escola, é fundamental que os professores tenham construído previamente seu repertório de leitura literária, isto é, que sejam leitores de literatura” (FILIPOUSKI, 2005, p. 224). Também se argumenta que a formação do leitor é o objetivo maior do ensino da literatura, como faz Jacinto Prado Coelho: “No meu entender, tanto no liceu como nas Faculdades de Letras às disciplinas literárias compete uma função mais formativa do que 29 informativa; devem, acima de tudo, ensinar a ler e despertar nos alunos a fome da leitura” (COELHO, 1976, p. 58). Isso sem esquecer o encontro primeiro e essencial do alunocom a obra – “é fundamental que se coloque como centro das práticas literárias na escola a leitura efetiva dos textos, e não as informações das disciplinas que ajudam a construir essas leituras” (COSSON, 2006, p. 23); e certo colocar-se em segundo plano por parte do professor, como aconselhava Lígia Chiappini Leite ao dizer que: “Nosso papel é muito simples e, ao mesmo tempo, porque estamos professoralmente viciados, muito difícil”, ou seja, é um papel que “requer algo bastante sutil: uma presença meio ausente, e, no entanto, atuante: um apagar- se da figura do mestre que, muito embora, conduz o jogo; uma condução que se deixa conduzir” (LEITE, 1983, p. 113). Em síntese, como concluem Maria da Glória Bordini e Vera Aguiar (1988, p. 17): Para que a escola possa produzir um ensino eficaz da leitura da obra literária, deve cumprir certos requisitos como: dispor de uma biblioteca bem aparelhada, na área da literatura, com bibliotecários que promovam o livro literário, professores leitores com boa fundamentação teórica e metodológica, programas de ensino que valorizem a literatura e, sobretudo, uma interação democrática e simétrica entre alunado e professor. Todavia, ainda que possa ser saudada como a efetivação de antigas demandas dos estudiosos da área de letramento literário, essa mediação da leitura literária parece recusar à escola a razão de sua existência, que é ser instituição de ensino, além de simplificar, para não dizer anular, a função de ensinar tradicionalmente dada ao professor. Frente a esse cenário aparentemente paradoxal e dicotômico, qual o lugar do professor em relação ao texto literário? Ensinar ou mediar à leitura literária? Para responder a essa pergunta, precisamos desfazer e ir além da dicotomia que ela anuncia. Dessa forma, devemos, em primeiro lugar, recusar a polarização entre duas imagens de professor que pouco condiz com a realidade da prática da leitura literária na escola: o professor escultor e o professor jardineiro. Essa polarização é bem explicada por Tunes, Tacca e Bartholo (2005, p. 691) que, citando Buber, descrevem essas metáforas do fazer docentes da seguinte maneira: O professor-jardineiro: Fertiliza-se o solo, semeia-se, mantém-se o solo úmido, protege-se o broto de pragas e ervas daninhas para que possa crescer saudável e mostrar seus frutos. Não se interfere na planta. É necessário apenas protegê-la das adversidades para que possa 30 desenvolver em plenitude suas potencialidades naturais. Nada há o que deva limitar a semente. Essa é a metáfora que se pode fazer da educação permissiva, com excesso de relaxamento e indulgência. O professor-escultor: A partir da pedra bruta, delinear e moldar formas reconhecíveis, estritamente conforme o plano gestado na imaginação do escultor. É claro que o material de que é feita a pedra bruta impõe algumas condições de limites para a ação do escultor. Limites estes, contudo, muito mais circunscritos aos instrumentos a utilizar, do que propriamente ao que se pretende esculpir. O que importa, pois, é o que foi planejado; o projeto que dirige e justifica todas as ações e os meios a serem empregados. Nada mais há que deva impor restrições ao plano do escultor. Essa é a metáfora que se pode fazer da educação autoritária que desliza nos eixos da restrição e da compulsão. Em ambas as posições, obviamente tomadas em seus extremos, o professor perde aquilo que é essencial à sua atuação em sala de aula que é o diálogo formador e auto formativo em que se envolve com o aluno, argumentam Tunes, Tacca e Bartholo (2005). Mais que isso, para esses autores, “ao se examinar o conceito de mediação fica evidente sua complicação e incompletude para se compreender o papel do professor”. Para eles “ainda que seja possível admitir-se o professor como mediador do conhecimento para o aluno, isso não esgotaria sua função, nem daria conta do que lhe é primordial” (TUNES; TACCA; BARTHOLO, 2005, p. 695). Daí que não se pode negar ao professor o lugar de conhecimento, planejamento e execução do ensinar que é próprio de sua atuação. Assim como que não se pode advogar um ensino que ignore a condição de sujeito do aluno e o processo de interação que é o ensinar e o aprender na sala de aula. Depois, convém evitar a armadilha das simplificações, tanto em relação à mediação quanto ao ensino de literatura. A mediação da leitura literária, portanto, não deve ser reduzida ao sentido comum de animação, como uma atividade a ser desenvolvida apenas por meio da empatia entre um leitor iniciante e um leitor experiente, que não requer nada além do “amor” aos livros ou que não precisasse nenhuma formação específica. Do mesmo modo, o ensino da literatura não pode ser reduzido a uma simples leitura ilustrada, cujo único objetivo seja proporcionar o prazer de ler. Aqui é importante não ceder às leituras simplificadas de Vygotsky e da abordagem histórico-cultural que alimentam a posição passiva do apenas ler como a razão da existência da literatura na escola, esquecendo que a leitura literária implica códigos, protocolos, práticas e convenções que 31 identificam o que é literatura e informam sobre os diversos modos de ler o texto literário (SCHOLES, 1991; CHARTIER, 1996, 1999; PAULINO, 2005; COSSON, 2009). É importante, porém, que os professores, com a parceria dos coordenadores pedagógicos e diretores das escolas, tenham espaços de formação interna garantidos. Nesses espaços, podem trazer registros de sua prática com os alunos para serem discutidos e aprofundados, podem ler textos teóricos para estudar e relacionar com as questões que vivem na prática, podem analisar livros de literatura para explorar suas possibilidades de mediação, planejar juntos roteiros para realizar as leituras para os alunos etc. A leitura literária na escola, portanto, precisa ter objetivo e práticas pedagógicas bem definidas que não devem ser confundidos simplesmente com o ensinar um conteúdo sobre a literatura, nem com uma simples atividade de lazer. Assim como é preciso superar a dicotomia da divisão ente leitura ilustrada e leitura aplicada em favor da presença de ambas na formação do leitor, também é preciso que se supere a oposição entre ensinar e mediar em favor da aprendizagem da leitura literária. Só assim , como também indicam as epígrafes de Leah y-Dios (2000) e Paulino (2001), teremos um professor que ao ser mediador ensina e ao ser professor media, desenvolvendo a competência literária de seus alunos dentro de uma comunidade de leitores que elabora, recria, debate, enfrenta, questiona, adota, refunde e inventa na sala de aula e na escola os modos de ser e estar no mundo. 32 7. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1981. COELHO, Jacinto Prado. Ao contrário de Penélope. Venda Nova: Bertrand, 1976. COSSON, Rildo. A seleção de textos literários em três modos de ler. In: MACHADO, Maria Zélia Versiani; PAIVA, Aparecida; MARTINS, Aracy; PAULINO, Graça. (Orgs.). Escolhas (literárias) em jogo. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica Editora, 2009. CHARTIER, Roger. Práticas da leitura. Trad. Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. FILIPOUSKI, Ana Maria Ribeiro. Para que ler literatura na escola? In: ______. Teorias e fazeres na escola em mudança. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2005. PAULINO, Graça. Algumas especificidades da leitura literária. In: MACHADO, Maria Zélia Versiani; PAIVA, Aparecida; MARTINS, Aracy; PAULINO, Graça. (Orgs.). Leituras literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005. SCHOLES, Robert. Protocolos de leitura. Lisboa: Edições 70, 1991.
Compartilhar