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Planejamento Ambiental Créditos Centro Universitário Senac São Paulo – Educação Superior a Distância Diretor Regional Luiz Francisco de Assis Salgado Superintendente Universitário e de Desenvolvimento Luiz Carlos Dourado Reitor Sidney Zaganin Latorre Diretor de Graduação Eduardo Mazzaferro Ehlers Diretor de Pós-Graduação e Extensão Daniel Garcia Correa Gerentes de Desenvolvimento Claudio Luiz de Souza Silva Luciana Bon Duarte Roland Anton Zottele Sandra Regina Mattos Abreu de Freitas Coordenadora de Desenvolvimento Tecnologias Aplicadas à Educação Regina Helena Ribeiro Coordenador de Operação Educação a Distância Alcir Vilela Junior Professoras Autoras Daniela Tunes Zilio Maria Lúcia Ramos Bellenzani Revisor Técnico Renato Arnaldo Tagnin Técnicas de Desenvolvimento Mônica Aparecida Medina de Araujo Cláudia de La Fuente Alves Coordenadoras Pedagógicas Ariádiny Carolina Brasileiro Silva Izabella Saadi Cerutti Leal Reis Nivia Pereira Maseri de Moraes Otacília da Paz Pereira Equipe de Design Educacional Alexsandra Cristiane Santos da Silva Ana Claudia Neif Sanches Yasuraoka Angélica Lúcia Kanô Antonia Monique Dos Santos Silva Mendes Any Frida Silva Paula Cristina Yurie Takahashi Diogo Maxwell Santos Felizardo Flaviana Neri Francisco Shoiti Tanaka Gizele Laranjeira de Oliveira Sepulvida Hágara Rosa da Cunha Araújo Janandrea Nelci do Espirito Santo Jackeline Duarte Kodaira João Francisco Correia de Souza Juliana Quitério Lopez Salvaia Jussara Cristina Cubbo Kamila Harumi Sakurai Simões Katya Martinez Almeida Lilian Brito Santos Luciana Marcheze Miguel Mariana Valeria Gulin Melcon Mônica Maria Penalber de Menezes Mônica Rodrigues dos Santos Nathália Barros de Souza Santos Rivia Lima Garcia Sueli Brianezi Carvalho Thiago Martins Navarro Wallace Roberto Bernardo Equipe de Qualidade Ana Paula Pigossi Papalia Josivaldo Petronilo da Silva Katia Aparecida Nascimento Passos Coordenador Multimídia e Audiovisual Ricardo Regis Untem Equipe de Design Audiovisual Adriana Mitsue Matsuda Caio Souza Santos Camila Lazaresko Madrid Carlos Eduardo Toshiaki Kokubo Christian Ratajczyk Puig Danilo Dos Santos Netto Hugo Naoto Takizawa Ferreira Inácio de Assis Bento Nehme Karina de Morais Vaz Bonna Marcela Burgarelli Corrente Marcio Rodrigo dos Reis Renan Ferreira Alves Renata Mendes Ribeiro Thalita de Cassia Mendasoli Gavetti Thamires Lopes de Castro Vandré Luiz dos Santos Victor Giriotas Marçon William Mordoch Equipe de Design Multimídia Alexandre Lemes da Silva Cristiane Marinho de Souza Elina Naomi Sakurabu Emília Correa Abreu Fernando Eduardo Castro da Silva Mayra Aoki Aniya Michel Iuiti Navarro Moreno Renan Carlos Nunes De Souza Rodrigo Benites Gonçalves da Silva Wagner Ferri Planejamento Ambiental Aula 01 O que estamos enfrentando / Qual é a situação? / O Antropoceno / Indicadores da situação Objetivos Específicos • O que estamos enfrentando / Qual é a situação? / O Antropoceno / Indicadores da situação (pegada ecológica, pegada hídrica, pegada de carbono, índice de planeta vivo). Temas Introdução 1 Planejamento: um breve histórico 2 Definições, objetivos e tipologias do planejamento 3 Planejamento ambiental e instrumentos de gestão ambiental Considerações finais Referências Daniela Tunes Zilio Maria Lúcia Ramos Bellenzani Professoras Autoras Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 3 Introdução Olá! Nesta aula você irá explorar um breve panorama histórico para conhecer o planejamento e o planejamento ambiental como instrumentos de mudança da realidade. Poderá ao final desta aula diferenciar o planejamento do planejamento ambiental e relacioná- lo à gestão ambiental. Além disso, poderá compreender de modo mais amplo a relevância do planejamento ambiental no atual contexto social e econômico do planeta. 1 Planejamento: um breve histórico Parte significativa da literatura sobre o tema aborda o planejamento – e mais especificamente o planejamento ambiental – como algo pertencente exclusivamente à racionalidade da sociedade contemporânea. Essa abordagem muitas vezes é justificada pela necessidade de compreender um recorte próximo, imediato e objetivo sobre as bases do pensamento moderno que trata sobre o tema. Todavia, é preciso resgatar que a atividade de planejar faz parte das estratégias de organização social e territorial dos grupos humanos desde os tempos mais remotos. É necessário dar ênfase a esse entendimento espacial e histórico sobre as diferentes formas como as sociedades humanas planejaram e viveram o território, com suas respectivas organizações sociais, pois essa é uma das alternativas para buscar pensamentos divergentes e diversos, garantindo uma retomada de modos mais ajustados de pensar a sociedade como algo dentro da natureza e não como uma estrutura acima e em seu comando. Somos animais que planejam? O Homo Sapiens há cerca de 70 mil anos passou por uma revolução cognitiva que lhe permitiu compartilhar seus planos com seus pares. Seria esse o berço rudimentar do planejamento? Essa mudança na mente dos humanos permitiu que estes pudessem criar realidades imaginadas e compartilhá-las com seus grupos de modo mais elaborado, eficiente e complexo (HARARI, 2016). A partir desta nova habilidade de imaginar, compartilhar o que estava imaginando, criar coisas novas que não existiam até então no mundo concreto, foi possível com o tempo buscar soluções cada vez mais elaboradas para aquilo que se apresentava como ameaça ou desafio para a sobrevivência dos grupos humanos. A partir desta revolução podemos pensar nas sociedades humanas como pertencentes a uma ordem natural (objetiva) e uma social (realidade imaginada) que permitiriam intervir nos territórios, adaptando-os, modificando-os, recriando o mundo concreto e a própria realidade objetiva. A ordem natural (ou primeira natureza) se refere àquilo que não sofreu interferência humana e pode ser exemplificada pela quantidade de chuva, a quantidade de insolação numa localidade, a vegetação, os oceanos, os rios, a biodiversidade, entre outras coisas. Sobre essa natureza primeira, nossas sociedades criaram formas de produzir, planejar e se organizar que foram se sobrepondo e criando uma segunda natureza, a social, com suas regras, processos e culturas. Assim, o espaço que planejamos possui uma sobreposição Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 4 dessas duas ordens (primeira natureza e natureza social), criando uma multiplicidade das formas de viver e estar no mundo. Essas duas ordens dialogam, por exemplo, o tempo todo quando definimos como, quando, quanto devemos usar, distribuir, produzir para nossas sociedades se manterem nos seus territórios. Em tempos mais remotos, esse diálogo entre as duas ordens (natureza primeira ou natural e segunda natureza ou social) ocorria de modo mais pontual e fragmentado. Cada sociedade poderia ter uma organização social que daria respostas ajustadas ao seu conhecimento do meio natural. O conhecimento dos processos da primeira natureza era fundamental para que essas sociedades se mantivessem em condições funcionais. Muitos traços da cultura – parte da natureza segunda -- poderiam manifestar referências a essa relação de conhecimento das interdependências sociedade-- natureza em cada região, em cada localidade. Eram sociedades que, caso se distanciassem do conhecimento dos processos naturais, poderiam estar rapidamente condenadas ao fim. À medida que a humanidade foi desenvolvendo diferentes técnicas e formas de controlar os riscos associados à interdependência direta dos ciclos da natureza – a começar pela sedentarização das populações e o desenvolvimento da agricultura, passando pelo controle da dinâmica das águas, entre outras grandes mudanças da forma de produzir para as sociedades –, as culturas foram se afastando gradativamente dessa visão de interdependência da natureza primeira.Fator esse que ocasionou uma ruptura e uma visão equivocada de que é possível subjugar e controlar a natureza, ignorando a complexidade de interação dos fatores num planeta cada vez mais integrado. Num primeiro momento, do ponto de vista histórico e geográfico, a sedentarização com agricultura, a posterior ascensão das aglomerações urbanas, juntamente com a mudança qualitativa que essa forma de vida trouxe às populações ao redor do mundo, são fortes marcos de que a possibilidade de planejar permitiria controlar riscos e incertezas, criando ambientes mais controlados pela lógica humana. Outro momento histórico relevante para o afastamento da percepção de limites impostos pelas condições ambientais foi o período das Grandes Navegações. Houve neste período a ampliação da transferência de recursos naturais em larga escala para países do capitalismo central. Esse processo de expansão do capitalismo sobre as diversas outras sociedades organizadas em diferentes bases gerou por séculos uma perspectiva enganosa de recursos naturais infinitos para alguns países e ao mesmo tempo buscou invisibilizar os resultados dessa superexploração em outras partes do globo. Os países do capitalismo central sentiriam de forma mais aguda os efeitos da modernização durante as mudanças ocorridas em seus territórios a partir das consecutivas ondas de revoluções industriais e do aumento das aglomerações urbanas, já no final do século XVIII e no século XIX. É nesse contexto que o planejamento se tornará um corpo cada vez mais sistematizado de conhecimento, nos moldes da cultura ocidental contemporânea. Foi com o avanço no uso de novas fontes de energia e transporte, ocorridas a partir do século XIX, que se consolida uma integração acelerada dos espaços de produção e consumo, subjugando num nível mais profundo os espaços naturais, que são, sob essa visão produtivista, Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 5 reduzidos à perspectiva estreita de um único modo de produzir a vida social e econômica com base no aumento exponencial da distribuição (desigual) dos custos ambientais e do aumento do consumo. Sobre a emergência do planejamento, Rattner (1979) reforça que o conceito de planejamento ganhou destaque precisamente com a emergência em grande escala dos fenômenos de industrialização e urbanização. Esse autor adverte que, quando orientados para ação a fim de tornar concretos os modelos e dinâmicas pensados no ato de planejar, tais procedimentos vão sendo definidos a partir de determinados valores que permitem transparecer a visão do grupo ou pessoa que os planejou. Atingimos agora, no século XXI, um estágio de integração que globalizou a produção, circulação de bens, produtos e serviços, aprofundando a desconexão da sociedade com a natureza, gerando um processo de transferências de degradação social, ambiental e ônus sem precedentes, colocando em xeque o próprio modelo de desenvolvimento adotado. Beck (2010) destaca que vivemos numa sociedade que deseja cada vez mais controlar determinados riscos sem considerar uma visão mais ampla dos problemas, e acabamos por criar riscos de magnitudes cada vez maiores. Importante destacar que nossa sociedade não chegou à atual crise climática e ambiental por não ter planejamento, mas sim por realizá-lo com base em uma visão antrópica que não considerou os limites e a capacidade de suporte do meio natural. A realidade é que os fundamentos do planejamento que se destacou nos últimos séculos – e que persiste em abordagens de várias frentes ainda hoje – são carregados da visão que ignora os processos e fatores naturais, bem como seus limites e consequências relacionadas ao uso e exaustão da qualidade ambiental. Assim, outras formas de planejar estão emergindo para dar respostas ao desafio planetário contemporâneo. Vamos ver na prática os efeitos das ações humanas em diferentes situações de intervenções diretas e indiretas atuais? Observe as imagens orbitais multitemporais do Google Engine na midiateca. 2 Definições, objetivos e tipologias do planejamento Pensemos inicialmente na definição geral da palavra “planejar” ou seu equivalente “planear”. A palavra remete ao ato de criar ou elaborar um plano; programar, projetar, ter como intenção. De modo prático, “planejamento nada mais é do que um modelo teórico para Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 6 a ação. Propõe organizar racionalmente determinada realidade a partir de hipóteses lançadas sobre ela” (MINDLIN, 2001). Para Franco (2001), a maioria dos planejamentos realizados no século XX tiveram valores que deixavam transparecer uma visão de que o crescimento econômico seria ilimitado, não se preocupando com os processos ecológicos dos quais o sistema econômico e social dependia. Uma das críticas mais comuns aos modelos de planejamento no século XX foi o foco bastante tecnocrático e elitista. Tecnocracia: sistema de organização política e social fundado na supremacia dos técnicos. Pode enviesar-se numa visão enganosa de pretensa neutralidade da visão dos técnicos, alegando foco apenas no interesse público, mesmo que não seja garantida a participação da visão de diversos agentes sociais nos processos de planejamento. Jorge (2007), ao avaliar o contexto brasileiro, considera que o planejamento que tem como base o ordenamento do território em suas diferentes escalas (local, regional, nacional) está inevitavelmente vinculado ao Estado ou à Federação. E exemplifica: “o planejamento local e regional pressupõe uma política no âmbito nacional” (Ibid., p. 755). Independentemente se a qualificação de sua aplicação é para espaços urbanos, orientada a área ambiental, estratégica ou outras tipologias de planejamento. Essa condição de subordinação da atividade ao Estado decorre da relação entre estruturas institucionais, normas, leis que orientam o planejamento. Consequentemente para o autor, todo conceito de planejamento tem um caráter político de que não se deve esquivar. Ribeiro (2007) destaca o caráter instrumental de intervenção do planejamento quando reforça que esse se baseia na promulgação de normas concretas de uso, monitoramento e controle das atividades e processos da vida sobre o território. A autora ainda evidencia o caráter multi-interdisciplinar que o planejamento possui enquanto campo de atuação sobre a realidade. A maneira mais descomplicada de definir planejamento é considerando-o “um meio sistemático de determinar o estágio em que você está, onde deseja chegar e qual o melhor caminho para chegar lá” (SANTOS, 2009, p. 23). A autora, ao compilar a essência de várias definições de planejamento, destaca que “é um processo contínuo que envolve a coleta, organização e análise sistematizada das informações, por meio de procedimentos e métodos, para chegar a decisões e escolhas acerca das melhores alternativas para aproveitamento dos recursos disponíveis“ (Ibid., p. 24). Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 7 Sousa (2009, p. 25) destaca que o planejamento pode apresentar diferentes tipologias. Na forma mais simplificada, são apresentadas duas tipologias de planejamento: o tradicional ou tecnológico, e o ambiental ou ecológico. Mas há outras formas de agregação e sistematização. Destacam-se a tipologia mais usual, que usa adjetivos para orientar o tema (ex. rural, urbano); dentro desta há tipologias que adjetivam a abrangência espacial (ex. bacia hidrográfica, estadual, área pontual). E por fim há a tipologia de abrangência operacional ou de ação – projeto, atividade, setores –; como exemplo, podemos citar planos setoriais ou de áreas integradas Agora que você explorou definições, conceitos e tipologias de planejamento, vamos embarcar no planejamento ambiental e nos instrumentos de gestão ambiental como fomentadores de desenvolvimento sustentável? 3 Planejamento ambiental e instrumentos de gestão ambiental Podemos encontrar experiênciasde planejamento que consideram questões de recursos naturais ou elementos naturais como componentes do planejamento de forma esporádica, em diferentes sociedades, em diferentes momentos históricos. Como exemplo, quase um século após a Revolução Industrial, o movimento romântico refletiu uma expressão social de cunho ambiental que se ocupou, entre outros temas, do saneamento. Assim como entre as décadas de 1930 e 1940 cresceu o uso de bacias hidrográficas como unidades de planejamento (SOUZA, 2009, p. 17). Entretanto, o planejamento emerge de modo mais disperso espacialmente após o período de guerras mundiais do século XX, movido pela tentativa de recuperação da economia mundial. Esse planejamento teve características de aplicação setoriais e se apoiou numa visão estritamente economicista. Tal modelo de planejamento levaria à expansão de impactos diversos ao meio ambiente, ou melhor, à maior percepção desses impactos, especialmente nos países centrais do capitalismo. É neste contexto que, a partir da década de 1960, inicia-se a construção das bases para um planejamento qualificado como ambiental, “que tem por base combinar ações de preservação, conservação e recuperação ambiental em diferentes níveis de intensidade e escalas territoriais com o intuito de regular as ações humanas nos ecossistemas” (FRANCO, 2001). A autora ainda define que “Planejamento ambiental é todo planejamento que parte do princípio de valoração e conservação das bases naturais de um dado território com base na autossustentação da vida e das interações que a mantém, ou seja, das relações ecossistêmicas” (FRANCO, op. cit., p. 35). Santos (2004, p. 28) define o planejamento ambiental como aquele que se orienta e se constitui a partir da “adequação de ações à potencialidade, vocação local e sua capacidade de suporte, buscando o desenvolvimento harmônico da região e a manutenção da qualidade do ambiente físico, biológico e social“. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 8 Considerando esse panorama anteriormente exposto sobre planejamento e, mais especificamente, planejamento ambiental, podemos concluir que há na literatura especializada muitas definições de planejamento ambiental, em diferentes contextos de ações e práticas. Contudo, podemos afirmar com base em Franco (2001) que o objetivo central do planejamento ambiental é buscar um desenvolvimento humano assentado em uma nova ética e visão de economia de longo prazo. Para tanto, essa perspectiva de planejamento foca a minimização do consumo de matérias e energia, a redução de impactos ambientais e riscos ambientais. Seja nos agroecossistemas ou nos ecossistemas urbanos -- com suas redes e cidades. Como objetivo, o planejamento ambiental visa perseguir o ideário do desenvolvimento sustentável. Cabe aqui resgatar o conceito atual definido pela ONU, que considera desenvolvimento sustentável como o modelo que prevê a integração entre economia, sociedade e meio ambiente. Ou seja, é a noção de que o desenvolvimento econômico deve levar em consideração: a inclusão social e a proteção ambiental. Entretanto, segundo Santos (2004), a compatibilidade entre desenvolvimento e sustentabilidade é questionável. Para ela, o desenvolvimento sustentável sem mudança do paradigma de desenvolvimento do mundo é praticamente impossível. A sustentabilidade (sobretudo a sua dimensão social), diante das desigualdades socioterritoriais que existem, é uma utopia. Cabe aqui destacar certa diferença entre os termos planejamento e gestão, que muitas vezes são utilizados como sinônimos nos diálogos atuais sobre ordenação dos territórios e tomadas de decisões. Sousa (2003), ao tratar de questões urbanas, critica a falta de clareza ao utilizar o termo gestão como um sucessor do termo planejamento, já que isso pode ter consequências diretas sobre as realidades, uma vez que carregam em si ações diferenciadas. Enquanto o planejamento refere-se a “simular os desdobramentos de um processo, com o objetivo de melhor precaver-se contra prováveis problemas ou, inversamente, com o fito de tirar melhor partido” (SOUSA, op. cit., p. 170), a gestão estaria mais direcionada para “a administração dos recursos e das relações de poder aqui e agora” (SOUSA, op. cit., p. 171). Desse modo, a diferença estaria, segundo o autor, baseada na perspectiva temporal de ações mais imediatas (gestão) para aquelas que prepararão o terreno da gestão no futuro (o planejamento). Essa diferença torna as atividades ligadas a cada um dos termos bastante distintas, e confundi-las ou usá-las como sinônimas pode causar sérias distorções de resultados. Santos (2004) considera que gestão e planejamento estão interligados e que operam como complementares. Nessa perspectiva (figura 1), a gestão ambiental é orientada pelo quadro legal e jurídico das políticas ambientais, que devem por sua vez estar contempladas no planejamento ambiental que será executado durante o gerenciamento e gestão ambiental. Assim, para a autora, a gestão ambiental é a integração entre planejamento, gerenciamento e a política ambiental (ibid., p. 27). Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 9 Figura 1 POLÍTICAS AMBIENTAIS GERENCIAMENTO AMBIENTAL GESTÃO AMBIENTAL PLANEJAMENTO AMBIENTAL Elaborado com base em SANTOS (2004, p. 17). Considerações finais Neste capítulo introdutório, você pôde conhecer um panorama da evolução das sociedades humanas e observar que o planejamento como campo do conhecimento humano passou em seus primórdios de uma forma mais fragmentada, dispersa e diversa para um conhecimento estruturado e sistematizado no século XX, pautado em dogmas econômicos. Entramos no século XXI com o desafio de não somente consolidar o planejamento ambiental como um paradigma, mas também torná-lo uma ferramenta cada vez mais eficiente em projetar futuros com base em paradigmas ambientais. Você também pode explorar definições, conceitos e observar algumas tipologias de planejamento, notando que as qualificações ou adjetivações associadas à palavra conceito podem variar por temas, abrangências espaciais, abrangências operacionais, natureza dos objetivos, ou, numa classificação mais simplificada, serem diferenciados entre os tradicionais ou ecológicos, ora qualificados por questões de escala da intervenção (local, regional, nacional), ora qualificados por adjetivações do foco de intervenção como urbano, rural, setorial, estratégico. Além de compreender as relações entre planejamento ambiental, gestão ambiental e a importância destes para alcançarmos o desenvolvimento sustentável. Referências BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2013. COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO (CETESB). Instrumentos de gestão ambiental pública. São Paulo, 2017, 98p. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/wp-content/ uploads/2017/09/Apostila-Instrumentos-de-Gest%C3%A3o-Ambiental-P%C3%BAblica.pdf Acesso em: 22 set. 2021. FRANCO, Maria Assunção Ribeiro. Planejamento ambiental para a cidade sustentável. São Paulo: Annablume, 2001. p. 15-34. GUERRA, Fabio Soares. Planejamento e gestão ambiental: concepções teóricas – perspectivas práticas. XVIII SBGFA, Fortaleza/CE, UFC, 2019. Disponível em: http://www.editora.ufc.br/ images/imagens/pdf/geografia-fisica-e-as-mudancas-globais/143.pdf. Acesso em: 30 ago. 2021. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 10 JORGE, Wilson Edson. Política e planejamento territorial. In: PHILLIPI JUNIOR, Arlindo; ROMERO, Marcelo de Andrade; BRUNA, Gilda Colle. Curso de gestão ambiental. São Paulo: Manole, 2007. p.737-758. HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Porto Alegre: Editora L&PM, 2020. MINDLIN, Betty. Planejamento no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva. 2001. RATTNER, Henrique. Planejamento e bem-estar social. São Paulo: Editora Perspectiva, 1979. RIBEIRO, Helena. Estudo de impacto comoinstrumento de planejamento. In: PHILLIPI JUNIOR, Arlindo; ROMERO, Marcelo de Andrade; BRUNA, Gilda Colle. Curso de gestão ambiental. São Paulo: Manole, 2007. p. 759-761. SOARES, Sebastião Roberto. Gestão e planejamento ambiental. UFSC. Florianópolis/SC. (material didático) 2006, 136p. Disponível em: https://pt.slideshare.net/materiaissustentabilidade/gesto- e-planejamento-ambiental. Acesso em: 22 set. 2021. SOUSA, Marcelo Lopes. Mudar a cidade: uma crítica ao planejamento e à gestão urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. SANTOS, Rosely Ferreira dos. Planejamento e desenvolvimento sustentável. In: SANTOS, R. F. Planejamento ambiental: Teoria e Prática. São Paulo: Oficina de Textos, 2004. p. 18 – 30. Planejamento Ambiental Aula 02 Planejamento e diagnóstico ambiental: riscos e limites planetários, tendências e cenários atuais da utilização dos recursos naturais no nível global e a crise socioambiental Objetivos Específicos • Entender os principais prognósticos, os cenários e as tendências globais – Antropoceno, limites do planeta, serviços ecossistêmicos, mudanças climáticas – como informações e dados de diagnóstico para a tomada de decisão no planejamento. Temas Introdução 1 O aquecimento global e as mudanças climáticas 2 Limites planetários, sinergias e realimentações Considerações finais Referências Daniela Tunes Zilio Maria Lúcia Ramos Bellenzani Professoras Autoras Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 2 Introdução Nesta aula, abordaremos as ameaças das perturbações provocadas pelas atividades humanas sobre os ciclos biogeoquímicos, compreendendo como essas alterações impostas impactam as dinâmicas e os processos que sustentam a vida no planeta. Analisaremos, a partir das alterações dos ciclos biogeoquímicos, especialmente a do ciclo do carbono, os efeitos do aquecimento global e consequentemente das mudanças climáticas, com foco nas interfaces ambientais, sociais e econômicas. Serão abordados os cenários e as tendências mundiais propostos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) em seu último relatório, bem como de seus possíveis efeitos sobre o Brasil. 1 O aquecimento global e as mudanças climáticas O clima do planeta sempre mudou ao longo do tempo geológico. Desde muito antes do surgimento da humanidade, ocorreram períodos gélidos (as glaciações), seguidos de períodos mais quentes. Embora a ciência por algum tempo não tenha tido registros do passado remoto (pelo menos, não com a mesma acurácia dos registros recentes), hoje há evidências de que a flutuação natural da temperatura está dando lugar a um aquecimento mais rápido induzido pela ação humana, devido ao significativo aumento do efeito estufa, com sérias consequências para a estabilidade do clima no planeta. Para Costa (2015), climatologista da Universidade Federal do Ceará: [...] é preciso retroceder pelo menos 3 milhões de anos no tempo para encontrar, na história geológica do nosso planeta, concentrações de CO2 tão altas quanto as de hoje. E o estado do planeta era outro, então: temperaturas globais alguns graus acima, oceanos vários metros mais altos, provável ausência de manto de gelo permanente no Ártico, padrões de chuva e seca bastante distintos dos atuais. (COSTA, 2015, p. 1). Efeito estufa é um processo natural em que a atmosfera conserva parte da energia solar que é recebida pela superfície da Terra e irradiada de volta para o espaço. Os gases atmosféricos absorvem parte dessa energia e a reemitem em todas as direções, aquecendo a baixa atmosfera e a superfície do planeta. Sem esse efeito, a vida no planeta seria impossível. O mais importante dos gases de efeito estufa (GEE) é o vapor d’água, cujas concentrações têm se mantido relativamente estáveis. Outros relevantes são o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso. Contudo, houve um aumento acelerado das emissões desses gases nas últimas décadas – seja em processos para geração de energia, nos processos industriais, pela queima de combustíveis fósseis utilizada nos meios de transporte –, o que faz com que esse fenômeno se intensifique. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 3 Para saber mais sobre efeito estufa e mudanças climáticas acesse a midiateca. Figura 1 – Emissão de gases de efeito estufa Uma das principais causas do aumento da concentração de CO2 na atmosfera é a queima de combustíveis fósseis para a produção industrial e para o transporte. O automóvel é o responsável pela maior emissão de GEE per capita dentre os meios de transportes. Já no relatório emitido em 2013 pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (Intergovernamental Panel on Climate Change – IPCC)1, havia estimativas de que desde a Revolução Industrial, em meados do século XVIII, ocorreu um acréscimo de mais de 30% dos níveis de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, fazendo com que sua concentração fosse maior do que em qualquer outro momento nos últimos 800 mil anos. Isso porque emitimos uma quantidade cada vez maior de CO2 e dificultamos os meios naturais de sua absorção. Boa parte dos estoques de carbono na natureza estavam imobilizados nas reservas de petróleo, gás natural e carvão mineral. Ao extraí-los das profundezas do planeta e lançá- los na atmosfera, aumentamos sua presença nesse compartimento ambiental de forma artificial. A absorção desses gases na atmosfera, especialmente do dióxido de carbono, é feita pelo metabolismo das florestas, por retenção nos solos saudáveis e nos oceanos com a ação de micro-organismos. Contudo, temos ampliado o processo de degradação dos sistemas capazes de absorver esses gases. Assim, a capacidade de resiliência do planeta é afetada pelo modelo energético baseado na queima de combustíveis fósseis e agravado pela degradação dos processos naturais capazes de mitigá-los. 1 O IPCC (sigla em inglês) é conhecido no Brasil como Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. A entidade foi criada em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). O trabalho central do IPCC é elaborar relatórios com a síntese do melhor conhecimento científico sobre mudanças climáticas para orientar os formuladores de políticas. (Fonte: https://www.ipcc.ch/about/history/) Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 4 Fundamentados no Acordo de Paris (COP 21) em 2015, mais de 190 países se comprometeram a reduzir as emissões de GEE. Na ocasião, a meta mais segura apresentada era manter a temperatura global no máximo 2°C em relação ao período pré-industrial, sendo mais seguro o limiar máximo de 1,5°C. Resiliência é a capacidade de responder positivamente às mudanças. Em ecologia, resiliência (ou estabilidade de resiliência), segundo o conceito cunhado pelo biólogo C. S. Holling na década de 1970, é a capacidade de um sistema restabelecer seu equilíbrio após este ter sido rompido por um distúrbio, ou seja, sua capacidade de recuperação (TORRES, 2011). No relatório do IPCC denominado AR6 Mudanças Climáticas 2021: a base das ciências físicas, apresentado em agosto de 2021, o cenário de 1,5°C ainda é considerado o limiar mais seguro. Contudo, o relatório aponta que com os atuais ritmos de emissões de GEE já estamos muito próximos de romper esse limiar de 1,5°C, comprometendo significativamente a vida no planeta tal como a conhecemos hoje. Entre as demais conclusões desse relatório, que foi a base dos diálogos durante a COP 26, sediada na cidade de Glasgow, Escócia (2021), o IPCC pela primeira vez afirmou que não há dúvidas sobre a contribuição humana por meio de emissão de GEE como causa do aquecimento global; apontou que em 2019 as concentrações de CO2 foram as mais altas registradas nos últimos 2 milhões de anos; também alertou que as mudanças climáticas não são futuras, demonstrando que elas já ocorrem por todasas regiões do globo e em ritmo acelerado. Houve ainda menções diretas sobre a necessidade de controle de outros GEE, apontando especialmente o impacto da emissão de metano, associado entre outros processos à agropecuária e à produção de combustíveis fósseis. O IPCC desenvolveu cinco diferentes projeções de emissões de gases de efeito estufa nesse último relatório para projetar quanto tempo temos para agir e quais as consequências que enfrentaremos se não nos esforçarmos o suficiente. Dois cenários se baseiam em estimativas de emissões mais baixas e suas consequências (SSP1-1,9 e SSP1-2,6), um de emissões médias (SSP2-4,5) e dois cenários de altas emissões (SSP3-7 e SSP5-8,5). Contudo, o relatório reitera que quanto mais altas as taxas de emissões, mais rapidamente cruzaremos o limite de aquecimento de 1,5°C, no qual já enfrentaremos consequências irreversíveis. Com exceção de um dos horizontes, com as emissões mais baixas (SSP1-1,9), todas as demais projeções indicam que cruzaremos o limiar crítico entre 2021 e 2040. Nas simulações, considerando as maiores emissões de GEE, nesse quadro dobraríamos as taxas de GEE até 2100 em relação à atual, e a temperatura poderia subir entre 3,4°C e 5,7°C até o final do século. Nesse cenário, o atual processo de aumento do nível dos oceanos seria ainda mais acelerado. As consequências também se agravariam com o aumento de frequência de eventos extremos em todo o globo. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 5 Entre esses eventos, podemos citar as ondas de calor, tempestades, inundações, incêndios naturais, reduções de áreas de cultivo, perda de biodiversidade nos ambientes terrestres e aquáticos e alterações do ciclo da água. Historicamente, os maiores emissores de gases de efeito estufa são os países desenvolvidos, sobretudo os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental. Isso porque foram os primeiros a se industrializar e utilizam como matriz energética principal o carvão e o petróleo, além de terem padrões de consumo que contribuem para o aumento de emissões de GEE. No relatório Lacunas de emissões (Emissions Gap Report), de 2020, publicado pela ONU, a avaliação do período de uma década, incluindo o período inicial da covid 19, aponta um crescimento médio de 1,4% ao ano de emissões de GEE, ocorrendo de modo relativamente concentrado em poucos países. O relatório aponta que na última década os quatro principais grupos emissores foram China, Estados Unidos, União Europeia + Reino Unido e Índia, sendo que esse grupo de países contribuiu com 55% do total de emissões de GEE no período. Outro relevante ponto do documento é o que indica o grau de concentração das emissões de GEE, mostrando que as emissões de 1% da população global mais rica equivalem a mais do que o dobro da parcela combinada de emissões de GEE dos 50% mais pobres do mundo, e que é preciso levar essa desigualdade em consideração e reenquadrar o significado de progresso e riqueza como acumulação de renda ou uso intensivo de energia para alcançar o bem-estar e qualidade de vida. O Brasil aparece no relatório de lacunas de emissões dentro dos estudos sobre o grupo G20. Os dados indicam o país como um entre os que ficaram aquém dos compromissos assumidos internacionalmente para a redução de GEE no período, sendo as mudanças de uso da terra uma das grandes responsáveis pela lacuna de onde poderíamos estar e onde realmente estamos. Assim, observa-se também que os efeitos das mudanças climáticas não serão igualmente repartidos entre todos os habitantes do planeta, mas segundo suas diferenças socioterritoriais. As populações do Sul global estão sob forte injustiça ambiental se considerados os padrões de emissões de GEE desses países e os riscos que os afetarão com as mudanças climáticas. O estudo realizado por Ware e Kramer (2019) intitulado Hunger strike: the climate and food vulnerability index”, em tradução livre Greve de fome: índice de vulnerabilidade climática e alimentar, apontou que os países que menos contribuem para as emissões de GEE são os que mais sofrem com os efeitos de mudanças climáticas. No Sul global, as populações dependem da agricultura, especialmente de agricultura de pequena escala, e são mais vulneráveis a condições climáticas extremas, tais como secas ou inundações. Nesse estudo os autores demostram que os dez países com maior nível de insegurança alimentar são os que emitem menos de meia tonelada per capita de GEE. Em contrapartida, países como Rússia, Estados Unidos e Arábia Saudita têm emissões de 12,3; 15,7 e 19,4 toneladas per capita respectivamente. A discussão sobre mudanças climáticas não é dissociada da política nem da economia. A redução das emissões de gases de efeito estufa requer grandes mudanças na forma de desenvolvimento que adotamos até agora, em todas as escalas, a começar por repensarmos Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 6 nossos hábitos de consumo. Isso não é do interesse das grandes corporações que dominam o mercado e a economia mundial. 1.1 Perspectivas Organismos internacionais como a ONU e o Banco Mundial ressaltam que, para limitar o aumento da temperatura da Terra a menos de 2°C, é fundamental zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2100. A meta parece inatingível, mas pode ser alcançada graças à transição energética e tecnológica rumo a práticas menos impactantes. E, é claro, desde que se comece a buscar de forma mais intensa alcançar essa meta garantindo o fortalecimento dos compromissos globais, espacialmente por parte dos países e setores que mais contribuem para as emissões de GEE. No relatório Decarbonizing development: three steps to a zero- carbon future, Fay et al. (2015) afirmavam que a meta de zero emissões é possível e, para tanto, a dependência dos combustíveis fósseis teria de cair no mínimo 70%. Contudo, até agora, os países que mais se empenharam não chegaram nem próximos dessa meta. Essa redução implica a colaboração de toda a sociedade, pois a queda do consumo de energia deverá ser generalizada, em especial nos grandes setores da atividade econômica, como transportes, indústrias e construção. É por medo dos prejuízos econômicos, nessa primeira etapa do processo, que muitos países, inclusive os mais poluidores, relutam em adotar as mudanças. A Conferência do Clima de Glasgow (COP-26), em novembro de 2021, deveria ter buscado ser mais ambiciosa nas metas e acordos, para garantir uma retomada de robustos compromissos globais que sejam condizentes com a gravidade da situação indicada pelos estudos mais atuais sobre a emergência climática. Para saber mais consulte Marengo (2006), “Mudanças climáticas globais e seus efeitos sobre a biodiversidade: caracterização do clima atual e definição das alterações climáticas para o território brasileiro ao longo do século XXI”. 2 Limites planetários, sinergias e realimentações Rockström (2009) propôs uma nova maneira de abordar os problemas ambientais globais: as fronteiras planetárias ou espaço de operação segura para a humanidade. O homem, sendo o principal agente das mudanças climáticas, ameaça desestabilizar os sistemas biogeoquímicos, que podem levar a consequências catastróficas. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 7 As fronteiras planetárias são uma forma de alcançar a sustentabilidade ao estabelecerem o limite de intervenção do homem, sem que ele comprometa o funcionamento dos sistemas terrestres. São elas: mudança climática; acidificação dos oceanos; ozônio; ciclo biogeoquímico do nitrogênio e fósforo; uso da água doce; mudanças no uso da terra; biodiversidade; poluição química; e concentração de aerossóis na atmosfera (VIOLA; FRANCHINI, 2012). Os ciclos biogeoquímicos de diversos elementos ou compostos são essenciais para a manutenção dos ecossistemas e da vida no planeta. Eles podem ser definidos como a forma como esses elementos ou compostos fluem continuamenteentre o ambiente e os seres vivos e vice-versa. Como exemplo, podemos citar os ciclos da água, do carbono, do nitrogênio e do fósforo. Acesse a midiateca para saber mais. Em outro artigo importante para o tema, Will Steffen e outros cientistas apontaram que, ao ultrapassar um limite, aumenta o risco de um Estado transferir o problema para outro, mais pobre e/ou com leis mais permissivas, prejudicando os esforços de preservação ambiental e de redução da pobreza. No extremo, até as nações ricas serão afetadas. Ele aponta ainda que quatro das nove fronteiras planetárias foram ultrapassadas: mudanças climáticas; perda da integridade da biosfera; mudança no uso da terra; e fluxos biogeoquímicos (fósforo e nitrogênio) – em 2009, eram apenas três. Os cientistas apontam que mudanças drásticas no clima e na integridade da biosfera podem levar o planeta ao colapso. O que os dois estudos apontam é que o atual sistema econômico está levando o planeta a um futuro insustentável para as próximas gerações. É preciso que os governos dos países que lideram a emissão de GEE, sobretudo os Estados Unidos e a China, mas também o Brasil e a Índia, adotem medidas drásticas além da redução das emissões de gases de efeito estufa. É preciso que esses países implementem uma Economia Verde de Baixo Carbono (EVBC), pautada na redução da emissão dos gases de efeito estufa, na proteção dos ecossistemas naturais e da biodiversidade, na diminuição do uso de fertilizantes e agrotóxicos na agricultura, na reciclagem e redução de resíduos sólidos, no estímulo ao uso de transporte coletivo e dos modais não motorizados de transporte, e no estabelecimento de sanções tributárias ao carbono emitido. E tudo isso permeado pelo combate à desigualdade social. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 8 Considerações finais Como vimos, a humanidade tem influenciado os processos naturais e impactado de maneira tão extrema o planeta que sua atuação pode ter consequências imprevisíveis. Tanto a utilização dos recursos para além de sua capacidade de recuperação (medida pela Pegada Ecológica Global, entre outros indicadores) quanto o impacto do aumento do efeito estufa podem tornar a vida na Terra insustentável mais cedo do que se imagina. Os mais pobres e mais vulneráveis provavelmente serão mais atingidos (até porque não dispõem de recursos, incluindo-se aqui governança, para a adaptação a essas mudanças), enquanto os mais ricos conviverão com um crescente contingente de “refugiados ambientais” – pessoas que perderam suas terras, seus lares e seus modos de vida. Dado o fracasso do planejamento fundamentado apenas em uma visão economicista, tendo em vista a perspectiva de colapso urbano e de escassez de recursos naturais essenciais, como a água, a vida das futuras gerações no planeta só será possível mediante o planejamento ambiental em todas as escalas, pautado por uma visão ecossistêmica, considerando três instâncias: os ecossistemas urbanos, os agroecossistemas e os ecossistemas naturais (FRANCO, 2000). Referências BRASIL. MCTIC. Estimativas anuais de gases de efeito estufa no Brasil, 4. ed., 2017. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/estimativas-anuais- de-emissoes-gee/arquivos/estimativas_4ed.pdf. Acesso em: 5 set. 2021. COSTA, Alexandre. 400 ppm de C02 – a atmosfera como lata de lixo do capital. O que você faria se soubesse o que eu sei? 8 maio 2015. Disponível em: http://oquevocefariasesoubesse. blogspot. com.br/2015/05/400-ppm-de-co2-atmosfera-da-terra-como.html. Acesso em: 15 jun. 2015. 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Mudanças climáticas globais e seus efeitos sobre a biodiversidade: caracterização do clima no Brasil – cenários e alternativas ao longo do século XXI. Brasília. MMA, 2006. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 9 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS/PROGRAMA DE MEIO AMBIENTE (ONU/PNUMA). Emissions Gap Report 2020. Disponível em: https://www.unep.org/pt-br/emissions-gap- report-2020. Acesso em: 7 set. 2021. ROCKSTRÖM, Johan et al. Planetary boundaries: exploring the safe operating space for humanity, Ecology and Society, 2009. Disponível em: https://www.ecologyandsociety.org/ vol14/iss2/art32/#:~:text=We%20propose%20a%20new%20approach,that%20humanity%20 can%20operate%20safely.&text=We%20estimate%20that%20humanity%20has,to%20the%20- global%20nitrogen%20cycle >. Acesso em: 30 set. 2021. ROSS, J. Ecogeografia do Brasil – subsídios para planejamento ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2009. SANTOS, R. F. dos. Planejamento ambiental: teoria e prática. 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Temas Introdução 1 Conferências ambientais: breve histórico 2 Acordos internacionais 3 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Considerações finais Referências Daniela Tunes Zilio Maria Lúcia Ramos Bellenzani Patrícia Martinelli Professoras Autoras Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 2 Introdução Nesta aula, convidamos você a percorrer um breve histórico das conferências ambientais da Organização das Nações Unidas (ONU) e indicadores de situação enquanto algumas das ferramentas surgidas como desdobramentos da busca por metodologias que permitam mensurar e compreender a crise planetária em diferentes frentes. Nesse percurso, vocêserá capaz ainda de identificar os principais acordos internacionais, seus objetivos e metas, além de compreender os legados dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio firmados pelas nações integrantes da ONU e de sua transição para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. 1 Conferências ambientais: breve histórico O marco inicial das preocupações da humanidade com o meio ambiente é considerado o Clube de Roma, em 1968. O relatório Limites do crescimento, publicado em 1972, expunha: Se se mantiverem as atuais tendências de crescimento da população mundial, industrialização, contaminação ambiental, produção de alimentos e esgotamento de recursos, este planeta alcançará os limites de seu crescimento nos próximos 100 anos. O resultado mais provável será um súbito e incontrolável declínio tanto da população quanto da capacidade industrial (MEADOWS et al., 1972, p. 40-41). Segundo Meadows et al. (1972), embora criticado e considerado alarmista, seu maior mérito foi iniciar um processo de debates internacionais que passaram a considerar os limites impostos pela possibilidade de esgotamento dos recursos naturais. A primeira Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente humano, conhecida por Conferência de Estocolmo, realizada pela ONU em 1972, embora não tenha sido convocada explicitamente para discutir o desenvolvimento, tornou-se um fórum de debates entre as diferentes posições dos países do Norte (desenvolvidos) e do Sul (em desenvolvimento). Estes adotaram uma postura defensiva, argumentando que a questão ambiental encobria uma ação das grandes potências para conter a industrialização dos países em desenvolvimento (MEADOWS et al., 1972). Como resultado, foi firmada a Convenção da Declaração sobre o Meio Ambiente Humano e criado o Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (PNUMA); 20 anos depois, a ONU convocou a Conferência do Rio de Janeiro, conhecida por Rio-1992 ou ECO-92, a qual envolveu Estados, terceiro setor e comunidades nas discussões sobre meio ambiente. Foi precedida pelo relatório Nosso futuro comum, ou, como ficou mais conhecido, Relatório Brundtland, de 1987, que conceituou desenvolvimento sustentável e apontou a necessidade de moldar o crescimento socioeconômico com proteção ao meio ambiente (BRAGA, 2011). Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 3 Para saber mais sobre a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, acesse o link disponível na Midiateca. A Rio-92 concentrou-se em identificar as políticas que geram os efeitos ambientais negativos (BRAGA, 2011), e concluiu que “[...] a proteção ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento, e não pode ser considerada isoladamente deste” (DECLARAÇÃO..., 1992, p. 153). O meio ambiente e o desenvolvimento são, portanto, duas faces da mesma moeda: o desenvolvimento sustentável não se constitui em um problema técnico, mas sim social e político (MEADOWS et al., 1972). Da conferência resultaram a Agenda-21 (plano de ação para o alcance do desenvolvimento sustentável), a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, uma declaração de princípios para a gestão sustentável das florestas e a Declaração do Rio. Em paralelo à conferência oficial, organizações não governamentais realizaram um importante encontro para a mobilização da sociedade civil acerca da questão ambiental. Ainda que sem valor deliberativo, intervieram nos debates e sensibilizaram a opinião pública e a mídia. Como resultado, foi adotada a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. A partir de então, iniciou-se um movimento mundial para formular uma Carta da Terra, recolhendo “[...] o que a humanidade deseja e quer para sua Casa Comum, a Terra” (BOFF, 2005, p. 1), cujo texto final foi aprovado em 2000. Conheça a Declaração do Rio, também a Carta da Terra e, para uma leitura crítica, recomendamos assistir o vídeo de Leonardo Boff; os links encontram-se disponíveis na Midiateca. Um desdobramento importante da Rio-92 foi a criação da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável (CDS), que organizou, em 2002, a Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável, em Johannesburgo, África do Sul, conhecida por Rio+10. Como resultado, a Declaração de Joanesburgo para o Desenvolvimento Sustentável e o Compromisso de Joanesburgo para o Desenvolvimento Sustentável foram insuficientes por serem vagos e carecerem de prazos. As Conferências Rio-92 e Rio+10, apesar das diferenças entre si relativas ao alcance enquanto fomentadoras de ações diretas, foram catalisadoras do desenvolvimento de ferramentas que permitiram apoio aos planejadores. Entre os desafios estavam a elaboração de Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 4 metodologias de contabilidade ambiental, que garantissem condições de análise, diagnóstico e monitoramento de temas associados a sustentabilidade por parte dos planejadores e tomadores de decisões. Nesse contexto se consolida a proposição do cálculo de Pegada Ecológica, desenvolvida em 1996 por Mathis Wackernagel e William Rees. Essa metodologia de contabilidade ambiental possibilitou compreender os limites ecológicos de regeneração planetária comparando-a com a demanda humana, convertendo conceitos complexos tais como capacidade de carga, uso de recursos, eliminação de resíduos num formato de fácil compreensão. Na esteira dessa proposição metodológica, outras se tornariam referências de contabilidade ambiental, entre elas, a pegada de carbono e a pegada hídrica. Entre as primeiras referências ao uso de metodologia de pegada de carbono voltada para a política de planejamento ambiental, podemos citar o Reino Unido, em 2001, dentro do plano de ações do governo Blair para orientar a economia para baixo consumo de carbono, incentivando as empresas do setor público a reduzirem suas emissões de GEE, como resposta ao contexto do Protocolo de Quioto (1997), que veremos mais adiante. Já a pegada hídrica, proposta pelo holandês Arjen Hoekstra em 2003, garante mensurar a quantidade de uso direto e indireto de recursos hídricos pelas pessoas, organizações, na produção de bens. Gases de efeito estufa (GEE) são resultantes da queima de combustíveis fósseis (carvão, gás mineral e derivados do petróleo). São também gerados pelo desmatamento, que tem como consequência a transferência de carbono da forma sólida para a forma gasosa pela queima da biomassa vegetal. O principal gás de efeito estufa é o dióxido de carbono (CO²). (CETESB, 2015). Essas três proposições metodológicas complementam-se no que se refere ao entendimento e mensuração da pressão exercida pela população humana e permitem analisar a desigualdade de acesso aos recursos, possibilitando orientar o planejamento para uma distribuição mais equilibrada. O atual cenário dos três indicadores da família das pegadas denota uma condição de grande desigualdade de acesso aos recursos fortemente associados aos padrões de renda e uma demanda muito superior à capacidade regenerativa dos sistemas naturais. Em 2012, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, conhecida por Rio+20, em que foram discutidas, além das questões ambientais, questões sociais, como a falta de moradia, de saneamento e as desigualdades socioambientais. Deu-se início ao processo de pactuação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 5 que deram continuidade aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos pela ONU até 2015, de que trataremos adiante. Paralelamente à conferência, foi realizada a Cúpula dos Povos, organizada por entidades da sociedade civil e movimentos sociais de vários países para discutir as causas da crise socioambiental, apresentar soluções práticas e fortalecer movimentos sociais, chamando a atenção para o poder de interferência das corporaçõese da iniciativa privada nas negociações. Ainda que as Conferências de Estocolmo-72 e Rio-92 tenham sido marcos importantes para pautar as questões socioambientais, a Rio+10 e a Rio+20 não trouxeram avanços significativos, gerando documentos mais eloquentes do que práticos. No entanto, os eventos paralelos permitiram a mobilização e conscientização da sociedade civil, interferindo nos rumos de desenvolvimento do planeta mais do que as conferências em si. O dinheiro gasto para a realização destas conferências seria mais bem empregado se fosse aplicado diretamente na resolução dos conflitos socioambientais. Você concorda? 2 Acordos internacionais 2.1 Convenção da Diversidade Biológica A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), lançada na Rio-92 e assinada por mais de 160 países, foi estruturada sobre três bases principais – a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável da biodiversidade e a repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos – e se refere à biodiversidade em três níveis: ecossistemas, espécies e recursos genéticos. Ela abrange tudo o que se refere direta ou indiretamente à biodiversidade, funcionando como arcabouço legal e político para diversas convenções e acordos ambientais mais específicos.1 Para Novaes (1992), do ponto de vista dos interesses brasileiros, a CDB foi o tema mais importante da RIO-92, “ao estabelecer a soberania dos países detentores da biodiversidade sobre esses recursos e seu direito de participar dos resultados científicos e financeiros da exploração, a convenção aprovada no Rio de Janeiro muda a relação de 1 Os mais importantes são: o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança; o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura; as Diretrizes de Bonn; as Diretrizes para o Turismo Sustentável e a Biodiversidade; os Princípios de Addis Abeba para a Utilização Sustentável da Biodiversidade; as Diretrizes para a Prevenção, Controle e Erradicação das Espécies Exóticas Invasoras; os Princípios e Diretrizes da Abordagem Ecossistêmica para a Gestão da Biodiversidade; e o Protocolo de Nagoya sobre Acesso aos Recursos Genéticos e Repartição Equitativa dos Benefícios. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 6 apropriação entre países ricos e pobres” (NOVAES, 1992, p. 83). E “não é de estranhar, portanto, a recusa obstinada dos Estados Unidos em assinar a convenção” (NOVAES, 1992, p. 83), uma vez que as empresas norte-americanas são as detentoras da maioria das patentes. Em que pesem os descompassos e desafios a serem vencidos, podemos destacar avanços relevantes sobre nossa compreensão de biodiversidade e os impactos causados pelas atividades humanas. Uma relevante ferramenta para subsidiar o planejamento ambiental e acompanhar o progresso de convenções e acordos que envolvam biodiversidade é o Índice de Planeta Vivo Global. Anualmente é lançado um relatório com o Índice de Planeta Vivo Global (LPI, na sigla em inglês), que monitora o estado de diversidade biológica global com base nas tendências populacionais de espécies de vertebrados em todo o mundo. Os dados são coletados de diversas fontes e contam com o apoio de organizações e instituições dispersas por todo o planeta. No relatório de 2019 foi sugerido que podemos estar no início do sexto evento de extinção em massa, uma vez que os ecossistemas estão se tornando cada vez mais degradados. Já em 2020, com metodologia bastante inovadora, o relatório apresenta propostas para a reversão da perda da diversidade biológica, principalmente com base na transformação do sistema alimentar moderno e restauração da biodiversidade. Para saber mais sobre a CDB, acesse o link disponível na Midiateca. 2.2 Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climáticas foi criada na Rio-92 com o objetivo de reunir países a fim de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa, podendo ser considerado o primeiro grande passo político da ONU para discutir mudanças climáticas (BRASIL, 2015). O Brasil é um dos 192 países signatários, tendo sido o primeiro a ratificá-la, em 1994. Seu princípio basilar é o de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, ou seja, todos os países signatários devem reduzir suas emissões de GEE, mas os responsáveis históricos devem fazer um esforço maior. Para tanto, foram definidas obrigações para todos os países (denominados “Partes da Convenção”) e compromissos específicos para os países desenvolvidos, que devem prestar apoio financeiro e tecnológico aos demais. Foi criado o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF)2, a fim de prover recursos para projetos dos países em desenvolvimento que gerem benefícios ambientais globais. Contudo, não foram fixados limites 2 A operacionalização do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) ficou a cargo do Banco Mundial, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 7 obrigatórios ou sanções. Em vez disso, incluiu-se o mecanismo de atualizações periódicas, os chamados protocolos, firmados pela Conferência das Partes (COP), instância responsável por avaliar, definir estratégias e traçar acordos relacionados aos objetivos da Convenção. O principal desses acordos é o Protocolo de Quioto, firmado em 1997, que definiu metas quantitativas de redução de emissões para os países desenvolvidos, responsáveis históricos pela mudança atual do clima que se comprometeram a reduzir, entre 2008 e 2012, suas emissões totais de GEE a pelo menos 5% abaixo dos níveis de 1990. Cada país desenvolvido, considerado como parte do Anexo I3, negociou a sua meta de redução para os países em desenvolvimento (chamados Partes do Não Anexo I), que incluem o Brasil, visto que foram estabelecidas medidas para que o inevitável crescimento de suas emissões fosse limitado pela introdução de medidas apropriadas. Visando ajudar os países do Anexo I a alcançar as metas, previram-se três mecanismos de flexibilização: o Comércio de Emissões (um país do Anexo I que já reduziu a emissão de GEE além da sua meta pode comercializar o excedente com países do Anexo I que não a tenham atingido); Implementação Conjunta (dois ou mais países do Anexo I implementam projetos que reduzam a emissão de GEE para posterior comercialização) e Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) (possibilita aos países em desenvolvimento vender aos desenvolvidos os créditos de projetos que estejam contribuindo para a redução das emissões de carbono). O Protocolo entrou em vigor somente em 2005, tendo em vista que para sua consolidação dependia da ratificação de pelo menos 55% do total de países membros da Convenção 4. Dentre os principais emissores de GEE, apenas os EUA não o ratificaram, o que causou grande frustração mundial quanto ao sucesso desse Protocolo. Em 2015 foi realizada a Conferência entre as partes (COP 21), em Paris. Na ocasião foi decidido que os países se comprometeriam a manter metas de aquecimento global abaixo dos 2°C, preferencialmente abaixo de 1,5°C. O Acordo foi ratificado de modo voluntário e as partes definiriam sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC sigla em inglês), bem como suas estratégias e metas para controle de emissão de GEE. Todavia, os esforços dos países não têm sido suficientes para manter tais metas. Em 2020, por exemplo, os Estados Unidos, após longa campanha, se retiraram do Acordo de Paris, retornando em 2021, após mudança de presidente e respectivas políticas de governo. O resultado desse insuficiente grau de comprometimento global pode ser compreendido pelo relatório lançado pelo IPCC em agosto de 2021, cujo conteúdo serve de base para as discussões da COP 26, sediada pela Escócia. O Relatório apontou que, se não forem feitos esforços imediatos, o limiar de 1,5°c a 2°Cserá excedido ainda neste século, com consequências desastrosas para a humanidade. 3 Os países que são as partes do Anexo I do Protocolo de Quioto são aqueles historicamente desenvolvidos, cuja industrialização se deu entre os séculos XVIII e XIX, caracterizados como os principais responsáveis pelas emissões de GEE, dentre eles os EUA, a União Europeia e os demais países da Europa, além da Austrália, Nova Zelândia e alguns países da extinta União Soviética: Rússia e Ucrânia. 4 A ratificação deveria vir dos países que fossem responsáveis por, pelo menos, 55% do total das emissões de 1990. O Brasil só o ratificou em 2002. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 8 Para saber mais sobre as COPs, conheça o Observatório do Clima, rede de organizações da sociedade civil que atua em mudanças climáticas, acesse o link disponível na Midiateca. 2.3 Convenção sobre Zonas Úmidas Mais conhecida como Convenção de Ramsar, é um tratado intergovernamental que estabelece marcos para ações nacionais e de cooperação entre países, com o objetivo de promover a conservação e o uso racional de zonas úmidas no mundo. Foi estabelecida em fevereiro de 1971, na cidade iraniana de Ramsar, com tempo de vigência indeterminado. O Brasil, com grande variedade de zonas úmidas importantes, é signatário desde 1993 e a ratificou três anos depois, o que lhe possibilitou acesso a benefícios financeiros e de cooperação técnica para promover a utilização dos recursos naturais das zonas úmidas de forma sustentável (BRASIL, 2015). As zonas úmidas prestam serviços ecossistêmicos fundamentais: além de regular o regime hídrico de vastas regiões, são fontes de biodiversidade e atendem às necessidades de água e alimentação para muitas espécies e comunidades humanas. São essenciais para conter inundações, para a recarga de aquíferos e a estabilização de zonas costeiras, além de relevantes do ponto de vista econômico, cultural e recreativo. O colapso desses serviços pode resultar em desastres ambientais com drásticas consequências econômicas e perda de vidas humanas. São importantes no processo de mitigação das mudanças climáticas, já que muitas dessas áreas são também reservatórios de carbono. Para saber mais, acesse o relatório da Convenção de Ramsar, e para acompanhar os resultados da Convenção no Brasil, acesse os links disponíveis na Midiateca. 3 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Em 2000, um compromisso foi firmado por 189 nações com o intuito de combater a extrema pobreza e outros males da sociedade, expressos nos 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Em 2015, no balanço feito pela ONU (2015) ao final do período de vigência Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 9 dos ODM foi possível avaliar que a definição de objetivos e metas para o desenvolvimento nos moldes dos ODM impulsionou grandes conquistas. Foi observada, no período de 2000 a 2015, uma redução de quase 50% nos índices de pobreza, além de se terem alcançado melhorias muito significativas nas taxas de matrículas escolares, inclusão de meninas na escola, redução de mortalidade infantil e materna, bem como controle de doenças como aids e malária. Em setembro de 2015, expirado o período de vigência dos ODM, como dito anteriormente, e tendo seu êxito reconhecido, foi lançada uma agenda ainda mais ambiciosa para o período de 2015 a 2030, aprovada por 193 líderes mundiais. Conhecida como Agenda 2030, esta lançou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que se desdobram em 169 metas. Esses objetivos e metas permitem amplo uso para orientar os diversos setores da sociedade (poder público, empresas, ongs, sociedade civil), garantindo coerência e sinergia de ações, além de monitoramento de metas a partir de seus indicadores, com vistas ao desenvolvimento sustentável. A erradicação da pobreza, o combate à desigualdade e à injustiça, e a contenção das mudanças climáticas são os principais fundamentos dessa agenda. No Brasil a implementação da agenda 2030 foi criada por força do Decreto nº 8.892, de 27/20/2016, pelo qual se define a Comissão Nacional para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável com representante do governo, sociedade civil, setor privado e outros atores interessados. Para explorar cada um dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas dimensões, acesse a Plataforma Agenda 2030 pela Midiateca. Considerações finais A partir da década de 1960, foram realizadas diversas conferências ambientais no âmbito da Organização das Nações Unidas. Foi com o relatório Limites do crescimento, elaborado pelo Clube de Roma, que a finitude dos recursos naturais necessários à vida humana no planeta passou a ser considerada. A década de 1970, com a Conferência de Estocolmo, foi marcada pela oposição entre desenvolvimento e meio ambiente, e entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Da década de 1980, firmou-se o conceito de desenvolvimento sustentável, e na década de 1990 foi realizada a Rio 92, em que foram firmados importantes tratados internacionais sobre a biodiversidade e o clima. A última conferência, em 2012, foi o maior evento mundial já realizado sobre meio ambiente e desenvolvimento, importantíssimo em termos de mobilização, mas nem tanto no que se refere aos resultados práticos. As Conferências entre a Partes (COPs) sobre o clima têm tido forte visibilidade e influência nas diretrizes de Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 10 planejamento ambiental internacional, refletindo-se nas relações internas dos países e entre eles, dadas as evidências cada vez mais alarmantes sobre a crise climática. Você pôde aprender também, neste percurso sobre ferramentas de contabilidade ambiental da família das “pegadas” ecológica, de carbono e hídrica, que são instrumentos importantes que surgiram no contexto de emergência das questões socioambientais. Esses recursos de contabilidade ambiental tornaram acessíveis e facilmente comunicáveis conceitos complexos. A partir deles, podemos realizar avaliações comparativas de realidades dos impactos causados pelas atividades humanas, bem como usá-los para orientar tomadas de decisões no enfretamento da crise ambiental. Apesar desses avanços, para alguns autores, como Arraes (2000) e Crabbé (1997), citados por Santos (2004), o desenvolvimento sustentável não corresponde a uma real mudança do paradigma de desenvolvimento que engendrou os problemas socioambientais da atualidade, cabendo ponderar se não seria apenas um discurso para perpetuar relações de poder desiguais e injustas. Nessa perspectiva, falar sobre qualidade de vida e igualdade social sem revolucionar essas relações é uma utopia inexequível. Entretanto, o desenvolvimento sustentável se mostra como um caminho de abertura para novos olhares, fomentando a busca de novas alternativas e soluções para um crescimento econômico menos excludente e desigual. Com essa reflexão, terminamos esta aula. Referências BOFF, L. A Carta da Terra: uma promessa? 2005. Disponível em: http://www.leonardoboff.com/ site/proj/carta-terra.html. Acesso em: 22 maio 2015. BRAGA, A. Tratados internacionais de meio ambiente: estatura no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2936, 16 jul. 2011. Disponível em: http://jus. com.br/artigos/19556/tratados-internacionais-de-meio-ambiente-estatura-noordenamento- juridico-brasileiro. Acesso em: 22 maio 2015. BRASIL. Convenção de Ramsar sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, especialmente como Habitat de Aves Aquáticas. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2015. Disponível em: http://www.mma.gov.br/images/arquivos/biodiversidade/biodiversidade_aquatica/zonas_ umidas/texto_convencao_ramsar.pdf. Acesso em: 11 jun. 2015. BRASIL. Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2015. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2011/11/aconvencao-quadro-das-nacoes-unidas-sobre-mudanca-do-clima. Acesso em: 22 maio 2015. DECLARAÇÃO do Rio de Janeiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 6, n. 15, p. 153-159, ago. 1992. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141992000200013. Acesso em: 21 jun. 2015. MEADOWS, D. L. et al. Limites do crescimento – um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 11 NOVAES, W. Eco-92, avanços e interrogações. Revista de Estudos Avançados, v. 6, n. 15, maio-ago. 1992. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141992000200005&script=sci_ arttext. Acesso em: 22 maio 2015. SANTOS, R. Planejamento e desenvolvimento sustentável. In: SANTOS, Rosely Ferreira dos. Planejamento ambiental: teoria e prática. São Paulo: Oficina de Textos, 2004. Planejamento Ambiental Aula 04 Principais questões socioambientais brasileiras Objetivos Específicos • Tratar da situação socioambiental brasileira – diálogo com a situação global, os cenários e as metas • Conhecer as principais questões socioambientais brasileiras. Temas Introdução 1 Desenvolvimento (in)sustentável e (in)justiça ambiental 2 Dilemas socioambientais brasileiros 3 O Brasil e as metas internacionais Considerações finais Referências Daniela Tunes Zilio Maria Lúcia Ramos Bellenzan Patrícia Martinelli Professoras Autoras Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 2 Introdução Nesta aula, trataremos de alguns tópicos muito caros à questão socioambiental no Brasil. Abordaremos brevemente algumas das metas assumidas internacionalmente pelo país como desdobramentos das últimas Conferências Mundiais de Meio Ambiente e Desenvolvimento. Poderemos observar o cenário atual e as metas em relação a esses compromissos, bem como os desafios propostos para as próximas décadas. Convidaremos você a pensar esses temas a partir dos mais prementes dilemas socioambientais brasileiros, considerando a desigualdade socioterritorial que caracteriza nosso imenso e diverso território. Como referencial para a análise dessas questões, partiremos dos conceitos de ecologia política (GONÇALVES, 2004) e justiça socioambiental. 1 Desenvolvimento (in)sustentável e (in)justiça ambiental Acreditar que a resolução para os problemas ambientais do planeta está na adoção de soluções técnicas e práticas que não questionam a própria ideia de desenvolvimento, segundo Gonçalves (2004), é escolher um caminho demasiadamente fácil. Segundo o autor, desenvolvimento, historicamente, sempre significou dominação da natureza pela (por parte da) humanidade. Não considerar esse fundamento nos desvia de uma reflexão sobre as implicações políticas e éticas que essa perspectiva desenvolvimentista custou ao planeta e a nossa espécie – gerando uma inversão onde o poder econômico rege as lógicas da vida ao invés de servir a sua plena manutenção. Partindo dessa lógica crítica, Herculano (2002, p. 143) propõe pensarmos sobre justiça ambiental como ferramenta de ação norteadora no contexto de busca pelo desenvolvimento sustentável. O autor define justiça ambiental “como um conjunto de princípios para assegurar que nenhum grupo de pessoas – sejam grupos étnicos, raciais ou de classe – suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais”. Neste sentido a omissão ou ausência de tais políticas também são apontadas pelo autor como o oposto ao que busca a justiça ambiental, neste caso, caracteriza-se o quadro de injustiça ambiental tal como “o mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis” (HERCULANO, 2002, op cit. 144). Para saber mais sobre os princípios da justiça ambiental, acesse o link disponível na Midiateca. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 3 Cabe, portanto, ao planejador ambiental a reflexão crítica acerca dos modelos hegemônicos de desenvolvimento (in)sustentável, pois eles não questionam a repartição desigual dos benefícios e dos ônus da degradação ambiental. 2 Dilemas socioambientais brasileiros Historicamente, a apropriação da exploração dos recursos naturais no Brasil sempre seguiu padrões de grande assimetria, onde parte da elite política social e econômica teve amplo acesso aos bônus da exploração, em detrimento da maioria dos trabalhadores que viveram de perto os ônus do modelo predatório de crescimento. Esses trabalhadores, durante séculos, eram em sua maioria escravizados, sem direitos. Esse cenário nos deixou questões de grande desigualdade na distribuição de renda e acesso aos mais diversos recursos. Nossas elites ainda se mantém, de modo geral, bastante ignorantes em relação a enfrentar esse desafio como única possibilidade de real desenvolvimento rumo a uma sociedade menos injusta e mais sustentável (HERCULANO, 2002). O sentido da conquista de cidadania ampla e de direitos ainda não atinge grande parte da população brasileira rural ou urbana: muitos vivem pressionados para saírem de sua condição tradicional, acessível apenas com seus territórios e saberes integrados, outros já vivendo há algumas gerações em condições precárias de acesso a moradia digna nas cidades, sem acesso nem mesmo à água. Tudo isso se reflete no campo ambiental. Herculano (2002, p. 145) destaca que: O desprezo pelo espaço comum e pelo meio ambiente se confunde com o desprezo pelas pessoas e comunidades. Os vazamentos e acidentes na indústria petrolífera e química, a contaminação de rios e mares, as doenças e mortes causadas pelo uso de agrotóxicos e outros poluentes, o desmatamento, a carência de saneamento ambiental, as péssimas condições de vida na periferia das grandes cidades, e a expulsão das comunidades tradicionais pela destruição dos seus locais de vida e trabalho, configuram uma situação de injustiça socioambiental no Brasil. Comunidades tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007). Assim, Herculano (op cit, p. 145) destaca que para atendermos aos pressupostos de um desenvolvimento sustentável de modo efetivo, deve haver empenho em resolvermos no Brasil “além da proteção das áreas naturais e da redução das emissões de carbono, as Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Planejamento Ambiental 4 carências de saneamento ambiental no meio urbano e a degradação das terras usadas para assentamentos de reforma agrária no meio rural.” O autor reforça ainda que: semelhante às carências das periferias urbanas, os agricultores familiares no campo, levados a consumir agrotóxicos que os envenenam, as populações tradicionais progressivamente expulsas de suas terras de uso comunal, e a demarcação das terras indígenas e quilombolas, ilustram um direito constitucional cada vez mais ameaçado pelo agronegócio e pela urbanização. (HERCULANO, 2002 p. 145) A proteção de ecossistemas se deve, em grande medida, ao fato de serem habitados por populações tradicionais que souberam manejar tais ecossistemas, de forma a assegurar a provisão dos recursos necessários à comunidade sem exauri-los (DIEGUES, 2000). No entanto, em nome da necessidade de conservação da biodiversidade, tais populações têm sido forçadas a abandonar suas práticas para a transformação dessas áreas, em função da criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral.1 Para a proteção dos direitos dos povos há dispositivos
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