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121 M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. Capítulo 6 Relações de gênero No presente capítulo, discutiremos relações de gênero. Para tanto, iniciaremos pela análise e diferenciação das concepções de gênero e sexo, bem como de cultura e natureza. Trata-se de diferenciar o campo das ações e construções humanas do campo biológico. Investigaremos importantes intelectuais, como Simone de Beauvoir (1908-1986) e Judith Butler (1956-), essenciais para o debate. Por meio do conceito de gêne- ro, poderemos compreender a sigla LGBTQIA+. Observaremos ainda os conceitos de diferença e desigualdade, que nos permitirão compreen- der a importância de políticas públicas que promovam a diversidade 122 Ética, cidadania e sustentabilidade Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .cultural e a inclusão desses diferentes segmentos nos direitos humanos e à cidadania. Tais políticas estão abarcadas na denominação multicul- turalismo. No segundo tópico do capítulo, investigaremos a evolução do debate das questões de gênero no cenário internacional e, em seguida, no Brasil, com a análise de fatos históricos e conquistas relevantes. 1 Fundamentos das questões de gênero Durante o século XX, a filosofia, a antropologia e a sociologia estabele- ceram distinções entre natureza e cultura. Enquanto a cultura é constituí- da por símbolos e teias de significados que são construções resultantes das relações sociais, a natureza está relacionada a aspectos biológicos e intrínsecos à constituição genética. O antropólogo francês Claude Lévi- Strauss (1908-2009), no ano de 1952, escreveu o ensaio “Raça e história” (LÉVI-STRAUSS, 1976), em que demonstra a autonomia da cultura sobre a natureza. Deve-se considerar a cultura e todos os seus comportamentos não como reflexo da natureza, mas como criações originadas a partir das relações sociais. Por isso, o indivíduo é considerado produto e ao mesmo tempo produtor de sua cultura. Se a cultura possui certa autonomia sobre a natureza e os indivíduos imersos nas relações sociais são responsáveis por todas as construções e símbolos presentes nela, isso significa dizer que a cultura não é estática, está em permanente transformação, permitin- do a diferenciação e diversificação dos modos de ser e agir dos indivíduos e das distintas gerações. Com base nesse pensamento, Lévi-Strauss condena a concepção de raças humanas e afirma a existência de apenas uma espécie humana, demonstrando que, do ponto de vista biológico, não existem humanos ou culturas superiores ou inferiores devido a suas disposições genéti- cas, posto que esses adjetivos são construções culturais. A natureza e a genética constituem todos os seres humanos, dotados das mesmas faculdades cognitivas e sensoriais. 123Relações de gênero M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. No final da década de 1990 e início do século XXI, biólogos geneti- cistas vieram a comprovar a tese antropológica por meio da análise do genoma humano. Ao codificar os genes e compará-los entre negros, brancos, asiáticos e outras etnias, constataram que as diferenças ge- néticas são mínimas (ainda assim, por vezes maiores entre brancos do que comparando um branco e um negro) e insuficientes para afirmar a existência de raças (no plural) diferentes. Nesse sentido, o conceito de raças humanas não pertence ao campo natural ou biológico. “Raças” são construções culturais ou símbolos sociais, não há fundamento bio- lógico nelas, sendo hoje utilizadas num sentido simbólico, como expres- são das lutas políticas dos movimentos negros, por exemplo. Porém, no século XIX e até metade do século XX, predominavam teses racistas e evolucionistas que atribuíam à cultura determinações biológicas. Nesse período, os conceitos de raça e a concepção de gênero eram tomados como elementos biológicos, que acabaram servindo de álibi para o pre- conceito contra povos africanos, asiáticos e indígenas, buscando tam- bém demonstrar, de forma machista, a superioridade dos homens so- bre as mulheres. Raça e gênero, portanto, não têm origem na natureza, senão na cultura. A filósofa francesa Simone de Beauvoir, na obra O segundo sexo (BEAUVOIR, 1980), publicada em 1949, nos permite compreender a distinção entre gênero e sexo, sendo o primeiro conceito relacionado à cultura, à historicidade e às relações sociais, e o segundo termo relacio- nado a aspectos biológicos. Beauvoir toma como base o pensamento existencialista de Sartre, o qual, na obra O ser e o nada (escrita em 1943), opõe a condição humana e a natureza humana. A condição humana é resultado da liberdade e das escolhas dos sujeitos. Sartre (2001) afirma que nascemos condenados à liberdade, de modo que tudo o que somos ou poderemos ser no futuro é resultado de nossa ação humana. O au- tor nega a noção de natureza humana porque a considera uma forma de fatalismo ou determinismo, como se, por exemplo, uma profissão, a honestidade, a maldade, a riqueza ou a pobreza tivessem origem em aspectos naturais ou biológicos, quando na realidade são resultado das 124 Ética, cidadania e sustentabilidade Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .contradições sociais. Sartre sintetiza sua crítica à noção de natureza humana por meio da célebre expressão “a existência precede a essên- cia”, o que significa dizer que não há nada de inato (na essência) no indivíduo – suas ideias e comportamentos são dados primeiro histori- camente e em contradição com sua subjetividade, constituindo a condi- ção humana. Esta última é plástica e está em transformação constante, influenciando as transformações sociais. Beauvoir, concordando com essas premissas existencialistas de Sartre, afirma em sua obra que “Ninguém nasce mulher: torna-se mu- lher”. Verifica-se que o que se entende hoje como mulher é uma cons- trução histórica, de forma que talvez essa noção não seja exatamente compreendida como era no passado ou como será no futuro. Ninguém do sexo feminino nasce naturalmente com o desejo de ser mãe, ou mais doce ou delicada, muito menos apta a se submeter ao domínio mascu- lino, pois com a noção de condição humana entendemos que todos os comportamentos têm origem na cultura e nas relações sociais dadas historicamente. Da mesma forma, o machismo é uma construção social, e não uma relação natural, e é possível atacá-lo e destituí-lo, construindo uma outra e nova sociedade com relações mais equânimes de gênero. Portanto, o sexo tem origem na natureza, sendo caracterizado pela determinação biológica – nasce-se do sexo masculino ou feminino, ou simplesmente macho ou fêmea. Já o gênero é uma construção social, tem origem na cultura e nas relações sociais, e suas características po- dem variar de época para época, de indivíduo para indivíduo e de socie- dade para sociedade. Pedro Jaime e Fred Lucio (JAIME; LUCIO, 2017) nos apresentam um importante panorama das discussões em torno da distinção dos conceitos de gêneroe sexo durante o século XX, desta- cando a filósofa e socióloga norte-americana Judith Butler: De um lado, nós temos um corpo, que é dado pela natureza, que estabelece, por exemplo, a diferença entre macho e fêmea. Entre- tanto, do outro, se analisarmos as sociedades do mundo (como fazem antropólogos, sociólogos e historiadores, por exemplo), va- 125Relações de gênero M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. mos observar uma infinidade nada semelhante de modos de existir como “homem” e como “mulher” [...] Segundo a socióloga Bila Sorj [...] “O equipamento biológico inato não dá conta da explicação do comportamento masculino e feminino observado na sociedade. Para a historiadora Joan Scott, uma das maiores especialistas de estudos de gênero na atualidade, “gênero é a organização social da diferença sexual percebida. O que não significa que gênero reflita ou implemente diferenças físicas e naturais entre homens e mu- lheres, mas sim que gênero é o saber que estabelece significados para as diferenças corporais” [...]. Propondo uma ruptura do bina- rismo sexo/natural e gênero/social, a filósofa e uma das principais referências de gênero na atualidade Judith Butler também recusa a ideia de que exista um corpo natural, preexistente. Para ela, uma vez que todo corpo é produzido pela linguagem e pelas práticas sociais, da mesma forma que gênero, o sexo (um dado suposta- mente natural) [...] é repleto de significados construídos pela cultu- ra. (JAIME; LUCIO, 2017, p. 331-333) Assim como os gêneros homem e mulher são construções sociais, as ciências humanas no século XX compreenderam que outros gêneros que constituem a sigla hoje conhecida como LGBTQIA+ (veja o quadro a seguir com os detalhes dessa sigla) são igualmente resultados da cul- tura, e não da natureza. A própria sexualidade é diferente do sexo, pois a primeira corresponde a aspectos culturais, ou seja, ao modo como cada indivíduo expressa seus sentimentos, desejos, comportamentos e iden- tidades relacionados ao sexo. A noção de identidade é constituída pelo autorreconhecimento, pela falta dele ou pelo reconhecimento que nos é imposto pelos outros. Dessa forma, os gêneros não necessariamente se resumem a dois (homem e mulher) numa mesma sociedade, poden- do haver diversidade de identidades de gênero. No século XXI, a popu- larização das redes sociais virtuais e o acesso à internet deram mais notoriedade aos diferentes gêneros, que lutam pelo reconhecimento de suas identidades e contra a discriminação. Produziu-se a visibilidade das lutas políticas contra os preconceitos e por conquistas de direitos de cidadania. 126 Ética, cidadania e sustentabilidade Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .Quadro 1 – Significado da sigla LGBTQIA+ ELEMENTO DA SIGLA SIGNIFICADO CARACTERÍSTICAS L Lésbicas Mulheres que sentem atração e se envolvem afetiva e sexualmente com indivíduos do mesmo gênero. G Gays Homens que sentem atração e se envolvem afetiva e sexualmente com indivíduos do mesmo gênero. B Bissexuais Homens e mulheres que sentem atração e se envolvem afetiva e sexualmente com os gêneros masculino e feminino. T Transexuais Correspondem aos indivíduos que não se identificam com o gênero atribuído desde o seu nascimento e pela sua cultura. Travestis são incluídas na sigla, porém se identificam com a condição feminina e são consideradas um terceiro gênero. Q Queer Migram ou transitam entre diferentes gêneros, caso das drag queens. I Intersexo Limiar entre o masculino e feminino, podendo estar relacionado com questões biológicas, como genitálias, gônadas, cromossomos e hormônios. A Assexual Indivíduo com escassez ou ausência de atração sexual por outros gêneros ou indivíduos; não tomam as relações sexuais como prioridade para a vida. + Inclui outros grupos e variações de sexualidade e gênero Diz respeito às variações de outras formas de sexualidade e gênero, incluindo pansexuais, que se relacionam afetiva e sexualmente com indivíduos de qualquer gênero. A cisgeneridade (ou simplesmente homens e mulheres cis) pressu- põe a correspondência entre o sexo biológico e a identificação de gêne- ro estabelecida desde o nascimento – por exemplo, o sexo masculino identifica-se com o gênero masculino. É o oposto do transgênero, o qual se identifica com o gênero oposto ao seu sexo. A falta de entendimento no que se refere às construções sociais de diferentes gêneros acaba produzindo preconceitos em indivíduos con- servadores. O termo “misoginia” (do grego miseo, ódio; e gyne, mulher) 127Relações de gênero M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. é utilizado para definir a aversão e o desprezo por valores e característi- cas tidos como femininos, representando, portanto, atitudes machistas que supõem a superioridade natural dos homens sobre as mulheres. Há ainda outras formas de preconceitos de gênero. Mulheres e seg- mentos LGBTQIA+ sofrem restrições em termos de ocupação de cargos superiores no mercado de trabalho ou tornam-se relegados aos subem- pregos ou à marginalização. Esses grupos sofrem com violência, assé- dio e discriminação porque há construções sociais equivocadas, que associam ao gênero masculino a capacidade de elaboração de bons trabalhos e uma vida honesta, enquanto os demais gêneros são vistos como instáveis ou incompetentes devido a características biológicas ou em virtude de visões distorcidas sobre os próprios gêneros. Enfim, a confusão entre sexo e gênero produz preconceitos diversos. Isso também ocorre porque é comum confundir as noções de diferença e desigualdade. Segundo Barros (2006), as diferenças são inerentes à cultura e à na- tureza, não podem ser evitadas por meio da ação humana. Diferenças naturais podem ser o sexo, a cor da pele, a altura ou o formato do cor- po. Diferenças culturais correspondem, por exemplo, a crenças, gestos, gêneros, nacionalidade, formas de se expressar, arquitetura, etc., ou seja, são construções sociais. Portanto, podemos considerar normais as diferenças, visto que há diversidade humana. O problema consiste em transformar diferenças em desigualdades. As desigualdades são circunstanciais, construídas devido a elementos históricos, políticos, econômicos e jurídicos. Podem ser criadas desigualdades por renda, exercício de liberdades, acesso a serviços. As desigualdades, por exem- plo, transformam diferenças étnicas em atos de racismo. Diferenças de gênero transformam-se em desigualdades entre, por exemplo, homens e mulheres no mercado de trabalho ou na exclusão de outros gêneros desse cenário. A desigualdade não deve ser considerada normal, ela sur- ge das contradições sociais, é resultado da exclusão ou de preconceitos. 128 Ética, cidadania e sustentabilidade Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .Para combater diversas formas de desigualdade social (gênero, et- nia e raça), no final do século XIX, nos Estados Unidos(contra o racis- mo) e na Europa, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e com a intenção de expandir direitos às mulheres, fortaleceu-se o conceito de multiculturalismo. É importante diferenciar esse conceito e o termo “multicultural”. Quando afirmamos que uma sociedade é multicultural, estamos nos referindo às características culturalmente diversificadas (gêneros e etnias) presentes nela. Há sociedades com diversidade de gêneros, nacionalidades, etnias ou religiões. Essas sociedades apresen- tam problemas em termos de representatividade política e de acesso aos direitos pelos grupos heterogêneos presentes nelas. De acordo com Stuart Hall, [...] multicultural é uma sociedade na qual em seu interior convivem comunidades culturais distintas, e os problemas governacionais que por esta convivência aparecem. Ou seja, o termo multicultural significa que certa sociedade é culturalmente heterogênea, o que vai totalmente de encontro com o denominado Estado-nação mo- derno. (HALL, 2008, p. 53) O multiculturalismo, por sua vez, representa estratégias promovidas por governos, ou seja, políticas públicas que têm como objetivo reduzir desigualdades e inserir grupos sociais diversificados, antes socialmen- te excluídos dos direitos políticos, sociais e civis. Temos como exemplo leis que promovem políticas de cotas em concursos públicos ou elei- ções; equiparação salarial, independentemente de raça ou gênero; di- reitos ao casamento, herança e liberdade religiosa. O multiculturalismo promove a pluralidade de identidades culturais e combate hierarquias e padronizações preconceituosas. Trata-se do direito à diferença, que visa ampliar direitos aos segmentos que são marginalizados da sociedade devido às suas diferenças culturais, além de garantir a liberdade para que diversas formas de identidade possam coexistir de maneira pacífi- ca, respeitando-se os comportamentos uns dos outros. 129Relações de gênero M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. 2 Questões de gênero no cenário internacional O feminismo não deve ser considerado a antítese do machismo, mas a superação deste último. Ou seja, o feminismo não é uma espécie de vingança contra o machismo. É um movimento social que busca a igualdade entre gêneros e a eliminação das disparidades em termos de direitos políticos, econômicos e sociais, além de lutar pelo respeito às mulheres e se opor às subjugações e violências historicamente im- postas pelo machismo. Portanto, trata-se da conquista de direitos e de igualdade de condições entre homens e mulheres. Céli Regina Pinto, em seu artigo “Feminismo, história e poder” (PINTO, 2010), destaca três “ondas” ou fases do feminismo na cultura ocidental. Quando falamos em “onda”, referimo-nos à forma como o movimento feminista pressionou governos em diferentes países com o objetivo de ampliar direitos e consolidar a igualdade entre gêneros, com base em reivindicações políticas estabelecidas segundo determinados contex- tos históricos, que veremos a seguir. A primeira onda feminista consolidou-se no final do século XIX até a quarta década do século XX. Esse período caracterizou-se pela expan- são da industrialização, da urbanização e dos movimentos sindicalistas, que lutavam pela expansão da participação política. A principal pauta fe- minista dessa fase girou em torno do caráter sufragista (ou do sufrágio universal), isto é, do direito de votar, eleger representantes mulheres e ter participação na vida política da sociedade. Essa fase questionou o papel de submissão das mulheres em relação aos homens, pois estavam res- tritas à vida privada, aos cuidados com o lar e a família. Fez-se um mo- vimento de dar voz às mulheres no que diz respeito ao espaço público. A segunda onda feminista é iniciada na década de 1950, porém foi nas décadas de 1960 e 1970 que ganhou mais força. Nessa fase, as pautas políticas eram dadas pelas lutas relacionadas ao direito ao corpo 130 Ética, cidadania e sustentabilidade Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .e ao prazer e contra o patriarcado, ou seja, fazia-se oposição à condição de submissão das mulheres em relação aos homens nas esferas pública e privada. Surgiram questionamentos sobre as limitações das funções das mulheres na sociedade, sua objetificação e sexualização (sobretudo por meio da indústria da propaganda). As mulheres estavam relegadas a um papel reprodutivo e sexual, deviam subserviência a seus maridos e outros homens e viviam à mercê da violência praticada por estes. Na década de 1960, a pílula anticoncepcional foi vista como uma invenção revolucionária, pois concedia às mulheres o direito de querer ou não ser mãe, e quando. Essa geração é também conhecida como a do feminismo radical e promoveu reflexões e reivindicações políticas em torno do direito reprodutivo, da sexualidade e de políticas de saúde. Questionou, ainda, diferenças salariais e de postos no mercado de tra- balho em relação aos homens. Foi um movimento que abrangeu princi- palmente mulheres brancas de classe média e com acesso à educação, sobretudo à universidade. A pensadora norte-americana Angela Davis (1944-) foi pioneira ao questionar que, ao lado das desigualdades de gênero, deve-se problematizar a questão das mulheres negras, cujas ocupações sociais são inferiores (e por isso piores) em relação às das mulheres brancas. Além disso, a segunda onda, gradualmente, deu voz também às lutas do movimento de lésbicas contra o preconceito. A organização das lutas feministas na segunda onda buscou pro- mover o empoderamento feminino por meio de movimentos coletivos que demonstravam que a condição de exploração das mulheres era um problema universal. Por isso, vislumbrava-se a necessidade de um mo- vimento feminista unificado e universal contra o patriarcado, presente em todas as sociedades e suas instituições. Essas pautas foram introduzidas no mundo acadêmico, fomentando várias gerações de mulheres intelectuais que passaram a ganhar des- taque na sociedade por observarem a importância da criação de uma epistemologia feminista, ou seja, um campo científico promovido por mulheres, a partir de suas críticas, com metodologias e vivências que 131Relações de gênero M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. pudessem conceber uma visão que representasse um contraponto às visões machistas disseminadas na sociedade. Figura 1 – Símbolo do movimento feminista Enquanto a segunda onda se caracterizou pelo entendimento da uni- versalidade e crítica às estruturas, instituições e relações sociais ma- chistas opressoras, enxergando a necessidade de um movimento femi- nista coletivo, amplo e em todas as nações, a terceira onda rompeu com esses paradigmas. Isso porque sua origem remonta à década de 1990, ou seja, ao contexto de colapso da União Soviética, fim da Guerra de Fria e ascensão da globalização e do neoliberalismo. O maior acesso às tec- nologias de informação produziu a fragmentação e diferenciação das pautas feministas, dissolvendo seu caráter padronizado em nome de narrativas que dão conta de descrições que desconstroem um sentido único e universal da categoria mulher como um sujeito único e coletivo. A terceira onda procurou demonstrar que nem todas as mulheres passam exatamente pelasmesmas opressões, pois estas variam con- forme as condições de raça, religião, região, gênero e classe social, constituindo o que se designa como interseccionalidade. Esse con- ceito emerge a fim de que mulheres possam analisar e criar distintas 132 Ética, cidadania e sustentabilidade Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .estratégias de luta contra formas variadas de opressão do patriarcado. Assim, as mulheres passaram a ser inseridas em novas e diversificadas militâncias, que atendem a necessidades específicas interseccionadas. Trata-se de reconhecer a variedade de identidades, de formas de ser e de experiências feministas. As críticas à terceira onda referem-se ao fato de que ela poderia criar a individualização, a separação e o enfraquecimento da luta das mulhe- res; há também o risco de sua capitalização pelo mercado, quando, por exemplo, a imagem da mulher empoderada e batalhadora é emprega- da como estratégia para a venda em massa de mercadorias. Contra o risco de dissipação das lutas feministas diante da fragmentação das pautas sobre as diferentes formas de ser mulher, criou-se o conceito de transversalismo, o qual considera que deve haver união dos diferentes movimentos, resguardando, contudo, suas particularidades. As políti- cas transversais representam o diálogo e a compreensão entre as dife- rentes condições em que as mulheres se encontram; visam combater problemas comuns: machismo, preconceitos e desigualdades. NA PRÁTICA Pesquise em jornais, revistas e sites dados estatísticos que comparem a situação da mulher no Brasil e no resto do mundo (principalmente em outros países da América do Sul, na Europa, além dos Estados Unidos), considerando os seguintes elementos: • ocupação de cargos e profissões no mercado de trabalho; • comparação de faixas salariais de homens e mulheres; • índices de violência; • índices de escolaridade. Há ainda o debate contemporâneo a respeito da existência ou não de uma quarta onda do feminismo. A terceira onda surgiu na década 133Relações de gênero M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. de 1990, ao lado da globalização e do maior acesso à informação. No entanto, a quarta onda estaria mais relacionada à popularização das re- des sociais, a partir da década de 2010, com os celulares smartphones conectados à internet e a possibilidade de produção de conteúdo nes- sas redes por qualquer indivíduo. Isso teria posto fim ao monopólio de sindicatos, universidades e, por vezes, meios de comunicação tradicio- nais (como TV, rádio, jornais e cinema) na divulgação dos diferentes pro- blemas enfrentados pelas mulheres. No Chile, por exemplo, em 2019, mulheres organizadas nas redes sociais tomaram as ruas em diferentes cidades do país contra as práticas machistas. As redes democratizaram e deram voz às novas pautas, como tam- bém permitiram crescentes denúncias à cultura do estupro, aos papéis secundários ocupados principalmente por mulheres negras nos meios de comunicação, aos abusos no mercado de trabalho e nas universi- dades e ao silenciamento praticado por homens em atitudes como mansplaining (quando homens explicam elementos óbvios a uma mu- lher) e manterrupting (interrupções bruscas e permanentes de homens quando as mulheres exercem a fala). Essa fase teria também como uma de suas características uma maior crítica (se comparada à tercei- ra onda) à forma como os meios de comunicação têm incorporado o discurso feminista com a intenção de vender produtos, colocando em dúvida as reais intenções do mercado ao veicular pautas de gênero e progressistas em suas programações ou publicidades. Ferreira e Aguinsky (2013) apresentam o histórico de conquistas so- ciais LGBTQIA+. O movimento foi construído para reivindicar o direito e a aceitação da diversidade de identidades de gênero na sociedade, buscando a conquista da cidadania. Visa combater o preconceito e o discurso de ódio, materializados em atitudes sobretudo homofóbicas e transfóbicas. Outro elemento importante do movimento é ampliar a representatividade política e social (em empresas, universidades, mer- cado de trabalho, meios de comunicação, etc.) desses segmentos. 134 Ética, cidadania e sustentabilidade Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .É importante ressaltar que, na cultura ocidental, houve diversas for- mas de perseguição aos indivíduos que não correspondiam ao que hoje designamos como gêneros masculino e feminino. Na Idade Média, de- vido a preceitos religiosos, era comum a condenação desses indivíduos à morte, geralmente na fogueira. Mesmo as sociedades capitalistas do século passado tendiam a reprimir comportamentos então considera- dos pervertidos. Os segmentos denominados hoje como LGBTQIA+ ti- nham seus comportamentos considerados como distúrbios, doenças mentais que deveriam passar por uma cura científica. Foucault (1985), no primeiro volume de A história da sexualidade, re- flete sobre a passagem, a partir do século XIX, da condenação religiosa para os tratamentos médicos/científicos que procuravam corrigir o que se supunha serem comportamentos sexualmente indecentes. Médicos nazistas, ingleses, franceses e norte-americanos, para tanto, promoviam torturas, castrações químicas, estupros corretivos, lobotomias e trata- mentos invasivos. Do ponto de vista jurídico, qualquer comportamento considerado pervertido era visto como crime, havendo condenações e prisões. Ainda hoje, em pleno século XXI no Ocidente, religiões conser- vadoras e distantes do conhecimento científico sobre o tema condenam a homo, bi e transexualidade, considerando-as doenças ou incorporação de espíritos malignos. Países islâmicos radicais punem e matam. Além desse discurso de ódio e do genocídio do grupo LGBTQIA+, há ainda a segregação social e preconceitos. Sem acesso a estudos e bons postos profissionais, esses segmentos são submetidos à violência e sofrem com desigualdades econômicas e políticas, que geralmente os conduzem ao subemprego, às ruas, à prostituição e à criminalidade, sobretudo nos países mais pobres, como o Brasil, conforme veremos mais adiante. No ano de 1969, ocorreu a primeira importante rebelião promovida por gays, lésbicas, travestis e drag queens pela conquista de direitos civis, conhecida como Rebelião de Stonewall, em Nova York. Além de 135Relações de gênero M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. ter servido como inspiração para a criação do movimento, então co- nhecido como LGBT, a rebelião se caracterizou por representar a opo- sição ao preconceito e às arbitrariedades sofridas por esses indivídu- os, amplamente difundidas na sociedade norte-americana (e que em certa medida permanecem até hoje em todo o mundo), principalmente na forma de violência policial, colocando esses segmentos em situa- ções humilhantes e degradantes. A partir dessa rebelião, surgiram, nos Estados Unidos, três relevantes grupos: Gay LiberationFront (GLF), Gay Liberation Movement e Gay Activists Alliance (GAA), os quais deram vi- sibilidade às suas lutas políticas. Como já mencionamos, a segunda onda do feminismo veio acompa- nhada do fortalecimento do movimento de lésbicas entre as décadas de 1960 e 1980, que acabou por promover pautas independentes. Figura 2 – Bandeira do movimento LGBTQIA+ A partir de então houve a disseminação de movimentos LGBTQIA+ pelo mundo. Em 1989, ocorreu, na Dinamarca, o primeiro casamento gay e, portanto, a concessão de direitos civis a esses grupos sociais. Depois disso, diferentes países europeus passaram a conceder direitos 136 Ética, cidadania e sustentabilidade Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .civis aos LGBTQIA+, como Holanda, Suécia, entre outros, contribuindo para que a presença e a inserção desses indivíduos na sociedade não fossem mais consideradas um tabu. As principais pautas que envolvem os diferentes movimentos ao re- dor do mundo hoje são: criminalização da LGBTfobia; luta para que a medicina, a psicologia e o direito não considerem mais esses gêneros doenças ou crimes, eliminando o discurso de “cura” do vocabulário cien- tífico; reconhecimento dos governos a respeito da identidade de gênero, permitindo legalmente que cada indivíduo escolha livremente a qual gê- nero quer pertencer; Estado laico, direitos civis, políticos e econômicos (casamento, mercado de trabalho, organização de partidos e eleição de representantes, direito à herança, adoção de crianças e afins); e políticas educacionais de conscientização, respeito e combate ao preconceito. PARA SABER MAIS O movimento LGBTQIA+ é representado pela bandeira com as cores do arco-íris. O símbolo foi criado em 1978 pelo artista norte-americano Gil- bert Baker. 3 Questões de gênero no Brasil No Brasil, a primeira onda do feminismo se fez presente principal- mente entre as décadas de 1930 e 1940, com as reivindicações para obtenção do sufrágio universal. Além disso, a educação para mulheres não era ampla ou pública no período, sendo restrita aos conventos, às poucas escolas privadas ou ao ensino particular residencial. Ainda as- sim, a ênfase dessa educação escassa era nas atividades domésticas, a fim de que as mulheres fossem ensinadas a ser obedientes e úteis aos seus maridos. 137Relações de gênero M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. As lutas feministas buscaram retirar as mulheres da esfera privada, conduzindo o movimento, no Brasil, à luta pela presença da mulher no mercado de trabalho, nas universidades e na política. Nesse período, destacou-se a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que foi criada em 1922 por Bertha Luz e veio a ter papel importante no ano de 1932, no governo de Getúlio Vargas, para a consolidação do direito ao voto no país. Mulheres ligadas aos movimentos operários no período foram relevantes para denunciar a dominação masculina, alavancando o debate em torno do direito ao divórcio, da equiparação salarial, da se- gurança no trabalho, das liberdades sexuais e da participação política. Apesar de o voto feminino ter sido liberado em 1932, havia restrições, pois apenas mulheres com renda própria poderiam votar, portanto, esta- vam excluídas mulheres pobres e separadas. Em 1934, os direitos polí- ticos das mulheres foram ampliados, sendo permitido o voto para todas acima de 18 anos. A segunda onda do feminismo no Brasil, a partir da década de 1960, trouxe questões em torno do direito reprodutivo e da sexualidade da mulher. Havia o debate sobre as vestimentas femininas, num período em que até mulheres grávidas eram constrangidas caso expusessem suas barrigas em público. Contemporâneo à ditadura militar (1968- 1985), o movimento feminista do período opôs-se à opressão, censura e pobreza e contribuiu para a luta em nome do retorno da democracia e da anistia de presos políticos. A terceira onda no Brasil foi introduzida a partir da década de 1980 e trouxe à tona problemas que relacionavam gênero feminino e raça (conceito utilizado no sentido cultural e político, não biológico, conforme vimos), evidenciando as condições às quais as mulheres negras estão submetidas no país, discutidas no capítulo anterior. O olhar estava vol- tado para as especificidades da realidade da mulher brasileira, sobre- tudo a negra, por meio do conceito de interseccionalidade, tornando o debate feminista no país menos dependente do norte-americano e eu- ropeu. Fundamentava-se, no Brasil, o feminismo negro e a luta contra a 138 Ética, cidadania e sustentabilidade Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .discriminação racial. Passaram a ser debatidos o genocídio da popula- ção negra, a condição de inferioridade política, econômica e social da mulher negra e pobre em relação às opressões cometidas por homens contra mulheres brancas e de classe média; surgem reflexões a res- peito da solidão da mulher negra, sua sexualização pela mídia e pela mentalidade machista; é reivindicado o direito à representatividade e à visibilidade das mulheres negras na sociedade e nas instituições, como nas universidades. Especula-se que a quarta onda do feminismo no país ocorreu com a popularização das redes sociais virtuais a partir da década de 2010. Os novos mecanismos digitais de comunicação permitiram denúncias e o combate contra assédios e violências (estupros, feminicídio e discrimi- nações). Essas redes permitiram a expansão de debates em torno da liberdade sexual e o questionamento de padrões corporais impostos pe- los meios de comunicação. Embora esses movimentos tenham surgido nas redes sociais, acabaram ganhando as ruas com protestos contra a submissão feminina. Em 2018, durante as eleições presidenciais, mul- tidões de mulheres promoveram oposição às visões conservadoras e que se colocam contra o gênero feminino no país. No que diz respeito ao movimento LGBTQIA+ no Brasil, a primeira conquista relevante ocorreu na década de 1980, quando o denominado Grupo Gay da Bahia condenou o termo “homossexualismo” (utilizado para relacionar a condição gay a uma doença), promovendo campanha nacional contra o uso da expressão, inclusive empregada e compreen- dida como transtorno mental no Código de Saúde do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social. O objetivo foi promover a despatologização da condição homossexual. Em 1985, o Conselho Federal de Medicina atendeu à reivindicação do movimento. É importante destacar o pioneirismo do Grupo Gay da Bahia quando observamos que a Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, apenas no ano de 1990 retirou a homossexualidade da lista de doenças 139Relações de gênero M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. e distúrbios conhecidos, o que demonstra a revisão do perfil antes preconceituoso dessa instituição. Outro movimento relevante foi o do Grupo Triângulo Rosa, que obteve êxito ao exigir de autoridades, emle- gislações, nos meios educacionais e de comunicação, o emprego do ter- mo “orientação sexual”, e não mais “opção sexual” ou qualquer outro ad- jetivo preconceituoso quando houver referências às causas de gênero. Em 1997, a primeira Parada LGBT na cidade de São Paulo foi um marco que deu visibilidade à luta pela cidadania desses grupos. Reuniu milhares de pessoas e tem crescido a cada ano, destacando o combate ao preconceito e a necessidade de políticas inclusivas. A partir dela, no Brasil ganhou força o tema da união civil entre indivíduos do mesmo sexo. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça passou a permitir que esses casais declarem em cartório a união civil estável. Hoje há amplo debate no Congresso, com alguns retrocessos, sobre a legalização des- sa modalidade de matrimônio. No ano de 2018, foi concedido aos indivíduos transgêneros o direito de modificação do nome social junto aos registros civis. Em 2008, o SUS passou a oferecer o procedimento de redesignação sexual, mais conhecido como “mudança de sexo”. Embora pouco aplicada devido ao elevado conservadorismo no Brasil, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), aprovada em 1996, prevê a educação para a igual- dade racial, orientação e identidade de gênero. Infelizmente, o discurso LGBTfóbico é bastante difundido nas instituições e entre autoridades públicas, sendo comum também em lideranças religiosas antiprogres- sistas, que tendem a perpetuar variadas formas de preconceitos contra essa população, sem que haja conhecimento científico e respeito. Há ainda muitas conquistas a serem alcançadas, a começar pelo fim da violência e preconceito contra a população LGBTQIA+. Pesquisas apontam que a expectativa de vida da população transgênero no Brasil é uma das mais baixas do mundo. Ocorrem no país espancamentos e práticas de intolerância deliberadas pelo simples fato de não haver 140 Ética, cidadania e sustentabilidade Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .respeito à liberdade de expressão de gênero. No mercado de trabalho, nos meios acadêmicos e nos meios de comunicação, são raros os pro- fissionais que têm liberdade para afirmar seu gênero, e a situação pio- ra com os transgêneros, sendo boa parte marginalizada e sem acesso à cidadania. Diante desse cenário, têm ganhado destaque no Brasil os chamados mandatos coletivos, caracterizados quando um cargo legis- lativo tem um ocupante eleito, porém é compartilhado com um grupo de cidadãos que apresenta bandeiras e lutas semelhantes. Dessa for- ma, as decisões são tomadas e debatidas coletivamente e em nome de uma causa comum. Devido ao pequeno número de candidatos e políti- cos que assumem a condição e a luta LGBTQIA+, nas últimas eleições tem crescido a eleição de candidatos com mandatos coletivos, a fim promover a representatividade política nas esferas públicas nacionais. PARA SABER MAIS Pesquise em jornais, revistas e sites dados estatísticos que analisem no Brasil, em relação à população LGBTQIA+: • taxas de mortalidade e expectativa de vida; • taxas de escolaridade e ocupação profissional; • taxas de ocupação em presídios; • políticas públicas em torno de questões como moradia e assistên- cia médica. Considerações finais Estudamos, no primeiro tópico do capítulo, os conceitos de gênero e sexo e observamos as suas respectivas relações com outros dois con- ceitos: cultura e natureza. A distinção desses termos nos permitiu verifi- car que o gênero é resultado da autonomia da cultura sobre a natureza, 141Relações de gênero M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. de forma que nem a sexualidade nem os gêneros são determinados biologicamente; são, na realidade, construções sociais e culturais que podem ser modificadas ao longo dos séculos, variam de indivíduo para indivíduo ou de sociedade para sociedade. Analisamos também o signi- ficado da sigla LGBTQIA+. No segundo tópico, abordamos o histórico das principais lutas e con- quistas que acompanharam as denominadas quatro ondas do feminis- mo no mundo ocidental, desde o final do século XIX até o período que corresponde ao século XXI, e analisamos as conquistas políticas dos segmentos LGBTQIA+, cujas lutas e reivindicações tornaram-se mais efetivas principalmente a partir da segunda metade do século XX. Em seguida, no terceiro tópico, avaliamos como as questões de gênero fo- ram construídas no Brasil, destacando os dilemas em nosso território e as conquistas que ainda precisam ser realizadas. Referências BARROS, José D’Assunção. Igualdade, desigualdade e diferença: contribui- ções para uma abordagem semiótica das três noções. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, n. 39, p. 199-218, abr. 2006. BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 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