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GENÉTICA E NEUROANATOMIA AULA 1 Profª Patrícia Carla de Oliveira 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, exploraremos os principais conceitos que envolvem a genética, ciência responsável pelo estudo da estrutura e da função dos genes, da hereditariedade e da variação existente entre os organismos, além de desenvolver as primeiras noções sobre o papel dos fatores hereditários na etiologia de diversas doenças. Veremos que se trata de um tema complexo e desafiador, cujo estudo acompanha a história da humanidade, embora tenha ganhado decisivos ares a partir dos experimentos do monge austríaco Gregor Mendel no século XIX, que estabeleceram as bases desses estudos. Entenderemos, por fim, que a descrição da estrutura molecular do DNA e o sequenciamento do genoma humano permitiram avanços científicos importantes no desenvolvimento de diagnósticos moleculares e de possíveis tratamentos. TEMA 1 – BASES DA HERANÇA BIOLÓGICA Todos os seres vivos possuem unidades básicas de vida denominadas células. Seres mais primitivos como as bactérias possuem apenas uma célula e, por isso, são classificados como unicelulares. Organismos mais complexos como plantas e animais são chamados de seres pluricelulares, pois em sua constituição possuem conjuntos de células especializadas, capazes de realizar funções como proteção, nutrição, produção e armazenamento de energia, transporte e reprodução. Ao se reproduzir, os seres vivos transmitem as informações genéticas presentes nas moléculas de DNA (ácido desoxirribonucleico) do núcleo celular aos seus descendentes. Na reprodução assexuada, os organismos gerados são cópias idênticas do seu progenitor, como no caso das bactérias, pois recebem o DNA de apenas um indivíduo. Já na reprodução sexuada, que acontece na maioria das plantas e animais, cada indivíduo gerado recebe DNA de dois organismos, o que ajuda a manter a variabilidade genética da espécie. Nos seres humanos, portanto, a reprodução é sexuada e acontece por meio do encontro e fusão de células sexuais denominadas gametas, óvulos e espermatozoides, que carregam o DNA da mãe e o DNA do pai, respectivamente. Esse processo de fecundação entre os gametas permite a combinação do material genético dos pais e a consequente formação de um DNA 3 único no descendente, o que ajuda a explicar as diferentes características observadas entre os seres humanos. A estrutura e a organização da molécula de DNA foram descritas em 1953 por James Watson e Francis Crick, fato histórico determinante para o entendimento de que sequências específicas de nucleotídeos presentes no DNA formam os genes e estes, por sua vez, determinam a produção de proteínas que mantém a constituição e o funcionamento do organismo. Ao conjunto de genes presentes em um indivíduo dá-se o nome de genótipo. Já o fenótipo é representado pelas características de fato observadas em um indivíduo, como a cor dos olhos, da pele e dos cabelos, bem como características de desenvolvimento, propriedades bioquímicas ou fisiológicas e características comportamentais, sendo resultado da interação entre o genótipo e o ambiente. Desse modo, como interagimos com as variações do ambiente em que vivemos, o fenótipo pode se alterar ao longo da vida. TEMA 2 – CROMOSSOMOS E HEREDITARIEDADE O ácido desoxirribonucleico (DNA) é um longo polímero formado por dois filamentos paralelos em forma de hélice e cada um deles é constituído por unidades de repetição chamadas nucleotídeos. Os nucleotídeos são compostos por três componentes ligados entre si: o açúcar desoxirribose, um grupo fosfato e uma base nitrogenada, que pode ser adenina (A), timina (T), citosina (C) ou guanina (G). A sequência de bases nitrogenadas de cada filamento do DNA é complementar e específica, ou seja, a adenina (A) liga-se à timina (T) e a citosina (C) liga-se à guanina (G), sendo essa sequência responsável pela codificação da informação genética do DNA dentro dos genes (Figura 1). Dentro do núcleo celular, a longa molécula de DNA está associada a diversas proteínas que permitem a compactação do material genético nesse pequeno espaço. Esse complexo formado pelo material genético e proteínas é chamado cromatina. Durante o processo de divisão celular, a cromatina se condensa formando estruturas enoveladas chamadas cromossomos, o que assegura a transmissão completa dos genes de uma célula a outra (Figura 1). Cada espécie de ser vivo apresenta um número fixo de cromossomos por célula e o número que caracteriza os humanos é 46, correspondendo ao número de cromossomos presentes no núcleo das células somáticas, denominadas células diploides 4 (representadas por 2n), pois nelas são encontrados dois cromossomos de cada tipo, totalizando 23 pares. As células reprodutivas ou gametas possuem apenas 1 cromossomo de cada tipo, totalizando 23 cromossomos e, por isso, são denominadas células haploides (representadas por n). A fecundação entre óvulo e espermatozoide durante a reprodução permite a recomposição do número total de cromossomos nas células do embrião. Figura 1 – Estrutura e organização da molécula de DNA Créditos: Soleil Nordic/Shutterstock. Dos 46 cromossomos humanos, 44 são homólogos, formando 22 pares nos dois sexos, e são denominados autossomos, pois carregam informações hereditárias não relacionadas ao sexo. O par restante é de cromossomos sexuais, pois são responsáveis por estabelecer o sexo do indivíduo, sendo homólogos na mulher (XX) e diferentes no homem (XY). Durante a divisão celular que forma os gametas, os óvulos recebem sempre um cromossomo sexual X, mas os espermatozoides podem receber o cromossomo X ou Y. Dessa forma, o cromossomo sexual que o espermatozoide carrega no momento da fecundação determinará se o zigoto formado será do sexo feminino ou masculino. O conjunto cromossômico característico de cada espécie é denominado cariótipo. Por meio da ordenação dos cromossomos de um cariótipo em um cariograma, é possível estudar a forma e o tamanho dos cromossomos em populações normais, bem como alterações que determinam síndromes 5 relacionadas ao número ou estrutura anormal de cromossomos, que são causas de abortos recorrentes, ambiguidade sexual, neoplasias e incapacidade infantil. O cariótipo normal é representado por 44,XX e 44,XY em mulheres e homens, respectivamente (Figura 2). Figura 2 – Cariótipo humano normal Créditos: Kateryna Kon/Shutterstock. As alterações cromossômicas podem ocorrer tanto nos cromossomos autossomos quanto nos cromossomos sexuais. O Quadro 1 contém as principais síndromes cromossômicas numéricas. Quadro 1 – Síndromes cromossômicas Síndrome Cariótipo Alteração Principais manifestações clínicas Down (1/800 nascidos vivos) 47, XX ou XY +21 Trissomia do cromossomo 21 Braquicefalia, orelhas dobradas e pequenas, boca aberta, face achatada, hipotonia, comprometimento cognitivo. Edwards (1/8.000 nascidos vivos) 47, XX ou XY +18 Trissomia do cromossomo 18 Hipertonia, boca pequena, osso esterno curto, rim em ferradura, comprometimento mental. Patau (1/19.000 nascidos vivos) 47, XX ou XY +13 Trissomia do cromossomo 13 Ausência do nervo olfatório, graves defeitos oculares, surdez, fenda labial e palatina, malformações cardíacas. 6 Klinefelter (1/600 nascimentos masculinos) 47, XXY Mais de um cromossomo X Braços e pernas longos, braços e mãos longos, pouco desenvolvimento dos testículos, infertilidade. Turner (1/2.000 nascimentos femininos) 45, X Apenas um cromossomo X Baixa estatura, dobras de pele no pescoço, pouco desenvolvimento das mamas e dos ovários. Fonte: Oliveira, 2020. TEMA 3 – GENÉTICA MENDELIANA Embora a genética tenha se desenvolvido durante o século XX, sua origem está baseada no trabalho de Gregor Mendel, ummonge que viveu no século XIX. Ele estudou a herança de diferentes características em ervilhas, que cultivava no jardim do mosteiro. A análise cuidadosa de Mendel possibilitou o discernimento de padrões, que o levaram a postular a existência de fatores hereditários responsáveis pelas características que estudara (Sinustad; Simmons, 2016). A escolha de Mendel pelo estudo de ervilhas se justifica pela facilidade de cultivo desse vegetal, a existência de variedades facilmente identificáveis por características distintas, o ciclo de vida curto, permitindo a observação de várias gerações em pouco tempo, a obtenção de descendentes férteis no cruzamento de variedades diferentes e a facilidade na realização de polinização artificial. Foram estudadas 34 variedades de ervilhas e, em cada experimento, Mendel considerava apenas uma característica de cada vez, como cor das sementes, altura das plantas, forma das sementes e posição das flores, cada uma delas com dois traços contrastantes, para que não houvesse dúvidas na sua identificação após os cruzamentos. Antes de iniciar os experimentos, Mendel se certificou de que os cruzamentos eram feitos apenas entre linhagens puras, aquelas que, por autofecundação, davam origem a plantas iguais entre si. Portanto, plantas puras de sementes amarelas eram cruzadas com plantas puras de sementes verdes, plantas puras altas eram cruzadas com plantas puras anãs e assim por diante. Nos experimentos de cruzamento, a geração composta pelas linhagens puras foi chamada de geração parental (P), a descendência desse cruzamento 7 foi chamada de primeira geração de filhos (F1) e a descendência gerada pela autofecundação da F1 foi chamada de segunda geração de filhos (F2), como demonstra a Figura 3. Figura 3 – Cruzamento mendeliano entre ervilhas verdes e amarelas Créditos: Sergey Merkulov/Shutterstock. Com base nesses cruzamentos, Mendel observou que a primeira geração de filhos apresentava a mesma característica de apenas um dos pais e que o outro traço desaparecia. Esse traço encoberto voltava a aparecer na segunda geração de filhos, após a autofecundação da geração F1. Mendel então concluiu que, quando uma característica prevalece em relação a outra, essa é uma característica dominante, enquanto a segunda é recessiva. Além disso, esses experimentos permitiram a Mendel estabelecer que a proporção entre os dois tipos de plantas da geração F2 e os números obtidos nos diferentes experimentos era sempre 3:1, ou seja, a cada 3 descendentes com a característica dominante, apenas 1 descendente com a característica recessiva era gerado. De acordo com esses resultados, Mendel postulou a lei da segregação dos fatores, cujas premissas são: cada característica hereditária é determinada por fatores, herdados em igual quantidade da mãe e do pai; esses fatores se organizam aos pares nos pais e se segregam na formação dos gametas; e os fatores voltam a estar em pares nos filhos pela combinação dos fatores recebidos dos pais, na fecundação dos gametas. Hoje, sabe-se que os fatores hereditários descobertos por Mendel são os genes presentes nos cromossomos e que cada gene é composto por duas versões, chamadas alelos e localizadas em cada um dos cromossomos 8 homólogos nas células somáticas diploides. Durante a divisão celular que forma os gametas, ocorre a separação dos cromossomos homólogos e a consequente separação os alelos de cada gene, portanto, cada gameta haploide recebe apenas um desses alelos, que, posteriormente, serão combinados durante a fecundação entre óvulo e espermatozoide na formação do zigoto, o que determina as características hereditárias apresentadas pelos filhos. Os alelos de um gene são representados por letras do alfabeto, normalmente a primeira letra do nome referente à característica. A letra maiúscula determina um alelo dominante enquanto o alelo recessivo é determinado pela mesma letra minúscula. Quando os alelos de um gene são iguais, sejam eles dominantes ou recessivos, diz-se que o indivíduo é homozigoto para esse gene. Quando um gene é composto por um alelo dominante e um alelo recessivo, diz-se que o indivíduo é heterozigoto para esse gene. Dessa forma, é possível entender que uma característica é considerada dominante quando a presença de apenas um dos alelos é suficiente para a expressão do seu fenótipo, ou seja, a característica é expressa tanto na condição de homozigose dominante quanto na de heterozigose, enquanto a característica recessiva só é expressa quando os alelos estiverem em dose dupla no gene, na condição de homozigose recessiva (Figura 4). Figura 4 – Homozigose e heterozigose Créditos: Aldona Griskeviciene/Shutterstock. A maioria das combinações entre os alelos de um gene durante um cruzamento segue as regras de herança descobertas por Mendel nos seus experimentos com ervilhas, mas existem exceções. Com o avanço da genética, 9 percebeu-se que muitas características são determinadas por apenas um par de alelos, enquanto outras precisam da interação entre vários genes para existirem. As heranças monogênicas podem ser dominantes ou recessivas e seu gene pode estar localizado nos cromossomos autossomos (características autossômicas) ou nos cromossomos sexuais (características ligadas ao sexo). Alguns exemplos de herança monogênica autossômica são o albinismo (ausência de pigmentação), a fenilcetonúria (distúrbio no metabolismo de aminoácidos), a presença de sardas e o bico de viúva (raiz do cabelo em V na testa). Exemplos de herança monogênica ligada ao sexo são a hemofilia (deficiência na coagulação sanguínea), o daltonismo (dificuldade na distinção de cores) e a distrofia muscular de Duchenne (fraqueza muscular progressiva). A representação gráfica desses padrões de herança e o cálculo da probabilidade de determinada característica aparecer entre os descendentes de um cruzamento pode ser feita por meio do quadro de Punnett. Utilizaremos o albinismo, característica autossômica recessiva, para essa demonstração (Quadro 2). Um casal, em que o homem é albino e a mulher não possui ausência de pigmentação da pele, mas que é filha de um homem albino, deseja saber a probabilidade de um filho nascer com essa característica. Quadro 2 – Representação e combinação de alelos no quadro de Punnett ♂ ♀ a a A Aa Aa a aa aa Fonte: Oliveira, 2020. Com base na combinação entre os alelos desse gene distribuídos nos gametas feminino e masculino, a resposta para esse casal é que a metade (1/2 ou 50%) dos seus filhos tem a probabilidade de nascer albina. Outra forma de representação dos padrões de transmissão de características hereditárias é o heredograma, uma representação da árvore genealógica de uma família com base em símbolos padronizados (Figura 5). De acordo com Sinustad e Simmons (2016), o heredograma é utilizado em casos de 10 aconselhamento genético em que os pais desejam saber qual é o risco de que os filhos herdem determinado distúrbio, principalmente se houver outros parentes afetados. É responsabilidade do conselheiro genético avaliar esses riscos e explicá-los aos futuros pais. A avaliação do risco requer bom conhecimento de probabilidade e estatística, além do amplo conhecimento de genética. Figura 5 – Heredograma e os símbolos mais comuns utilizados Fonte: Gestão Educacional, [S.d.]. TEMA 4 – GENES E MUTAÇÕES O sequenciamento dos quase 3 bilhões de pares de nucleotídeos do DNA humano foi realizado pelo Projeto Genoma Humano, que contou com um esforço mundial na análise computacional desse DNA. Em 2001, os resultados desse projeto sugeriram a presença de mais de 30.000 genes no genoma humano e análises mais recentes apontam que esse número é menor, cerca de 20.500 genes, que foram catalogados por localização, estrutura e possível função. Muitos genes são formados portrechos de pares de nucleotídeos ao longo de uma molécula de DNA, passando por processos de duplicação, transcrição e tradução em aminoácidos para a formação de proteínas, processo chamado de expressão gênica (DNA → RNA → proteína). A sequência de aminoácidos que formarão uma proteína dependerá da sequência de códons (trincas de bases nitrogenadas) presentes no gene. Cada um dos 20 aminoácidos é codificado por 11 códons específicos, como o aminoácido glutamina, que é codificado quando um gene possui os códons GTT ou GTC na molécula de DNA. Dessa forma, as proteínas são sintetizadas pela leitura gradual e ordenada dos códons (Figura 6). Figura 6 – Expressão gênica Créditos: Soleil Nordic/Shutterstock. Qualquer modificação em um par de bases, em qualquer parte da molécula de DNA, pode ser considerada uma mutação. Entretanto, como o genoma humano é formado principalmente por regiões não codificadoras, a maior parte das mutações não afeta os produtos ou a expressão gênica, sendo denominadas mutações neutras. Além disso, as mutações podem ser somáticas, as quais ocorrem nas células somáticas e estão relacionadas ao desenvolvimento de tumores e doenças degenerativas, ou gaméticas, que ocorrem em células da linhagem germinativa e são transmitidas às futuras gerações (Becker; Barbosa, 2018). De acordo com Borges-Osório e Robinson (2013), as mutações que ocorrem num lócus gênico especifico são chamadas mutações gênicas de ponto ou pontuais, que podem envolver substituição, adição ou perda de uma única base. Se as modificações forem maiores, alterando os cromossomos, elas são denominadas mutações cromossômicas, sendo mutações estruturais as que modificam a estrutura dos cromossomos, e mutações numéricas as que alteram 12 o seu número. Algumas anomalias cromossômicas foram apresentadas no Tema 2 desta aula. As mutações também podem ser fixas entre gerações ou instáveis, quando sofrem alterações ao serem transmitidas de uma geração a outra. Um exemplo de mutação instável é a repetição da trinca CAG causadora da doença de Huntington, um distúrbio neurodegenerativo grave de herança autossômica dominante. A idade de início dessa doença é progressivamente mais precoce a cada geração; quanto maior o número de repetições, mais cedo a doença aparecerá. Embora não haja tratamento para esse distúrbio, a identificação do erro genético garantiu um teste preciso para o diagnóstico da doença (figura 7). Figura 7 – Mutação causadora da doença de Huntington Créditos: Blamb/Shuttterstock. As causas das mutações podem ser espontâneas, surgindo naturalmente durante erros nos processos replicação e reparo do DNA, mas também podem ser induzidas, quando a exposição a agentes mutagênicos induz ou aumenta a taxa de novas mutações. Exemplos de agentes mutagênicos são as radiações eletromagnética, raios X, substâncias químicas presentes em agrotóxicos e 13 corantes e agentes virais. Quanto maior for a exposição, maior será a taxa de mutação. TEMA 5 – HERANÇA DE GRUPOS SANGUÍNEOS ERITROCITÁRIOS Os sistemas de grupos sanguíneos eritrocitários são antígenos situados na superfície das hemácias, os quais constituem polimorfismos (alelos múltiplos) considerados importantes marcadores genéticos. Atualmente são conhecidos mais de 300 antígenos, dos quais 270 estão agrupados em cerca de 30 sistemas de grupos sanguíneos diferentes. Entretanto, os sistemas ABO e Rh são os mais importantes nos casos de transfusão sanguínea, uma vez que os receptores devem receber sangue de um tipo sanguíneo idêntico ao seu, mas, nos casos de emergência, indivíduos de outros tipos podem ser doadores, contanto que exista compatibilidade sanguínea entre o doador e o receptor (Becker; Barbosa, 2018). O sistema de grupos sanguíneos ABO classifica os seres humanos em quatro tipos sanguíneos, de acordo com a presença ou ausência dos antígenos (ou aglutinogênios) A e B nas hemácias de dos anticorpos (ou aglutininas) anti- A e anti-B no plasma sanguíneo (Figura 8). Figura 8 – Tipos sanguíneos do sistema ABO Créditos: Cloud Hoang/Shutterstock. Os antígenos A e B também podem ser encontrados em outras células, como linfócitos, plaquetas, endotélio de vasos sanguíneos e medula óssea, além de secreções como saliva, leite, urina e sêmen. Os anticorpos anti-A e anti-B começam a ser produzidos cerca de três meses após o nascimento e atingem sua produção máxima na adolescência. 14 Dessa forma, entende-se que uma pessoa do tipo A, que possui o anticorpo anti-B em seu plasma, não pode receber sangue de doadores tipo B ou AB, pois estes possuem antígenos B em suas hemácias. Da mesma forma, uma pessoa do tipo B, que possui anticorpo anti-A em seu plasma, não pode receber sangue de doadores tipo A ou AB, pois estes possuem o antígeno A em suas hemácias. Entretanto, pessoas do tipo AB, que não possuem anticorpos em seu plasma, são consideradas receptores universais e, portanto, podem receber sangue dos tipos A, B, AB e O, visto que os antígenos A e B recebidos não terão com quem reagir. Por fim, pessoas do tipo O, que possuem anticorpos anti-A e anti-B em seu plasma, só poderão receber sangue do seu próprio tipo, mas são consideradas doadoras universais, pois não apresentam antígeno A nem B nas suas hemácias (figura 9). Figura 9 – Transfusão entre grupos sanguíneos no sistema ABO Créditos: Igdeeva Alena/Shutterstock. Os quatro fenótipos observados no sistema ABO – A, B, AB e O – são determinados por três alelos principais, localizados no par de cromossomos número 9, denominados A, B e O. Cada um apresenta diversas variantes que foram surgindo por meio de mutações. Os alelos A e B são codominantes, o que 15 explica o fenótipo AB, e o alelo O é recessivo em relação aos dois anteriores, portanto, indivíduos com fenótipo O são, obrigatoriamente, homozigotos recessivos. O sistema de grupos sanguíneos Rh é determinado por um único par de alelos, Dd, embora existam variações. Indivíduos homozigotos dominantes (DD) ou heterozigotos (Dd) apresentam o fenótipo Rh+, indicando a presença do fator Rh nas hemácias, enquanto indivíduos homozigotos recessivos (dd) apresentam o fenótipo Rh- e, portanto, não apresentam o fator Rh. Os anticorpos anti-D não existem naturalmente no plasma sanguíneo dos seres humanos como os anticorpos anti-A e anti-B. A doença hemolítica perinatal (DHPN), também conhecida como eritroblastose fetal, pode acontecer quando a mãe Rh- é sensibilizada pelo filho Rh+. Neste caso, rupturas na placenta após o terceiro trimestre gestacional ou durante o parto possibilitam a passagem de hemácias da criança para a circulação materna e os anticorpos anti-D gerados como resposta podem ser transferidos para a circulação fetal, destruindo as hemácias do feto e causando anemia e liberação de eritroblastos (hemácias imaturas) no sangue. Geralmente, o primeiro filho não sofre ação dos anticorpos maternos, mas em uma segunda gestação o feto poderá ser prejudicado. Além disso, quando a mãe Rh negativa já sofreu uma transfusão incompatível, abortou um feto Rh positivo ou fez amniocentese, ela poderá ter ficado sensibilizada, o que acarretará em problemas logo na primeira gestação. As crianças que sobrevivem à DHPN apresentam, geralmente, surdez, deficiência mental e paralisia cerebral. Podem apresentar outros sinais clínicos, como hepatoesplenomegalia, ascite, petéquias hemorrágicas e edema generalizado (Borges-Osório; Robinson, 2018). NA PRÁTICA A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma das doenças neurodegenerativas do neurônio motor inferior (DNM), cujas manifestações clínicas mais evidentes são de natureza motora, incluindo perda de força, atrofia muscular, câimbras e distúrbios da marcha. A incidência anual da ELA ao redor do mundo varia entre 0,2 e 2,5 casos/1000.000 habitantes e os pacientesvão a óbito cerca de três anos após os primeiros sintomas, que aparecem em torno da quinta a sexta década de vida. 16 A esclerose lateral amiotrófica familiar (ELAf) é um tipo de ELA associada a uma herança genética de segregação mendeliana e mais de 20 genes já foram relacionados a essa doença, entre eles o gene C9ORF72 localizado no par de cromossomos número 9. Sabendo que a mutação de apenas um dos alelos que compõem esse gene é suficiente para uma pessoa manifestar a ELAf, procure explicar se esse é um exemplo de herança autossômica recessiva ou herança autossômica dominante. Calcule a probabilidade de filhos sem a doença e filhos afetados por ela nascerem de um casal heterozigoto para esse gene. FINALIZANDO Nesta aula, aprendemos que a descrição da estrutura e da organização da molécula de DNA foi determinante para o desenvolvimento da genética como conhecemos hoje. Por meio dessa descoberta, foi possível entender como o material genético se organiza dentro das células, quais são os genes associados à produção de proteínas humanas e como mutações nesses genes estão associadas à ocorrência de diversas doenças. O Projeto Genoma Humano permitiu o sequencimento de todos os cromossomos humanos, trazendo significativos avanços no estudo, em diagnósticos e no aconselhamento de diversas síndromes hereditárias. Entretanto, vimos que as bases da genética foram estabelecidas um século antes, pelos experimentos realizados por Gregor Mendel com suas ervilhas, postulando a lei da segregação dos fatores, comprovadamente correta pelos avanços posteriores. Dessa forma, aprendemos os principais conceitos relacionados à genética, de que forma as características hereditárias são passadas de geração a geração e como os genes estão relacionados aos diferentes fenótipos encontrados nos seres humanos, como os grupos sanguíneos e determinadas doenças. 17 REFERÊNCIAS BECKER. R. O.; BARBOSA, B. L. F. Genética básica. São Paulo: Sagah Educação S. A., 2018. BORGES-OSÓRIO, M. R.; ROBINSON, W. M. Genética humana. 3. ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2013. GESTÃO EDUCACIONAL. Heredograma – O que é? Simbologia, Termos e Exercícios. [S.d.]. Disponível em: <https://www.gestaoeducacional.com.br/heredograma-o-que-e>. Acesso em: 3 dez. 2020. SINUSTAD, D. P.; SIMMONS, M. J. Fundamentos da genética. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. GENÉTICA E NEUROANATOMIA AULA 2 Profª Patrícia Carla de Oliveira 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, daremos início ao estudo da neuroanatomia, ramo da ciência responsável pela descrição das estruturas anatômicas complexas do sistema nervoso central e periférico. O sistema nervoso é o mais complexo e diferenciado sistema do organismo, logo, sua anatomia também é uma das mais complexas do corpo humano e, por isso, seu estudo merece uma atenção redobrada. Primeiramente, trabalharemos os principais conceitos referentes à anatomia microscópica do sistema nervoso e que envolvem o estudo das células que compõem o tecido nervoso, como os neurônios e as células da glia ou neuroglia. Com base no entendimento das características anatômicas e funcionais dessas células, será possível a compreensão dos mecanismos de transmissão dos impulsos nervosos por meio das sinapses, forma pela qual o sistema nervoso controla e coordena as funções corporais. Além disso, iniciaremos o entendimento sobre as consequências clínicas das lesões causadas por traumatismos, interferência no suporte sanguíneo e doenças infecciosas ou autoimunes no tecido nervoso. TEMA 1 – NEURÔNIOS Os neurônios são as unidades fundamentais do tecido nervoso e, por serem células excitáveis, são capazes de receber, interpretar e enviar impulsos nervosos, organizando e coordenando as funções do organismo por meio dos circuitos de condução formados por seus prolongamentos, no sistema nervoso central (SNC) e no sistema nervoso periférico (SNP). Todos os neurônios possuem como componentes básicos o corpo celular, dendritos e axônio, cada qual responsável por funções específicas (Figura 1). O corpo celular, também chamado de pericário, é o local onde se encontram o núcleo e o citoplasma com organelas normalmente também encontradas em outros tipos celulares. 3 Figura 1 – Componentes básicos de um neurônio Crédito: Logika600/Shutterstock. O núcleo é grande, granuloso e arredondado, normalmente ocupando a posição central do pericário. Nele, podem ser vistos um ou mais nucléolos, responsáveis pela alta taxa de síntese de proteínas nesse tipo de célula. No citiplasma destaca-se a presença de mitocôndrias, retículo endoplasmático granular e agranular, complexo golgiense e ribossomos, visto que essa estrutura é o centro metabólico do neurônio, além de microtúbulos e microfilamentos que fazem parte do esqueleto celular e participam dos processos de transporte de substâncias entre corpo celular e axônio. Os ribossomos podem se associar ao retículo endoplasmático rugoso e, em consequência, ao microscópio são identificados como grumos basófilos denominados corpúsculos de Nissl, responsáveis pela síntese de proteínas, que fluem ao longo dos dendritos e axônio e substituem as proteínas que foram degradadas durante a atividade celular. A observação dos corpúsculos de Nissl pode ser utilizada para a avaliação funcional dos neurônios, já que células lesadas ou exauridas costumam apresentar cromatólise, ou seja, diminuição ou desintegração dos corpúsculos de Nissl, juntamente com outros sinais de sofri- mento celular (Cosenza, 2013). Os dendritos são extensões, geralmente curtas e múltiplas, do corpo celular e têm como função receber estímulos, encaminhando-os para o corpo celular. Seu citoplasma é muito semelhante ao do corpo celular, seu diâmetro diminui à medida que se distanciam do corpo celular, e alguns dendritos emitem pequenas projeções chamadas espículas dendríticas, aumentando a superfície 4 de recepção do impulso nervoso vindo de outros neurônios. Dessa forma, as espinhas dendríticas estão relacionadas à plasticidade neural da memória e aprendizagem, ramificando-se ou diminuindo de acordo com estímulos ambientais (Figura 1). O axônio origina-se no cone de implantação do corpo celular e normalmente é único e de diâmetro uniforme. Pode ser curto ou longo e se ramifica na sua porção final, formando terminações nervosas que estabelecem conexões e encaminham a informação recebida do corpo celular para outros neurônios, células efetoras, músculos ou glândulas. O citoplasma se assemelha ao do corpo celular e a membrana plasmática pode ou não estar recoberta pela bainha de mielina, diferenciando os axônios em fibras mielínicas e fibras amielínicas (Figura 1). O transporte de substâncias entre o corpo celular e as terminações do axônio pode acontecer de forma anterógrada ou retrógrada. No transporte anterógrado, substâncias como proteínas e neurotransmissores são levadas do corpo celular para as terminações nervosas; no transporte retrógrado, algumas substâncias são levadas na direção oposta. O transporte retrógrado explica como os corpos celulares das células nervosas respondem a alterações na extremidade distal dos axônios. Por exemplo, receptores de fatores de crescimento ativados podem ser levados ao longo do axônio até seu local de ação no núcleo (Snell, 2019). Morfologicamente, os neurônios podem ser classificados em multipolares, quando apresentarem vários polos de comunicação por meio de um axônio e vários dendritos; pseudounipolares, quando tiverem um só prolongamento dividido em dendrito e axônio; e bipolares, quando possuírem dois prolongamentos, um axônio e um dendrito de tamanhos semelhantes (Schmidt; Prosdócimi, 2017). De acordo com os mesmos autores, os neurônios multipolaressão o tipo mais comum no organismo, existem em maior quantidade e correspondem funcionalmente a neurônios eferentes (motores) ou a neurônios de associação (ou interneurônios). Os pseudounipolares correspondem a neurônios aferentes (sensitivos) e ficam, em geral, no sistema nervoso periférico. Já os bipolares são o tipo mais raro do organismo e existem, por exemplo, na mucosa olfatória e na retina. A Figura 2 representa os tipos morfológicos dos neurônios. 5 Figura 2 – Tipos básicos de neurônios Crédito: Designua/Shutterstock. Em relação ao comprimento do axônio, os neurônios podem ser classificados em: neurônios do tipo I de Golgi ou de projeção, quando possuírem um axônio longo, e neurônios do tipo II de Golgi, quando possuírem axônio curto. Funcionalmente, podem ser sensitivos ou aferentes, quando se dirigem ao SNC, e motores ou eferentes, quando inervam os músculos estriados esqueléticos. Podem, ainda, ser interneurônios, se estiverem interpostos entre dois neurônios (Figura 3). Por fim, dependendo dos neurotransmissores que expressam, levam também o nome dessas substâncias. Assim, expressam acetilcolina ou serotonina, por exemplo, sendo chamados de neurônios colinérgicos ou serotoninérgicos, respectivamente (Martinez; Allodi; Uziel, 2014). 6 Figura 3 – Neurônio sensitivo, neurônio motor e interneurônio Crédito: stihii/Shutterstock. TEMA 2 – NEUROGLIA As células da glia, ou simplesmente neuroglia, também estão presentes no tecido nervoso e dão suporte metabólico e estrutural aos neurônios, o que é vital para o desempenho adequado das funções neuronais. As células que formam a neuroglia, em geral, são menores e mais numerosas que os neurônios, compreendendo a metade do volume total do encéfalo e da medula espinal. Diferentemente dos neurônios, a neuroglia não produz impulso nervoso e não faz sinapse com outras células, mas é capaz de se multiplicar por mitose quando há danos no sistema nervoso, mesmo em adultos. Didaticamente, as células da glia são classificadas de acordo com sua localização no sistema nervoso. No SNC estão presentes astrócitos, oligodendrócitos, microgliócitos e células ependimárias. No SNP encontram-se as células satélites e as células de Schwann, que podem ser consideradas como um mesmo tipo celular, expressando dois fenótipos dependendo da parte do neurônio que se relacionam. A Figura 4 apresenta as células que compõem a neuroglia. 7 Figura 4 – Neurônios e células da glia Crédito: LDarin/Shutterstock. Os astrócitos são as maiores e mais abundantes células da glia, possuindo vários prolongamentos citoplasmáticos que se ramificam em todas as direções. Morfologicamente são divididos em: astrócitos protoplasmáticos, presentes na substância cinzenta; e astrócitos fibrosos, encontrados na substância branca. Muitas funções estão relacionadas aos astrócitos, dentre as quais o suporte estrutural por meio do preenchimento de espaço entre neurônios e seus prolongamentos; síntese e degradação de compostos neuronais, além do armazenamento de glicogênio para reserva energética; reparo de lesões por meio do preenchimento do espaço no qual houve perda de neurônios; controle da composição iônica dos fluidos extracelulares por meio da captação de potássio e consequente tamponamento iônico; e degradação de neurotransmissores para nova síntese dessas moléculas. Os astrócitos também permitem a passagem de substâncias e matéria-prima dos capilares sanguíneos para os neurônios, bem como a liberação de resíduos dos neurônios para os capilares. Por fim, desempenham um papel importante na barreira hematoencefálica, impedindo que substâncias, toxinas e até medicamentos danifiquem os neurônios. Os oligodendrócitos, por sua vez, são menores e possuem poucos prolongamentos. Conforme sua localização, distinguem-se em: oligodendrócitos satélites, ao redor de corpos celulares de neurônios; e oligodendrócitos 8 fasciculares, junto às fibras nervosas. A função primordial dos oligodendrócitos é a produção de bainha de mielina nas fibras nervosas do SNC, conferindo aos axônios uma cobertura isolante que aumenta a velocidade de condução nervosa. Os microgliócitos são as menores células da glia e possuem poucos prolongamentos. Estão relacionados à fagocitose de detritos celulares, como resposta à lesão ou infecção no sistema nervoso, promovendo a reparação tecidual. Assemelham-se aos macrófagos do tecido conjuntivo, pois participam de respostas imunológicas que destroem microrganismos. Aumentam em número na presença de tecido nervoso lesionado por traumatismo e isquemia e em consequência de doenças como a doença de Alzheimer, doença de Parkinson, esclerose múltipla e Aids. Muitas dessas células novas são monócitos que migraram do sangue (Snell, 2019). As células ependimárias podem ter formato cuboide ou colunar e formam um epitélio simples de revestimento nas cavidades do encéfalo e no canal central da medula espinal, colocando essas cavidades em contato com o líquido cérebro-espinhal. Nos ventrículos cerebrais, um tipo de célula ependimária modificada recobre tufos de tecido conjuntivo, rico em capilares sanguíneos que se projetam da pia-máter, constituindo os plexos corioideos, responsáveis pela formação do líquido cérebro-espinhal (Machado; Raertel, 2014). As células de Schwann são responsáveis pela formação da bainha de mielina nos axônios do SNP e, por isso, são consideradas as principais células da glia presentes nessa divisão do sistema nervoso (Figura 5). Em caso de injúria de nervos, as células de Schwann desempenham importante papel na regeneração das fibras nervosas, fornecendo substrato que permite o apoio e o crescimento dos axônios em regeneração. Além disso, nessas condições apresentam capacidade fagocítica e podem secretar fatores tróficos que, captados pelo axônio e transportados ao corpo celular vão desencadear ou incrementar o processo de regeneração axônica (Machado; Raertel, 2014). 9 Figura 5 – Célula de Schwann Crédito: Designua/Shutterstock. TEMA 3 – FIBRAS NERVOSAS E NERVOS Grande parte dos axônios encontrados no sistema nervoso está envolta pela bainha de mielina, uma substância adiposa associada a proteínas, que funciona como um isolante elétrico, aumentando a velocidade de transmissão do impulso nervoso. No SNC a mielina é formada pelos oligodendrócitos e no SNP é formada pelas células de Schwann. Nesse processo, várias camadas da membrana celular dessas células se enrolam ao redor do axônio e, em alguns casos, formam duas bainhas, a de mielina e a de neurilema. Em intervalos regulares, existem interrupções nessas bainhas chamadas nódulos de Ranvier e cada segmento de fibra situado entre eles é denominado internódulo. Fibras nervosas mielínicas são aquelas formadas por axônios envoltos pela bainha de mielina que, em associação à neuroglia, formam a substância branca encontrada no sistema nervoso central. A substância cinzenta, por sua vez, é constituída pelos corpos celulares de neurônios, associados às fibras amielínicas e à neuroglia. No SNC, as fibras nervosas agrupam-se em feixes ou fascículos e no SNP as fibras nervosas formam os nervos. As fibras mielinizadas conduzem o impulso nervoso várias vezes mais rapidamente que uma fibra amielínica, pois os fenômenos elétricos responsáveis 10 pela propagação do impulso terão lugar, nas fibras mielinizadas, apenas nas regiões da membrana axônica que não estiverem envolvidas pela mielina, os nódulos de Ranvier. Essa condução em saltos possibilita uma multiplicação da velocidade de condução do impulso nervoso em até cem vezes (Cosenza, 2013). A Figura 6 representa a condução saltatória nas fibras mielinizadas. Figura 6 – Condução saltatória do impulso nervoso nas fibras mielinizadas Crédito:Pikiru/Shutterstock. Na formação dos nervos, fibras mielínicas e amielínicas são envolvidas por delicadas fibrilas de colágeno do tecido conjuntivo formando o endoneuro, camada que envolve cada fibra nervosa e as organiza em fascículos. Ao redor de cada fascículo está uma camada denominada perineuro, composta por tecido conjuntivo denso e células epiteliais. Por fim, o nervo como um todo é formado pelo conjunto de fascículos cobertos por uma camada externa chamada epineuro, da qual fazem parte tecido conjuntivo e vasos sanguíneos que trazem oxigênio e outros metabólitos importantes (Figura 7). 11 Figura 7 – Estrutura do nervo Crédito: VectorMine/Shutterstock. Em sua porção distal, os nervos irão entrar em contato com os órgãos periféricos por meio de terminações nervosas, que podem ser sensoriais ou motoras. As terminações nervosas sensoriais, também chamadas de receptores sensoriais, serão sensíveis a determinado tipo de estímulo, a partir do qual desencadearão o aparecimento de impulsos nervosos nas fibras aferentes ao SNC. Existem, assim, receptores táteis, térmicos, dolorosos etc. (Figura 8). As terminações nervosas motoras vão estabelecer contato entre as fibras nervosas e os efetuadores: músculos ou glândulas (figura 9). Elas podem ser chamadas de junções neuromusculares ou junções neuroglandulares (Cosenza, 2013). 12 Figura 8 – Receptores sensoriais da pele Crédito: Erebor Mountain/Shutterstock. Figura 9 – Junção neuromuscular Crédito: Designua/Shutterstock. TEMA 4 – CONDUÇÃO DO IMPULSO NERVOSO Os neurônios apresentam um potencial de membrana, à semelhança de outros tipos de células, cujo interior é eletricamente negativo em relação ao meio externo. As células nervosas têm a capacidade de utilizar esse potencial de membrana para a transmissão intercelular de sinais elétricos. No seu estado em 13 repouso, esse potencial é chamado potencial de repouso, e situa-se geralmente entre 70 e 90 milivolts. Os estímulos excitatórios despolarizam a membrana celular, enquanto os inibitórios hiperpolarizam-na. A despolarização, hiperpolarização, repolarização e restauração do potencial de membrana de repouso se fazem a expensas de trocas de íons (sódio, potássio, cloro, cálcio) através de canais iônicos voltagem-dependentes (Meneses, 2015). Nesse processo, estímulos elétricos, mecânicos ou químicos alteram a permeabilidade da membrana plasmática dos neurônios aos íons Na+, os quais adentram o citoplasma celular, provocando a despolarização da membrana e a consequente produção de um potencial de ação de +40 mV. Ao cessar a permeabilidade aos íons Na+, a permeabilidade da membrana aos íons K+ aumenta e estes saem do citoplasma, retornando para a área localizada da célula em repouso. Esse mecanismo é chamado bomba de sódio e potássio e mantém as condições normais de repouso após o estímulo (Figura 10). Figura 10 – Bomba de sódio e potássio Crédito: Extender_01/Shutterstock. Uma vez gerado, o potencial de ação estende-se à membrana plasmática, afastando-se do ponto de início, e é conduzido ao longo do axônio como impulso nervoso. Esse impulso é autopropagado e seu tamanho e frequência não se modificam. Depois que o impulso nervoso se estendeu por dada região da membrana plasmática, outro potencial de ação não pode ser suscitado imediatamente. A duração desse estado não excitável denomina-se período 14 refratário e controla a frequência máxima que os potenciais de ação podem ser conduzidos ao longo da membrana plasmática (Snell, 2019). Quando o impulso nervoso chega até as terminações axonais, faz-se necessária uma sinapse nervosa para que a informação seja transferida para os próximos neurônios ou células efetoras. De acordo com Martin (2013), a sinapse consiste em três elementos distintos: (1) o terminal pré-ganglionar, a terminação axônica do neurônio pré-sináptico, (2) a fenda sináptica, o espaço intercelular estreito entre os neurônios e (3) a membrana receptora do neurônio pós- sináptico (Figura 11). Figura 11 – Sinapse química Crédito: Designua/Shutterstock. Para enviar uma mensagem a seus neurônios pós-ganglionares, um neurônio pré-ganglionar libera neurotransmissores, embalados em vesículas, na fenda sináptica (Figura 11). Os neurotransmissores são compostos de peso molecular pequeno; entre estes encontram-se os aminoácidos (por exemplo, glutamato; glicina; e ácido Ƴ-aminobutírico [GABA]), acetilcolina e compostos monoaminérgicos, como a noradrenalina e a serotonina. Moléculas maiores, como peptídeos (por exemplo, acefalina e substância P) também atuam como neurotransmissores. Após a liberação na fenda sináptica, as moléculas do 15 neurotransmissor difundem-se pela fenda e ligam-se aos receptores na membrana pós-sináptica. (Martin, 2013). A maioria das sinapses envolve a liberação de neurotransmissores e são, por isso, denominadas sinapses químicas, podendo ser classificadas de acordo com suas características fisiológicas, bioquímicas e morfológicas. As sinapses excitatórias despolarizam a membrana do neurônio pós-sináptico, propagando o sinal elétrico, enquanto as sinapses inibitórias hiperpolarizam a membrana do neurônio pós-sináptico, bloqueando o sinal elétrico. Bioquimicamente, existem as sinapses colinérgicas, adrenérgicas, dopaminérgicas, entre outras, dependendo do neurotransmissor liberado na fenda sináptica. Segundo critérios morfológicos, na maioria das vezes, as sinapses são axodendríticas (entre as terminações axonais do neurônio pré-ganglionar e os dendritos do neurônio pós- sináptico), axossomáticas (entre as terminações axonais do neurônio pré- ganglionar e o corpo celular do neurônio pós-sináptico) ou axoaxônicas (entre axônios dos neurônios pré e pós-ganglionares). Além das sinapses químicas, existem ainda as sinapses físicas. Esse tipo de sinapse nervosa não faz uso de neurotransmissores e possibilita a passagem do impulso elétrico por meio do acoplamento de canais iônicos em junções comunicantes, garantindo rapidez e sincronização de descarga em vários neurônios, por exemplo, no centro respiratório do bulbo, onde esse disparo sincronizado é responsável pelo ritmo respiratório. Segundo Machado e Raertel (2014), ao contrário das sinapses químicas, as sinapses elétricas não são polarizadas, ou seja, a comunicação entre os neurônios envolvidos se faz nos dois sentidos (Figura 12) 16 Figura 12 – Sinapse física Crédito: Designua/Shutterstock. TEMA 5 – CORRELAÇÕES ANATOMOCLÍNICAS Lesões nos neurônios devido a traumatismos, interferência no suprimento sanguíneo, doenças infecciosas ou autoimunes podem causar comprometimento total dos neurônios e nem sempre é possível sua regeneração. Como exemplo, podemos citar a herpes-zóster, um distúrbio relativamente comum causado pela reativação do vírus varicela-zóster latente em paciente que previamente teve varicela. A infecção é detectada no primeiro neurônio sensitivo de um nervo craniano ou espinal. A lesão se apresenta como inflamação e degeneração do neurônio sensitivo, com a formação de vesículas e inflamação da pele (Figura 13). O primeiro sintoma é dor na distribuição do neurônio sensitivo, seguida alguns dias depois por erupção cutânea (Snell, 2019). 17 Figura 13 – Erupção cutânea por herpes-zóster Crédito: Anukool Manoton/Shutterstock. A desmielinização de fibras nervosas também pode acarretar patologias, como a esclerose múltipla (EM). Nesse caso, a doença tem origem autoimune, e a inflamação crônica é causada porque o sistema imune ataca, erroneamente, mielina, axônios mielinizados e oligodendrócitos no encéfalo, na medula e no nervo óptico. Dessa forma, a condução saltatória nos axônios é prejudicada, diminuindo a velocidade de condução nervosaaté sua total parada. Essa doença é progressiva e os principais sintomas incluem perda de coordenação motora, fraqueza, dificuldades na visão e disfunção cognitiva. Ao longo dos anos ocorrem períodos sintomáticos cada vez mais graves seguidos por períodos de remissão (Figura 14). 18 Figura 14 – Esclerose múltipla Crédito: Designua/Shutterstock. Na Síndrome de Guillain-Barré (figura 15), a desmielinização, também de origem autoimune, acomete os nervos periféricos e a sintomatologia decorre diretamente da redução ou ausência de condução do impulso nervoso que leva à contração da musculatura estriada esquelética, resultando em fraqueza muscular progressiva seguida de paralisia. No quadro típico, a paralisia evolui de forma ascendente, iniciando-se em membros inferiores e podendo levar à perda da marcha. Em casos mais graves, atinge a musculatura respiratória, com necessidade de ventilação mecânica (Machado; Raertel, 2014). 19 Figura 15 – Síndrome de Guillain-Barré Crédito: Vector Mine/Shutterstock. Epilepsias são disfunções temporárias e normalmente reversíveis, resultantes de fatores hereditários, malformações cerebrais, erros inatos do metabolismo e até mesmo de fatores etiológicos desconhecidos, em que alterações na excitabilidade de um grupo de neurônios provocam atividade elétrica anormal e consequente perda da consciência e contração rítmica de toda a musculatura. A consciência se recupera progressivamente após cessarem as contrações musculares, mas, a longo prazo, podem ocorrer lesões cerebrais definitivas se os episódios não forem controlados (Figura 16). 20 Figura 16 – Epilepsia Crédito: Vector Mine/Shutterstock. Raiva e hanseníase são exemplos de doenças infecciosas cujos microrganismos causadores penetram nas terminações nervosas e chegam ao corpo celular de neurônios da medula por meio do fluxo axoplasmático retrógrado. Isso é possível porque terminações nervosas sensoriais livres das placas motoras e autonômicas não possuem envoltórios e, portanto, não são protegidas por barreiras como ocorre nos nervos. Na raiva, o paciente apresenta comprometimento do cérebro, confusão mental, desorientação, agressividade, alucinações e hidrofobia. Na hanseníase, as fibras nervosas são degeneradas, o que causa formigamento, redução na sensação de tato ou perda da sensação de temperatura (Figura 17). 21 Figura 17 – Hanseníase Crédito: Vector Mine/Shutterstock. NA PRÁTICA Anestesia é o estado de total ausência de dor e outras sensações durante uma operação, exame diagnóstico ou curativo. Ela pode ser geral, isto é, para o corpo todo, ou parcial, também chamada regional, quando apenas uma região do corpo é anestesiada. Sob o efeito de uma anestesia geral, o paciente dorme. Com anestesia regional, o paciente pode ficar dormindo ou acordado, conforme a conveniência, embora parte de seu corpo fique anestesiada. Existem diversos tipos de anestésicos gerais e locais. Os locais são depositados perto dos nervos, enquanto anestésicos gerais são administrados pela veia ou através da respiração. Todos proporcionam anestesias adequadas. A escolha do anestésico varia com o tempo e o tipo de operação, e com as condições físicas e emocionais do paciente. Depois de conhecê-lo, avaliar seus exames pré-operatórios e saber a cirurgia proposta, o anestesiologista indicará a melhor opção. 22 Com base nessas informações, procure explicar quais são os anestésicos locais mais utilizados em procedimentos médicos e cirurgias. Descreva o mecanismo de ação dessas substâncias e sua interferência na condução do impulso nervoso, bem como a relação entre o tamanho das fibras nervosas e sua sensibilidade aos anestésicos. FINALIZANDO Ao final dessa aula é possível consolidar o conhecimento a respeito das estruturas que compõem o tecido nervoso e como o funcionamento dessas estruturas permite a transmissão dos impulsos nervosos que controlam e coordenam as funções corporais pelo sistema nervoso. O neurônio é a unidade fundamental do tecido nervoso e é responsável pela transmissão dos impulsos elétricos por meio das sinapses nervosas. Entretanto, essa célula tem apoio estrutural e metabólico das células presentes na neuroglia que permitem, por exemplo, a formação da bainha de mielina nos axônios dos neurônios e o reparo dessas estruturas depois de lesões e injúrias. Os axônios dos neurônios formam as fibras nervosas e os nervos presentes no sistema nervoso central e periférico. Sua porção final forma ramificações chamadas de terminações nervosas sensoriais ou motoras, que recebem ou encaminham os impulsos nervosos para órgãos efetores como músculos e glândulas, por meio da libração de neurotransmissores nas sinapses químicas ou junções comunicantes nas sinapses físicas. Por fim, lesões no tecido nervoso permitem o desenvolvimento de algumas patologias como a esclerose múltipla, a síndrome de Guillain-Barré, epilepsias, além de infecções. 23 REFERÊNCIAS COSENZA, R. M. Fundamentos de neuroanatomia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. FALAVIGNA, A.; VALENTIN NETO, J. G. Neuroanatomia. Caxias do Sul: Educs, 2012. Tomo III. MACHADO, A.; RAERTEL, L. M. Neuroanatomia funcional. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2014. MARTIN. J. H. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH Editora LTDA, 2013. MARTINEZ. A.; ALLODI, S.; UZIEL, D. Neuroanatomia essencial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. MENESES, M. S. Neuroanatomia aplicada. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. NOURELDINI, M. H. A. Fundamentos de neuroanatomia: um guia clínico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019. PEDROSO, J. L. et. al. Neurogenética na prática clínica. Rio de Janeiro: Atheneu, 2019. SCHIMIDT, A. G.; PROSDOCIMI, F. C. Manual de neuroanatomia humana: um guia prático. São Paulo: Roca, 2017. SNELL, R. S. Neuroanatomia clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. GENÉTICA E NEUROANATOMIA AULA 3 Profª Patrícia Carla de Oliveira 2 CONVERSA INICIAL Iniciaremos esta aula com o estudo das etapas do desenvolvimento embrionário que originam o sistema nervoso. Dessa forma, será possível entender por que alguns termos são utilizados mesmo quando nos referimos ao sistema nervoso adulto. Além disso, esse estudo permite a divisão didática do sistema nervoso de acordo com critérios anatômicos e funcionais, bem como a compreensão das malformações que podem ocorrer em recém-nascidos. Dentro desse contexto, discutiremos sobre a formação dos ventrículos encefálicos pela luz do tubo neural durante o desenvolvimento embrionário, bem como a formação do líquido que preenche os ventrículos e o espaço subaracnóideo no encéfalo e na medula. Entenderemos também os principais conceitos sobre a distribuição, componentes e funções das membranas que recobrem e protegem o sistema nervoso central: dura-máter, aracnoide e pia- máter. Por fim, estudaremos sobre a vascularização e as barreiras encefálicas do sistema nervoso central, além das correlações anatomoclínicas referentes ao conteúdo desta aula. TEMA 1 – DESENVOLVIMENTO E ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO O sistema nervoso tem origem nas primeiras semanas de vida do embrião, portanto, a neuroembriologia (organogênese do sistema nervoso) permite a compreensão da disposição anatômica e da nomenclatura utilizada, além da compreensão das malformações congênitas do sistema nervoso. O folheto embrionário que dá origem ao sistema nervoso é o ectoderma que, a partir da terceira semana de desenvolvimento, é induzido pela notocorda e se espessa formando a placa neural. A região craniana mais largadessa placa dará origem ao encéfalo e a região caudal mais estreita dará origem a medula espinal. Para que isso aconteça, a placa neural apresenta progressivamente uma invaginação que formará um sulco neural e então a goteira neural. O posterior fechamento dessa goteira na quarta semana de vida intrauterina cria o tubo neural, responsável pela origem do sistema nervoso central. Esse processo chamado neurulação tem início na porção média da placa neural e termina nos 3 sentidos cranial (neuroporo anterior) e caudal (neuroporo posterior), isolando o ectoderma do meio externo (Figura 1). Figura 1 – Formação do tubo neural Crédito: Vasilisa Tsoy/Shutterstock. Durante a formação do tubo neural, duas projeções dorsolaterais de células da placa neural formam uma estrutura chamada crista neural. As células da crista neural darão origem a grande parte do sistema nervoso periférico, como os gânglios sensoriais dos nervos espinais e cranianos, os gânglios viscerais do sistema nervoso autônomo, as células de Schwann e as meninges. O tubo neural dilata-se mais na sua extremidade anterior, formando uma dilatação denominada vesícula encefálica ou arquencéfalo. Esta originará o encéfalo, enquanto a parte posterior do tubo, que não sofre tanta diferenciação, dará origem a medula espinal (Schmidt; Prosdócimi, 2017). O lúmen do tubo dará origem ao sistema ventricular encefálico e ao canal central da medula. Como descrito por Schmidt e Prosdócimi (2017), ao final da quarta semana de vida intrauterina, o arquencéfalo formará três dilatações chamadas de vesículas encefálicas primordiais (ou primárias): prosencéfalo ou encéfalo anterior; mesencéfalo ou encéfalo médio e; rombencéfalo ou encéfalo posterior, que é contínuo ao restante do tubo neural, a medula primitiva. Assim, as três 4 dilatações formam o encéfalo primitivo e o restante do tubo neural forma a medula primitiva, que, futuramente, originará a medula espinal (Figura 2). Figura 2 – Formação das vesículas encefálicas primordiais Crédito: Vasilisa Tsoy/Shutterstock. Na quinta semana de desenvolvimento, as três vesículas primárias dividem-se e formam cinco vesículas secundárias: o prosencéfalo se divide em telencéfalo e diencéfalo; o rombencéfalo de divide em metencéfalo e mielencéfalo; e o mesencéfalo permanece como dilatação única. O telencéfalo formará os hemisférios cerebrais e os núcleos de base, enquanto o diencéfalo formará o tálamo, o hipotálamo, o epitálamo e o subtálamo. Todas essas estruturas juntas formam a região conhecida como cérebro. Por sua vez, o metencéfalo formará a ponte e o cerebelo, enquanto o mielencéfalo formará o bulbo. O mesencéfalo continua com o mesmo nome no adulto (Figura 3). 5 Figura 3 – Formação do encéfalo Crédito: Veronika By/Shutterstock. As células-tronco existentes no tubo neural e nas vesículas encefálicas sofrem divisões celulares sucessivas entre a sexta e a vigésima semanas da vida uterina, num processo de proliferação denominado neurogênese. Na medida em que são formadas, essas células respondem a sinais químicos secretados por outras células do embrião e iniciam o processo de migração para a região definitiva do sistema nervoso em que exercerão suas funções. A partir daí, acontece a diferenciação e a maturação dessas células, que adquirem características morfológicas e bioquímicas específicas no tecido nervoso, bem como a mielinização e a formação das redes neuronais. Como o resultado dessas etapas anteriores é um número maior de neurônios e sinapses do que caracteriza o ser humano após o nascimento, acontece uma morte neuronal programada, regulada por fatores neurotróficos no tecido-alvo. Para compreender melhor a disposição, a organização e o funcionamento do sistema nervoso, este pode ser dividido didaticamente de acordo com critérios embriológicos, anatômicos ou funcionais. Anatomicamente, o sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC), do qual fazem parte o encéfalo e a medula espinal; e sistema nervoso periférico (SNP), composto pelos gânglios nervosos, nervos cranianos e nervos espinais. No encéfalo estão localizados cérebro, cerebelo e tronco encefálico que, por sua vez, é composto pelo mesencéfalo, ponte e bulbo (Figura 4). 6 Figura 4 – Divisão anatômica do sistema nervoso Crédito: marina_ua/Shutterstock. Pelo critério funcional, o sistema nervoso é dividido em sistema nervoso somático (SNS), que relaciona o organismo com o meio ambiente de forma consciente, e o sistema nervoso visceral (SNV), que realiza controle e inervação inconsciente de estruturas viscerais. Nas duas divisões existem vias aferentes que levam os estímulos até os centros de controle e vias eferentes que partem do sistema nervoso desencadeando respostas voluntárias no SNS e involuntárias no SNV. O componente eferente do sistema nervoso visceral é denominado sistema nervoso autônomo (SNA) e se divide em simpático e parassimpático. TEMA 2 – MENINGES O sistema nervoso central é revestido por três membranas de origem conjuntiva, que protegem e isolam o SNC dos outros tecidos corporais. A membrana mais externa é a dura-máter, também chamada de paquimeninge, e se relaciona com o crânio e o canal vertebral. A aracnoide é a meninge intermediária e a pia-máter recobre diretamente o encéfalo e a medula. Juntas, aracnoide e pia-máter formam uma estrutura chamada leptomeninge. A Figura 5 evidencia as três membranas que recobrem do SNC. 7 Figura 5 – Meninges e o SNC Crédito: Designua/Shutterstock. A dura-máter é a membrana mais superficial, espessa e resistente, devido a sua composição de tecido conjuntivo rico em fibras colágenas, vasos sanguíneos e nervos. A inervação principal é realizada pelo nervo trigêmeo e a artéria meníngea média promove a vascularização mais evidente. De acordo com Machado; Raertel (2014), como o encéfalo não possui terminações nervosas sensitivas, toda a sensibilidade intracraniana se localiza na dura-máter e nos vasos sanguíneos, responsáveis, assim, pela maioria das dores de cabeça. No encéfalo, a dura-máter divide-se em dois folhetos: o periosteal, mais externo e aderido aos ossos do crânio, correspondendo, portanto, ao periósteo que reveste a face interna desses ossos; e a camada meníngea, mais interna e contínua à dura-máter única que envolve a medula espinal. Dessa forma, na região encefálica não há um espaço epidural entre os ossos e a dura-máter, como aquele observado na região medular. O folheto periosteal não possui capacidade de regeneração, o que dificulta a consolidação de fraturas ou perdas ósseas no crânio. Porém, essa característica se torna importante e vantajosa, visto que calos ósseos nessa região poderiam trazer danos ao encéfalo. A camada meníngea está aderida ao folheto externo, mas em algumas áreas projeta-se para formar as cinco pregas da dura-máter, que dividem a 8 cavidade craniana em compartimentos que se comunicam. São elas: foice do cérebro, tenda do cerebelo, foice do cerebelo, diafragma da cela túrcica e cravo trigeminal. O espaço gerado entre as camadas da dura-máter, durante a formação das pregas, forma os seios venosos responsáveis por receber sangue do encéfalo e do globo ocular e drenar sangue para as veias jugulares internas. São eles: seio occipital, seio sagital inferior, seio reto, seios transversais direito e esquerdo, seio sigmoide, seios intercavernosos, seio esfenoparietal, seio petroso superior, seio petroso inferior e seio basilar. A aracnoide é uma membrana avascular, delicada e impermeável localizada entre a dura-máter e a pia-máter. É separada da pia-máter pelo espaço virtual subdural, que contém pequena quantidade de líquido lubrificante, e separada da pia-máter pelo espaço subaracnóideo, que contém o líquido cerebroespinhal ou líquor, por onde as trabéculasda aracnoide atravessam para se ligar à pia-máter. De acordo com Snell (2019), todas as artérias e veias cerebrais residem no espaço subaracnóideo, bem como os pontos de saída dos nervos cranianos. A profundidade do espaço subaracnóideo é variável e as grandes dilatações são denominadas cisternas, que contêm grande quantidade de líquor. São elas: cisterna magna, cisterna pontinha, cisterna interpeduncular, cisterna quiasmática, cisterna superior e cisterna da fossa lateral do cérebro. Martinez, Allodi e Uziel (2014) destacam que a cisterna magna é a maior delas e pode ser puncionada entre o osso occipital e o atlas para coleta de líquor. A aracnoide apresenta algumas projeções chamadas granulações aracnoideas, que penetram nos seios da dura-máter, principalmente no seio sagital superior, em que se apresentam em maior quantidade. As granulações aracnoideas são locais onde o líquor é absorvido e passa para a corrente sanguínea e progressivamente se tornam maiores, dando origem aos corpos de Paccioni, podendo ocorrer sangramentos. A pia-máter é uma membrana fina, delicada e altamente vascularizada localizada mais internamente e fixando-se diretamente no SNC, onde cobre os giros e desce no interior dos sulcos mais profundo do encéfalo, o que confere resistência ao tecido mole que compõe essa estrutura. De acordo com Martinez, Allodi e Uziel (2014), a pia-máter medular é mais espessa, firme e menos vascularizada do que a craniana, devido ao fato de apresentar uma camada adicional externa. A pia-máter forma o ligamento coccígeo juntamente com a 9 dura-máter e forma ainda, lateralmente a toda a extensão da medula, uma prega longitudinal, constituindo o ligamento denticulado que prende a medula à aracnoide e à dura-máter. Os vasos arteriais que se dirigem ao tecido nervoso penetram na pia- máter. Nesse nível, a pia-máter acompanha inicialmente os vasos, formando os espaços perivasculares (Menezes, 2015). Nestes espaços existem prolongamentos do espaço subaracnóideo, contendo líquor, que forma um manguito protetor em tomo dos vasos, muito importante para amortecer o efeito da pulsação das artérias ou picos de pressão sobre o tecido circunvizinho (Machado; Raertel, 2014). TEMA 3 – VENTRÍCULOS E LÍQUOR Durante o desenvolvimento embrionário e a diferenciação das estruturas do tubo neural, a luz do tubo na região encefálica origina o sistema ventricular formado por cavidades chamadas ventrículos. Os ventrículos estão localizados profundamente dentro do núcleo encefálico, são preenchidos pelo líquor e se conectam entre sim e com o espaço subaracnóideo por meio de aberturas ou forames. Fazem parte do sistema ventricular adulto os ventrículos laterais direito e esquerdo, o III e IV ventrículos, além do aqueduto cerebral que comunica o III e o IV ventrículos (Figura 6). 10 Figura 6 – Sistema ventricular Crédito: joshya/Shutterstock. Os ventrículos laterais são os maiores, são simétricos e formam um “C” no interior de cada hemisfério cerebral. Cada ventrículo lateral se divide em uma parte central que ocupa os lobos frontal e parietal e três prolongamentos: o corno frontal ou anterior, um corno posterior ou occipital e um corno inferior ou temporal. Os três prolongamentos se estendem para dentro dos lobos frontal, occipital e temporal, respectivamente. Os ventrículos laterais, antigamente denominados I e II ventrículos, se comunicam com o III ventrículo por meio do forame interventricular e a porção central dos ventrículos laterais localiza-se posteriormente ao forame interventricular estendendo-se até a extremidade posterior do tálamo. A porção central possui teto, parede medial e assoalho. O corno occipital possui teto e parede lateral, estende-se posteriormente no lobo occipital e termina em fundo de saco passando pelas fibras do corpo caloso. O corno temporal estende-se anteriormente no lobo temporal, possui teto e assoalho, passando pelo hipocampo. O III ventrículo é uma pequena cavidade ímpar em forma de fenda na porção central do diencéfalo, entre o tálamo e o hipotálamo. Comunica-se posteriormente com o IV ventrículo por meio do aqueduto do mesencéfalo, é 11 atravessado pela aderência intertalâmica e evagina-se formando quatro recessos: infundíbulo, óptico, pineal e suprapineal. O IV ventrículo tem forma losangular e situa-se anteriormente ao cerebelo e posteriormente à ponte e à metade superior do bulbo, se prolongando inferiormente com o canal central da medula. Possui duas aberturas laterais (forames de Luschka) e uma abertura mediana (forame de Magendie) que permitem o fluxo do líquor para o espaço subaracnóideo. No interior de todos os ventrículos, existem vasos modificados associados à pia-máter, denominados plexos corioides. Estes, junto com as células ependimárias, formam o líquor (líquido cerebroespinhal ou fluido cefalorraquidiano) a partir do plasma sanguíneo (Schmidt; Prosdócimi, 2017). O líquido cerebroespinhal encontra-se nos ventrículos do encéfalo e no espaço subaracnóideo em volta do encéfalo e da medula espinal. Seu volume aproximado é de 150 mL. É um líquido claro e incolor e possui, em solução, sais inorgânicos semelhantes àqueles do plasma sanguíneo. O nível de glicose é aproximadamente metade da glicemia e há apenas uma pequena quantidade de proteína. Apenas algumas células estão presentes e são linfócitos. A pressão do líquido cerebroespinhal é mantida notavelmente constante (Snell, 2019). A Figura 7 evidencia a distribuição do líquido cerebroespinal. Figura 7 – Líquido cerebroespinal Crédito: Hanafi Latif/Shutterstock. 12 O líquor apresenta várias funções. O fluxo existente dos ventrículos para o sangue promove a remoção de diferentes metabólitos. Como o líquor do espaço subaracnóideo envolve o SNC, o encéfalo flutua nesse meio, formando uma proteção mecânica contra os traumatismos cranianos. O líquor contém anticorpos e leucócitos, o que auxilia a defesa contra agentes e microrganismos externos (Meneses, 2015). O líquido cerebroespinhal produzido nos ventrículos laterais flui até o terceiro ventrículo, posteriormente até o quarto ventrículo e, por fim, para o espaço subaracnóideo. De acordo com Cosenza (2013), o líquido cerebroespinhal então retorna ao sangue, sendo absorvido na região das granulações aracnoideas, que são projeções da aracnoide para o interior dos seios da dura-máter. Qualquer defeito na reabsorção ou um bloqueio na circulação do líquor pode ocasionar o seu acúmulo no interior das cavidades do SNC, promovendo as chamadas hidrocefalias. TEMA 4 – VASCULARIZAÇÃO E BARREIRAS ENCEFÁLICAS Assim como os demais sistemas corporais, o sistema nervoso necessita de irrigação sanguínea constante. Um suprimento elevado de glicose e oxigênio é necessário para que estruturas tão nobres e especializadas, quanto as que se encontram nesse sistema, possam realizar seu metabolismo. Como explica Machado e Raertel (2014), a parada da circulação cerebral por mais de dez segundos leva o indivíduo à perda da consciência. Após cerca de cinco minutos, começam a aparecer lesões irreversíveis pois, como se sabe, a maioria das células nervosas não se regeneram. Isso acontece, por exemplo, como consequência de paradas cardíacas. O encéfalo constitui 2 a 2,5% do peso corpóreo, mas recebe em torno de 17% do rendimento cardíaco e consome aproximadamente 20% do oxigênio utilizado pelo corpo (Schmidt; Prosdócimi, 2017). Os processos patológicos que acometem os vasos cerebrais ocorrem com frequência cada vez maior com o aumento da vida média do homem moderno. São os acidentes vasculares cerebrais (AVC) hemorrágicos ou oclusivos, também denominados isquêmicos (tromboses e embolias). Eles interrompem a circulação de determinadas áreas encefálicas, causando necrose do tecido nervoso, e são acompanhados de alterações motoras, sensoriaisou psíquicas, que podem ser características para área e a artéria lesada (Machado; Raertel, 2014). 13 Vale lembrar que não existe circulação linfática no sistema nervoso central e as artérias que suprem o sistema nervoso normalmente apresentam paredes mais finas que as artérias encontradas em outros órgãos, fator esse determinante para a maior propensão a rupturas e hemorragias. As artérias de maior calibre percorrem a superfície do sistema nervoso no espaço subaracnóideo até se tornarem delgadas o suficiente para penetrarem em seu parênquima, perfurando, antes disso, a pia-máter. Esta meninge, como vimos anteriormente, acompanha toda a superfície do encéfalo e, onde especificamente os vasos penetram no parênquima, ela se dobra formando uma parede externa e delimitando um espaço perivascular. Esse espaço é de extrema importância, pois, pelo fato de conter líquor, é um dos mecanismos existentes para absorver o impacto da pulsação das artérias que penetram no cérebro (Martinez; Allodi; Uziel, 2014). O SNC é irrigado basicamente por dois sistemas arteriais: o carotídeo e o vertebral. As artérias carótidas internas sobem pelo pescoço e, após penetrarem no crânio, dão origem as artérias cerebral anterior e cerebral média. A primeira origina ramos na face medial do cérebro, enquanto a segunda origina vários ramos na face dorsolateral do cérebro. As artérias vertebrais que penetram no crânio pelo forame magno dão ramos que irão irrigar a medula e o cerebelo e se fundem na face ventral da ponte, formando a artéria basilar. Esta última dá origem a ramos que vão para o tronco encefálico e o cerebelo e se divide em duas artérias cerebrais posteriores, que irrigarão a superfície inferior do cérebro (Cosenza, 2013). A anastomose entre os ramos das duas artérias carótidas internas e das duas artérias vertebrais na base do cérebro forma o círculo arterial do cérebro, ou polígono de Willis. Esse polígono permite que o sangue seja distribuído a qualquer parte dos hemisférios cerebrais e que rotas alternativas ocorram em caso de obstrução de uma das artérias principais do círculo (Figura 8). 14 Figura 8 – Vascularização do encéfalo Crédito: Medical Media/Shutterstock. O sangue que circula no SNC é drenado para veias cerebrais, que levam esse sangue para os seios venosos da dura-máter. O sangue segue então para as veias jugulares internas, passando para as veias cavas e chegando, no final, ao coração. A circulação venosa é mais lenta e a pressão do sangue é mais baixa, pois as veias do encéfalo não possuem valvas e são mais calibrosas que as artérias. Dessa forma, outros fatores auxiliam a circulação venosa: pulsação das artérias próximas, força da gravidade e aspiração da cavidade torácica. Para proteger o tecido nervoso de agressões causadas por toxinas e microrganismos, existem barreiras encefálicas capazes de impedir ou dificultar a passagem de substâncias do sangue para o parênquima nervoso (barreira hematoencefálica), do sangue para o líquor (barreira hematoliquórica) e do líquor para o tecido nervoso (barreira líquorencefálica). Essas barreiras estão presentes no encéfalo e na medula espinal, e permitem a passagem de nutrientes e gases, controlando o microambiente do parênquima nervoso. Por outro lado, impedem também a passagem de vários medicamentos administrados por via sanguínea, diminuindo sua eficácia. TEMA 5 – CORRELAÇÕES ANATOMOCLÍNICAS O uso, pela mãe, de determinados medicamentos, álcool e drogas, bem como a exposição à radiação, pode afetar as diversas etapas do desenvolvimento embrionário do sistema nervoso. No primeiro trimestre podem 15 interferir na proliferação neuronal e o número menor de neurônios pode originar a microcefalia. Já no segundo ou terceiro trimestres a organização neuronal pode ficar prejudicada e o menor número de sinapses pode causar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Falhas no fechamento do tubo neural são as malformações mais comuns do SNC. A espinha bífida e a meningocele ocorrem quando o neuroporo caudal não se fecha e o arco vertebral da coluna espinal está incompleto ou ausente, sem comprometimento do sistema nervoso. Na espinha bífida a meninge dura- máter e a medula são normais, por isso, o quadro é frequentemente assintomático, enquanto na meningocele ocorre um déficit ósseo maior, sendo assim, a dura-máter sobressai como um balão na região lombossacra contendo líquor e raízes medulares, tornando necessária uma correção cirúrgica. Existe ainda a mielomeningocele, quando defeitos na formação do tubo neural acompanham a abertura óssea e a medula espinal penetra na bolsa meníngea, ocasionando grave comprometimento e possível paraplegia (Figura 9). Figura 9 – Espinha bífida, meningocele e mielomeningocele Crédito: rumruay/Shutterstock. Quando o neuroporo craniano não se fecha, o prosencéfalo não se desenvolve, resultando em falha no fechamento do crânio, das meninges e do couro cabeludo, o que expõem o tecido encefálico remanescente ao líquido amniótico cincundante. Essa condição letal é chamada anencefalia. A 16 suplementação com ácido fólico é indicada para mulheres que tem intensão de engravidar, pois reduz a incidência dos distúrbios de fechamento do tubo neural. Infecções nas meninges causadas por bactérias, vírus e fungos são conhecidas como meningites e caracterizam-se por sintomas como cefaleias, rigidez nucal, febre, vômito e irritação. Os meningiomas, por sua vez, são tumores tipicamente benignos originados por meningócitos ou células aracnoides. Podem crescer em qualquer lugar das meninges e os principais sintomas são cefaleias, convulsões, fraqueza muscular, distúrbios visuais, perda auditiva, déficit neurológico focal progressivo e alterações de personalidade e comportamento. O espaço subaracnóideo é de grande importância clínica na realização de punções e introdução de anestésicos ou contrastes para a realização de exames. A punção lombar é realizada com o paciente inclinado para frente ou em decúbito lateral com o dorso fletido, sendo introduzida uma agulha fina entre a 3ª e 4ª vértebras para retirar uma amostra do líquido cerebroespinhal, níveis em que não há riscos de lesar a medula. A agulha perfura então a dura-máter e a aracnoide, entrando na cisterna lombar (Figura 10). Esse é um importante instrumento de diagnóstico para avaliar distúrbios do SNC, pois as doenças desse sistema podem alterar as células no líquido ou mudar a concentração dos seus constituintes químicos (Schmidt; Prosdócimi, 2017). Figura 10 – Punção lombar Crédito: rumruay/Shutterstock. 17 Os aneurismas cerebrais ocorrem mais comumente no local onde duas artérias se juntam na formação do polígono de Willis. Nesse ponto, o desenvolvimento de um ateroma enfraquece a parede arterial a ponto de ocorrer dilatação local. O aneurisma pode comprimir as estruturas vizinhas, como o nervo óptico ou outros nervos cranianos, produzindo sinais e sintomas ou rompendo-se subitamente no espaço subaracnóideo. No último caso, sobrevém dor de cabeça intensa seguida por confusão mental. O grampeamento ou ligadura do colo do aneurisma oferece a melhor chance de recuperação (Snell, 2019). NA PRÁTICA O aumento anormal do volume do líquido cerebroespinhal e consequente aumento dos ventrículos encefálicos é denominado hidrocefalia. Essa condição pode comprimir o encéfalo nos ossos do crânio causando cefaleia, náuseas, vômitos, distúrbios visuais, incoordenação motora, alterações na personalidade e dificuldade de concentração. A hidrocefalia pode ser classificada em comunicante obstrutiva, comunicante não obstrutiva e não comunicante. O tratamento é realizado por meio de um procedimento cirúrgico chamado derivação ventrículo-peritoneal. Consulte os livros indicados nas referências e procure explicar a diferença entre os
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