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Resumo - AULA 01 - O que é Antropologia

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AULA 01
O que é Antropologia?
Carlos Abraão Moura Valpassos
Neiva Vieira da Cunha
Os primeiros passos da Antropologia 
A Antropologia se consolidou como disciplina acadêmica na segunda metade do século XIX. Nasce do anseio do homem por tomar não a natureza como objeto de estudo, mas sua própria humanidade. Na formação dessa área do conhecimento, ainda imperava no pensamento científico a necessidade de distanciamento entre o observador e o objeto de estudo. A Antropologia definirá um objeto empírico autônomo. Por sua origem europeia, tomou como objeto as sociedades exteriores às áreas de civilização, consideradas “sociedades primitivas”. São marcadas pelo exotismo aos olhos europeus; além disso, por suas dimensões restritas, seu pouco contato com outras sociedades e por sua tecnologia pouco desenvolvida em relação ao modelo europeu, eram qualificadas como sociedades “simples”. Assim, “a Antropologia definiu como objeto de estudos grupos sociais que não pertenciam à civilização ocidental” (p. 4), tida, à época, como mais alto modelo de civilização.
Crise da disciplina no início do século XX: o objeto de estudo, “sociedades primitivas”, extinguiam-se por conta dos avanços tecnológicos e do contato entre diversas sociedades.
A disciplina não vê seu fim, mas se reformula. Ao invés de a especificidade de sua prática ser a observação de um objeto distante geograficamente, culturalmente ou historicamente, a abordagem se volta para a perspectiva de observação, sobre os enfoques específicos. 
“Assim, a abordagem da Antropologia é uma abordagem integrativa. Busca conhecer as múltiplas dimensões do ser humano em sociedade, como suas formas de organização social, sua economia, suas formas de organização política, (...) suas crenças religiosas, ou seja, procura conhecer o homem em sua totalidade” (p. 5). A Antropologia não “parcela o homem”, mas relaciona todos esses enfoques.
As ferramentas metodológicas da Antropologia se baseiam, logicamente, em seu início, de observação das ditas “sociedades primitivas”, a partir de um olhar europeu. É na observação do dito “exótico” que se realiza a metodologia de transformar o exótico em familiar e o familiar em exótico (segundo Roberto DaMatta). Nessa ação de mão dupla, há a tomada de consciência da própria cultura. Assim, o que se toma como natural para si próprio passa a ser observado como cultural. É na experiência com a alteridade (qualidade que pertence ao outro) e com o estranhamento que se fará a análise antropológica.
“Deste modo, começamos a perceber que os nossos gestos, nossas posturas e mesmo nossas reações afetivas não têm nada de “natural”” (p. 7). “(...) somos apenas uma forma de organização cultural, em meio a uma infinidade de formas possíveis” (idem). A abordagem antropológica acarreta num “descentramento radical”, num rompimento com a noção de “centro do mundo”.
Antropologia como disciplina científica surge no século XIX, mas a reflexão antropológica nasce a partir da descoberta do Novo Mundo, a partir do Renascimento e da descoberta de novos espaços geográficos por parte dos europeus. “Neste momento, a grande questão que se coloca como consequência do confronto radical com a alteridade é se aqueles que acabavam de ser descobertos pertenciam ou não à humanidade” (p. 13). Na sociedade religiosa da época, surge a pergunta: “O selvagem teria alma?” (idem).
A partir dessa questão surge um embate de duas ideologias opostas. A primeira se baseia na recusa do diferente, a partir da observação de sua “falta” (sem roupas, escrita, leis, religião, Estado, arte, etc.), e “na boa consciência que se tem sobre si e sobre sua sociedade” (p. 14); a segunda é de fascinação pelo diferente e que se baseia na má consciência que se tem sobre si e sua sociedade. 
Frei Bartolomé de Las Casas X jurista Juán Ginés de Sepúlveda: o argumento de Las Casas é de que os europeus não reconheciam a elaborada organização social desses povos ditos bárbaros. “Argumentava, neste sentido, que esses povos “se igualavam ou até superavam muitas nações do mundo (...) e não eram inferiores a nenhuma delas” (p. 16). “(...) segundo Las Casas, a maioria dessas nações do mundo “civilizado” haviam sido muito mais “pervertidas e irracionais” (idem). Os argumentos de Sepúlveda, por sua vez, eram opostos: afirmava a superioridade dos espanhóis “em prudência e razão”, reconhecendo nos “selvagens” apenas a maior força física - e que por serem “preguiçosos” e de “espírito lento”, mas fortes, haviam nascido para serem servos, em oposição aos europeus, que nasceram para serem senhores e poderiam usar os meios necessários para subjugar povos bárbaros - baseando-se em uma naturalização dessas observações e usando a fé para reafirmá-las. 
A recusa do diferente e sua expulsão da humanidade, deu origem à ideia do mau selvagem e do bom civilizado. A fascinação pelo diferente, deu origem à ideia do bom selvagem e do mau civilizado.
“A primeira atitude pode ser explicada pelo fato de que a enorme diversidade dos grupos humanos sempre apareceu aos homens como uma espécie de aberração da natureza. A própria definição do termo “bárbaros”, forma como os gregos designavam todos aqueles que não falavam a sua língua (e, portanto, não pertenciam à sua cultura), explicita essa percepção” (p. 19). (Evolução do uso da expressão “bárbaro” para “selvagem” e, posteriormente, “primitivo” - este, gerando a ideia de “subdesenvolvido” usada na contemporaneidade).
“Todas essas denominações (bárbaro, selvagem, primitivo) correspondem a uma atitude que consiste em expulsar da cultura, isto é, para a natureza, todos aqueles que, supostamente, não se encaixavam em uma determinada concepção de humanidade, pensada como universalmente válida, e com a qual a cultura ocidental era identificada. E todas elas expressavam a ideia de um mau selvagem, caracterizado pela ausência de humanidade, e do bom civilizado, a quem, por todos os seus atributos superiores, caberia desempenhar uma verdadeira missão civilizatória, tanto através da conversão religiosa quanto do domínio político de seus territórios” (p. 19).
“A segunda atitude, do bom selvagem e do mau civilizado, transformava a imagem do “selvagem”, embrutecido pela natureza, no seu oposto: na natureza generosa, oferecendo suas qualidades positivas a um selvagem feliz. Assim, embora os termos da oposição permaneçam os mesmos(civilização/barbárie), efetua-se uma inversão de valores, e o “selvagem”, identificado pela falta, torna-se pleno de atributos e qualidades, em oposição a uma civilização pervertida e decadente, do ponto de vista de seus valores morais” (p. 19-20)
A partir do Renascimento a figura do bom selvagem encontrará sua elaboração mais radical e eloquente, tendo como referência as crônicas dos viajantes do século XVI.
Cristóvão Colombo: ao chegar à América, descreve sobre os indígenas: “são muito mansos e ignorantes do que é o mal (...) não sabem matar uns aos outros (...) Eu não penso que haja no mundo homens melhores, como também não há terra melhor” (p. 20).
Jean de Léry (pastor, missionário, escritor e membro da Igreja Reformada de Genebra): ao viver entre os tupinambás, afirma que os europeus são mais cruéis do que os “selvagens”, a quem foram atribuídas ignorância e irracionalidade.
Michel Eyquem de Montaigne (escritor e ensaísta): escreve sobre os indígenas americanos: “Podemos, portanto, de fato, chamá-los de bárbaros, quanto às regras da razão, mas não quanto a nós mesmos que os superamos em toda sorte de barbárie”
“(...) foi preciso esperar o século XVIII para que se constituísse de fato um projeto de fundar uma ciência do homem que produzisse um saber não mais especulativo, mas positivo sobre ele. (...) Tal projeto supõe a construção de um certo número de conceitos, começando pelo próprio conceito de homem, não apenas como sujeito, mas como objeto de saber, assim como pela definição do conceito de cultura. Supõe também a constituição de um saber que não seja apenas reflexivo, mas que se baseie na experiência empírica e na observação direta, e, logicamente,na formulação de uma questão: a compreensão da diferença e da diversidade humanas” (p. 22).

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