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O problema do mal

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O problema do mal 
Por W. Gary Crampton 
 
Ronald Nash escreveu que “o mais sério desafio ao teísmo foi, é e continuará sendo o 
problema do mal”.[1] Warren acredita que “parece não haver acusação mais freqüente e 
forte ao teísmo de tradição judaico-cristã” que a complicação decorrente da existência do 
mal.[2] E David E. Trueblood sustenta com ousadia que o obstáculo representado pela 
existência do mal e do sofrimento no mundo é uma “evidência em favor do ateísmo”.[3] 
 
Os próprios autores bíblicos não fogem do tema da relação entre Deus e o mal. O profeta 
Habacuque queixou-se, “Tu, que tens olhos tão puros que não podes ver o mal, nem 
contemplar a perversidade, por que olhas para os que procedem traiçoeiramente e te calas 
enquanto o ímpio destrói aquele que é mais justo do que ele?” (1:13). “E Gideão perguntou, 
Ai, Senhor meu, se o Senhor é conosco, por que todo este [sofrimento] nos 
sobreveio?” (Juízes 6:13). 
 
Se, de acordo com a Bíblia, Deus, que é onipotente e bom, decretou desde toda a eternidade 
tudo o que vem a acontecer, e se Ele, soberana e providencialmente, controla todas as 
coisas, porque Ele não seria o autor do mal? Como pode o mal existir no mundo? Como 
justificar as ações de Deus na causação do mal, do sofrimento e da dor? Esta é a questão 
da “teodicéia”. Esta palavra, que supostamente foi elaborada pelo filósofo alemão Gottfried 
Leibniz (1646-1716), derivou-se de duas palavras gregas (theos, Deus, e dike, justiça) e está 
relacionada com a justificação da bondade e correção de Deus em face ao mal no mundo. 
 
Como nós veremos, entretanto, o problema do mal não é um argumento tão corrosivo quanto 
parece. Na realidade, como Gordon Clark afirmou, “enquanto diversas outras doutrinas se 
desintegraram neste ponto, o sistema conhecido como calvinismo e expresso pela Confissão 
de Fé de Westminster oferece uma resposta satisfatória e completamente lógica”.[4] A 
resposta, como veremos, repousa no ponto de partida epistemológico do cristianismo: a 
Palavra de Deus. 
 
Através dos séculos, tem havido numerosas tentativas quase-cristãs de lidar com este 
https://bereianos.blogspot.com/2014/04/o-problema-do-mal.html
assunto. Mary Baker Eddy, a fundadora da Igreja de Cristo Cientista, simplesmente negava 
que o mal existisse; ou seja, o mal é ilusório. Mais recentemente, E. S. Brightman e Rabi 
Harold Kushner optaram por um deus finito. Seu deus é limitado em poder ou inteligência; 
assim, não pode ser acusado pelo mal existente no mundo. O zoroastrismo e o 
maniqueísmo, por sua vez, apontam explicitamente para um princípio dualista no universo. 
O bem e o mal existem tanto co-eterna, como independentemente, na forma de divindades 
finitas. Nenhuma dessas divindades destruiu a outra até agora. Isto explicaria a mistura de 
bem e mal no nosso mundo. Leibniz argumentou de forma racionalista que Deus era 
moralmente obrigado a criar “o melhor dos mundos possíveis”. Assim, em que pese haver 
mal no mundo, Deus deve ter concluído que este era o melhor de todos os mundos possíveis. 
 
Estas teorias, é claro, estão longe de ser uma teodicéia bíblica. A Bíblia deixa muito claro 
que o mal não é ilusório. O pecado é real; provocou a queda do homem e a maldição de 
Deus sobre todo o cosmos.[5] Também Deus não deve ser visto como menos que uma 
divindade onipotente e onisciente. Ele é o Criador ex nihilo do universo. Mais ainda, o fato 
de Deus ser o Criador e Sustentador de todas as coisas vai de encontro a qualquer forma 
de dualismo.[6] Deus não sofre nenhuma concorrência. 
Leibniz também está errado. Ele fala da responsabilidade moral de Deus de criar o melhor 
dentre os mundos possíveis. Leibniz tem uma visão invertida. Deus não escolheu este 
mundo porque ele é o melhor; ao invés, ele é o melhor porque Deus o escolheu. As escolhas 
de Deus não são determinadas por nada ou ninguém fora dele mesmo. Calvino claramente 
entendeu este princípio quando ele escreveu: “Pois a vontade de Deus é de tal modo a regra 
máxima de retidão que aquilo que Ele deseja, pelo simples fato de que Ele o deseja, deve 
ser considerado correto. Quando, portanto, alguém quer saber a razão da vontade de Deus, 
está procurando uma coisa maior e mais elevada que a vontade de Deus, algo que não pode 
ser encontrado”.[7] 
 
Do mesmo modo, a visão de Leibniz também tende a eliminar a responsabilidade do homem 
pelo pecado ao representar o pecado por pouco mais do que um infortúnio que lhe sobreveio. 
Novamente, a Bíblia é muito clara ao declarar que o homem é responsável pelo seu pecado. 
Na oração de arrependimento de Davi, no Salmo 51, ele põe a culpa não em Deus, nem em 
sua mãe, nem em Adão, embora todos fossem elos na cadeia que levava às suas ações 
pecaminosas. Ao contrário, com sinceridade Davi põe a culpa no pecador: ele mesmo. 
 
Agostinho, bispo de Hipona, também ponderou sobre a natureza do mal. Na sua Cidade de 
Deus, como em seus outros escritos, ele sustentava que desde que Deus criou todas as 
coisas “boas” (Gêneses 1:31), o mal não pode ter uma existência própria. O mal é a ausência 
do bem, como a escuridão é a ausência da luz. O mal, portanto, não é a presença positiva 
de alguma coisa. Desse modo, disse Agostinho, o mal não pode ser a causa eficiente do 
pecado; trata-se, sim, de uma causa deficiente na criatura. O mal, sendo a ausência do bem, 
ou a presença de um bem menor, é o resultado de a criatura se afastar dos mandamentos 
de Deus em direção a algo menos bom: a vontade da criatura. Aqui está a essência do mal: 
é a criatura, não Deus, o autor do pecado. Mas isto também não nos oferece uma solução. 
Como Clark escreveu, “causas deficientes, se as há, não explicam porque um Deus bom 
não abole o pecado e garante ao homem sempre escolher o bem mais elevado”.[8] 
 
O arminianismo, como um sistema quase-cristão, também falha em nos dar a solução. Os 
teólogos arminianos atribuem a origem do mal ao livre arbítrio do homem, em vez de à 
vontade de Deus, estabelecendo um outro tipo de dualismo. Na sua liberdade, Adão 
escolheu pecar, à parte da vontade soberana de Deus. Adão tinha uma “liberdade de 
indiferença” em relação à vontade de Deus. Deus “apenas permitiu” que o homem pecasse. 
Esta visão, contudo, não resolve o problema. Clark explicou: “Apesar de a idéia de que Deus 
permite o mal, sem decretá-lo, parecer absolvê-lO da acusação de ser o autor do pecado, 
deve se ter cuidado tanto em relação à lógica do argumento, como em relação ao conteúdo 
das Escrituras. Deus permitiu Satã afligir Jó, mas, uma vez que Satã não poderia ter agido 
sem a Sua aprovação, a idéia de permissão dificilmente exonera Deus. Afinal, a santidade 
perfeita é mais compatível com a aprovação ou a permissão do mal satânico? Se Deus 
pudesse ter evitado, não apenas a provação de Jó, mas todos os outros pecados e tentações 
a que a humanidade está sujeita – e, ao contrário, Ele os previu e decidiu deixá-los ocorrer 
– seria Ele menos repreensível [nesta perspectiva] do que se positivamente os decretasse? 
Se um homem pudesse salvar um bebê de uma casa em chamas, mas decidisse permitir 
que o bebê morresse queimado, quem se atreveria a dizer que ele fora moralmente perfeito 
na sua decisão?”.[9] 
 
Um conceito tão pouco cristão de permissão e livre arbítrio não pode coexistir com o atributo 
da onipotência. Nem o ponto de vista arminiano sobre o livre arbítrio é compatível com a 
onisciência de Deus, uma vez que onisciência resulta num futuro fixo. Se Deus prevê todas 
as coisas, então necessariamente elas ocorrerão; de outro modo, elas não poderiam ser 
“previstas”. Deus previu e até mesmo preordenou a crucificação de Seu Filho pelas mãos de 
pecadores. Os homens que levaram a cabo o ato são responsáveis pelos seus pecados 
(Atos 2:22-23; 4:27-28). Poderiam eles ter agido de modo diferente? Poderia Judas 
Iscariotes não ter traído Jesus Cristo? Perguntar estas questões é respondê-las. 
 
 
A teologiacristã não nega que Adão (como aliás, todos os homens após ele) tenha tido “livre 
arbítrio” enquanto “agente moral livre”. Homens não são rochas nem máquinas. Todos os 
homens pensam e escolhem (neste sentido do termo); de outro modo, não poderiam agir. 
Os homens escolhem o que querem pensar e fazer; na realidade, eles não podem fazer mais 
que escolher. O que a teologia cristã faz é negar que o homem tenha a “liberdade de 
indiferença”. Sua capacidade de escolher está sempre governada por fatores, como o seu 
intelecto, os seus hábitos e assim por diante. Todas as suas escolhas são determinadas 
pelos decretos eternos de Deus. 
 
Isto não é apenas verdade em relação ao homem pós-Queda, como também em relação ao 
Adão anterior a Gênesis 3. A maior diferença é que o homem pós-Queda, apesar de 
permanecer um agente moral, perdeu o que Adão possuía originalmente: a capacidade de 
escolher o que Deus requer. O homem caído, no seu estado de total depravação, sempre 
escolhe aquilo que deseja, mas sua mente pecaminosa e em revolta contra Deus determina 
que ele sempre escolha o mal (Rm 3:9-18; 8:7-8; Ef 4:17-19). A capacidade de escolher o 
bem só é restaurada através da regeneração. 
 
Assim, o homem nunca se encontra indiferente na sua vontade de fazer alguma coisa. Deus 
determinou todas as coisas que venham a ocorrer. A soberania de Deus não mina, mas, ao 
invés, estabelece a responsabilidade do homem. A Confissão de Fé de Westminster (3:1, 
5:2, 4), afirma com razão que: 
“Desde toda a eternidade, Deus, pelo conselho sábio e santo de Sua própria vontade, livre 
e imutavelmente, ordenou tudo o que venha a ocorrer: ainda assim, nem Deus é o autor do 
pecado, nem a vontade das criaturas é violentada, nem a liberdade ou contingência das 
causas secundárias deixa de existir, sendo, ao invés, estabelecida. Apesar de que, pela 
presciência e pelo decreto de Deus – a primeira causa –, todas as coisas venham a ocorrer 
de modo imutável e infalível; ainda assim, pela mesma providência, Ele ordena que elas 
aconteçam de acordo com a natureza das causas secundárias, seja de modo obrigatório, ou 
livre, ou contingencial. O poder ilimitado, a sabedoria insondável e a bondade infinita de 
Deus, manifestam-se na Sua providência, que inclui até mesmo a primeira Queda e todos 
os outros pecados de anjos e homens, não como uma simples permissão, mas de modo tal 
que reúne a sabedoria e o poder limitante de Deus, que os ordena e governa para os Seus 
objetivos sagrados; e ainda assim, a pecaminosidade do ato procede apenas da criatura e 
não de Deus, que, sendo o mais santo e justo, nem é nem pode ser o autor ou aprovador do 
pecado.” 
 
Deus, afirma a Confissão, é a causa soberana primeira de todas as coisas, muitas das quais 
ocorrem através das ações livres dos homens. O fim decretado por Deus nunca deve ser 
separado dos meios que Ele também decretou como causas secundárias. Deus, escreveu 
Clark, “não dispõe as coisas nem controla a história à parte das causas secundárias... Deus 
não decreta [o fim] sem os meios. Ele decreta que o fim deve realizar-se através dos 
meios”.[10] 
 
Esta é a explicação, de acordo com a Confissão, para Deus não ser considerado “o autor ou 
aprovador do pecado”. Deus é a causa soberana primeira do pecado, mas não é o seu autor. 
Apenas as criaturas podem cometer e de fato cometem pecado. Esta visão, ensinada 
pela Confissão de Westminster, é o conceito calvinista de determinismo. A palavra 
determinismo geralmente carrega uma conotação ruim, mas não deveria ser assim. 
Determinismo expressa uma visão de Deus bastante bíblica e elevada, além de oferecer a 
única teodicéia plausível. Deus determina ou decreta cada acontecimento da história e cada 
ação de suas criaturas, inclusive o homem. 
Mais ainda, o que Deus decreta é certo, simplesmente porque Deus decreta; Deus não 
comete erros. Deus, afirma as Escrituras, não se justifica perante ninguém: “Ele não presta 
contas de Seus atos” (Jó 33:13). Ele é o legislador (Is 33:22); o homem está sob a lei. Deus 
não tem que se explicar com ninguém; Ele é ex lex (“acima da lei”), enquanto o homem 
está sub lego (“debaixo da lei”). Os Dez Mandamentos são obrigação para o homem, não 
para Deus. A única precondição para a responsabilidade é que um legislador – neste caso, 
Deus. Desse modo, o homem é necessariamente responsável pelo seu pecado, porque 
Deus o tem como responsável; o que Deus faz, é justo por definição, e Deus encontra-se 
completamente livre da acusação de ser o autor do pecado. 
 
O determinismo expresso nos enunciados da Confissão de Westminster não é o mesmo que 
fatalismo ou behaviorismo (comportamentalismo). No fatalismo, deus, ou os deuses, ou o 
destino, determinam alguns, se não todos os resultados, aparentemente sem relação com 
os meios. No behaviorismo, as ações do homem são determinadas não por Deus, mas pela 
química no cérebro e nos músculos. 
 
Alguém poderá objetar: “Assassinar não é pecado e contra a vontade de Deus? Então, como 
pode Deus desejar isto?” A resposta está em Deuterononômio 29:29: “As coisas encobertas 
pertencem ao Senhor nosso Deus, mas as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos 
para sempre, para que observemos todas as palavras desta lei.” Aqui, Moisés distingue entre 
a vontade decretiva de Deus (“coisas encobertas”) e Sua vontade normativa (“as coisas 
reveladas”). A vontade decretiva (os decretos de Deus) determina o que vai acontecer; a 
vontade normativa (os mandamentos de Deus) é a lei que os homens são obrigados a 
obedecer. A vontade decretiva está, em sua maior parte, escondida na mente de Deus; não 
cabe ao homem conhecê-la, a não ser que Deus a revele. A vontade normativa, por sua vez, 
encontra-se inteiramente revelada nas Escrituras. Trata-se da vontade de Deus para o 
homem, segundo a qual ele deve viver. Assim sendo, cabe a nós e a nossos filhos conhecê-
la e obedecê-la. Na realidade, a palavra vontade é ambígua, sendo preferível falar de 
mandamentos e decretos de Deus. O homem é considerado responsável pela sua 
desobediência aos mandamentos de Deus, e não aos decretos de Deus. O homem não pode 
desobedecer aos decretos de Deus, uma vez que Deus é soberano. No exemplo já citado, 
Deus decretou, desde toda a eternidade, a crucificação de Cristo, e, ainda assim, quando 
levada a cabo pelas mãos de pecadores, ela foi contrária à lei moral, isto é, aos 
mandamentos de Deus. 
Assim, sentados sobre a “fundação de rocha” que é a Palavra de Deus, o nosso ponto de 
partida axiomático (Mt 7:24-25), nós temos uma resposta ao problema do mal. Deus, que é 
totalmente santo e perfeito, soberanamente decreta que o mal ocorra para os Seus próprios 
bons propósitos (Is 45:7). Apenas porque Ele decretou, Sua ação é correta. Como observou 
Jerome Zanchius: 
“A vontade de Deus é de tal modo a causa de todas as coisas, quanto ela própria não tem 
causa, uma vez que não há nada que possa ser a causa daquilo que causa todas as coisas. 
Assim, nós encontramos todo assunto resolvido, em última instância, na simples satisfação 
soberana de Deus. Ele não tem outro motivo para aquilo que faz, além da ‘ipsa voluntas’ , 
Sua mera vontade – vontade esta tão longe de ser injusta, quanto ela é a própria justiça”.[11] 
 
O pecado e o mal existem, portanto, por boas razões: Deus os decretou como parte do Seu 
plano eterno e eles ocorrem não apenas para a Sua própria glória, mas também para o bem 
do Seu povo. Com essa premissa bíblica na mente, é fácil responder a anti-teístas, tais como 
David Hume, que argumentam que a presença do mal no mundo milita contra a existência 
do Deus cristão. Hume, por exemplo, argumenta do seguinte modo: 
 
 1. Um deus bom evitaria a ocorrência de todo o mal. 
 2. Um deus onisciente e onipotente pode evitar todo o mal 
 3. O mal existe no mundo 
 4. Assim, ou Deus não é bom, ou não é onisciente, ou não é onipotente.[12] 
 
Um dos problemascom o argumento de Hume é o seu ponto de partida. Sua primeira 
premissa é falsa. Assumindo, para o bem do argumento, que Hume possa definir 
coerentemente “bem”, “mal” e “bom”, não se segue que um deus bom prevenirá todo o mal 
de ocorrer. Hume assume que um deus bom é bom para todas as suas criaturas, mas as 
Escrituras explicitamente negam esta premissa. Todas as coisas operam juntas para o bem, 
não de todas as criaturas, mas apenas daqueles que foram chamados segundo o Seu 
propósito. 
 
Encontrar solução para o problema do mal é uma questão de adotar o ponto de partida 
correto. Com a Bíblia como nosso ponto de partida axiomático, a existência do mal não é, 
de modo algum, um problema significante. Na realidade, a existência do mal é um assunto 
bem mais problemático na visão do não crente. Sem um padrão coerente de certo e errado, 
bem e mal, como pode alguém definir o mal? O problema do mal não pode ser 
coerentemente resolvido em terrenos não-cristãos. Apenas em terrenos cristãos e com 
fundamentos cristãos, i.e., as Escrituras, pode-se explicar o propósito do mal no mundo. 
 
Finalmente, uma teodicéia bíblica sustenta, como afirma a Confissão de Fé de Westminster, 
que tudo que Deus decreta e providencialmente faz acontecer é “para louvar a Sua gloriosa 
graça...para a Sua própria glória”. Robert Reymond observa corretamente que “a visão de 
todas as Escrituras é que o propósito supralapsariano de Deus, ao criar o mundo, era que 
Ele fosse glorificado (Is 43:7,21; Ef 1:6-14) através da glorificação do Seu Filho, como o 
primogênito entre os irmãos (Rm 8:29) e o Senhor da Sua igreja (Fl 2:11; Cl 1:18). A raison 
d’être [razão de ser] da criação é, portanto, servir aos propósitos redentores de Deus”.[13] 
 
Desse modo, é logicamente consistente que a Queda da humanidade tenha ocorrido, em 
última instância, para que Deus seja glorificado através da glorificação de Seu Filho. Ou seja, 
a Sua predeterminação da Queda, como a Sua ação providencial no sentido de torná-la 
realidade, foram necessários. Deus os planejou para a Sua própria glória. Em Rm 5:12-19, 
o apóstolo Paulo toca neste ponto. Ali nós lemos que Adão e Cristo são as cabeças capitais 
de duas espécies de pacto. Torna-se necessário postular que, se Adão tivesse passado com 
sucesso na sua provação no Jardim (ou seja, o pacto das obras), ele teria sido confirmado 
por Deus na sua retidão positiva. Ele teria passado do estado de posse pecare (possível de 
pecar) para o estado de non posse pecare (não possível de pecar). A retidão de Adão seria 
então imputada a todos os seus descendentes (ou seja, a toda a raça humana). E toda a 
raça humana olharia agradecida a ele, e não a Cristo, o Salvador. Para toda a eternidade, 
Deus então repartiria Sua glória com a Sua criatura: Adão. Ironicamente, a obediência de 
Adão conduziria à idolatria. Desse modo, este mundo alternativo é logicamente impossível. 
Apenas o mundo atual, em que ocorreu a Queda do homem, é logicamente possível e resulta 
na glória única de Deus. Tivesse Adão obedecido, não haveria papel para Jesus Cristo como 
o “o primogênito entre os muitos irmãos” e o Senhor da Sua igreja. E o Pai não receberia a 
glória pela Sua obra através do Filho. 
 
Parece, assim, que a visão supralapsariana do propósito da criação está de acordo com a 
perspectiva de muitos puritanos, que referiam-se ao evento descrito em Gênesis 3 como “a 
afortunada Queda”. Não apenas trata-se do único universo logicamente consistente em 
que o mal existe para os propósitos de Deus, como o povo de Deus se torna bem mais 
abençoado por causa da encarnação de Cristo do que ele poderia ser através de um Adão 
obediente. 
 
_____________ 
Notas: 
[1] Faith and Reason (Zondervan, 1988), 177. 
[2] Thomas B. Warren, Have Atheists Proved There is No God? (Gospel Advocate Co., 
1972), vii. 
[3] Philosophy of Religion (Harper and Row Publishers, 1957), 231. 
[4] God and Evil (The Trinity Foundation, 1996), 7. 
[5] Mesmo que o mal fosse ilusório (que não é), existiria ilusões que teriam de ser 
contabilizadas como ilusões do mal. 
[6] Na realidade, o sistema filosófico chamado dualismo é um absurdo. Se houvesse duas 
divindades co-eternas e co-iguais, não poderíamos dizer que uma era boa e outra mal. Ou 
seja, sem um padrão superior para determinar o que é o bem e o que é mal, o bem e o mal 
não podem ser dito de qualquer coisa. Mas, se houver um padrão tão superior (isto é, algo 
acima das duas divindades), então não há dualidade final. 
[7] Institutes of the Christian Religion. Translated by Ford Lewis Battles (Westminster, 
1960), III:23:2. 
[8] God and Evil, 9. 
[9] Gordon H. Clark, First Corinthians (The Trinity Foundation, 1975, 1991), 156-157. 
[10] Gordon H. Clark, What Do Presbyterians Believe? (Presbyterian and Reformed, 1956, 
1965), 38. 
[11] Cited in Gordon H. Clark, An Introduction to Christian Philosophy (The Trinity 
Foundation, 1993), 113-114. 
[12] David Hume, Dialogues Concerning Natural Religion, in God and Evil, edited by Nelson 
Pike (Prentice Hall, 1964). 
[13] Robert L. Reymond, God and Man in Holy Scripture (unpublished syllabus, Covenant 
Theological Seminary, 1990), 126, 127, 142. 
 
*** 
Fonte: The Trinity Foundation 
Tradução: Claudia Bessa 
 
http://www.trinityfoundation.org/journal.php?id=141

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