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UC – MANIFESTAÇÕES ABDOMINAIS Problema 4- 1.Obj: Explicar a Cirrose Hepática: causas, fibrogênese (componentes e microscopia), diagnóstico, manifestações clinicas, evolução clinica e laboratorial (classificação de Child- Pugh) e complicações. CIRROSE A cirrose representa o estágio final das doenças que causam lesão hepática crônica. Independentemente da etiologia, na cirrose encontramos fibrose hepática, desorganização do parênquima hepático e nódulos de hepatócitos em regeneração envoltos por septos fibrosos. A cirrose é o estágio final de um processo crônico de agressão ao fígado e caracteriza-se pela substituição de tecido hepático normal por tecido fibroso e nódulos regenerativos. Fisiopatologia Na cirrose hepática temos deposição progressiva de matriz extracelular (tecido conjuntivo) no parênquima hepático. Após injúria hepática, a produção de matriz extracelular aumenta em 3 a 10 vezes. A agressão hepática crônica ativa as células estreladas (células que armazenam vitamina A), que são as principais produtoras de matriz extracelular. Outras células, como os fibroblastos portais, as células da medula óssea e os fibrócitos circulantes, também participam do processo de fibrogênese. A célula estrelada ativada passa a ter função de miofibroblasto, tendo função contrátil. Esse aumento da contratilidade contrai o parênquima hepático e comprime os sinusoides hepáticos, reduzindo o diâmetro do seu lúmen, contribuindo para o aumento da resistência vascular intra- hepática, aumentando assim a pressão porta. Com a progressão da fibrose hepática, há a formação dos nódulos de regeneração (tecido hepático lesado circundado por tecido fibrótico) e perda progressiva da função hepática. Os processos patogênicos centrais da cirrose consistem na deposição de matriz extracelular (colágeno I e III, proteoglicanos sulfatados e glicoproteínas), morte dos hepatócitos e reorganização vascular. A deposição de colágeno tipo I e III ocorre no espaço de Disse e é consequência da ativação das células estreladas hepáticas pela lesão. Essa deposição forma tratos septais fribróticos e é acompanhada pela perda das fenestrações das células endoteliais dos sinusoides hepáticos, impedindo a troca de solutos entre os hepatócitos e o plasma, uma vez que os sinusóides são responsáveis por realizar essa troca. Durante todo o processo de lesão hepática e fibrose, a regeneração dos hepatócitos sobreviventes é estimulada e estes se proliferam dando origem a nódulos esféricos circundados por septos fibrosos. O resultado é um fígado nodular e com muitas fibroses, com comprometimento severo do suprimento de sangue para os hepatócitos e da secreção de substâncias no plasma pelos hepatócitos. A degeneração da interface entre o parênquima e os tratos portais também pode obliterar os canais biliares, levando ao desenvolvimento de icterícia. Distúrbio hemodinâmico Na cirrose temos vasodilatação dos vasos esplâncnicos. Com essa dilatação, há grande sequestro de volume nesses vasos, com consequente redução do volume circulante efetivo e hipoperfusão periférica. Essa hipovolemia relativa ativa o sistema renina- angiotensina-aldosterona (SRAA) e o sistema nervoso simpático, além de estimular a liberação do hormônio antidiurético. Como consequência teremos aumento da retenção hidrossalina na tentativa de restaurar a volemia. O sequestro de volume no leito esplâncnico dilatado também contribui para o aparecimento da hipertensão porta, pois grande parte desse volume é drenado para o sistema porta, aumentando a pressão hidrostática nesse leito vascular. A desorganização do parênquima hepático, por deposição de tecido fibroso comprime os sinusoides hepáticos, aumentando a resistência vascular nesse leito vascular, aumentando a pressão porta. A hipertensão porta, causada por todos esses mecanismos, justifica o aparecimento da ascite, das varizes de esôfago, da esplenomegalia e do hiperesplenismo. A hipoalbuminemia, causada pela insuficiência hepática, também contribui para o aparecimento da ascite e do edema. Etiologia da cirrose A cirrose hepática pode ser causada por várias condições. As principais causas de cirrose são: hepatite C, doença hepática alcoólica e doença hepática gordurosa não alcoólica. Essas três condições respondem por 80% dos casos. As causas mais importantes de cirrose no mundo todo são o abuso de álcool, a hepatite viral e a esteato hepatite não alcoólica (EHNA). Outras etiologias incluem doença biliar e sobrecarga de ferro. A cirrose, como estágio final da doença hepática crônica. Classificação Classicamente, a cirrose é classificada em micronodular (nódulos < 3 cm), macronodular (nódulos > 3 cm) ou mista. Essa classificação tem sido abandonada, pois é inespecífica com relação à etiologia. Além disso, observa-se que a morfologia do fígado pode mudar com a evolução da doença, independentemente da etiologia, e comumente a cirrose micronodular evolui para macronodular. A fibrose é um processo dinâmico de deposição de colágeno e remodelagem. Nódulos parenquimatosos contendo hepatócitos circundados por fibrose, com diâmetros variando de muito pequenos (< 0,3 cm, micronódulos) a grandes (vários centímetros, macronódulos). A nodularidade resulta de ciclos de regeneração de hepatócitos e cicatrização. Desorganização da arquitetura de todo o fígado. A lesão parenquimatosa e consequente fibrose são difusas, estendendo- se por todo o fígado. Uma lesão focal sem cicatrização não constitui cirrose, o que vale também para uma transformação nodular difusa sem fibrose. As classificações de Child-Pugh avaliam o prognóstico e sobrevida dos pacientes: Na prática clínica são usados dois sistemas de classificação da gravidade da cirrose, são eles: classificação de Child-Pugh e o sistema MELD. A classificação de Child-Pugh utiliza parâmetros clínicos e laboratoriais para estratificar a gravidade da doença, o risco cirúrgico e o prognóstico geral. Manifestações clínicas No diagnóstico, os pacientes com cirrose hepática podem apresentar-se com sintomas inespecíficos, como: anorexia, náuseas, fadiga e perda ponderal. Na cirrose temos alterações no metabolismo dos hormônios sexuais. Nessa condição temos hiperestrogenismo e redução dos níveis de androgênios. Essas alterações hormonais também justificam o aparecimento de: disfunção erétil, infertilidade, redução dos pelos corporais, ginecomastia (aumento do tecido mamário em homens – figura a seguir), diminuição de libido e atrofia dos testículos e da próstata. Nas mulheres podemos encontrar amenorreia, infertilidade e irregularidade menstrual. Os pacientes podem apresentar aumento da deposição de tecido subcutâneo nas extremidades dos dedos, com aumento do volume dessas regiões. As unhas tornam-se abauladas, dando o aspecto de uma baqueta de bateria e, por isso, essa condição é denominada de baqueteamento digital. Na cirrose comumente temos hipoalbuminemia e coagulopatia, que justifica o aparecimento de ascite, hematomas e hemorragia. Na cirrose, o fígado perde a capacidade de metabolizar substâncias tóxicas, como a amônia. O acúmulo dessa substância no organismo causa a encefalopatia hepática. A hipertensão porta, que ocorre na cirrose, justifica o aparecimento da ascite, das varizes de esôfago, da esplenomegalia, do hiperesplenismo, da encefalopatia hepática e da circulação colateral com aspecto de cabeça de medusa. Outros achados clínicos da cirrose são: As manifestações clássicas podem ser inespecíficas ou variar de acordo com a doença de base e incluem: icterícia, ascite, circulação colateral proeminente (circulação em cabeça de medusa), edema de membros inferiores, diminuição da pressão arterial, teleangiectasias, ginecomastia e atrofia testicularnos homens, eritema palmar, contratura de Dupuytren (atrofia da fáscia palmar), baqueteamento digital, osteoartropatia hipertrófica, distrofia ungueal, flapping, entre outras. Embora a cirrose seja definida pela presença (ou ausência) de fibrose e nódulos regenerativos no fígado, ou seja, um diagnóstico de “tudo ou nada”, ela pode ser. Diagnóstico A avaliação histopatológica é o padrão-ouro para o diagnóstico da cirrose hepática, entretanto, essa avaliação nem sempre é necessária, já que na maioria das vezes os achados clínicos e laboratoriais são suficientes para o diagnóstico. Dentre os achados clínicos e laboratoriais, os que possuem maior capacidade de prever a presença de cirrose em pacientes com hepatopatia são: ascite, plaquetas < 160.000/mm3, aranhas vasculares e escore de Bonacini > 7. Fique atento e não se esqueça: o achado de hipoalbuminemia, alargamento do tempo de protrombina e RNI > 1,7 em pacientes com achados clínicos típicos confirma a insuficiência hepática/cirrose hepática. Exames de imagem Os exames de imagem (ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância nuclear megnética) podem mostrar fígado atrofiado, com parênquima irregular, nódulos ou massas hepáticas, ascite, esplenomegalia. Na cirrose também podemos encontrar atrofia do lobo direito com hipertrofia do lobo caudado e/ou lobo esquerdo. A presença de veia porta com diâmetro aumentado, veias colaterais e fluxo sanguíneo lentificado indicam hipertensão portal. BIÓPSIA HEPÁTICA O padrão-ouro para o diagnóstico da cirrose é a análise histopatológica do tecido hepático. Na análise histopatológica da cirrose, encontramos total desorganização do parênquima hepático, com nódulos de hepatócitos em regeneração envoltos por septos fibrosos. A biópsia deve ser evitada em indivíduos com atividade de protrombina < 50% e/ou contagem de plaquetas < 80.000 e/ou RNI > 1,3. Tratamento Na maioria das vezes a cirrose é irreversível. A meta inicial do tratamento consiste em erradicar o fator causal da cirrose. Há relatos de reversão da cirrose após o tratamento da doença de base, principalmente quando a cirrose está em fase inicial e é causada por vírus, hepatite autoimune, hemocromatose ou doença de Wilson. Muitas das vezes, o tratamento dos pacientes com cirrose consiste no tratamento das complicações, como veremos em outros capítulos. É importante lembrar-se de que o transplante hepático pode ser indicado nos pacientes com cirrose descompensada. Complicações As complicações da cirrose, como a hipertensão portal, a ascite, a peritonite bacteriana espontânea, a hemorragia digestiva por ruptura de varizes de esôfago, a síndrome hepatorrenal, a síndrome hepatopulmonar, o hepatocarcinoma e a encefalopatia hepática. Hipertensão portal: complicação grave mais comum; pode se manifestar com sangramento gastrointestinal de varizes de esôfago, gástricas ou retais, ou por gastropatia hipertensivo portal. Síndrome hepatopulmonar: aumento do gradiente alvéolo-arteriolar que ocorre por vasodilatação no território microvascular pulmonar, podendo resultar em hipoxemia. Peritonite bacteriana espontânea: complicação da ascite que indica mau prognóstico, pois está associada a piora da função renal. Congestão esplênica com hiperesplenismo: pode resultar em esplenomegalia, sequestro plaquetário e consequente citopenia. Coagulopatia: em decorrência da insuficiência hepática. Síndrome hepatorrenal: levando a uma falência renal. Encefalopatia hepática Colestase e icterícia: devido à menor secreção de bile pelos hepatócitos. Má absorção de triglicerídeos e vitaminas lipossolúveis: devido à menor concentração de bile no intestino. 2. Obj: Compreender a hipertensão portal: circulação portal normal com gradientes de pressão, causas, patogênese, diagnóstico, manifestações clinicas, exames complementares e tratamento. HIPERTENSÃO PORTAL A hipertensão portal é uma complicação de evolução progressiva da cirrose hepática, sua consequência direta é a formação de varizes esofágicas, com risco de hemorragia digestiva alta e sangramento. A hipertensão portal é uma síndrome clínica, geralmente decorrente da cirrose, caracterizada pelo aumento do gradiente pressórico entre a veia porta e a veia cava inferior, chamado de gradiente de pressão portal; A pressão normal da veia porta varia de 5 a 10 mmhg. Sendo assim, a hipertensão portal ocorre quando a pressão na veia porta é maior que 10 mmhg. A determinação direta da pressão portal é difícil e por isso, na prática, utiliza-se o gradiente de pressão venosa hepática para confirmação da hipertensão portal. Um gradiente de pressão venosa hepática maior ou igual a 6 mmHg (normal: 1 mmHg a 5 mmHg) define a hipertensão portal. Esse gradiente mede, de forma indireta, a pressão portal por meio da cauterização da veia hepática. A pressão portal aumentada é transmitida para todas as tributárias da veia porta, aumentando, assim, a pressão em todos esses vasos. Nesse sentido, na tentativa de reduzir a pressão nesse sistema, há o desenvolvimento de vasos colaterais, que drenarão o sangue do sistema portal. Como exemplo, podemos citar a drenagem do sangue do sistema portal para as veias gástricas curtas, que drenam para as veias esofagianas e paraesofagianas, que drenam para a veia ázigos. Essas alterações dão origem às varizes gástricas e esofágicas. A hipertensão portal resulta do aumento na resistência intra-hepática ao fluxo portal e do aumento do fluxo sanguíneo portal secundário à vasodilatação esplâncnica, sendo responsável pelas principais complicações da cirrose hepática, incluindo a hemorragia digestiva alta (HDA) varicosa, a ascite e a encefalopatia hepática; Além das varizes gástricas e esofágicas, a hipertensão porta também justifica o aparecimento: • Varizes anorretais (por anastomose das veias hemorroidárias superior e média com a veia hemorroidária inferior). • Esplenomegalia e hiperesplenismo. • Circulação colateral (por recanalização das veias umbilical e paraumbilical). Essa circulação colateral pode se apresentar com vasos que se formam a partir do umbigo, direcionando-se para a parte superior do Abdome (para a veia cava superior) e para a parte inferior do abdome (para a veia cava inferior), dando origem ao clássico achado semiológico conhecido como cabeça de medusa. Etiologia Qual é a principal causa de hipertensão porta pré-hepática? A principal causa de hipertensão porta pré-hepática é a obstrução do fluxo sanguíneo através da veia porta antes de chegar ao fígado. Isso pode ocorrer devido a uma variedade de condições, incluindo trombose da veia porta ou compressão externa da veia porta por tumores ou outras estruturas anormais. Essa obstrução causa um aumento da pressão na veia porta e pode levar a complicações graves, como sangramento gastrointestinal e acúmulo de líquido no abdômen (ascite). As principais causas de hipertensão porta pré-hepática, intra-hepática e pós-hepática. 1. Hipertensão porta pré-hepática: - Trombose da veia porta (oclusão ou bloqueio da veia porta) - Síndrome de Budd-Chiari (oclusão das veias hepáticas que drenam o fígado) 2. Hipertensão porta intra-hepática: - Cirrose hepática (causada por várias doenças hepáticas crônicas, como hepatite viral, alcoolismo, doença hepática gordurosa não alcoólica, entre outras) - Fibrose hepática (acúmulo excessivo de tecido cicatricial no fígado) - Hepatite crônica (inflamação prolongada do fígado) - Doença hepática policística (desenvolvimento de múltiplos cistos no fígado) 3. Hipertensão porta pós-hepática: - Insuficiência cardíaca direita (aumento da pressão nas veias que drenam o sangue para o coração, incluindo a veia porta) - Trombose da veia hepática (oclusão ou bloqueio da veia hepática) - Compressão da veiaporta por tumores ou massas abdominais externas - Esquistossomose (infecção parasitária que pode levar à fibrose e estreitamento da veia porta) Patologia: Hipertensão portal (HP) consiste no aumento da pressão hidrostática no interior do sistema portal, que se origina nos capilares dos intestinos e nos sinusóides da polpa esplênica, sendo a veia porta formada pela confluência da veia esplênica com as veias mesentéricas superior e inferior; Dois terços do fluxo hepático de 1.500 mL de sangue por minuto são fornecidos pelo sistema portal, enquanto a artéria hepática é responsável por metade do fornecimento de oxigênio ao fígado; A rede sinusoidal do fígado oferece baixa resistência ao fluxo sanguíneo, sendo sua pressão menos de 7 mmHg acima daquela da veia cava inferior; Pressões acima de 17 mmHg no tronco da veia porta caracterizam HP; quando a pressão de oclusão é superior a 8 mmHg, trata-se de hipertensão pós-sinusoidal; Hipertensão porta pré-hepática Na hipertensão portal pré-hepática, temos aumento da resistência ao fluxo sanguíneo na própria veia porta (antes da sua entrada no fígado) ou em suas tributárias. As principais causas de hipertensão porta pré-hepática são: trombose da veia porta, fístula arteriovenosa esplâncnica e trombose da veia esplênica. Hipertensão porta intra-hepática A tabela a seguir lista as principais causas de hipertensão porta intra-hepática (HPIH), que pode ser dividida em HPIH pré-sinusoidal, HPIH sinusoidal e HPIH pós-sinusoidal. Hipertensão porta intra-hepática pré-sinusoidal A ESQUISTOSSOMOSE é a principal causa de hipertensão porta intra-hepatica pré sinusoidal. Os pacientes geralmente apresentam-se com varizes de esôfago, hepatomegalia, esplenomegalia e hiperesplenismo, não sendo comum o achado de ascite, a não ser que tenham hepatopatia associada. Hipertensão porta intra-hepática sinusoidal Normalmente causada por fibrose hepática, cirrose, hepatite alcoólica e hepatite crônica. Hipertensão porta pós-hepática A hipertensão porta pós-hepática ocorre quando temos resistência ao fluxo sanguíneo nos vasos que recebem o sangue que passou pelo fígado. Como exemplo, podemos citar a trombose das veias hepáticas. Nessa condição, temos obstrução do fluxo sanguíneo venoso pós-hepático. Fibrose hepática/cirrose hepática A cirrose hepática é a principal causa de hipertensão porta. Na cirrose temos fibrose hepática progressiva, com formação dos nódulos de regeneração. Essas alterações causam anormalidades estruturais no parênquima hepático, gerando aumento da resistência vascular nos sinusoides hepáticos, que se encontram comprimidos pela deposição de matriz extracelular no fígado. O aumento da resistência vascular no sinusoide aumenta a pressão venosa, que é transmitida ao sistema porta. Na cirrose, também temos vasodilatação do leito esplâncnico, que passa a armazenar grande quantidade de sangue nesses vasos dilatados. Esse grande volume de sangue é drenado para o sistema porta, aumentando a pressão portal. Manifestações clínicas As principais manifestações clínicas da hipertensão portal são desenvolvimento de varizes esofagogástricas com risco de sangramento varicoso, gastropatia hipertensiva, ascite, peritonite bacteriana espontânea (PBE) e encefalopatia hepática; A HDA varicosa é a manifestação clínica mais característica da hipertensão portal; A presença de varizes de esôfago correlaciona-se com a gravidade da cirrose; As varizes estão presentes em cerca de 30 a 40% dos cirróticos compensados e em até 80% dos cirróticos descompensados no momento do diagnóstico da cirrose; Em pacientes com cirrose compensada, a incidência cumulativa do desenvolvimento de varizes de esôfago situa-se em torno de 7 a 8% ao ano, sendo o GPVH acima de 10 mmHg o fator preditivo mais importante; Diagnóstico Em indivíduos com manifestações clínicas típicas da hipertensão portal, nenhuma avaliação diagnóstica complementar é necessária. Para os casos duvidosos, várias avaliações podem ser realizadas. As principais são: Gradiente de pressão venosa hepática Trata-se de um método indireto e invasivo para aferição da pressão portal, que é feito através do cateterismo da veia hepática após punção da veia jugular direita, da veia femoral ou da veia antecubital. O cateter é introduzido no átrio direito e, através da veia cava inferior, chega à veia hepática. Uma vez dentro de uma das veias hepáticas, a pressão nesse local é aferida em dois momentos: inicialmente, com o balão vazio (pressão venosa hepática livre), e posteriormente, com o balão insuflado (pressão encunhada). O gradiente de pressão venosa é obtido subtraindo o valor da pressão encunhada da pressão hepática livre. A pressão portal pode ser medida diretamente na veia porta. Esse procedimento não é realizado frequentemente, pois é mais invasivo e associa-se a um risco aumentado de sangramento intraperitoneal. O método de eleição para a determinação da pressão portal é a medida o gradiente de pressão entre a veia hepática livre e ocluída, o denominado gradiente de pressão venoso hepático (GPVH); Valores acima de 5 mmHg indicam presença de hipertensão portal; A medida do GPVH tem importância prognóstica nos pacientes com cirrose; Pacientes com hipertensão portal moderada, caracterizada por valores de GPVH entre 5 e 10 mmHg, apresentam cirrose compensada, não apresentam varizes esofagogástricas e, em geral, são assintomáticos; Por outro lado, pacientes com GPVH maior que 10 mmHg apresentam Hipertensão portal clinicamente significante podendo apresentar varizes; A presença de uma pressão acima de 12 mmHg está associada à presença de Cirrose descompensada com ascite e risco de sangramento por ruptura de varizes; Interessante comentar que quanto maior o gradiente de pressão venosa hepática, maior o risco de complicações e maior a mortalidade. Exames de imagem Os exames de imagem são importantes e úteis para a avaliação da etiologia da hipertensão portal. A ultrassonografia, a tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética podem mostrar dilatação do sistema venoso portal, esplenomegalia e alterações do parênquima hepático. Endoscopia digestiva alta Tratamento: O tratamento da hipertensão porta depende da causa subjacente e pode incluir medidas para reduzir a pressão portal e tratar as complicações associadas. 3.Obj: Investigar o aparecimento das varizes esofágicas: diagnóstico, vigilância endoscópica, profilaxia e tratamento. VARIZES ESOFÁGICAS: Varizes gastroesofágicas são uma consequência direta da hipertensão portal que na cirrose é uma consequência tanto do aumento da resistência ao fluxo portal quanto do aumento do influxo de sangue venoso portal. Ocorre um aumento da resistência estrutural, que ocorre pela distorção da arquitetura hepática por fibrose e regeneração nodular e também por conta do aumento dos tônus vasculares devido à disfunção endotelial e diminuição da biodisponibilidade do óxido nítrico. Quando o gradiente de pressão portal aumenta acima de certo limiar, podem ocorrer shunts de comunicação entre as circulações portal e sistêmica. Shunts de comunicação entre as circulações portal e sistêmica são conexões anômalas que desviam o fluxo sanguíneo da veia porta para a circulação sistêmica, ou vice-versa. Esses shunts podem ocorrer em diferentes locais do sistema circulatório e podem ter várias causas. Esse processo é modulado por fatores angiogênicos concomitantemente com a formação de colaterais portos sistêmicos, portal-venoso, aumentos de influxo de sangue como resultado da vasodilatação esplâncnica e aumento do débito cardíaco levando à formação de varizes. O crescimento das varizes é influenciado pelo aumento de pressão e fluxo da circulação portal, pois com esses aumentos elas crescem e aumentam o seurisco de ruptura. A formação de varizes esofágicas leva à descompressão do sistema porta, transportando o sangue para a circulação sistêmica, o gradiente venoso portal normal é de 1 a 5 mmHg, quando o gradiente de pressão venosa portal ultrapassa 10 mmHg pode ocorrer a formação de varizes esofágicas. Epidemiologia: Embora as varizes possam ocorrer em qualquer parte do tubo digestivo, são mais comumente encontradas nos últimos centímetros distais do esófago; Aproximadamente 50% dos pacientes cirróticos apresentam varizes gastroesofágicas. Diagnóstico O exame de escolha para determinar a presença de varizes esofágicas é a endoscopia digestiva alta (EDA), que deve ser realizada no diagnóstico da cirrose, quando essa EDA é realizada e o paciente apresenta varizes esofágicas com indicação de profilaxia, esta não mais precisa ser repetida, pacientes com varizes de fino calibre sem indicações da realização de profilaxia devem repetir a EDA a cada 1-2 anos. A ausência de plaquetopenia e tamanho do baço normal têm valor preditivo para excluir a presença de hipertensão portal, mas os resultados desses exames acabam não sendo úteis para definir a realização ou não de EDA, mas são um dado que orienta a probabilidade pré-teste do exame. Manejo O sangramento por varizes esofágicas é uma complicação potencialmente letal da cirrose, principalmente em pacientes que apresentam outras complicações clínicas da cirrose como icterícia ou episódios prévios de hemorragia varicosa. No manejo de pacientes com varizes esofágicas existem três tópicos principais em seu manejo: 1-Profilaxia primária para evitar um primeiro episódio de hemorragia varicosa; 2-Tratamento do sangramento agudo; 3-Profilaxia secundária (prevenção de varizes recorrentes). Tratamento: Farmacologico: O uso de vasoconstritores esplâncnicos reduz a pressão portal e o fluxo venoso portal, permitindo o controle do sangramento varicoso e prevenindo o risco de ressangramento; A terapêutica farmacológica deve ser instituída precocemente, em todo paciente com suspeita de hemorragia varicosa, antes mesmo da realização do exame endoscópico; Na fase aguda do sangramento varicoso, as drogas vasoativas permitem o controle efetivo do sangramento varicoso, com eficácia semelhante à da endoscopia, cerca de 70%; Contudo, diversos trials randomizados mostraram superioridade do tratamento combinado (farmacológico e endoscópico) no controle de sangramento e na redução da recidiva hemorrágica, e isso fundamenta a recomendação dos consensos atuais da associação de tratamento farmacológico e endoscópico como opção de primeira linha para o controle do sangramento agudo; Três drogas estão disponíveis no mercado farmacêutico brasileiro para o tratamento da hemorragia digestiva varicosa: terlipressina, somatostatina e octreotide; A escolha da droga deve levar em consideração o perfil de tolerância, o custo e a segurança, e seu uso deve ser estendido por até 5 dias; O uso de terlipressina tem sido associado a ocorrência de hiponatremia, especialmente em pacientes com função hepática preservada, portanto, os níveis séricos de sódio devem ser monitorados durante o uso dessa droga; Em razão dos eventos isquêmicos associados a terlipressina, seu uso deve ser contraindicado em pacientes com história de doença cardiovascular. Tratamento Endoscópico: O tratamento endoscópico é considerado, juntamente com o tratamento farmacológico, como tratamento específico da HDA varicosa; A endoscopia digestiva alta deve ser realizada após as medidas iniciais de estabilização hemodinâmica e o início da terapêutica farmacológica, preferencialmente nas primeiras 12 horas da admissão, tanto para o diagnóstico do sangramento varicoso quanto para realização de terapêutica endoscópica; A administração de eritromicina (250 mg, EV) 30 a 120 minutos antes da endoscopia melhoras esvaziamento gástrico e reduz a necessidade de uma segunda endoscopia e, portanto, deve ser considerada na ausência de contraindicação como prolongamento do intervalo QT; Avaliação das varizes de esôfago Todos os pacientes com cirrose hepática devem ser submetidos a uma endoscopia digestiva alta (EDA) para diagnóstico e avaliação das varizes de esôfago. Para os pacientes que nunca tiveram hemorragia por ruptura de varizes de esôfago, a profilaxia primária com betabloqueador não seletivo (propranolol ou nadolol) ou ligadura elástica está indicada nas seguintes situações: Varizes de pequeno calibre com manchas avermelhadas (red spots) na parede. Varizes de médio e grosso calibre. Pacientes com varizes de esôfago e cirrose Child B ou C. Dependendo da gravidade da cirrose (classificação de Child-Pugh), da presença das varizes e do tratamento da doença de base, a EDA deve ser repetida com a seguinte frequência: Child A, sem varizes e sem tratamento da doença de base: EDA em 2 anos. Child A, com varizes de pequeno calibre e sem tratamento da doença de base: EDA anual. Child A, sem varizes e com tratamento da doença de base: EDA em 3 anos. Child A, com varizes de pequeno calibre e com tratamento da doença de base: EDA em 2 anos. Child B ou C: EDA anual. O risco de sangramento das varizes esofágicas é relacionado ao seu tamanho, grau de disfunção hepática e as chamadas marcas vermelhas ou “red spots”. 4.Obj: Explicar a Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE) e a Encefalopatia Hepática (EH): etiologia, fisiopatogenia, classificação, diagnóstico, manejo, profilaxia e tratamento. PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA Agentes etiológicos. A Escherichia coli é o principal agente causador da PBE em adultos. A infecção do líquido ascítico, sem foco infeccioso intra-abdominal identificável (perfuração de víscera oca ou abscesso), é chamada de peritonite bacteriana espontânea (PBE). Essa condição ocorre em 8% a 30% dos pacientes internados com cirrose e ascite. Fisiopatologia Saiba que a PBE ocorre principalmente por translocação bacteriana. As bactérias intestinais atravessam a parede intestinal e colonizam os linfonodos mesentéricos. Estando nos linfonodos mesentéricos, essas bactérias podem chegar ao líquido ascítico por duas vias. Pode ocorrer lesão dos linfonodos, com liberação da linfa contaminada, ou passagem das bactérias para a circulação sistêmica a partir desses linfonodos mesentéricos. Uma vez na circulação sistêmica, esses micro-organismos chegam ao líquido ascítico. Fatores de risco Os principais fatores de risco para PBE são: Cirrose avançada (quanto maior o MELD, maior o risco de PBE). - Proteína no líquido ascítico < 1 g/dl. - Evento prévio de PBE. - Bilirrubina sérica > 2,5 mg/dl. - Hemorragia digestiva por ruptura de varizes de esôfago. - Desnutrição. - Uso de inibidores da bomba de prótons. Manifestações clínicas No diagnóstico, os pacientes com PBE podem apresentar-se sem sintomas (assintomáticos) ou com sintomas inespecíficos. Os sintomas típicos são: febre, dor ou desconforto abdominal e alteração do nível de consciência. Os pacientes também podem apresentar insuficiência renal/síndrome hepatorrenal, íleo paralítico, diarreia, hipotensão e hipotermia. Importante ressaltar que a presença do líquido ascítico impede o aparecimento do abdome em tábua ao exame físico. Diagnóstico Para o diagnóstico de PBE, devemos avaliar o líquido ascítico. Devemos lembrar que uma contagem de leucócitos maior ou igual a 250/mm3 não confirma o diagnóstico, ou seja, é necessário ter uma contagem de polimorfonucleares ≥ 250/mm3. Pbe x peritonite bacteriana secundária Para confirmar o diagnóstico da PBE, devemos afastar o diagnóstico de peritonite bacteriana secundária. Na peritonite bacteriana secundária, temos uma fonte de infecção intra-abdominal, que geralmente necessita de tratamento cirúrgico, como a perfuração de víscera oca ouabscesso intra- abdominal. Essa distinção é muito importante, pois a mortalidade da peritonite bacteriana secundária é de quase 100% quando o tratamento cirúrgico não é realizado. Já uma laparotomia desnecessária em pacientes com PBE tem taxa de mortalidade próxima de 80%. Tratamento Diante da suspeita de PBE, o tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível, mesmo sem o resultado da cultura do líquido ascítico. Profilaxia da PBE Pacientes com proteína no líquido ascítico < 1 g/dl podem beneficiar-se da profilaxia primária crônica com norfloxacina 400 mg/dia (por tempo indeterminado). Pacientes que apresentem os seguintes achados clínicos e laboratoriais (ilustração a seguir) também podem receber profilaxia primária crônica, já que possuem risco aumentado de PBE. ENCEFALOPATIA HEPÁTICA O termo encefalopatia hepática (EH) é usado para descrever uma síndrome que se caracteriza por manifestações neuropsiquiátricas reversíveis e que ocorre em indivíduos com doença hepática. Essa condição pode se apresentar com uma ampla variedade de manifestações clínicas, desde alterações cognitivas leves (não identificadas clinicamente) até o coma. A encefalopatia hepática está presente na hepatite fulminante (insuficiência hepática aguda) e também pode ocorrer nas hepatopatias crônicas. Ela aparece em 30 a 45% dos pacientes com cirrose hepática e em 10 a 50% dos indivíduos com desvios portossistêmicos. Fisiopatologia A fisiopatologia envolve principalmente dois fatores: a insuficiência hepática e o shunt portossistêmico. Tanto na insuficiência hepática quanto no shunt portossistêmico, temos aumento dos níveis séricos de substâncias neurotóxicas, sendo a amônia a mais importante delas. Na insuficiência hepática, há comprometimento na metabolização dessas substâncias, que se acumulam no sangue. No shunt, as substâncias tóxicas não passam pelo fígado, pois há um desvio do sangue mesentérico para a circulação sistêmica. Uma vez em excesso, essas substâncias afetam a função do sistema nervoso central. Na Encefalopatia Hepática temos aumento dos níveis séricos da amônia, que são tóxicos. Classificação conforme a doença de base Tipo A: causada por hepatite fulminante (insuficiência hepática aguda). Tipo B: complicação de shunt portossistêmico. Tipo C: causada por cirrose hepática. Classificação conforme manifestações clínicas Essa classificação tem sido muito utilizada na prática clínica, sendo os critérios de West Haven os mais usados. Classificação conforme a frequência Episódica: eventos raros (< 2 eventos por ano). Recorrente: ocorrem em intervalos menores que 6 meses. Persistente: sinais e sintomas contínuos, com períodos em que os sintomas são leves intercalados com sintomas mais evidentes. Classificação de acordo com a presença de fatores desencadeantes Essa classificação divide os pacientes em dois grupos: Encefalopatia causada por fator precipitante. Encefalopatia sem fator precipitante. Manifestações clínicas A encefalopatia hepática mínima ocorre quando o paciente tem alterações neurológicas que não podem ser identificados clinicamente (pacientes encontram-se assintomáticos), sendo observadas apenas por meio de testes neurológicos específicos. A figura abaixo organiza os sintomas de acordo com o grau da encefalopatia hepática: Diagnóstico A abordagem inicial de um paciente com suspeita de EH consiste na solicitação de exames laboratoriais para descartar causas metabólicas e distúrbios hidroeletrolíticos (glicemia, sódio, potássio, ureia e creatinina). Tomografia computadorizada pode ser útil para avaliação do diagnóstico diferencial (afastar acidente vascular cerebral, hematoma subdural etc.) e pode também evidenciar edema cerebral, que pode estar presente em até 80% dos pacientes com encefalopatia hepática. Tratamento Os pacientes com encefalopatia grau I podem ser tratados ambulatorialmente, desde que sejam orientados a procurar atendimento médico em caso de piora. A internação dos pacientes com encefalopatia grau II dependerá do grau de confusão e letargia. Já os indivíduos com doença grau III ou IV devem ser internados, idealmente em unidade de terapia intensiva. Para os pacientes que se apresentam com agitação psicomotora importante, o uso de medicamentos com ação no sistema nervoso central deve ser feito com cuidado, pois vários medicamentos podem causar piora da encefalopatia. Entre as opções disponíveis, o haloperidol é a melhor escolha. A dieta de um paciente com cirrose e EH deve atender suas necessidades calóricas e nutricionais. Antigamente, recomendava-se a restrição proteica para indivíduos com encefalopatia hepática. Essa conduta não é mais indicada, pois se associa à piora do estado nutricional (desnutrição), condição que agrava a encefalopatia hepática e aumenta a mortalidade.