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A LIT EM PERIGO - TODOROV

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UFS/CRÍTICA LITERÁRIA
Prof. Dr. Alexandre de Melo Andrade
TODOROV, T. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
APRESENTAÇÃO:
O problema está na forma como a literatura chega aos jovens: disciplinar e institucional. É mais matéria escolar do que conhecimento sobre o mundo. A discussão da obra em si talvez deva anteceder questões de periodização.
PRÓLOGO:
Todorov assume que a literatura o ajuda a viver. Apresenta uma visão humanista da literatura.
A LITERATURA REDUZIDA AO ABSURDO
O professor de literatura não estuda apenas os recursos literários, mas estuda também “as obras”.
Os teóricos de literatura não entram em consenso sobre o que ensinar. Concentrar o ensino de Letras nos próprios textos seria mais condizente com o amor que o professor tem pela literatura. O julgamento subjetivo do aluno, associado ao conhecimento que se adquire nas aulas, pode encaminhar de modo mais adequado o ensino de literatura.
“As inovações trazidas pela abordagem estrutural nas décadas precedentes são bem-vindas com a condição de manter sua função de instrumentos, em lugar de se tornarem seu objetivo próprio” (p.32).
O leitor deve, pela obra, compreender o homem e o mundo e enriquecer sua existência. Isso o leva a compreender melhor a si mesmo (liga-se à realização individual). O perigo está em: esta semana estudamos a metáfora; na próxima, estudaremos a personificação.
ALÉM DA ESCOLA
Todorov culpa, de um certo modo, o estruturalismo, por “formar” professores com visão tecnicista (anos 1960/70). Não se pode abandonar o sentido do texto em detrimento das categorias em jogo no texto. É preciso equilibrar fatores internos e externos. Hoje, prevalecem as abordagens internas e a teoria literária.
Durante séculos, privilegiou-se a história da literatura, atribuindo sentido causal às obras. “A tradição universitária não concebia a literatura como, em primeiro lugar, a encarnação de um pensamento e de uma sensibilidade, tampouco como interpretação do mundo” (p. 38). Hoje, concebe-se que a obra se autoafirma, possui leis próprias, excluindo-se da realidade; é “objeto de linguagem” (p. 38). Se não tem relação com o mundo, então não deve ter importância (no pensamento do aluno); causa o desinteresse.
Literatura é apenas ilustração de meios literários? Ainda se recusa, na universidade, a ver a literatura como um discurso sobre o mundo.
No ensino superior, deve-se também ensinar as técnicas; o ensino médio, que não forma especialistas em literatura, não deve ter o mesmo alvo. “O professor de ensino médio fica encarregado de uma das mais árduas tarefas: interiorizar o que aprendeu na universidade, mas, em vez de ensiná-lo, fazer com que esses conceitos e técnicas se transformem numa ferramenta invisível” (p. 41).
Há um viés niilista, além do formalista, que entende a obra como manifestação da negação do mundo, fadado ao desastre. Um terceira tendência é a do “solipsismo” (o si mesmo é o único existente). Niilismo e solipsismo são solidários, pensando que não existe mundo comum; ambas não rejeitam o formalismo, complementam-na.
NASCIMENTO DA ESTÉTICA MODERNA
Segundo Aristóteles, a poesia é a imitação da natureza; segundo Horácio, sua função é agradar e instruir. A relação com o mundo encontra-se tanto no autor quanto no leitor, que tiram das obras lições aplicáveis.
Na Europa cristã: glorificação de uma doutrina.
Renascimento: contribuição da poesia ao Bem e à Verdade.
Concepção de arte no século XVIII: “assimilação do criador a um deus fabricante de microcosmo e a assimilação da obra a um objeto de contemplação” (como exemplifica Duchamps) (p. 52). A arte possui rigor cósmico e não tem fim prático. Pela arte, atinge-se o Absoluto.
A ESTÉTICA DAS LUZES
O belo se torna uma categoria mais próxima do mundo real. Tanto ciência quanto literatura são formas de compreender o mundo. O poeta é um “análogo da razão” (p. 57).
Segundo Kant, o belo é desinteressado, ainda que símbolo de moralidade. Não se estabelece objetivamente, pois depende do gosto.
Segundo Constant (1807), “A literatura refere-se a tudo. Não pode ser separada da política, da religião, da moral. É a expressão das opiniões dos homens sobre cada uma das coisas. Como tudo na natureza, ela é ao mesmo tempo efeito e causa. Imaginá-la como fenômeno isolado é não imaginá-la.” (p. 60). Neste sentido, toda poesia é impura.
Século das Luzes: autonomia da obra de arte (Kant, Vico, Benjamin Constant, Lessing etc). Obra de arte ajuda a conhecer o real, pertence ao mundo comum dos homens.
DO ROMANTISMO ÀS VANGUARDAS
Aos olhos dos primeiros românticos (os irmãos Schlegel, Novalis, Schelling), a arte continua a ser um conhecimento do mundo. Porém, o êxtase provocado pela obra de arte é superior ao que a ciência produz; traz um realidade essencial.
Porém, Baudelaire declara: “A poesia [...] não tem como objeto a verdade, ela não tem senão a Si mesma. Os modos de demonstração de verdade são outros e estão em outro lugar. A Verdade não tem nada a fazer com as canções” (p. 62). Entretanto, ele está com Kant ao dizer: “A imaginação é a mais científica das faculdades, porque apenas ela pode compreender a analogia universal”, ou “A imaginação é a rainha do verdadeiro” (p.63). Trata-se de uma “verdade do desvelamento” (p.64). Para Baudelaire, o poeta é um decifrador; ele não copia, interpreta. 
Flaubert considera que a “arte é a própria Verdade” (p. 65).
Oscar Wilde: “a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida” (p.65).
Em todos estes casos, a arte não rompe com o mundo.
Século XX: A literatura passa ao domínio de certa elite, que identifica os “procedimentos” da obra literária. Segrega-se da literatura de massa. Sucesso comercial X qualidades artísticas.
Vanguardas: proclamaram a autonomia da pintura.
Formalistas russos, especialistas em estudos estilísticos alemães, discípulos de Mallarmé na França, seguidores do New Criticism nos E. U. A.: a literatura não tem relação significativa com o mundo. Estreitam relação com o niilismo.
Fim do séc. XX e início do XXI: coexistência pacífica de ideologias diferentes. Partidários do utopismo e do Iluminismo permanecem. 
Na França, permanece no domínio a tríade formalismo-niilismo-solipsismo. Relação entre literatura e mundo ainda é visto como um engodo.
O QUE PODE A LITERATURA?
Relata o caso de John Stuart Mill, que, após depressão de 2 anos, reencontrou a motivação para a vida lendo Wordsworth (conforme biografia de 1873). Conta, ainda, o caso de Charlotte Delbo (120 anos mais tarde), presa por conspirar contra o invasor alemão, que tem como companheiros vários personagens de obras literárias, que lhe chegam por livros que um colega de prisão lhe passa por uma corda.
Todorov diz: “[...] não posso dispensar as palavras dos poetas, as narrativas dos romancistas. Elas me permitem dar forma aos sentimentos que experimento, ordenar o fluxo de pequenos eventos que constituem minha vida. Elas me fazem sonhar, tremer de inquietude ou me desesperar”. (p. 76). “A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos faz compreender melhor o mundo e nos ajudar viver [...] ela pode também, em seu percurso, nos transformar a cada um de nós a partir de dentro”. (id.).
“O leitor comum, que continua a procurar nas obras que lê aquilo que pode dar sentido à sua vida, tem razão contra professores, críticos e escritores que lhe dizem que a literatura só fala de si mesma ou que apenas pode ensinar o desespero” (p. 77). A literatura é “conhecimento do mundo psíquico e social em que vivemos”. Dante ou Cervantes nos ensinam sobre a condição humana tanto quanto os sociólogos e psicólogos.
Literatura: experiências singulares; diversidade do vivido; múltiplas interpretações. Filosofia: conceitos; abstrações e leis gerais; proposições inequívocas.
O romance nos participa mais da moral do que da ciência.
Leituras como Os três mosqueteiros e Harry Potter levaram muitos jovens ao universo da leitura. Leituras posteriorespoderão ser mais complexas e nuançadas.
UMA COMUNICAÇÃO INESGOTÁVEL
Obra: verdade comum a literária do “desvelamento”.
Propõe que se debata, por meio da literatura, o conhecimento do homem e do mundo. A escola deveria transmitir literatura através do sentido das obras, e não do que este ou aquele linguista pensa. Diz que os livros considerados não-literários têm muito a nos ensinar.
Ver a literatura como ilustração formalista, niilista e solipsista é assassiná-la.

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