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Guia de aula 
 
Agente Facilitador de Carnavais e 
Festas Populares 
 
 
Festas Rituais e sociedade 
Semana 4 
Festas populares, 
patrimônio e as cidades 
 
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Apresentação 
 
 
Festas populares servem como lembretes das tradições, histórias e 
valores de uma comunidade. Ao celebrar esses eventos, as pessoas reafirmam 
sua identidade cultural e se conectam com suas raízes. Através de danças, 
músicas, roupas tradicionais e rituais, as gerações mais jovens aprendem sobre 
sua herança e a importância de manter essas tradições vivas. 
Muitas festas populares atraem visitantes de outras regiões e até de 
outros países. Isso não só beneficia a economia local, como também promove o 
intercâmbio cultural. Turistas têm a oportunidade de aprender sobre a cultura 
local enquanto os locais se orgulham de apresentar suas tradições 
 
 
Objetivo(s) 
Ao final dos estudos dessa semana, esperamos que você seja capaz de: 
• Identificar patrimônios culturais 
• Localizar o urbano como ambiente festivo 
 
Plano de estudos 
Nesta semana, você deverá: 
 
1) Ler o guia de estudos e explorar a trilha de aprendizagem. 
 
 
 
 
 
 
 
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A festa para além da festa. 
A festa é simultaneamente um evento, uma experiência e um conceito, 
cada um dos quais carrega sua própria complexidade e significado. Quando 
pensamos em festas constatamos que elas são uma constante nas vidas 
individual e coletiva, ajudando a regular nosso ritmo diário e nosso calendário. 
Festas marcam momentos fortes, culminantes e alternâncias de ritmo na vida 
das pessoas. A festa é um campo enunciativo com muitas possibilidades e 
significados fluidos. O conceito de festa não é facilmente confinado ou definido. 
A festa é um termo vago, aplicável a uma ampla gama de situações sociais. 
Mesmo que as pessoas saibam o que é uma festa, elas muitas vezes não 
conseguem definir um evento específico como festa ou não-festa. A festa, 
assim, é um conceito fluido, aberto a diversas interpretações. 
A festa, em sua essência, é um fenômeno complexo que se estende para 
além de uma celebração momentânea. Representa um campo vasto de 
significados, atuando simultaneamente como um evento social, uma vivência 
intensa e um conceito abstrato. Este olhar ampliado entende as festas como 
"festa-questão", um termo, cunhado pela antropóloga Léa Perez, que encoraja a 
ver além do óbvio. Festas são marcadores de tempo e ritmo, influenciando tanto 
a esfera individual quanto a coletiva. 
Festas, por natureza, são momentos de celebração, reflexão e até mesmo 
transgressão. Elas permitem que as pessoas se desvinculem do cotidiano e 
mergulhem em uma realidade alterada, muitas vezes mais colorida, sonora e 
expressiva. Esta "realidade festiva" cria um espaço onde o ordinário e o 
extraordinário se encontram e dialogam. As escolas de samba são mais do que 
apenas desfiles espetaculares de carnaval. Elas têm uma história rica de 
comentários sociais e políticos. Através de suas letras, sambas-enredo e 
performances, as escolas de samba frequentemente abordam temas relevantes 
da sociedade, como injustiça social, política, história e questões cotidianas. 
Enquanto as melodias e as danças podem ser festivas e elevadas, as letras 
muitas vezes carregam mensagens profundas e, às vezes, críticas. Esta 
dualidade permite que as escolas de samba comuniquem questões sérias de 
uma maneira que seja acessível e atraente para o público em geral. Ao abordar 
tópicos críticos e relevantes por meio de suas performances, as escolas de 
samba não apenas destacam problemas sociais, mas também promovem a 
mudança. Elas incentivam o diálogo, a reflexão e, eventualmente, a ação sobre 
questões apresentadas em seus sambas. A capacidade das escolas de samba 
de abordar questões reais através de um meio festivo tem uma profunda 
ressonância cultural no Brasil. Para muitos, o carnaval não é apenas uma festa, 
mas também uma plataforma de expressão e resistência. 
 
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Figura 1-Desfile da Estação Primeira de Mangueira campeã do carnaval de 2019 - Alexandre Brum/O Dia 
 
Na conferência "Festa, Religião e Cidade: Experiência e Expertise", Léa 
Freitas Perez aprofunda a discussão sobre as procissões do catolicismo popular 
luso-brasileiro, enfatizando a importância desses eventos na construção da 
identidade cultural e social. Perez relata sua experiência pessoal de pesquisa 
nessas procissões, descrevendo como esses eventos religiosos, através de sua 
repetição e ritual, são profundamente enraizados na vida comunitária. Ela 
observa que as procissões são mais do que manifestações religiosas; são atos 
que integram a fé com a vida diária das pessoas e refletem a interação entre o 
sagrado e o cotidiano urbano. 
A autora também discute o conceito de "fazer corpo na duração do fazer 
corpo", uma ideia que destaca a conexão entre os corpos individuais dos 
participantes da procissão e o corpo coletivo que eles formam juntos. Este 
conceito ilustra a ideia de comunidade e união presentes nessas festividades 
religiosas. As procissões são vistas como eventos que reforçam os laços 
comunitários, evocam emoções coletivas e expressam uma forma de 
religiosidade popular que é simultaneamente individual e comunitária. 
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Em sua conclusão, Perez reflete sobre a natureza da escrita e da pesquisa 
antropológica, destacando a experiência pessoal como fundamental para a 
compreensão acadêmica. Ela argumenta que a análise de festas religiosas 
oferece insights valiosos sobre as dinâmicas sociais e culturais, ressaltando o 
papel significativo que tais eventos desempenham na formação da identidade 
coletiva e individual nas sociedades luso-brasileiras. A pesquisa de Perez 
demonstra como as festas religiosas e as procissões são fenômenos vivos e 
relevantes que continuam a moldar e a refletir a cultura e a sociedade 
contemporâneas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Conferência "Festa, Religião e Cidade: Experiência e expertise"
Nesta conferência Léa Freitas Perez, 
aborda a relação entre festas 
religiosas e o espaço urbano, com 
foco no catolicismo popular luso-
brasileiro. A autora explora a ideia 
de contemporaneidade e a 
importância de entender festas 
como eventos que vão além da 
celebração em si, influenciando a 
sociedade e a cultura. Ela discute a 
"morte da festa" na modernidade e 
propõe uma nova visão da festa 
como um fenômeno vivo e 
significativo. A pesquisa inclui uma 
análise de procissões e festas 
religiosas, destacando seu papel na 
sociedade e como elas revelam 
aspectos importantes da vida social 
e cultural. Perez também reflete 
sobre a natureza da escrita e da 
pesquisa antropológica, ligando a 
experiência pessoal à produção 
acadêmica.
Disponível na trilha de 
aprendizagem.
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Festa e patrimônio. 
 
 
A acumulação de bens tem diversas facetas que variam conforme a 
sociedade. Enquanto algumas culturas valorizam a retenção de bens, como é 
observado no Kula e nos trobriandeses com sua prática de distribuição, outras, 
como a tradição do potlatch do noroeste americano, enfatizam a distribuição. 
Essas variações evidenciam a possibilidade de transitar analiticamente entre 
diferentes mundos sociais, destacando a complexidade das práticas humanas. 
No entanto, é crucial entender que a integração do conceito de patrimônio 
muitas vezes se confunde com o de propriedade, um fenômeno que pode ser 
descrito como "fatos sociais totais". Essa sobreposição ressalta a importância de 
se ter cuidado ao estudar diferentes sociedades, principalmente no que tange às 
distintas concepções entre o observador e o nativo. 
O patrimônio imaterial, por exemplo, abrange uma ampla gama de 
elementos que vão desde lugares, festas, religiões, medicina popular, música, 
dança,culinária até técnicas diversas. Estes são aspectos ideais e valorativos 
das formas como as pessoas vivem e se relacionam com o mundo ao seu redor. 
Dada a importância e a riqueza dessas práticas, surge a proposta de registrá-
las, com o objetivo não só de preservá-las, mas também de realizar um 
acompanhamento contínuo para verificar sua permanência e as constantes 
evoluções e formações que possam ocorrer ao longo do tempo. 
 
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Aprofundamos a questão do patrimônio cultural por meio da Festa do 
Divino, explorada pelo antropólogo José Reginaldo Gonçalves em suas 
pesquisas. O evento, com presença em locais tão diversos quanto os Açores, 
Canadá, Estados Unidos e Brasil, é reconhecido como um "fato social total" que 
abarca múltiplas dimensões: da arquitetura à moralidade, passando por 
culinária, música, religião e rituais. 
 
Figura 2-Festa do Divino em Açores 
No cerne do debate está a classificação da festa como patrimônio. 
Devotos enxergam elementos como a coroa, a bandeira e a comida não apenas 
como objetos físicos, mas como manifestações tangíveis do Espírito Santo, 
enquanto para intelectuais e líderes religiosos, esses itens representam a 
materialização de uma identidade e memória étnicas. O desafio é utilizar a 
categoria de patrimônio sem descontextualizar seu significado intrínseco ou 
impor interpretações alheias à visão dos nativos, integrando estruturas 
espaciais, objetos, alimentos, rezas, mitos e rituais nesse conceito. A visão dos 
devotos diverge significativamente da perspectiva acadêmica ou institucional 
sobre patrimônio. Para eles, a festa é um ponto de encontro com o sagrado, onde 
o material e o espiritual se entrelaçam, um eco das primeiras trocas entre 
humanos e divindades, como descrito por Marcel Mauss. 
Discutindo a oposição entre matéria e espírito, o texto ressalta que, 
enquanto a visão moderna tende a separar a matéria de qualquer conotação 
espiritual, para os devotos essa separação não existe; os objetos materiais 
possuem, em si, vida e significado espirituais. José Reginaldo sublinha a 
importância de respeitar a perspectiva nativa para compreender plenamente o 
patrimônio, argumentando que interpretações externas podem não captar 
completamente seu valor e significado para as comunidades que o valorizam. 
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Por fim, o autor reflete sobre a universalidade do patrimônio, sugerindo 
que reconhecer essa universalidade pode lançar luz sobre por que diferentes 
pessoas e grupos valorizam tanto esse conceito, que ultrapassa fronteiras e se 
funde com a autoconsciência cultural. 
Diante da complexidade das relações humanas, especialmente em 
ambientes urbanos, surge a necessidade de estratégias audaciosas e de uma 
humildade reconhecedora da complexidade das cidades. Assim, a análise de 
festas e rituais ganha espaço vital nessa discussão. Maria Laura Cavalcanti 
ressalta a importância dessas celebrações, afirmando que elas funcionam como 
pontos de equilíbrio nos processos de mudança social, exigindo um olhar 
cuidadoso por iluminarem conflitos sociais. 
 
As festas e as cidades 
No coração do espaço urbano, as cidades ganham vida através de uma 
miríade de atividades e eventos que refletem a rica tapeçaria cultural da 
sociedade. Uma parte significativa dessa expressão cultural acontece por meio 
das festas populares, que têm uma relação intrínseca com o espaço urbano. 
Nas cidades, o espaço urbano se transforma durante festas populares. 
Esses eventos massivos tomam as ruas, praças e avenidas, fazendo com que a 
cidade se torne o epicentro da celebração. O espaço urbano se torna um palco 
para expressões culturais únicas, onde a arquitetura, as ruas e os monumentos 
se mesclam com tradições locais. A relação entre festas populares e espaço 
urbano vai além da simples ocupação das ruas. Esses eventos frequentemente 
refletem as identidades das comunidades locais, destacando elementos 
culturais, gastronômicos e musicais. As festas populares podem, assim, servir 
como um reflexo da diversidade e da riqueza cultural presente nas cidades ao 
redor do mundo.Neste momento vamos refletir sobre a relação das cidades com 
DOsiê e reportagem sobre patrimonialização
Para entender a questão 
da patrimonialização de 
festas populares podemos 
olhar para o caso do Boi-
Bumbá do médio 
amazonas, um complexo 
de festas e festivais que 
comprrende os bois de 
Parintins (AM). No AVA 
além de uma reportagem 
da TV Cultura o dossiê 
completo está disponível 
aos que tiverem 
curiosidade.
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suas festas. Como os habitantes ocupam e se relacionam com o espaço urbano 
durante os dias festivos? De que forma essa relação se reforça e se estreita? 
Circulando na cidade 
A abordagem etnográfica, ao mergulhar profundamente na realidade 
social, oferece uma compreensão rica e multifacetada de fenômenos como as 
festas urbanas, que vão além do mero entretenimento. Esta metodologia, 
centrada na observação participante e na imersão no contexto estudado, permite 
captar nuances e detalhes que métodos mais distantes e abstratos muitas vezes 
não conseguem. A etnografia não se limita a descrever comportamentos e 
práticas; ela busca entender os significados, as motivações e as interações 
subjacentes, revelando as dinâmicas complexas e muitas vezes invisíveis que 
moldam esses eventos. 
Ao se debruçar sobre festas urbanas, a etnografia pode desvendar como 
esses eventos são palcos onde se jogam negociações de identidades, 
demonstrações de pertencimento e resistência cultural, e onde se estabelecem 
e contestam relações de poder. Neste sentido, as festas se revelam como 
microcosmos da sociedade, espelhando e influenciando as estruturas sociais, 
políticas e culturais mais amplas. 
Além disso, a perspectiva etnográfica é crucial para compreender as 
cidades como organismos vivos e em constante transformação. Ela permite uma 
análise mais holística e integrada, onde festas e eventos são vistos não apenas 
como acontecimentos isolados, mas como partes integrantes da vida urbana, 
refletindo e afetando a dinâmica da cidade. Assim, a etnografia contribui para um 
entendimento mais completo e matizado tanto das cidades quanto dos 
fenômenos sociais que nelas ocorrem, valorizando a diversidade e a 
complexidade inerentes ao tecido social urbano. 
Pensar na cidade, um espaço que já vivemos e habitamos, envolve um 
deslocamento no sentido do relativismo cultural que já apresentamos. Neste 
momento precisamos mobilizar nosso olhar de forma diferenciada onde 
precisamos entender que estamos dentro deste contexto. Se por um lado já 
pensamos nos contextos que nos pareciam exóticos e nós transformamos em 
familiares. Por outro lado, precisamos aqui pensar em como nos distanciarmos 
social e psicologicamente da nossa vizinhança e comunidades. O esforço agora 
vai na direção de tornar exótico aquilo que já nos é familiar. 
A convivência em uma mesma sociedade não garante automaticamente 
uma proximidade genuína entre dois indivíduos. Este é um conceito importante 
a ser considerado na discussão sobre as fronteiras e separações artificiais entre 
as sociedades e culturas. O fato de pertencerem à mesma sociedade, 
compartilharem a mesma língua ou mesmo uma história comum não elimina a 
possibilidade de distanciamento entre as pessoas. 
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Figura 3-Carnaval ocupa as ruas de Salvador (BA) em 2019 - Guia do Turismo Brasil 
O que sempre vemos e encontramos pode, de fato, ser familiar. São as 
coisas, pessoas e experiências que fazem parte da nossa rotina, aquelas que 
nos cercam de forma constante. No entanto, mesmo que sejam familiares, não 
necessariamente temos um profundo conhecimento sobre elas. Muitas vezes, 
assumimos que compreendemos algo simplesmente porque estamos expostos 
a isso repetidamente. Mas, na realidade, a verdadeira compreensãorequer uma 
exploração mais profunda e um desejo de aprender. Portanto, a familiaridade 
não é sinônimo de conhecimento; ela é apenas o ponto de partida. 
Por outro lado, o que não vemos e encontramos frequentemente é 
percebido como exótico. Essas são as coisas que estão além dos limites da 
nossa experiência diária, que podem parecer estranhas, diferentes ou distantes. 
No entanto, a afirmação nos lembra que o exótico não é necessariamente 
desconhecido. Podemos aprender sobre outras culturas, lugares e experiências 
que estão fora do nosso âmbito imediato. O exotismo pode ser um convite para 
a exploração e a descoberta, em vez de uma barreira ao entendimento. 
Essa ideia ressalta a importância da curiosidade e da abertura para o 
mundo que nos rodeia. Ela nos lembra que, para realmente conhecer algo ou 
alguém, precisamos ir além das aparências e das primeiras impressões. 
Precisamos estar dispostos a explorar o que está além do familiar e a reconhecer 
que mesmo o que é exótico à primeira vista pode se tornar conhecido com o 
tempo e o esforço. 
Esse processo de estranhar o familiar não é apenas intelectual, mas 
também emocional. Muitas vezes, nossas crenças e conceitos familiares estão 
profundamente enraizados em nossa identidade e experiências pessoais. 
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Questioná-los pode ser desafiador e até mesmo emocionalmente 
desconfortável. No entanto, é precisamente essa disposição para explorar 
terrenos desconhecidos, tanto intelectual quanto emocionalmente, que nos 
permite crescer e evoluir. 
Portanto, a capacidade de estranhar o familiar é uma ferramenta poderosa 
para o aprendizado contínuo e para a construção de pontes de compreensão 
entre diferentes perspectivas. Nos permite transcender barreiras e nos aproximar 
da verdadeira essência da realidade. Ao adotarmos uma abordagem crítica e 
aberta à diversidade de visões, estamos investindo na nossa própria evolução e 
no aprofundamento da nossa compreensão do mundo que compartilhamos. 
 
As comunidades carnavalescas e festivas. 
O As escolas de samba desempenham um papel fundamental na cultura 
urbana, especialmente em cidades brasileiras como o Rio de Janeiro e São 
Paulo. Elas são mais do que meras instituições de entretenimento; são 
elementos essenciais na forma como os bairros periféricos e marginalizados são 
percebidos e se percebem no imaginário citadino. 
Primeiramente, as escolas de samba são expressões de identidade 
cultural. Elas emergiram historicamente como espaços de resistência e 
expressão para comunidades frequentemente marginalizadas. Através do 
samba, da dança e de outros elementos culturais, essas escolas oferecem uma 
voz e visibilidade a comunidades que, de outro modo, poderiam permanecer à 
margem da sociedade. 
Além disso, as escolas de samba funcionam como centros comunitários. 
Muitas vezes situadas em bairros periféricos, elas proporcionam um local de 
encontro, de celebração da identidade local e de fortalecimento dos laços 
comunitários. Nessas escolas, membros da comunidade podem se engajar em 
atividades artísticas e culturais, contribuindo para um senso de pertencimento e 
coesão social. 
Durante o carnaval, as escolas de samba têm a oportunidade de 
apresentar suas histórias, lutas e conquistas para um público mais amplo. Os 
desfiles são uma forma de arte que combina música, dança, fantasias e alegorias 
para contar histórias, muitas vezes centradas nas experiências e na história do 
próprio bairro. Essa exposição no palco nacional e internacional do carnaval 
permite que essas comunidades redefinam e ressignifiquem a forma como são 
percebidas, desafiando estereótipos e destacando a riqueza de sua cultura e 
história. 
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O antropólogo e atual presidente da Portela, Fábio Pavão, explora as 
complexidades das comunidades associadas às escolas de samba, focando 
particularmente na Portela. Pavão discute como a palavra "comunidade" tem 
diferentes significados e como esses significados se manifestam nas escolas de 
samba. Ele destaca a evolução dessas agremiações carnavalescas e as 
mudanças nas redes de sociabilidade decorrentes das transformações culturais 
e sociais ao redor delas. Ele aborda em sua tese a diferença entre a "comunidade 
tradicional", com laços de vizinhança e história, e a "comunidade eletiva", 
baseada em afinidades e participação ativa. Pavão ilustra como essas 
comunidades coexistem e se adaptam às mudanças na sociedade e na própria 
escola de samba. 
Pavão discute como, tanto no meio acadêmico quanto no senso comum, 
a palavra "comunidade" carrega diferentes significados, e como essas 
interpretações afetam as redes de sociabilidade dentro das escolas de samba, 
especialmente em meio às transformações culturais e sociais recentes. Ele 
aponta como na sociologia a visão tradicional de comunidade, envolve 
compartilhamento de costumes e tradições e uma forte relação de vizinhança, e 
ainda influencia muitas definições contemporâneas do termo. 
Pavão argumenta que a percepção comum de uma "comunidade de 
escola de samba" é frequentemente baseada em estereótipos, como a ideia de 
moradores vizinhos à quadra da escola trabalhando juntos para o sucesso da 
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agremiação. No entanto, essa visão simplista não consegue capturar a 
complexidade das relações reais e as divergências dentro das comunidades das 
escolas de samba. Por exemplo, na Portela, a noção de "comunidade" foi 
estendida para incluir membros que não moravam próximos à escola, o que 
desafiou a concepção tradicional de comunidade baseada na proximidade 
geográfica. 
O conceito de "comunidade" nas escolas de samba também é influenciado 
pelas demandas contemporâneas, frequentemente adquirindo significados que 
refletem questões de exclusão social e discriminação. Muitas vezes, a palavra é 
usada como eufemismo para localidades pobres, destacando os vínculos entre 
indivíduos que compartilham necessidades fundamentais. Pavão observa que, 
apesar de algumas escolas de samba conseguirem manter um controle mais 
efetivo sobre as representações de suas comunidades tradicionais, essas 
também estão sujeitas a transformações culturais e à fragmentação de suas 
localidades imediatas. 
Além disso, o autor aponta que as comunidades nas escolas de samba 
não se alinham necessariamente com os conceitos que caracterizam a 
modernidade, pois nelas se estabelecem laços duradouros e compromissos que 
desafiam a ideia de que as relações atuais são frágeis e temporárias. A 
verdadeira complexidade das comunidades de escola de samba, segundo 
Pavão, reside na dificuldade de definir critérios claros de inclusão e exclusão, o 
que gera cisões internas e descontentamento dentro desses grupos. 
Finalmente, Pavão explora a ideia das "comunidades eletivas", que se 
formam a partir de afinidades e não necessariamente de proximidade geográfica. 
Essas comunidades têm seus próprios critérios de inclusão, que podem incluir 
participação ativa, vínculos emocionais com a história da escola, a percepção da 
escola como um símbolo da cidade, e relações pessoais com membros 
influentes da escola. 
 
Bibliografia 
CLIFFORD, James. The Predicament of Culture: Twentieth-Century 
Ethnography, Literature, and Art. Cambridge, Massachusetts: Harvard University 
Press, 1985. 
DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa: o sistema 
totêmico na Austrália. 1ª ed. São Paulo: Edipro, 2021.. 
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13 
 
GONÇALVES, J. R. S. " Entre o Divino e os homens: a arte nas festas do Divino 
Espírito Santo" in Horizontes Antropológicos. Rio de Janeiro: 14 (29) • Jun 2008. 
PEREZ, L. F. "Festa, religião e cidade: experiência e expertise". In: Papers do 
NAEA. Vol. 28, Nº 1, 2019. DOI: 10.18542/papersnaea.v28i1.7600. Disponível 
em: Papers do NAEA. 
PAVÃO, F. “As escolas de samba e suas comunidades” in Textos Escolhidosde 
Cultura e Arte Populares, v.6, n.1, 2009.

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