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Guia de aula Agente Facilitador de Carnavais e Festas Populares Festas Rituais e sociedade Semana 2 Etnocentrismo e Relativismo Cultural Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 1 Apresentação Você já ouviu essa palavra: etnocentrismo? Talvez relativismo já te induza a algum significado, como uma compreensão de muitos pontos de vista. Agora, você sabia que essa compreensão pode ser aplicada ao contexto cultural? Nesta unidade vamos entender o que está por trás dos conceitos de etnocentrismo e relativismo cultural e por qual razão estes conceitos são importantes para entendermos os carnavais e festas populares. Etnocentrismo é a tendência de julgar outras culturas a partir dos valores e padrões da própria cultura. É uma forma de preconceito que dificulta o reconhecimento e a valorização da diversidade cultural. Por exemplo, quando alguém diz que uma determinada festa popular é "atrasada" ou "bárbara" porque não se encaixa nos seus critérios de civilização e progresso. Relativismo cultural é a postura oposta ao etnocentrismo. É a ideia de que cada cultura deve ser compreendida em seus próprios termos, sem impor juízos de valor baseados em outras referências. É uma forma de respeito e tolerância que busca compreender as razões e os significados das manifestações culturais alheias. Por exemplo, quando alguém se interessa em conhecer e participar de uma festa popular diferente da sua, sem desqualificá-la ou ridicularizá-la. Entender esses conceitos é fundamental para apreciarmos os carnavais e festas populares do Brasil e do mundo, que são expressões ricas e variadas da cultura humana. Ao invés de rejeitar ou ignorar as diferenças, podemos aprender com elas e celebrar a diversidade que nos enriquece como seres sociais. Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 2 Objetivo(s) Ao final dos estudos dessa semana, esperamos que você seja capaz de: • Compreender os conceitos de etnocentrismo e relativismo cultural. • Analisar exemplos de como esses conceitos se manifestam na sociedade. • Refletir sobre a importância do relativismo cultural na promoção da tolerância e compreensão intercultural. Plano de estudos Nesta semana, você deverá: 1) Ler a trilha de aprendizagem e guia de estudos semanal Imagine uma sociedade como essa! Para começar vamos a um exercício bem interessante. Vamos mergulhar em uma cultura que pode parecer exótica ao nosso olhar. Leia com atenção sobre os Sonacirema e suas peculiaridades neste texto do antropólogo americano Horace Miner. Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 3 Trechos “Ritual do corpo entre os Sonacirema” – Horace Miner Todas as culturas possuem uma configuração particular, um estilo. Frequentemente, um determinado valor central ou uma forma de perceber o mundo deixam suas marcas em várias instituições da sociedade. Neste artigo, Horace Minner demonstra que “atitudes quanto ao corpo” têm influência generalizada em muitas instituições da sociedade Nacirema. As crenças e práticas mágicas deste povo apresentam aspectos tão pouco usuais, que nos parece importante descrevê-las como exemplos dos extremos a que o comportamento humano pode chegar. Embora, há mais de vinte anos, o Prof. Linton já tivesse chamado a atenção dos antropólogos para o complexo ritual dos Nacirema, a cultura deste povo ainda é pouco compreendida. Eles constituem um grupo norte-americano que vive no território que se estende entre os Cree, do Canadá, aos Yaqui e Tarahumara, do México, e aos Caribe e Aruque, das Antilhas. Pouco se sabe quanto à sua origem, embora a tradição mística afirme que eles vieram do leste. A cultura Nacirema se caracteriza por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que se beneficiou de um ‘habitat’ natural muito rico. Embora, nesta sociedade, a maior parte do tempo das pessoas seja devotada à ocupação econômica, uma grande porção dos frutos destes trabalhos, e uma considerável parte do dia, são despendidas em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo humano, cuja aparência e saúde constituem a preocupação dominante dentro do ‘ethos’ deste povo. A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é feio, e que sua tendência natural é a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única esperança do homem é evitar essas características, através do uso de poderosas influências do ritual e da cerimônia. Todo o grupo doméstico possui um ou mais santuários dedicados a tal propósito. Os indivíduos mais poderosos desta sociedade têm vários santuários em sua casa e, de fato, a opulência de uma moradia é frequentemente aferida em termos da quantidade destes centros de rituais que abrigam. O ponto focal do santuário é uma caixa ou arca embutida na parede. Nesta arca são guardados os inúmeros feitiços e porções mágicas, sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Tais feitiços e porções são obtidos de vários curandeiros cujos serviços devem ser retribuídos por meio de presentes substanciais. No entanto, o curandeiro não fornece as porções curativas para os fiéis, decidindo apenas os ingredientes que nela devem entrar, escrevendo-os, em seguida, em linguagem antiga e secreta. Tal escrita deve ser decifrada pelos herbanários, os quais, mediante outros presentes, fornecem o feitiço desejado. Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 4 O feitiço não é descartado depois de ter servido a seu propósito, mas colocado na caixa de mágica do santuário doméstico. Como esses materiais mágicos são específicos para certas doenças, e considerando-se que as doenças reais ou imaginárias deste povo são muitas, a caixa de magia costuma estar sempre transbordando. Os pacotes mágicos são tão numerosos que as pessoas esquecem sua serventia original, e temem usá-los de novo. Embora os nativos tenham se mostrado vagos em relação a essa questão, só podemos concluir que a ideia subjacente ao costume de se guardar todos os velhos materiais mágicos é a de que sua presença na caixa de mágica, diante da qual os rituais do corpo são encenados, protegem de alguma forma o fiel. Embaixo da caixa de mágica existe uma pequena fonte. Todo dia, cada membro da família, em sucessão, entra no santuário, curva a cabeça diante da caixa de mágica, mistura diferentes tipos de água sagrada na fonte e realiza um breve rito de ablução. Na hierarquia dos profissionais da magia, e abaixo do curandeiro em termos de prestígio, estão os que são designados como ‘homens-da-boca-sagrada’. Os Nacirema nutrem um misto de horror pela e fascinação por suas bocas que chega às raias da patologia. Acredita-se que a condição da boca possui uma influência sobrenatural nas relações sociais. Assim, o ritual do corpo, cotidianamente realizado por todos, inclui um rito bucal. O rito consiste na introdução de um pequeno feixe de cerdas na boca, juntamente com uma espécie de creme mágico e, em seguida, na movimentação deste feixe, segundo uma série de gestos altamente ritualizados. Além deste rito bucal privado, as pessoas procuram um ‘homem-da-boca-sagrada’, uma ou duas vezes por ano. No seu templo, este mago possui uma impressionante parafernália que consiste em uma variedade de perfuratrizes, furadores, sondas e agulhas. O uso destes objetos no exorcismo dos perigos da boca implica em uma quase e inacreditável tortura ritual do fiel e, usando as ferramentas citadas, alarga qualquer buraco que o uso tenha feito nos dentes. Se não se encontram buracos naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são serrados, para que a substância sobrenatural possa ser aplicada. Na imaginação do fiel, o objetivo destas aplicações é deter o apodrecimento dos dentes e atrair amigos. O caráter extremamente sagradoe tradicional do mito fica evidente no fato de que os nativos retornam, todo ano, ao ‘homem-da- boca-sagrada’, embora seus dentes continuem a se deteriorar. Os curandeiros possuem um templo imponente, o Latipsoh, em cada comunidade, de algum tamanho. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para o tratamento de fiéis considerados muito doentes, só podem ser realizadas neste templo. Tais cerimônias envolvem não só o taumaturgo, mas também um grupo permanente de vestais que se movimentam nas câmaras do templo com uma roupa distintiva. As cerimônias no Latipsoh podem chegar a ser tão violentas que surpreende o fato de que uma razoável proporção dos nativos realmente doentes, que entram no templo, consiga se curar. Crianças pequenas, cuja doutrinação é ainda incompleta, costumam resistir às tentativas de levá- los ao templo, alegando que ‘é aonde você vai para morrer’. Apesar disso, os doentes adultos não apenas desejam, como ficam ansiosos para submeter-se à prolongada purificação ritual, se possuem meios para tanto. Os guardiões do templo, não importa quão doente o suplicante esteja ou quão grave a emergência, não admitem o fiel se ele não puder dar um rico presente ao zelador. Mesmo depois que se conseguiu a admissão e se sobreviveu às cerimônias, os guardiães não permitem a saída do neófito até que este dê ainda outro presente. Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 5 O(a) suplicante, ao entrar no templo, é despido(a) de todas as suas roupas. Na vida cotidiana, os Nacirema evitam a exposição de seus corpos quando das suas funções naturais. O banho e a excreção são realizados somente na intimidade do santuário doméstico, onde são ritualizados, fazendo parte dos ritos corporais. Poucos suplicantes no templo estão suficientemente bem para fazer qualquer coisa que não seja ficar deitado em suas camas duras. As cerimônias implicam desconforto e tortura. Com precisão ritual, as vestais acordam a cada madrugada seus miseráveis crentes, rolam-nos em seus leitos de dor, em quanto realizam abluções, cujos movimentos formalizados são objeto de treinamento intensivo das vestais. Em outros momentos, elas inserem varas mágicas na boca do fiel, ou obrigam-no a ingerir substâncias que são consideradas curativas. De tempos em tempos, os curandeiros vêm até seus fiéis e atiram agulhas, magicamente tratadas, em sua carne. O fato de que estas cerimônias do templo possam não curar, ou até matar o neófito, não diminui de modo algum a fé do povo nos curandeiros. Para concluirmos, deve-se mencionar certas práticas que estão baseadas na estética nativa, mas que dependem da aversão generalizada ao corpo e às funções naturais. Há jejuns rituais para fazer pessoas gordas ficarem magras, e banquetes cerimoniais para fazer pessoas magras ficarem gordas. Outros ritos ainda são usados para tornar maiores os seios das mulheres, se eles são pequenos, e menores, se são grandes. Nossa descrição da vida dos Nacirema certamente mostrou que eles são um povo obcecado pela magia. É difícil compreender como eles conseguiram sobreviver por tanto tempo, sob os pesados fardos que eles próprios se impuseram. Mas, mesmo costumes tão exóticos quanto estes, ganham seu verdadeiro sentido quando encarados a partir do esclarecimento feito por Malinowski: “Olhando de cima e de longe, dos lugares seguros e elevados da civilização desenvolvida, é fácil ver toda a rudeza e a irrelevância da magia. Mas, sem este poder e este guia, o homem primitivo não poderia ter dominado as dificuldades práticas como fez, nem poderia o homem ter avançado até os mais altos estágios de civilização.” In: “American Anthropologist, vol. 58 (1956), pp. 503 - 507.“Body ritual among the Nacirema” Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 6 Este é um estudo antropológico fictício que descreve os rituais de uma suposta tribo chamada Sonacirema (que é, na verdade, a palavra "Americanos" escrita de trás para a frente). O artigo tem como objetivo criticar a forma como os antropólogos e outros estudiosos culturais frequentemente retratam outras culturas como "exóticas" ou "primitivas", enquanto ignoram aspectos semelhantes em sua própria cultura. Através de uma descrição deliberadamente estranha e complicada das práticas culturais cotidianas (como escovar os dentes ou ir ao médico), Miner ilustra como qualquer cultura pode parecer estranha ou irracional quando descrita de um ponto de vista "externo". A tribo fictícia de Sonacirema é, na verdade, uma representação da sociedade norte-americana, mas suas práticas culturais são descritas em termos que as tornam estranhas, complexas e misteriosas. Para reforçar a inversão, o autor até mesmo inverte o termo "americanos" para que, lida de trás para a frente pareça uma sociedade distante aos olhos dos leitores norte-americanos - uma brincadeira que a tradução brasileira conserva. Outro exemplo, é o banheiro, descrito como um "templo doméstico", onde os habitantes participam de rituais para purificar seus corpos. Atividades comuns como escovar os dentes ou tomar remédios são retratadas como rituais exóticos repletos de simbolismo. Médicos e dentistas são descritos como xamãs ou sacerdotes que utilizam instrumentos mágicos e métodos dolorosos para exorcizar males do corpo. A inversão de palavras como hospital (Latipsoh) aparece mais uma vez. Essa estratégia de exotização serve para revelar como o etnocentrismo pode distorcer a compreensão das práticas culturais, tornando-as objeto de fascínio, escárnio ou até mesmo repulsa. Miner busca mostrar que qualquer cultura pode parecer "exótica" e "irracional" se descrita de uma forma que ignore seu contexto mais amplo e suas razões subjacentes. Ao fazer isso, Miner aponta para o perigo inerente em avaliar outras culturas com base em nossos próprios padrões e preconceitos culturais. O artigo serve como um alerta contra o etnocentrismo e como um chamado à prática do relativismo cultural para uma compreensão mais completa e respeitosa das diferenças culturais. Etnocentrismo e relativismo cultural são dois conceitos chave na antropologia e em estudos culturais, e eles oferecem diferentes lentes através das quais podemos ver e julgar outras culturas. O etnocentrismo é a crença de que a própria cultura é superior a todas as outras. Essa perspectiva muitas vezes leva a julgamentos negativos de outras culturas com base em categorias e valores da própria cultura do observador. Em contrapartida, o relativismo cultural Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 7 sugere que todas as culturas têm valor e significado dentro de seus próprios contextos culturais e históricos. Isso significa que nenhum conjunto de crenças ou práticas culturais é intrinsecamente superior ou inferior a outro. O relativismo cultural pede uma abordagem mais aberta e inclusiva, exigindo que tentemos entender outras culturas em seus próprios termos, em vez de julgá-las com base em critérios extraídos da nossa própria cultura. Agora vamos nos aprofundar nestes dois conceitos isoladamente. Etnocentrismo O etnocentrismo funciona tanto como um mecanismo psicológico quanto social, que leva as pessoas a julgar outras culturas e práticas a partir dos valores e padrões da própria cultura. Quando uma pessoa de uma determinada cultura entra em contato com outra cultura que tem práticas, valores ou normas muito diferentes, a tendência etnocêntrica pode ser de julgar essas diferenças como "estranhas" ou até "inferiores". Isso pode levar ao choque cultural, que é frequentemente acompanhado de sentimentos de isolamento, ansiedade e até mesmo depressão. O conceito de choque cultural se refere à sensação de desorientação, incerteza ou confusão que as pessoas frequentemente experimentam quando são subitamente expostas a um ambiente cultural significativamente diferente do seu próprio.Suponha que uma pessoa que cresceu em uma cultura ocidental seja convidada para um jantar que serve pratos da culinária asiática, como insetos fritos ou pratos com partes de animais que ela não está acostumada a comer. Se essa pessoa reagir com desgosto ou julgar a comida como "nojenta" apenas porque é diferente do que ela está acostumada, isso seria uma forma de etnocentrismo. Imagine um ambiente de escritório onde todos estão acostumados a usar trajes formais. Se um novo funcionário entra vestindo roupas tradicionais de sua cultura, como um turbante ou um sári, e é olhado de forma estranha ou até discriminado por sua escolha de vestimenta, isso é outro exemplo de etnocentrismo. Se um indivíduo de uma religião predominante em sua sociedade considera as práticas de religiões minoritárias como "estranhas" ou "equivocadas" sem tentar entender o significado e a importância dessas práticas na cultura em questão, ele está sendo etnocêntrico. Alguém que desconsidera outras línguas como "menos desenvolvidas" ou "menos úteis" do que sua língua materna também está demonstrando etnocentrismo. Por exemplo, um falante nativo de inglês pode pensar que todos deveriam aprender inglês porque é "mais útil", desconsiderando a importância e a riqueza das outras línguas. Acreditar que os padrões de beleza da própria cultura são universais e Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 8 que as pessoas de outras culturas deveriam adotá-los é mais uma manifestação de etnocentrismo. Isso pode ocorrer quando uma pessoa considera que características como pele clara ou cabelo liso são "mais bonitas" em detrimento de outras características valorizadas em diferentes culturas. Esses exemplos ilustram como o etnocentrismo pode ser uma parte quase invisível, mas onipresente, das interações diárias e como ele pode servir para perpetuar divisões e mal-entendidos culturais. Reconhecer essas tendências é o primeiro passo para combatê-las e promover um maior entendimento e respeito entre diferentes grupos culturais. Veja que os exemplos ilustrativos quase sempre são resultados de visões caricaturais ou estereotipadas de outras culturas. Caricaturas e estereótipos são exemplos ilustrativos desta concepção. Ambos são simplificações que podem resultar de uma falta de compreensão ou exposição a outras culturas, e muitas vezes servem para reforçar visões etnocêntricas. Caricaturas são exageros ou distorções de características culturais, físicas ou comportamentais que buscam representar um grupo inteiro com base em traços supostamente comuns. Em muitos casos, essas caricaturas são formadas e perpetuadas sem um entendimento completo da cultura em questão e podem contribuir para uma visão estereotipada e muitas vezes pejorativa. Caricaturas frequentemente surgem em contextos onde o etnocentrismo é forte, servindo para reforçar a ideia da superioridade da cultura do observador em detrimento do "outro". O etnocentrismo é uma atitude comum a diferentes grupos culturais e não é exclusivo de uma única sociedade, embora em algumas sociedades tenha tomado uma forma mais ativista e colonizadora. Além disso, a atitude etnocêntrica carrega um pressuposto implícito de que o "outro" não tem voz ou capacidade para se expressar, o que pode levar a formas extremas e até cruéis de tratamento. Tratamos o etnocentrismo como uma atitude universal porque todas as culturas têm uma tendência natural de ver o mundo através das lentes de suas próprias normas, valores e crenças. Isso significa que cada cultura tende a considerar suas próprias práticas como normais ou superiores e as de outras culturas como "diferentes", "exóticas" ou até "inferiores". Essa é uma característica humana básica que provavelmente tem raízes na evolução social e psicológica, onde a coesão do grupo e a identidade coletiva eram cruciais para a sobrevivência. Nenhuma cultura ou sociedade está isenta desse fenômeno. Mesmo em sociedades que valorizam o pluralismo e a diversidade, o etnocentrismo pode se manifestar de formas sutis. Ele pode estar presente nas artes, na linguagem, nas Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 9 políticas públicas e em atitudes sociais, muitas vezes sem que as pessoas estejam conscientes disso. É importante notar que o etnocentrismo não é necessariamente sempre negativo. Em alguns casos, ele pode servir para fortalecer a coesão e a identidade dentro de um grupo cultural. No entanto, quando leva à exclusão, discriminação ou opressão de outros grupos, suas consequências podem ser muito prejudiciais. Para tanto, como contraponto podemos pensar levando em consideração as diferentes lentes culturais formadoras de sociedades diversas. É possivel chegarmos a tal ponto a partir do conceito de relativismo cultural. Relativismo cultural O relativismo cultural sugere que todas as culturas têm valor e significado dentro de seus próprios contextos culturais e históricos. Isso significa que nenhum conjunto de crenças ou práticas culturais é intrinsecamente superior ou inferior a outro. O relativismo cultural pede uma abordagem mais aberta e inclusiva, exigindo que tentemos entender outras culturas em seus próprios termos, em vez de julgá-las com base em critérios extraídos da nossa própria cultura. Assista ao vídeo Assista ao vídeo "Sobre o relativismo cultural" do canal do professor Daniel Munduruku em sua trilha de aprendizagem. Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 10 O relativismo cultural pode promover a tolerância e o respeito mútuo entre diferentes grupos culturais ao reconhecer que não existe uma única cultura superior ou correta. Isso significa que as práticas, valores e crenças de um grupo cultural não devem ser julgados com base em padrões externos, mas sim entendidos dentro do contexto cultural em que ocorrem. Isso ajuda a evitar o etnocentrismo, que é a tendência de julgar outras culturas com base nos valores da própria cultura, o que pode levar a preconceitos e discriminação. Portanto, ao adotar uma abordagem relativista, as pessoas podem aprender a apreciar e respeitar as diferenças culturais, promovendo assim a tolerância e o respeito mútuo. Em "Raça e Ciência", Lévi-Strauss faz uma observação astuta sobre a complexidade da diversidade cultural humana. Segundo o autor, embora o conhecimento sobre sociedades passadas seja limitado pelos registros disponíveis, essa diversidade é tanto uma realidade presente como um direito histórico. Ele sugere que essa riqueza de culturas é mais profunda e complexa do que qualquer tentativa de catalogação ou entendimento poderia capturar. Este é um ponto significativo, especialmente considerando que o nosso conhecimento de sociedades sem sistemas de escrita é fundamentalmente incompleto. A diversidade cultural é, assim, tanto uma qualidade intrínseca das sociedades humanas quanto um campo de estudo perpetuamente inacabado. Lévi-Strauss também destaca a dualidade das forças que atuam dentro das sociedades humanas. Por um lado, há elementos que promovem o particularismo e a singularidade cultural; por outro, há forças que impulsionam a Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 11 convergência e a unificação. Essa dinâmica dual torna a questão da diversidade ainda mais complicada e intrincada, pois há sempre um jogo de tensão entre a preservação da individualidade cultural e a inclinação para alguma forma de homogeneização. Por fim, o autor nos adverte sobre o perigo de considerar a diversidade de uma maneira "fragmentada". Segundo ele, a verdadeira essência da diversidade cultural não está no isolamento dos grupos, mas nas relações que os unem. Essa observação nos lembra de que a diversidade não é apenas uma coleção de características únicas, mas um sistema complexo que só pode ser compreendido através do estudo das relações mútuas entre as culturas. Portanto, qualquer tentativa de entender a diversidadedeve considerar a interconexão e a interdependência dos grupos humanos. Segundo Lévi-Strauss, a ideia de considerar uma cultura como superior a outra é fundamentalmente falha. Ele argumenta que uma cultura isolada contribui pouco para o acúmulo de História ou avanços significativos. "Nenhuma cultura está isolada; ela sempre interage com outras culturas, o que possibilita o desenvolvimento de séries acumulativas de inovações." A riqueza de uma civilização, portanto, depende do número e da diversidade das culturas com as quais ela colabora, muitas vezes de forma não intencional, na criação de uma estratégia comum. Dessa forma, Lévi-Strauss sustenta que é imprudente tentar listar invenções particulares de uma cultura como uma medida de sua "contribuição". O verdadeiro valor de uma cultura reside no "afastamento diferencial" que ela estabelece em relação a outras. O relativismo cultural promove o respeito pela diversidade cultural. Em um mundo cada vez mais globalizado, as pessoas estão interagindo com indivíduos de diferentes origens culturais com Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 12 mais frequência. Adotar uma perspectiva relativista ajuda a evitar julgamentos precipitados e estereótipos, permitindo um maior respeito pelas práticas e valores de outras culturas. Em conclusão, o relativismo cultural expressa através de ideias que tomamos contato por Lévi-Strauss em "Raça e Ciência" convergem para a importância de valorizar a diversidade e complexidade das culturas humanas. Apontam para a necessidade de uma abordagem mais inclusiva e aberta ao estudo das culturas, afastando-se do etnocentrismo e da noção de superioridade cultural. A complexidade das sociedades humanas, conforme argumentado por Lévi-Strauss, não é apenas um produto da coexistência de várias culturas, mas também das tensões e relações entre elas. Assim, a verdadeira riqueza de uma civilização não está na hegemonia de uma única cultura, mas na interação dinâmica e na coexistência de múltiplas culturas. Este entendimento desafia a visão simplista de que a cultura ou civilização pode ser medida por um conjunto de critérios uniformes ou por suas "contribuições" individuais à humanidade. Em vez disso, é a tapeçaria complexa de relações interculturais e a coexistência respeitosa de diferentes formas de vida que verdadeiramente enriquecem a experiência humana. Portanto, tanto o relativismo cultural quanto as observações de Lévi-Strauss nos incentivam a abordar a diversidade cultural não como um obstáculo, mas como uma oportunidade para o enriquecimento mútuo e o entendimento intercultural. Decolonialidade e festa O conceito de decolonialidade, um movimento intelectual e prático emergente, critica as consequências do colonialismo e do eurocentrismo na Dica de Podcast: "Arte e Antropologia Podcast Arte e antropologia - Perspectivas Indígenas - Entrevista com Camilla Muniz. A artista e ritmista da bateria da Portela Camilla Muniz fala sobre arte, anscestralidade e a temática indígena no carnaval. Ouça na Trilha de Aprendizagem. Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 13 sociedade contemporânea. Originando-se das experiências e perspectivas de povos da América Latina, África, Ásia e outras regiões afetadas pelo colonialismo europeu, a decolonialidade visa a desmontar as formas de saber, poder e ser impostas durante o período colonial, que ainda influenciam as estruturas sociais, políticas e culturais atuais. Há uma proximidade com o que a antropologia define como relativismo cultural, abrangendo áreas como filosofia e política, ao questionar diretamente o pensamento humano. Interdisciplinar, engloba campos como história, filosofia, sociologia e antropologia, frequentemente associada a movimentos sociais e políticos que buscam formas de descolonização. A decolonialidade desafia o Eurocentrismo, questionando a suposta superioridade ou universalidade dos modelos europeus de conhecimento, cultura e organização social. Promove a valorização de saberes, línguas, culturas e práticas de povos originários e colonizados, marginalizados ou suprimidos pelo colonialismo. Realiza uma análise crítica do poder e da história, explorando como as práticas e estruturas coloniais continuam a impactar as relações de poder e a distribuição de recursos. Reconhecendo a interseccionalidade de opressões como raça, classe, gênero e sexualidade, entrelaçadas às heranças coloniais, a decolonialidade busca transformar as realidades sociais, políticas e culturais, visando um mundo mais justo e equitativo, respeitando a diversidade de experiências e conhecimentos. Pioneiros neste pensamento incluem Aníbal Quijano, Walter Mignolo e Frantz Fanon. No Brasil, destacam-se figuras como Lélia Gonzalez, Ailton Krenak e Joaze Bernardino-Costa, que trazem contribuições significativas ao pensamento decolonial. A "filosofia quilombola" no Brasil emerge da história e experiência dos quilombos, refúgios de resistência e liberdade para escravizados sequestrados na diáspora africana. O Quilombo dos Palmares, liderado por Zumbi dos Palmares, é um exemplo proeminente. Agente Facilitador em Carnavais e Festas Populares 14 O pensamento decolonial também se manifesta nas festas populares e carnavais brasileiros, sendo uma expressão de resistência cultural e afirmação identitária em um contexto pós-colonial. Essas celebrações são momentos de visibilidade e reconhecimento para tradições, ritmos e danças de origens africana e indígena, desafiando narrativas e práticas eurocêntricas. Professores como Wallace de Moraes (UFRJ) destacam a ligação entre práticas festivas e formas de resistência ao racismo e opressão, evidente em enredos e sambas de escolas de samba. Carnaval e festas populares são espaços de transformação cultural, refletindo a dinâmica e o caráter contemporâneo das expressões festivas e integrando a cultura popular à vida cotidiana. Estas celebrações revelam como as estruturas do cotidiano permanecem presentes, mesmo em momentos de festa e transgressão. Portanto, o carnaval e as festas populares no Brasil exemplificam a prática do pensamento decolonial, oferecendo uma perspectiva crítica sobre a história e a cultura brasileiras e incentivando uma reflexão sobre as desigualdades e opressões na sociedade. Bibliografia BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón. (Org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2019. MINNER, Horace. O ritual do corpo entre os sonacirema. Hortaviva, 2002. Disponível em: http://www.hortaviva.com.br/midiateca/bg_artigos/msg_ler.asp?ID_MSG=145. Acesso em: ago. 2023. LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Ubu Editora, 2019. ROCHA, Everardo. O que é Relativismo cultural? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018.
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