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Guia de aula_EtnocentrismoRelativismo

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Guia de aula 
 
Agente Facilitador de Carnavais e 
Festas Populares 
 
 
Festas Rituais e sociedade 
Semana 2 
Etnocentrismo e 
Relativismo Cultural 
 
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Apresentação 
 
 
Você já ouviu essa palavra: etnocentrismo? Talvez relativismo já te induza 
a algum significado, como uma compreensão de muitos pontos de vista. Agora, 
você sabia que essa compreensão pode ser aplicada ao contexto cultural? Nesta 
unidade vamos entender o que está por trás dos conceitos de etnocentrismo e 
relativismo cultural e por qual razão estes conceitos são importantes para 
entendermos os carnavais e festas populares. 
Etnocentrismo é a tendência de julgar outras culturas a partir dos valores 
e padrões da própria cultura. É uma forma de preconceito que dificulta o 
reconhecimento e a valorização da diversidade cultural. Por exemplo, quando 
alguém diz que uma determinada festa popular é "atrasada" ou "bárbara" porque 
não se encaixa nos seus critérios de civilização e progresso. 
Relativismo cultural é a postura oposta ao etnocentrismo. É a ideia de que 
cada cultura deve ser compreendida em seus próprios termos, sem impor juízos 
de valor baseados em outras referências. É uma forma de respeito e tolerância 
que busca compreender as razões e os significados das manifestações culturais 
alheias. Por exemplo, quando alguém se interessa em conhecer e participar de 
uma festa popular diferente da sua, sem desqualificá-la ou ridicularizá-la. 
Entender esses conceitos é fundamental para apreciarmos os carnavais 
e festas populares do Brasil e do mundo, que são expressões ricas e variadas 
da cultura humana. Ao invés de rejeitar ou ignorar as diferenças, podemos 
aprender com elas e celebrar a diversidade que nos enriquece como seres 
sociais. 
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Objetivo(s) 
Ao final dos estudos dessa semana, esperamos que você seja capaz de: 
• Compreender os conceitos de etnocentrismo e relativismo cultural. 
• Analisar exemplos de como esses conceitos se manifestam na 
sociedade. 
• Refletir sobre a importância do relativismo cultural na promoção da 
tolerância e compreensão intercultural. 
 
Plano de estudos 
Nesta semana, você deverá: 
 
1) Ler a trilha de aprendizagem e guia de estudos semanal 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Imagine uma sociedade como essa! 
Para começar vamos a um exercício bem interessante. Vamos mergulhar 
em uma cultura que pode parecer exótica ao nosso olhar. Leia com atenção 
sobre os Sonacirema e suas peculiaridades neste texto do antropólogo 
americano Horace Miner. 
 
 
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Trechos “Ritual do corpo entre os Sonacirema” – Horace Miner 
Todas as culturas possuem uma configuração particular, um estilo. Frequentemente, um 
determinado valor central ou uma forma de perceber o mundo deixam suas marcas em várias 
instituições da sociedade. Neste artigo, Horace Minner demonstra que “atitudes quanto ao corpo” têm 
influência generalizada em muitas instituições da sociedade Nacirema. As crenças e práticas mágicas 
deste povo apresentam aspectos tão pouco usuais, que nos parece importante descrevê-las como 
exemplos dos extremos a que o comportamento humano pode chegar. 
Embora, há mais de vinte anos, o Prof. Linton já tivesse chamado a atenção dos antropólogos 
para o complexo ritual dos Nacirema, a cultura deste povo ainda é pouco compreendida. Eles 
constituem um grupo norte-americano que vive no território que se estende entre os Cree, do Canadá, 
aos Yaqui e Tarahumara, do México, e aos Caribe e Aruque, das Antilhas. Pouco se sabe quanto à 
sua origem, embora a tradição mística afirme que eles vieram do leste. 
A cultura Nacirema se caracteriza por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que 
se beneficiou de um ‘habitat’ natural muito rico. Embora, nesta sociedade, a maior parte do tempo das 
pessoas seja devotada à ocupação econômica, uma grande porção dos frutos destes trabalhos, e uma 
considerável parte do dia, são despendidas em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo 
humano, cuja aparência e saúde constituem a preocupação dominante dentro do ‘ethos’ deste povo. 
A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é feio, 
e que sua tendência natural é a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única esperança 
do homem é evitar essas características, através do uso de poderosas influências do ritual e da 
cerimônia. Todo o grupo doméstico possui um ou mais santuários dedicados a tal propósito. 
Os indivíduos mais poderosos desta sociedade têm vários santuários em sua casa e, de fato, 
a opulência de uma moradia é frequentemente aferida em termos da quantidade destes centros de 
rituais que abrigam. 
O ponto focal do santuário é uma caixa ou arca embutida na parede. Nesta arca são guardados 
os inúmeros feitiços e porções mágicas, sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Tais 
feitiços e porções são obtidos de vários curandeiros cujos serviços devem ser retribuídos por meio de 
presentes substanciais. No entanto, o curandeiro não fornece as porções curativas para os fiéis, 
decidindo apenas os ingredientes que nela devem entrar, escrevendo-os, em seguida, em linguagem 
antiga e secreta. Tal escrita deve ser decifrada pelos herbanários, os quais, mediante outros 
presentes, fornecem o feitiço desejado. 
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O feitiço não é descartado depois de ter servido a seu propósito, mas colocado na caixa de 
mágica do santuário doméstico. Como esses materiais mágicos são específicos para certas 
doenças, e considerando-se que as doenças reais ou imaginárias deste povo são muitas, a caixa 
de magia costuma estar sempre transbordando. Os pacotes mágicos são tão numerosos que as 
pessoas esquecem sua serventia original, e temem usá-los de novo. Embora os nativos tenham 
se mostrado vagos em relação a essa questão, só podemos concluir que a ideia subjacente ao 
costume de se guardar todos os velhos materiais mágicos é a de que sua presença na caixa de 
mágica, diante da qual os rituais do corpo são encenados, protegem de alguma forma o fiel. 
Embaixo da caixa de mágica existe uma pequena fonte. Todo dia, cada membro da família, 
em sucessão, entra no santuário, curva a cabeça diante da caixa de mágica, mistura diferentes 
tipos de água sagrada na fonte e realiza um breve rito de ablução. 
Na hierarquia dos profissionais da magia, e abaixo do curandeiro em termos de prestígio, 
estão os que são designados como ‘homens-da-boca-sagrada’. Os Nacirema nutrem um misto de 
horror pela e fascinação por suas bocas que chega às raias da patologia. Acredita-se que a 
condição da boca possui uma influência sobrenatural nas relações sociais. Assim, o ritual do corpo, 
cotidianamente realizado por todos, inclui um rito bucal. O rito consiste na introdução de um 
pequeno feixe de cerdas na boca, juntamente com uma espécie de creme mágico e, em seguida, 
na movimentação deste feixe, segundo uma série de gestos altamente ritualizados. 
Além deste rito bucal privado, as pessoas procuram um ‘homem-da-boca-sagrada’, uma 
ou duas vezes por ano. No seu templo, este mago possui uma impressionante parafernália que 
consiste em uma variedade de perfuratrizes, furadores, sondas e agulhas. O uso destes objetos 
no exorcismo dos perigos da boca implica em uma quase e inacreditável tortura ritual do fiel e, 
usando as ferramentas citadas, alarga qualquer buraco que o uso tenha feito nos dentes. Se não 
se encontram buracos naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são serrados, 
para que a substância sobrenatural possa ser aplicada. Na imaginação do fiel, o objetivo destas 
aplicações é deter o apodrecimento dos dentes e atrair amigos. O caráter extremamente sagradoe tradicional do mito fica evidente no fato de que os nativos retornam, todo ano, ao ‘homem-da-
boca-sagrada’, embora seus dentes continuem a se deteriorar. 
Os curandeiros possuem um templo imponente, o Latipsoh, em cada comunidade, de 
algum tamanho. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para o tratamento de fiéis 
considerados muito doentes, só podem ser realizadas neste templo. Tais cerimônias envolvem não 
só o taumaturgo, mas também um grupo permanente de vestais que se movimentam nas câmaras 
do templo com uma roupa distintiva. 
As cerimônias no Latipsoh podem chegar a ser tão violentas que surpreende o fato de que 
uma razoável proporção dos nativos realmente doentes, que entram no templo, consiga se curar. 
Crianças pequenas, cuja doutrinação é ainda incompleta, costumam resistir às tentativas de levá-
los ao templo, alegando que ‘é aonde você vai para morrer’. Apesar disso, os doentes adultos não 
apenas desejam, como ficam ansiosos para submeter-se à prolongada purificação ritual, se 
possuem meios para tanto. Os guardiões do templo, não importa quão doente o suplicante esteja 
ou quão grave a emergência, não admitem o fiel se ele não puder dar um rico presente ao zelador. 
Mesmo depois que se conseguiu a admissão e se sobreviveu às cerimônias, os guardiães não 
permitem a saída do neófito até que este dê ainda outro presente. 
 
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O(a) suplicante, ao entrar no templo, é despido(a) de todas as suas roupas. Na vida 
cotidiana, os Nacirema evitam a exposição de seus corpos quando das suas funções naturais. O 
banho e a excreção são realizados somente na intimidade do santuário doméstico, onde são 
ritualizados, fazendo parte dos ritos corporais. 
Poucos suplicantes no templo estão suficientemente bem para fazer qualquer coisa que 
não seja ficar deitado em suas camas duras. As cerimônias implicam desconforto e tortura. Com 
precisão ritual, as vestais acordam a cada madrugada seus miseráveis crentes, rolam-nos em seus 
leitos de dor, em quanto realizam abluções, cujos movimentos formalizados são objeto de 
treinamento intensivo das vestais. Em outros momentos, elas inserem varas mágicas na boca do 
fiel, ou obrigam-no a ingerir substâncias que são consideradas curativas. De tempos em tempos, 
os curandeiros vêm até seus fiéis e atiram agulhas, magicamente tratadas, em sua carne. O fato 
de que estas cerimônias do templo possam não curar, ou até matar o neófito, não diminui de modo 
algum a fé do povo nos curandeiros. 
Para concluirmos, deve-se mencionar certas práticas que estão baseadas na estética 
nativa, mas que dependem da aversão generalizada ao corpo e às funções naturais. Há jejuns 
rituais para fazer pessoas gordas ficarem magras, e banquetes cerimoniais para fazer pessoas 
magras ficarem gordas. Outros ritos ainda são usados para tornar maiores os seios das mulheres, 
se eles são pequenos, e menores, se são grandes. 
Nossa descrição da vida dos Nacirema certamente mostrou que eles são um povo 
obcecado pela magia. É difícil compreender como eles conseguiram sobreviver por tanto tempo, 
sob os pesados fardos que eles próprios se impuseram. Mas, mesmo costumes tão exóticos quanto 
estes, ganham seu verdadeiro sentido quando encarados a partir do esclarecimento feito por 
Malinowski: 
“Olhando de cima e de longe, dos lugares seguros e elevados da civilização desenvolvida, 
é fácil ver toda a rudeza e a irrelevância da magia. Mas, sem este poder e este guia, o homem 
primitivo não poderia ter dominado as dificuldades práticas como fez, nem poderia o homem ter 
avançado até os mais altos estágios de civilização.” 
 
In: “American Anthropologist, vol. 58 (1956), pp. 503 - 507.“Body ritual among the Nacirema” 
 
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Este é um estudo antropológico fictício que descreve os rituais de uma 
suposta tribo chamada Sonacirema (que é, na verdade, a palavra "Americanos" 
escrita de trás para a frente). O artigo tem como objetivo criticar a forma como 
os antropólogos e outros estudiosos culturais frequentemente retratam outras 
culturas como "exóticas" ou "primitivas", enquanto ignoram aspectos 
semelhantes em sua própria cultura. Através de uma descrição deliberadamente 
estranha e complicada das práticas culturais cotidianas (como escovar os dentes 
ou ir ao médico), Miner ilustra como qualquer cultura pode parecer estranha ou 
irracional quando descrita de um ponto de vista "externo". 
A tribo fictícia de Sonacirema é, na verdade, uma representação da 
sociedade norte-americana, mas suas práticas culturais são descritas em termos 
que as tornam estranhas, complexas e misteriosas. Para reforçar a inversão, o 
autor até mesmo inverte o termo "americanos" para que, lida de trás para a frente 
pareça uma sociedade distante aos olhos dos leitores norte-americanos - uma 
brincadeira que a tradução brasileira conserva. 
Outro exemplo, é o banheiro, descrito como um "templo doméstico", onde 
os habitantes participam de rituais para purificar seus corpos. Atividades comuns 
como escovar os dentes ou tomar remédios são retratadas como rituais exóticos 
repletos de simbolismo. Médicos e dentistas são descritos como xamãs ou 
sacerdotes que utilizam instrumentos mágicos e métodos dolorosos para 
exorcizar males do corpo. A inversão de palavras como hospital (Latipsoh) 
aparece mais uma vez. 
Essa estratégia de exotização serve para revelar como o etnocentrismo 
pode distorcer a compreensão das práticas culturais, tornando-as objeto de 
fascínio, escárnio ou até mesmo repulsa. Miner busca mostrar que qualquer 
cultura pode parecer "exótica" e "irracional" se descrita de uma forma que ignore 
seu contexto mais amplo e suas razões subjacentes. Ao fazer isso, Miner aponta 
para o perigo inerente em avaliar outras culturas com base em nossos próprios 
padrões e preconceitos culturais. O artigo serve como um alerta contra o 
etnocentrismo e como um chamado à prática do relativismo cultural para uma 
compreensão mais completa e respeitosa das diferenças culturais. 
Etnocentrismo e relativismo cultural são dois conceitos chave na 
antropologia e em estudos culturais, e eles oferecem diferentes lentes através 
das quais podemos ver e julgar outras culturas. O etnocentrismo é a crença de 
que a própria cultura é superior a todas as outras. Essa perspectiva muitas vezes 
leva a julgamentos negativos de outras culturas com base em categorias e 
valores da própria cultura do observador. Em contrapartida, o relativismo cultural 
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sugere que todas as culturas têm valor e significado dentro de seus próprios 
contextos culturais e históricos. Isso significa que nenhum conjunto de crenças 
ou práticas culturais é intrinsecamente superior ou inferior a outro. O relativismo 
cultural pede uma abordagem mais aberta e inclusiva, exigindo que tentemos 
entender outras culturas em seus próprios termos, em vez de julgá-las com base 
em critérios extraídos da nossa própria cultura. 
Agora vamos nos aprofundar nestes dois conceitos isoladamente. 
 
Etnocentrismo 
O etnocentrismo funciona tanto como um mecanismo psicológico quanto 
social, que leva as pessoas a julgar outras culturas e práticas a partir dos valores 
e padrões da própria cultura. Quando uma pessoa de uma determinada cultura 
entra em contato com outra cultura que tem práticas, valores ou normas muito 
diferentes, a tendência etnocêntrica pode ser de julgar essas diferenças como 
"estranhas" ou até "inferiores". Isso pode levar ao choque cultural, que é 
frequentemente acompanhado de sentimentos de isolamento, ansiedade e até 
mesmo depressão. O conceito de choque cultural se refere à sensação de 
desorientação, incerteza ou confusão que as pessoas frequentemente 
experimentam quando são subitamente expostas a um ambiente cultural 
significativamente diferente do seu próprio.Suponha que uma pessoa que cresceu em uma cultura ocidental seja 
convidada para um jantar que serve pratos da culinária asiática, como insetos 
fritos ou pratos com partes de animais que ela não está acostumada a comer. 
Se essa pessoa reagir com desgosto ou julgar a comida como "nojenta" apenas 
porque é diferente do que ela está acostumada, isso seria uma forma de 
etnocentrismo. Imagine um ambiente de escritório onde todos estão 
acostumados a usar trajes formais. Se um novo funcionário entra vestindo 
roupas tradicionais de sua cultura, como um turbante ou um sári, e é olhado de 
forma estranha ou até discriminado por sua escolha de vestimenta, isso é outro 
exemplo de etnocentrismo. Se um indivíduo de uma religião predominante em 
sua sociedade considera as práticas de religiões minoritárias como "estranhas" 
ou "equivocadas" sem tentar entender o significado e a importância dessas 
práticas na cultura em questão, ele está sendo etnocêntrico. Alguém que 
desconsidera outras línguas como "menos desenvolvidas" ou "menos úteis" do 
que sua língua materna também está demonstrando etnocentrismo. Por 
exemplo, um falante nativo de inglês pode pensar que todos deveriam aprender 
inglês porque é "mais útil", desconsiderando a importância e a riqueza das outras 
línguas. Acreditar que os padrões de beleza da própria cultura são universais e 
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que as pessoas de outras culturas deveriam adotá-los é mais uma manifestação 
de etnocentrismo. Isso pode ocorrer quando uma pessoa considera que 
características como pele clara ou cabelo liso são "mais bonitas" em detrimento 
de outras características valorizadas em diferentes culturas. 
Esses exemplos ilustram como o etnocentrismo pode ser uma parte quase 
invisível, mas onipresente, das interações diárias e como ele pode servir para 
perpetuar divisões e mal-entendidos culturais. Reconhecer essas tendências é 
o primeiro passo para combatê-las e promover um maior entendimento e respeito 
entre diferentes grupos culturais. 
Veja que os exemplos ilustrativos quase sempre são resultados de visões 
caricaturais ou estereotipadas de outras culturas. Caricaturas e estereótipos são 
exemplos ilustrativos desta concepção. Ambos são simplificações que podem 
resultar de uma falta de compreensão ou exposição a outras culturas, e muitas 
vezes servem para reforçar visões etnocêntricas. Caricaturas são exageros ou 
distorções de características culturais, físicas ou comportamentais que buscam 
representar um grupo inteiro com base em traços supostamente comuns. Em 
muitos casos, essas caricaturas são formadas e perpetuadas sem um 
entendimento completo da cultura em questão e podem contribuir para uma 
visão estereotipada e muitas vezes pejorativa. Caricaturas frequentemente 
surgem em contextos onde o etnocentrismo é forte, servindo para reforçar a ideia 
da superioridade da cultura do observador em detrimento do "outro". 
O etnocentrismo é uma atitude comum a diferentes grupos culturais e não 
é exclusivo de uma única sociedade, embora em algumas sociedades tenha 
tomado uma forma mais ativista e colonizadora. Além disso, a atitude 
etnocêntrica carrega um pressuposto implícito de que o "outro" não tem voz ou 
capacidade para se expressar, o que pode levar a formas extremas e até cruéis 
de tratamento. 
Tratamos o etnocentrismo como uma atitude universal porque todas as 
culturas têm uma tendência natural de ver o mundo através das lentes de suas 
próprias normas, valores e crenças. Isso significa que cada cultura tende a 
considerar suas próprias práticas como normais ou superiores e as de outras 
culturas como "diferentes", "exóticas" ou até "inferiores". Essa é uma 
característica humana básica que provavelmente tem raízes na evolução social 
e psicológica, onde a coesão do grupo e a identidade coletiva eram cruciais para 
a sobrevivência. 
Nenhuma cultura ou sociedade está isenta desse fenômeno. Mesmo em 
sociedades que valorizam o pluralismo e a diversidade, o etnocentrismo pode se 
manifestar de formas sutis. Ele pode estar presente nas artes, na linguagem, nas 
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políticas públicas e em atitudes sociais, muitas vezes sem que as pessoas 
estejam conscientes disso. 
É importante notar que o etnocentrismo não é necessariamente sempre 
negativo. Em alguns casos, ele pode servir para fortalecer a coesão e a 
identidade dentro de um grupo cultural. No entanto, quando leva à exclusão, 
discriminação ou opressão de outros grupos, suas consequências podem ser 
muito prejudiciais. Para tanto, como contraponto podemos pensar levando em 
consideração as diferentes lentes culturais formadoras de sociedades diversas. 
É possivel chegarmos a tal ponto a partir do conceito de relativismo cultural. 
 
 
Relativismo cultural 
O relativismo cultural sugere que todas as culturas têm valor e significado 
dentro de seus próprios contextos culturais e históricos. Isso significa que 
nenhum conjunto de crenças ou práticas culturais é intrinsecamente superior ou 
inferior a outro. O relativismo cultural pede uma abordagem mais aberta e 
inclusiva, exigindo que tentemos entender outras culturas em seus próprios 
termos, em vez de julgá-las com base em critérios extraídos da nossa própria 
cultura. 
Assista ao vídeo
Assista ao vídeo 
"Sobre o relativismo 
cultural" do canal do 
professor Daniel 
Munduruku em sua 
trilha de 
aprendizagem.
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O relativismo 
cultural pode promover a 
tolerância e o respeito 
mútuo entre diferentes 
grupos culturais ao 
reconhecer que não 
existe uma única cultura 
superior ou correta. Isso 
significa que as práticas, 
valores e crenças de um 
grupo cultural não 
devem ser julgados com 
base em padrões 
externos, mas sim 
entendidos dentro do 
contexto cultural em que 
ocorrem. Isso ajuda a 
evitar o etnocentrismo, 
que é a tendência de 
julgar outras culturas 
com base nos valores da 
própria cultura, o que 
pode levar a 
preconceitos e discriminação. Portanto, ao adotar uma abordagem relativista, as 
pessoas podem aprender a apreciar e respeitar as diferenças culturais, 
promovendo assim a tolerância e o respeito mútuo. 
Em "Raça e Ciência", Lévi-Strauss faz uma observação astuta sobre a 
complexidade da diversidade cultural humana. Segundo o autor, embora o 
conhecimento sobre sociedades passadas seja limitado pelos registros 
disponíveis, essa diversidade é tanto uma realidade presente como um direito 
histórico. Ele sugere que essa riqueza de culturas é mais profunda e complexa 
do que qualquer tentativa de catalogação ou entendimento poderia capturar. 
Este é um ponto significativo, especialmente considerando que o nosso 
conhecimento de sociedades sem sistemas de escrita é fundamentalmente 
incompleto. A diversidade cultural é, assim, tanto uma qualidade intrínseca das 
sociedades humanas quanto um campo de estudo perpetuamente inacabado. 
Lévi-Strauss também destaca a dualidade das forças que atuam dentro 
das sociedades humanas. Por um lado, há elementos que promovem o 
particularismo e a singularidade cultural; por outro, há forças que impulsionam a 
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convergência e a unificação. Essa dinâmica dual torna a questão da diversidade 
ainda mais complicada e intrincada, pois há sempre um jogo de tensão entre a 
preservação da individualidade cultural e a inclinação para alguma forma de 
homogeneização. 
Por fim, o autor nos adverte sobre o perigo de considerar a diversidade de 
uma maneira "fragmentada". Segundo ele, a verdadeira essência da diversidade 
cultural não está no isolamento dos grupos, mas nas relações que os unem. Essa 
observação nos lembra de que a diversidade não é apenas uma coleção de 
características únicas, mas um sistema complexo que só pode ser compreendido 
através do estudo das relações mútuas entre as culturas. Portanto, qualquer 
tentativa de entender a diversidadedeve considerar a interconexão e a 
interdependência dos grupos humanos. 
Segundo Lévi-Strauss, a ideia de considerar uma cultura como superior a 
outra é fundamentalmente falha. Ele argumenta que uma cultura isolada 
contribui pouco para o acúmulo de História ou avanços significativos. "Nenhuma 
cultura está isolada; ela sempre interage com outras culturas, o que possibilita o 
desenvolvimento de séries acumulativas de inovações." A riqueza de uma 
civilização, portanto, depende do número e da diversidade das culturas com as 
quais ela colabora, muitas vezes de forma não intencional, na criação de uma 
estratégia comum. 
Dessa forma, 
Lévi-Strauss sustenta 
que é imprudente 
tentar listar invenções 
particulares de uma 
cultura como uma 
medida de sua 
"contribuição". O 
verdadeiro valor de 
uma cultura reside no 
"afastamento 
diferencial" que ela 
estabelece em 
relação a outras. 
O relativismo 
cultural promove o 
respeito pela diversidade cultural. Em um mundo cada vez mais globalizado, as 
pessoas estão interagindo com indivíduos de diferentes origens culturais com 
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mais frequência. Adotar uma perspectiva relativista ajuda a evitar julgamentos 
precipitados e estereótipos, permitindo um maior respeito pelas práticas e 
valores de outras culturas. 
Em conclusão, o relativismo cultural expressa através de ideias que 
tomamos contato por Lévi-Strauss em "Raça e Ciência" convergem para a 
importância de valorizar a diversidade e complexidade das culturas humanas. 
Apontam para a necessidade de uma abordagem mais inclusiva e aberta ao 
estudo das culturas, afastando-se do etnocentrismo e da noção de superioridade 
cultural. A complexidade das sociedades humanas, conforme argumentado por 
Lévi-Strauss, não é apenas um produto da coexistência de várias culturas, mas 
também das tensões e relações entre elas. Assim, a verdadeira riqueza de uma 
civilização não está na hegemonia de uma única cultura, mas na interação 
dinâmica e na coexistência de múltiplas culturas. 
Este entendimento desafia a visão simplista de que a cultura ou civilização 
pode ser medida por um conjunto de critérios uniformes ou por suas 
"contribuições" individuais à humanidade. Em vez disso, é a tapeçaria complexa 
de relações interculturais e a coexistência respeitosa de diferentes formas de 
vida que verdadeiramente enriquecem a experiência humana. Portanto, tanto o 
relativismo cultural quanto as observações de Lévi-Strauss nos incentivam a 
abordar a diversidade cultural não como um obstáculo, mas como uma 
oportunidade para o enriquecimento mútuo e o entendimento intercultural. 
 
Decolonialidade e festa 
O conceito de decolonialidade, um movimento intelectual e prático 
emergente, critica as consequências do colonialismo e do eurocentrismo na 
Dica de Podcast: "Arte e Antropologia
Podcast Arte e antropologia -
Perspectivas Indígenas -
Entrevista com Camilla Muniz.
A artista e ritmista da bateria da 
Portela Camilla Muniz fala sobre 
arte, anscestralidade e a 
temática indígena no carnaval.
Ouça na Trilha de 
Aprendizagem.
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sociedade contemporânea. Originando-se das experiências e perspectivas de 
povos da América Latina, África, Ásia e outras regiões afetadas pelo 
colonialismo europeu, a decolonialidade visa a desmontar as formas de saber, 
poder e ser impostas durante o período colonial, que ainda influenciam as 
estruturas sociais, políticas e culturais atuais. 
Há uma proximidade com o que a antropologia define como relativismo 
cultural, abrangendo áreas como filosofia e política, ao questionar diretamente 
o pensamento humano. Interdisciplinar, engloba campos como história, 
filosofia, sociologia e antropologia, frequentemente associada a movimentos 
sociais e políticos que buscam formas de descolonização. 
A decolonialidade desafia o Eurocentrismo, questionando a suposta 
superioridade ou universalidade dos modelos europeus de conhecimento, 
cultura e organização social. Promove a valorização de saberes, línguas, 
culturas e práticas de povos originários e colonizados, marginalizados ou 
suprimidos pelo colonialismo. Realiza uma análise crítica do poder e da 
história, explorando como as práticas e estruturas coloniais continuam a 
impactar as relações de poder e a distribuição de recursos. 
Reconhecendo a interseccionalidade de opressões como raça, classe, 
gênero e sexualidade, entrelaçadas às heranças coloniais, a decolonialidade 
busca transformar as realidades sociais, políticas e culturais, visando um 
mundo mais justo e equitativo, respeitando a diversidade de experiências e 
conhecimentos. 
Pioneiros neste pensamento incluem Aníbal Quijano, Walter Mignolo e 
Frantz Fanon. No Brasil, destacam-se figuras como Lélia Gonzalez, Ailton 
Krenak e Joaze Bernardino-Costa, que trazem contribuições significativas ao 
pensamento decolonial. 
A "filosofia quilombola" no Brasil emerge da história e experiência dos 
quilombos, refúgios de resistência e liberdade para escravizados sequestrados 
na diáspora africana. O Quilombo dos Palmares, liderado por Zumbi dos 
Palmares, é um exemplo proeminente. 
 
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O pensamento decolonial também se manifesta nas festas populares e 
carnavais brasileiros, sendo uma expressão de resistência cultural e afirmação 
identitária em um contexto pós-colonial. Essas celebrações são momentos de 
visibilidade e reconhecimento para tradições, ritmos e danças de origens 
africana e indígena, desafiando narrativas e práticas eurocêntricas. Professores 
como Wallace de Moraes (UFRJ) destacam a ligação entre práticas festivas e 
formas de resistência ao racismo e opressão, evidente em enredos e sambas 
de escolas de samba. Carnaval e festas populares são espaços de 
transformação cultural, refletindo a dinâmica e o caráter contemporâneo das 
expressões festivas e integrando a cultura popular à vida cotidiana. Estas 
celebrações revelam como as estruturas do cotidiano permanecem presentes, 
mesmo em momentos de festa e transgressão. 
Portanto, o carnaval e as festas populares no Brasil exemplificam a 
prática do pensamento decolonial, oferecendo uma perspectiva crítica sobre a 
história e a cultura brasileiras e incentivando uma reflexão sobre as 
desigualdades e opressões na sociedade. 
 
Bibliografia 
BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; 
GROSFOGUEL, Ramón. (Org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. 
2. ed. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2019. 
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Disponível em: 
http://www.hortaviva.com.br/midiateca/bg_artigos/msg_ler.asp?ID_MSG=145. 
Acesso em: ago. 2023. 
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. Tradução de Beatriz 
Perrone-Moisés. São Paulo: Ubu Editora, 2019. 
ROCHA, Everardo. O que é Relativismo cultural? Belo Horizonte: Editora UFMG, 
2018.

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