Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Demonstração e lógica em Descartes e no discurso jurídico Prof. Dra. Mariana De-Lazzari René Descartes Figura emblemática de uma época de transição. As navegações ampliaram a geografia, o renascimento protagonizou ideário humanista, a reforma protestante viabilizou individualismo decorrente da livre interpretação. Pensamento cartesiano: é necessário, primeiramente, duvidar de todo conhecimento acumulado anteriormente sobre um assunto. Discurso sobre o método (1637) Concebido como instrumento para "bem dirigir a própria razão e buscar a verdade nas ciências“. Primeira parte: autobiográfica - valorização da subjetividade, resposta para a dúvida permanente. Segunda parte: enuncia as regras do método. Evidência (só é verdade o que é evidente como tal), análise (dividir as dificuldades em parcelas possíveis), síntese (do mais simples ao mais complexo), enumeração (fazer enumerações tão completas e revisões tão gerais, com a certeza de que nada é omitido). Discurso sobre o método (1637) Terceira parte: moral provisória enquanto se aguarda um conhecimento definitivo - obediência às leis e aos costumes, moderação nas opiniões, firmeza e resolução, aceitação da ordem natural do mundo, cultivo da razão e busca da verdade. Quarta parte: metafísica - é o "penso, logo existo" como "primeiro princípio da Filosofia". Quinta parte: física, no sentido descritivo de coração, cérebro, artéria, razão e animais. Sexta parte: declaração de humildade - "(...) Quero que se saiba que o pouco por mim aprendido até aqui quase nada é em comparação com o que ignoro e ainda espero poder aprender". Categorias metodológicas de Descartes e o campo jurídico Fundamentais para a pesquisa jurídica. Regra da evidência: em não aceitar nada por verdadeiro que não seja reconhecido como tal pela sua evidência. Regra da análise: analisar as dificuldades decompondo-as no maior número de partes possíveis e necessárias para melhor resolvê-las. Regra de síntese: conduzir os pensamentos por ordem, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de reconhecer, para ir pouco a pouco, gradualmente, até os conhecimentos mais complexos. Regra de enumeração: fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais que se tenha a certeza de nada omitir. Categorias metodológicas de Descartes e o campo jurídico As regras do método cartesiano, quando efetivamente aplicadas, colaboram para que as pesquisas não incorram em erros recorrentes, a exemplo do uso destemperado da história, do direito comparado e das fontes secundárias. ATENÇÂO: as regras do método cartesiano, e que visam à verdade, não são comuns em peças de argumentação, a propósito de petições. No caso, vinga a retórica, tradição estudada por Aristóteles e, na contemporaneidade, por Perelman. Então... Por que relacionar Descartes e discurso jurídico? Por causa da demonstração (= evidência). Demonstração = meio de prova. Apenas a demonstração é o suficiente em uma argumentação? Pensemos em um primeiro caso concreto... Uma consumidora cujos cabelos caíram quando da utilização de uma tintura capilar. A consumidora tem um laudo que comprova a relação direta entre a queda de cabelo e a utilização da tintura. = DEMONSTRAÇÃO A consumidora comprou a tintura, usou e seu cabelo caiu. Art. 6º, VI, do CDC: direito à “prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. Agora pensemos em um segundo caso concreto... A mulher matou o adolescente DENTRO da delegacia. Ainda que sob domínio de violenta emoção, deveria ter a pena reduzida. Então... Por que foi absolvida? Mulher matou o adolescente acusado de estuprar o filho dela. CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940 Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Porque outras questões foram levantadas, como o fato de ser mãe, ser pobre, de a criança ter apenas três anos de idade etc... = ARGUMENTAÇÃO Diferença entre argumentação e demonstração A demonstração possibilita que alguém formalize um sistema cujas regras são previamente delimitadas e controladas, não importando em que contexto seja aplicado. O resultado almejado sempre será tido como verdade. De modo distinto, o argumentador não pode ignorar fatores exteriores para alcançar a adesão de seu auditório, pois o contexto em que atua é determinante de quais valores prevalecem e de quais estratégias são acatadas com mais facilidade para alcançar a permeabilidade do ouvinte. O argumentador, para sustentar sua tese, inúmeras vezes necessita de um conjunto de informações prévias (base probatória mínima), a partir do qual produzirá seus argumentos. Ou seja, a demonstração poderá ser utilizada a serviço da argumentação. Chaïm Perelman RAZÃO FORMAL X RAZÃO PRÁTICA Valores sociais como a função social, dignidade da pessoa humana, boa-fé, entre outros, reforçam que “cada caso é um caso” e, portanto, não se pode dar tratamento sistemático, paradigmático, a situações aparentemente semelhantes. PORTANTO, não seria justo que uma mesma conduta praticada por pessoas diferentes e em contextos distintos fosse avaliada da mesma maneira pelo juiz, com a mera subsunção do fato à norma. Sugestão de leitura PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Demonstração e argumentação. In: ____________.Tratado da argumentação: a nova retórica. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 16-17.
Compartilhar