Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ir pra escola sob a promessa de que o saber que lá vamos adquirir nos servirá pelo resto da vida e que sem ele estaremos “perdidos”, incapazes de “sobreviver” na “civilização”, ou que não conseguiremos obter a “cidadania” e seremos como cegos por falta da “luz” dos números, das letras e dos “conhecimentos gerais”, e que sem isso não haveria aulas, temos que levar em consideração que este evento discursivo é tornado possível em um contexto ideológico. Outra dimensão contextual pouco óbvia, mas nem por isso menos importante, é a dimensão interdiscursiva. Uma aula é um discurso que se relaciona com outros discursos. Não apenas porque uma aula dada por um professor pressupõe uma orientação para um público ouvinte concreto, que são os alunos; mas também porque é preciso sempre pensar que uma aula nunca é um evento isolado: a ela se seguiu uma aula e a ela se seguirão outras. Pode-se pensar na aula como um exemplar de uma linhagem histórica de eventos discursivos semelhantes que vieram se transformando no tempo até se aproximar do modelo atual. Por outro lado, o que se chama aula é uma enunciação derivada de outras, talvez de um antigo modelo de diálogo familiar, onde um único interlocutor de um grupo tinha o poder de fala e de distribuição da fala, seja para permiti-la, seja para exigi-la. Podemos pensar ainda que o que o professor fala em sala de aula se apoia e adquire legitimidade a partir de um outro discurso, o discurso científico. É ele que, na nossa sociedade, produz enunciados com poder de crença suficiente para dar suporte ao discurso pedagógico, que o comenta e o retextualiza para disseminá-lo na instituição escolar se nutrindo de seu prestígio e o reforçando. PARADA OBRIGATÓRIA Por fim, nessa questão do contexto interdiscursivo, vale à pena mencionar o fato de que é comum o professor em sua aula trazer a manifestação de outros discursos. Por exemplo, se trata de uma aula de literatura, certamente irão ser convocados textos literários o mais diversos, bem como textos de críticos literários e de biógrafos. Merece destaque também, pelo pouco que tem sido levado em conta na história da própria Análise do Discurso, o que podemos chamar de contexto posicional ou posicionamento. Conforme Maingueneau e Charaudeau (2004), O posicionamento corresponde à posição que um locutor ocupa em um campo de discussão, os valores que ele defende (consciente ou inconscientemente) e que caracterizam reciprocamente sua identidade social e ideológica. Esses valores podem ser organizados em sistemas de pensamento (doutrinas) ou podem ser simplesmente organizados em normas de comportamento social que são mais ou menos conscientemente adotadas pelos sujeitos sociais e que os caracterizam identitariamente. Pode-se falar, portanto, em posicionamento também para o discurso político, midiático, escolar... (p. 392) Também a teoria literária já há muito tempo trabalha com a ideia de posicionamento. Mas trata-se de um conceito que pode, assim como os de gênero e ethos (cf. mais adiante), ser expandido para o conjunto da discursividade. Embora os posicionamentos sejam mais claramente observáveis em discursos estritamente institucionais como a Literatura, a Ciência e a Religião, também nos discursos não institucionais como a Mídia e a Pedagogia eles existem. Para prosseguir no caso anteriormente tratado, o da sala de aula, perceba-se que há diferentes posicionamentos em relação a que tipo de aula um professor deve dar. Há aqueles que pensam que uma aula deve ser não diretiva, com grande liberdade na relação entre os alunos e entre professor e alunos. Mas há também aqueles que julgam que uma tradição pedagógica deve ser mantida: o professor deve impor sua “moral” diante dos alunos, que devem se comportar de acordo com regras rigorosas. Cada um desses posicionamentos deve implicar até mesmo um ordenamento dos móveis da sala de aula e a posição física dos alunos de modos diferenciados. 22
Compartilhar