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livro 1 2 - Teoria do Círculo Mágico

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GAME DESIGN
Rafael Arrivabene
Teoria do círculo mágico
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Descrever as características do fenômeno do círculo mágico.
  Analisar as representações simbólicas envolvidas no jogar e brincar.
  Discutir as relações, separações e conexões entre “mundo real” e 
“mundo do jogo”.
Introdução
O que é um jogo? Essa é uma pergunta aparentemente simples, mas 
quando encarada com seriedade e espírito científico se mostra muito 
mais complexa. Conhecemos jogos através de diversas experiências 
pessoais e coletivas, e utilizamos essa palavra em diversos contextos, às 
vezes literalmente, às vezes como metáfora ou forma de expressão. Por 
isso, quando queremos ser rigorosos com relação à sua definição, temos 
que observar bem o fenômeno.
Neste capítulo, você vai conhecer o trabalho de diferentes filósofos 
e pesquisadores que se dedicaram a investigar as características do ato 
de brincar, jogar e fantasiar. Esse tipo de estudo é recente na história da 
ciência, tendo se desenvolvido no último século na esteira da crescente 
importância que os jogos, o lazer e a indústria cultural assumiram para 
a sociedade contemporânea.
A realidade do jogo é uma realidade distinta
Johan Huizinga foi um fi lósofo holandês que viveu entre 1872 e 1945. Ele foi 
um dos primeiros acadêmicos a se debruçar com mais atenção sobre o papel 
que os jogos desempenham na manutenção e na transmissão de saberes, 
tradições e costumes. Em 1938, publicou seu livro Homo ludens: o elemento 
do jogo na cultura, que se tornou bastante infl uente à medida que os jogos, 
especialmente os eletrônicos, foram ganhando mais destaque na sociedade. 
Nos anos 1990, os game designers Eric Zimmerman, Frank Lantz e Katie 
Salen popularizaram a obra através de seus trabalhos acadêmicos. Uma das 
ideias mais interessantes encontradas no livro de Huizinga é o conceito de 
círculo mágico.
O círculo mágico seria um tipo de ambiente ou realidade especial onde o 
jogo acontece. É importante, porém, destacar aqui que, assim como muitos 
outros renomados pesquisadores do assunto, Huizinga está interessado no 
conceito de Spel, palavra holandesa que — tal como Spiel em alemão, jeu 
em francês e play em inglês — designa muitas outras situações além do que 
entendemos atualmente como “jogo” em português. Sendo assim, o que Hui-
zinga se propõe a explicar são as características fenomenológicas desse grupo 
de atividades especiais que permeiam nosso cotidiano desde as sociedades 
mais primitivas (HUIZINGA, 2000).
Nesse sentido, o autor defende que atividades aparentemente muito di-
ferentes, como uma cerimônia religiosa, um julgamento e uma partida de 
esconde-esconde, teriam características similares. Antes de mais nada, 
estamos falando de situações em que regras especiais se aplicam. Em todas 
elas, há procedimentos que devem ser realizados de maneira específica. 
Pessoas e objetos ganham funções, atribuições e papéis especiais para aquela 
situação. Em segundo lugar, essas atividades restringem-se a períodos de 
tempo bem identificados. Mesmo que não se conheça de antemão seus 
horários nem sua duração exata, é fácil perceber quando uma cerimônia, 
um julgamento ou uma brincadeira chegou ao fim. Como se não bastasse, 
todas elas ainda possuem limites espaciais acordados, mesmo que vagamente 
estabelecidos. Um julgamento geralmente transcorre em uma corte, mas 
também pode acontecer em um acampamento no campo de batalha; uma 
cerimônia pode ser celebrada em um templo ou talvez em um local público; 
já para uma brincadeira de esconde-esconde, independentemente do local 
onde se brinque, há uma definição, explícita ou não, sobre até onde vale 
se esconder. Ou seja, para que tais situações especiais funcionem bem, os 
participantes combinam limites de tempo e espaço onde cada uma vale. Esse 
é o conceito de círculo mágico.
Teoria do círculo mágico2
Imagine a seguinte situação: uma turma de crianças se reúne na rua onde moram para 
brincar de esconde-esconde, como mostrado na Figura 1. Uma delas diz:
— Só vale nessa rua e na rua de trás.
Outra, mais velha, complementa:
— E não vale ir para a avenida, é muito movimentado lá.
E mais uma acrescenta:
— Tá, mas vamos logo, porque eu só posso brincar até às 19h.
Figura 1. Crianças brincando de esconde-esconde.
Fonte: Diego Cervo/Shutterstock.com.
As crianças acabaram de definir os contornos do círculo mágico e já podem começar 
o ritual. Todas se reúnem em uma roda e, em sincronia, colocam as mãos para frente, 
mostrando diferentes números; com base neles, uma delas é escolhida para sair da roda. 
Aos poucos, vão se retirando até sobrar apenas uma das crianças. Essa desempenhará 
um papel especial: terá que procurar as demais. Ela vai rapidamente até o “pique”, um 
muro comum, mas que agora é um local igualmente especial. Um menino se mantém 
bem próximo ao pique, e ela adverte:
— Não vale ficar de tocaia! — indicando que ele está descumprindo uma regra. Ele 
retruca também na linguagem do momento:
— Então vê se não fica guardando caixão — referindo-se igualmente a outra das 
regras não escritas que conduzem a cerimônia.
Em seguida, a criança escolhida se apoia no muro, fechando os olhos, e começa 
uma contagem enquanto as outras fogem e se escondem. Ao terminar de contar, ela 
anuncia alto para avisar os demais e sai a procurá-los. Porém, pouco depois, ouve-se 
uma mãe gritando:
— Zequinha, sai dessa árvore, agora!
O círculo mágico acaba de ser quebrado pela ação de uma pessoa que não estava 
ciente, ou interessada, ou que não havia concordado com as características especiais 
daquele momento.
3Teoria do círculo mágico
A realidade do jogo é uma realidade sobreposta
Desde os gregos ou mesmo antes, há um fascínio fi losófi co pela nossa habilidade 
de brincar e fantasiar. Por que teríamos essa capacidade? Para que ela serve? 
O que signifi ca? Na antiguidade, e ainda hoje nas sociedades que se mantêm 
mais próximas à natureza, a imaginação, os sonhos, os mitos e o misticismo 
estão todos muito próximos. Heráclito de Éfeso, retratado na Figura 2, foi um 
fi lósofo grego pré-socrático que viveu entre 540 e 470 a.C. Em suas ideias sobre 
a constante mudança da natureza e recombinação dos opostos, ele associa o 
próprio Cosmos a uma brincadeira de criança (FONSECA, 2010). A formação 
via jogos e a brincadeiras infantis (paideia, em grego) envolve criatividade 
na elaboração de novos signifi cados. E se pensarmos que a realidade só é 
percebida como uma série de relações de signifi cados, então o jogo é realmente 
bastante importante.
Figura 2. Heráclito de Éfeso, um dos primeiros a indagar sobre 
a natureza do jogo.
Fonte: Everett Art/Shutterstock.com.
Teoria do círculo mágico4
Essa questão foi retomada e retrabalhada nos anos 1950 pelo filósofo 
alemão Eugen Fink (2016). Em suas indagações, porém, o filósofo eleva a 
natureza do brincar a algo tanto essencial quanto divino. A brincadeira e o 
jogo seriam como manifestações de algo transcendental no ser humano, ou 
uma metáfora da própria natureza criativa do universo. Fink entende que o 
jogo cria uma miragem, uma ilusão, em que a realidade cotidiana parece 
invertida e modificada. Essa ilusão sobrepõe a realidade cotidiana com uma 
nova camada de significados. Um muro deixa de ser apenas um muro, uma 
pessoa não é mais uma mera pessoa. Eles passam a ser identificados mais 
pela função que cumprem do que por outras características que costumam 
identificá-los em outros momentos. O tempo, os espaços e as ações também 
ganham novos significados. O autor destaca que, embora a noção dos signifi-
cados originais não se perca por completo, esses ficam minimizados frente aos 
novos significados que o jogo traz. Sendo assim, sob essa óptica, a experiência 
é sentida como igualmente real. A ideia é exemplificada na Figura 3, em que 
uma cadeira passa a ser um cavalo, um pedaço de madeira vira uma espada, 
o chão torna-se lava, e coitado do adulto que pisarali desavisado.
Figura 3. Dentro do círculo mágico tudo passa a ter outro significado.
Fonte: Vasilyev Alexandr/Shutterstock.com.
5Teoria do círculo mágico
Essa percepção ganha ainda mais força quando vinculada à obra do antro-
pólogo escocês Victor Turner, desenvolvida nos anos 1970 e 1980. Durante 
boa parte de sua vida, Turner estudou os costumes e rituais de uma tribo na 
Zâmbia. Seu trabalho tem como enfoque os ritos de passagem e outros eventos 
liminares. Um evento liminar é aquele em que ao seu final a realidade será 
outra, pelo menos para seus participantes. Uma gravidez é um exemplo de 
evento que marca a divisão entre dois períodos da vida de um casal, e de como 
essas pessoas passam a enxergar e se relacionar com o mundo. A experiência 
liminar é a fase de transição entre essas duas realidades. Sob alguns aspectos, 
a mulher grávida ainda não é mãe, mas ao mesmo tempo já o é.
A se destacar na obra de Turner é que ela indica ainda a existência de outro 
tipo de experiência: a experiência liminoide, ou seja, aquela em que a pessoa 
participa de uma experiência que muda sua relação com o mundo, mas, ao 
final, volta para a realidade anterior. Turner identifica que jogos, brincadeiras e 
espetáculos obedecem à essas características. Ele também associa o fenômeno 
do estado de Fluxo, de Csikszentmihalyi (2002), a esse tipo de dissociação 
temporária do mundo real. A percepção de Turner é de que a experiência 
para o participante foi real, e o vislumbre da realidade alternativa é suficiente 
para marcá-lo. Em outras palavras, o jogo ressignifica a realidade durante 
um determinado tempo, mas com o potencial de afetar profundamente os 
participantes (TURNER, 1974; HONG, 2014).
A realidade do jogo é conectada
ao mundo comum
Entre pesquisadores especializados em jogos, há uma discussão constante 
sobre o que caracteriza de fato um jogo. Uma das acepções mais comuns é 
que um jogo encontra-se desconectado da vida real. A ideia inicial do círculo 
mágico, como sugerida por Huizinga (2000), é de que o jogo se sustenta por 
conta de sua separação à vida comum. Se os jogadores de um jogo de tiro em 
primeira pessoa corressem risco de serem realmente alvejados ou mortos, isso 
não seria um jogo. De modo similar, se um juiz tratasse um advogado perante 
a corte com a mesma intimidade com que o faz em seu tempo livre, isso poria 
o valor do julgamento em risco. O círculo mágico deve ser respeitado para 
proteger a experiência especial que ele próprio delimita.
Teoria do círculo mágico6
Contudo, os próprios pesquisadores reconhecem que isso é um idealismo, 
pois são muitos os exemplos de situações em que a vida real interfere no jogo 
e em que o jogo interfere na vida real. Uma desavença pessoal entre jogadores 
possivelmente afetaria uma partida de pôquer entre eles, e qual seria o sentido 
dos esportes profissionais se os jogadores não pudessem melhorar suas vidas 
profissionais a partir do resultado dos jogos? Roger Caillois (1958) observou 
quatro tipos de impulsos que nos motivariam a jogar, mas também alertou que 
estes mesmos impulsos poderiam se tornar vícios e comportamentos nocivos. 
Agon, o impulso de competir, poderia gerar uma personalidade violenta e 
agressiva. Alea, o impulso da fé na sorte, poderia se tornar o vício nos jogos 
de azar ou a paranoia do medo do futuro. Mimicry, o impulso do faz-de-conta, 
poderia se tornar uma negação da realidade e de si mesmo. Por fim, Ilinx, o 
impulso da vertigem, que nos faz gostar dos esportes radicais, seria o mesmo 
que nos faz procurar entorpecentes. Portanto, a concepção considerada mais 
adequada é a de que o círculo mágico é permeável. Algo da realidade entra 
nele, e algo do jogo o extrapola.
O ludólogo Jesper Juul (2003), em sua definição do conceito de jogo, opta 
por afirmar que o jogo possui consequências negociáveis, ou seja, elas podem 
ou não ser transferidas do mundo do jogo para o mundo real. Em sua visão, 
deve ser uma opção dos jogadores concordar em estabelecer tal conexão. Para 
que haja de fato um fator opcional, o jogo em si não pode ter nada que imponha 
essa conexão de forma obrigatória. O uso de armas de verdade, por exemplo, 
pode ter consequências reais, das quais não se pode escapar. Por isso, jogos e 
esportes que apresentam riscos continuam sendo jogos, pois sua premissa é 
que se evitem as consequências mais sérias. No entanto, a definição de Juul 
tem dificuldades para reconhecer o caso dos esportistas profissionais, os 
quais, segundo essa óptica, estariam jogando, mas aceitando consequências 
financeiras e de carreira.
Nesse contexto, o Second Life é um exemplo interessante. Trata-se de um 
ambiente virtual 3D, com características de jogo para muitos usuários, onde 
eles criam avatares para si, como mostrado na Figura 4, e podem realizar 
muitas ações similares às da vida real, mas também muitas ações irreais, 
como voar, por exemplo. As possibilidades de interação entre as pessoas e sua 
popularidade entre alguns grupos fez com que pessoas começassem a realizar 
eventos reais dentro do ambiente, como palestras, shows e negócios. Este é 
um caso em que os limites entre o real e a fantasia não ficam bem claros.
7Teoria do círculo mágico
Figura 4. O Second Life é um mundo virtual, onde acontecem também palestras, perfor-
mances e negócios reais.
Fonte: Music_LandingPage ([2014], documento on-line).
De fato, o círculo mágico não é uma coisa que existe por si só, mas sim algo 
que depende da nossa vontade e nossa capacidade de aceitar o melhor possível as 
regras especiais do momento em questão e de manter suas consequências limitadas 
a ele. Essa capacidade é conhecida nos estudos literários como a “suspensão da 
descrença”, ou seja, nossa capacidade de acreditar em uma outra realidade, que 
sabemos ser fictícia. Essa outra realidade fictícia é conhecida, no mesmo meio 
literário, como diegese, e também apresenta certa relação com o círculo mágico.
Essa questão foi trazida ao século XXI pelo programador e filósofo contem-
porâneo Alexander Galloway. Atualizando as ideias sobre as relações dos jogos 
com a cultura, Galloway (2006) argumenta que pouca atenção é dada ao papel da 
máquina nos jogos digitais. Geralmente, hardware e software são considerados 
apenas como o suporte para o jogo, tal como seria o conjunto de peças e tabuleiro 
e o manual de regras de um jogo analógico. O filósofo, porém, ressalta que a 
máquina age mais como um participante não orgânico, alguém que ativamente 
contribui para a experiência do jogo. Seu enquadramento consiste em dois eixos: 
operador × máquina e momentos diegéticos × não diegéticos, a partir dos quais 
ele estabelece quatro atos:
1. Ato diegético da máquina: ao serem acionados, hardware e software 
trabalham para criar um ambiente virtual que permita que uma narrativa 
aconteça. Eles se encarregam de fazer os barulhos, de controlar os 
objetos do cenário e de conferir e fazer valer as regras estabelecidas. 
Tal como um mestre de RPG, esse é o papel da máquina na brincadeira, 
o de permitir a própria diegese, criando e mantendo o círculo mágico.
Teoria do círculo mágico8
2. Ato diegético do operador: com o ambiente preparado, agora o jogador 
pode interpretar o seu papel. Ele, na verdade, dá instruções para a 
máquina através de vários tipos de inputs, mas o faz como se estivesse 
vivenciando aquilo, tamanha é sua imersão.
3. Ato não diegético do operador: são os momentos em que o mundo 
real interfere na experiência, ameaçando o círculo mágico. O jogador 
interrompe o jogo ou age de maneira que não faz sentido para a nar-
rativa, pois não está realmente imerso. Um exemplo disso é quando o 
jogador trapaceia ou explora brechas nas regras, jogando a partir de 
uma perspectiva que encara o jogo como o sistema que ele realmente 
é, trazendo interesses externos ao círculo mágico. 
4. Ato não diegético da máquina: são as coisas que a máquina faz que 
não se encontram estritamente dentro do círculo mágico, ou dentro 
da fantasia que se quer criar. Exemplodisso são as telas iniciais e de 
configuração, nas quais a máquina apresenta para o jogador as op-
ções que ele pode escolher para o jogo. Repare como isso se relaciona 
com as crianças definindo o que vale e o que não vale, no exemplo 
do esconde-esconde. Existem ainda os casos em que a máquina age 
inesperadamente, apresentando, por exemplo, uma falha. Seria como 
se um ator sofresse cãibras e tivesse de interromper o espetáculo para 
pedir ajuda. Este ato quebra as regras e os significados esperados para 
aquele momento, gerando certa estranheza, pois é quando o público se 
lembra da natureza real do jogo.
Perceba que os dois primeiros são exatamente o que se espera que aconteça 
em um jogo. Portanto, o jeito mais comum de jogar e projetar jogos é pensando 
nesses dois atos e ignorando os dois últimos. Porém, não podemos esquecer que 
os dois atos não diegéticos representam uma característica integral e muito inte-
ressante da experiência. Romancistas, dramaturgos e cineastas há muito tempo 
já perceberam essa característica da diegese em suas áreas e desenvolveram um 
recurso muito instigante para aproveitá-la: quebrar a “quarta parede”.
A “quarta parede” é um termo vindo do teatro que se refere à parede não 
montada de um cenário, que é invisível para o espectador, pois é por onde ele 
enxerga a cena. A parede não está lá, mas os atores devem atuar como se ela 
fosse real, em vez da presença do público. Nesse sentido, a quarta parede é 
quebrada quando os roteiristas decidem reconhecer a existência do público 
falando diretamente com ele, ou então quando os atores reconhecem a sua 
própria atuação, desencarnando dos personagens que interpretam. Esse é um 
recurso muito forte e, às vezes, arriscado, pois rompe com a expectativa do 
9Teoria do círculo mágico
público, e, para que dê certo, deve superar a quebra com uma surpresa que 
valha a pena. Nos jogos, por outro lado, isso ainda não é tão comum, mas 
jogos como Stanley Parable, Undertale e mesmo o filme-jogo Bandersnatch, 
do canal on-line Netflix, oferecem bons exemplos de como isso pode ser feito.
Ao longo deste capítulo, você deve ter percebido que, assim como outras formas 
de diversão, o jogo é um fenômeno simbólico muito intenso. Sua existência está 
condicionada a uma ressignificação da realidade, aceita por uma ou mais pessoas 
ao mesmo tempo. Tal ressignificação separa os participantes da realidade atual, 
estabelecendo uma realidade fictícia temporária, mas que os marca de formas 
duradouras, pois o que acontece no jogo não fica só no jogo. Pelo contrário, o 
que acontece na vida real é levado para o jogo e do jogo de volta para a vida, e 
reconhecer este aspecto abre novas possibilidades criativas para essa indústria.
Há um tipo de jogo que põe a prova os limites que o círculo mágico pode ter. Eles 
são conhecidos como ARGs, sigla em inglês para Jogos de Realidade Alternada. Esses 
jogos são disputados tanto em uma realidade fictícia e virtual quanto no mundo real. 
Ao contrário dos Live Action RPGs, nos ARGs os jogadores não costumam interpretar 
personagens criados por eles para cada aventura; na verdade, eles próprios são os 
personagens, que ganham papéis na aventura. Outra diferença é que nem tudo 
transcorre no espaço real de uma sala ou nas ruas da cidade. Uma parte da aventura 
acontece explorando um ambiente virtual, mesmo que apenas navegando na Internet 
à procura de pistas deixadas lá pelos game designers. Esses jogos se parecem com 
uma gincana, uma competição ou um desafio, compostos de vários outros desafios 
menores, que exigem vários tipos de destreza e colaboração entre os participantes. 
Porém, eles acrescentam uma dimensão diegética, um enredo, que amarra cada uma 
das atividades em uma sequência coerente dentro da narrativa. Como tais enredos 
envolvem justamente o mundo real, os participantes conseguem manter a fantasia 
mesmo nos momentos em que as atividades não estão mais acontecendo. Alguns 
ARGs duram semanas! O jogo nunca está totalmente suspenso, pois o círculo mágico 
se mantém latente, pronto para reconfigurar a realidade assim que uma nova pista ou 
missão for liberada pelos organizadores.
A game designer Jane McGonnigal possui uma série de trabalhos relacionados ao 
uso da lógica dos ARGs e da Gamificação para engajar as pessoas em experiências 
positivas e em prol de causas sociais ou comunitárias. No link a seguir, você pode 
conferir uma TED Talk em que ela explica mais sobre seu trabalho e a relação de suas 
ideias com o conceito de círculo mágico.
https://qrgo.page.link/54aGB
Teoria do círculo mágico10
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11Teoria do círculo mágico

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