Buscar

livro 4 2 - Construções de desafios

Prévia do material em texto

GAME DESIGN 
Rafael Arrivabene
Construções de desafios
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Definir desafio em diferentes tipos de jogos.
  Analisar desafios em jogos segundo o modelo CCST.
  Expandir, evoluir e reconfigurar desafios em um projeto.
Introdução
Para que um jogo mantenha vivo o interesse do público, ele precisa 
apresentar novidades de tempo em tempo a seus jogadores. Hoje em 
dia, é comum conseguir isso por meio de expansões ou módulos que 
são produzidos posteriormente ao lançamento do conteúdo-base. Mas 
isso não diminui a importância de criar um jogo de conteúdo a priori 
cativante, que evolua junto com o jogador e mantenha-o instigado.
Neste capítulo, você verá como isso pode ser conquistado pela cons-
trução de desafios motivantes. Boa parte da experiência de um jogo se 
dá pelo envolvimento do jogador com os desafios propostos. Por isso, 
veremos maneiras de pensar sobre eles e ideias de como planejá-los.
O que são desafios?
Uma das características defi nidoras dos jogos enquanto fenômeno é a pre-
sença de um tipo de confl ito, uma situação que deve ser superada; em outras 
palavras, um desafi o. Se não houver um desafi o explícito, o fenômeno passa a 
ser considerado mais como uma brincadeira do que um jogo (KISHIMOTO, 
2014). Por outro lado, nem todas as situações desafi adoras serão jogos. Para 
serem caracterizadas como jogos, é preciso que seu desafi o seja opcional, 
aceito ou autoimposto pelo jogador (SUITS, 2014).
Cabe então tentar definir melhor essa característica tão importante. Desa-
fios parecem ser uma combinação de fatores e contextos que levam uma pessoa 
a se sentir motivada a alterar o estado atual de algum determinado sistema 
de coisas. Os game designers Fullerton, Swain e Hoffman (2008) consideram 
que os conflitos, pelo menos nos jogos, provêm de três fontes gerais: 
1. Obstáculos — elementos passivos que geram conflito por se entrepor 
entre o jogador e seu objetivo.
2. Adversários — elementos que geram conflito ao ativamente atrapalhar 
o jogador a alcançar seu objetivo, talvez disputando-o também.
3. Dilemas — situações que geram conflito, não durante a execução, 
mas pelas consequências dela. Alcançar o objetivo não é o problema. 
O problema é saber qual é o melhor objetivo.
Os game designers ainda listam alguns tipos de desafios comuns que revelam 
diferentes mecanismos internos de motivação das pessoas ao disputarem jogos.
Alcançar e superar objetivos
Este parece ser um motivador inato aos humanos, e talvez a outros animais. 
Queremos atingir objetivos, tanto os que foram defi nidos por nós mesmos 
quanto aqueles defi nidos por outros. Quando atingimos um determinado 
objetivo, sentimos alívio e satisfação; porém, se ele for moderadamente fácil, 
muitas vezes sentiremos vontade de ir ainda mais longe, substituindo-o por 
um novo objetivo. Objetivos podem ser subdivididos em metas menores ou 
parciais, que aumentam o ânimo e a motivação conforme vão sendo com-
pletadas. Contudo, quando um objetivo parece muito distante, demorado ou 
inalcançável por qualquer outra razão, a motivação pode não aparecer. 
Competir contra oponentes
Novamente, assim como outros animais, parecemos ser naturalmente com-
petitivos. Alguns de nós o são mais do que outros, mas, em geral, temos 
curiosidade em nos comparar com os demais, e essa comparação é mais 
satisfatória quando nos percebemos superiores em alguns quesitos. Superar 
as qualidades do outro se torna um objetivo. A competição pode ser direta, 
com adversários conscientes uns dos outros, mas também pode ser indireta, 
quando, por exemplo, competimos por posições em um ranking ou contra 
muitas pessoas ao mesmo tempo. Podemos também citar as competições 
unilaterais, contra adversários que não competem de forma recíproca, como 
sistemas não humanos na forma de máquinas e software. Exemplo disso são 
enxadristas humanos que jogam contra inteligências artifi ciais. 
Construções de desafios2
Expandir os limites pessoais
Segundo Fullerton, Swain e Hoff man (2008), os objetivos defi nidos por nós 
mesmos são mais fortes que aqueles defi nidos por outros. Como conhecemos 
nossos próprios limites, o desafi o de superá-los acaba sendo mais intenso 
e recompensador. Quando temos êxito, nossas capacidades parecem ter se 
expandido e nos sentimos melhores do que antes. Esses limites não precisam 
necessariamente envolver habilidades físicas. Experimentar coisas novas, 
arriscar abordagens diferentes, aceitando sair de sua zona de conforto, pode 
também servir como situações que expandem os limites pessoais. Quando 
enfrentados de forma voluntária e com a perspectiva de superação, estes 
desafi os serão prazerosos.
Exercitar habilidades árduas
Dominar alguma habilidade é um objetivo pessoal muito intenso, especial-
mente se pudermos exibi-la. É algo de que as pessoas se orgulham. Requer 
muita dedicação e prática, e, acima de tudo, uma autocrítica elevada, que 
impulsiona o treinamento, ocasionando a melhoria na habilidade. É um tipo 
de desafi o que motiva a superação dos limites pessoais, com o objetivo de 
um aprimoramento permanente e aplicável. Maestria não é se sair bem uma 
única vez; é ter a confi ança de sempre se sobressair nas situações em que tal 
habilidade é exigida. 
Completar ou manter coleções
Colecionar pode ser um desafi o externo ou autoimposto. Existem várias espé-
cies de coleções, mas, de certa maneira, todas têm em comum a característica 
de um bom feedback, pois a obtenção de um novo item para sua coleção é 
um indicador cabal de que seu objetivo está sendo alcançado. Por isso, elas 
costumam ser bastante motivadoras para vários tipos de jogadores. As co-
leções podem envolver grupos de itens fi xos e raros, como obras únicas de 
um artista, ou um número indeterminado e abundante de itens, como selos 
e tampas de garrafa. Neste último caso, a variedade e o tamanho da coleção 
são o que importa. No primeiro caso, o valor está mais na qualidade dos itens 
e na completude da coleção. Em jogos, podemos encontrar coleções feitas e 
mantidas apenas durante cada partida ou outros tipos, como o caso de jogos 
de miniaturas e de cartas colecionáveis como Magic: The Gathering, em que 
as coleções atravessam várias partidas, ao longo de anos, inclusive.
3Construções de desafios
Construir, descontruir ou destruir coisas
A percepção de que temos a capacidade ou o poder de alterar a constituição 
das coisas ao nosso redor parece ser um estímulo natural à nossa criatividade. 
Crianças pequenas, conforme passam a controlar melhor seus movimentos, 
interessam-se por peças de encaixar, como blocos e quebra-cabeças. Construir 
ou criar algo seguindo parâmetros mais específi cos é certamente uma tarefa 
mais complexa que aquela realizada pelas crianças, mas parte do mesmo im-
pulso. Destruir algo é ainda mais primário, pois a criança, antes de construir, 
quebra, desmonta. Desmontar algo sem simplesmente quebrá-lo também é 
complexo, e igualmente satisfatório.
Fazer escolhas interessantes
É atribuída ao game designer Sid Meier, criador de jogos como a série Ci-
vilization, a defi nição de que um jogo é uma série de escolhas interessantes. 
Trata-se, sem dúvida, de uma defi nição rasa, mas não deixa de apontar uma 
característica importante do fenômeno. Jogar não é uma experiência passiva, 
como assistir a um fi lme, mas tampouco é uma atividade objetiva, como montar 
um móvel seguindo um manual. Jogar pressupõe liberdade de experimentação 
e a expectativa pelos resultados, tanto os positivos quanto os negativos. Quando 
as escolhas não são triviais, nos sentimos desafi ados a escolher ou agir do 
modo que traga o maior benefício para nossos objetivos.
Desafios na prática
Como se pode perceber, há uma grande variedade de tipos de desafi os interes-
santes que podemos oferecer aos jogadores nas experiências que criamos. Eles 
são criados via combinações criativas de objetivos, obstáculos, adversários e 
dilemas. O gamedesigner Scott Rogers (2014) apresenta mais dois elementos 
que são úteis para essa questão: os mecanismos e os power-ups. Mecanismos 
seriam todos os recursos, a princípio neutros, com os quais um jogador deve ou 
pode interagir para atingir seus objetivos. Já os power-ups são generalizados 
como recursos que o jogador pode ter ou obter, e que o ajudam a atingir o 
objetivo. Assim, a imagem da composição de um desafi o fi ca mais completa.
Pense, por exemplo, no desafio de chegar à outra margem de um riacho 
sem se molhar. O próprio riacho é um obstáculo, que gera o conflito central 
do desafio. Se tivéssemos pessoas ativamente tentando derrubar o jogador 
Construções de desafios4
na água, estes seriam adversários. Se houvesse algum tipo de recompensa 
variável que dependesse da maneira como se chega ao outro lado, isso geraria 
um dilema. Se houvesse uma corda que pudesse ou tivesse que ser utilizada 
para pular o riacho, esse seria um mecanismo. E se o jogador pudesse encher 
um bote inflável ou ele mesmo amarrar uma corda para a travessia, esse seria 
um power-up, um recurso do próprio jogador.
Este exemplo nos ajuda a entender melhor o que é um desafio. Adversários 
e obstáculos podem ser analisados como desafios independentes, mas quando 
estão próximos e relacionados com um mesmo objetivo, podemos compreendê-
-los como parte de um mesmo desafio. Um jogo pode ser composto por um 
desafio único e simples, ou por uma grande quantidade de desafios mais 
complexos. O game designer Patrick Holleman (2018), ao analisar o jogo 
Super Mario World, conseguiu obter perspectivas interessantes sobre como 
as fases do jogo foram montadas. Nesse sentido, ele define que um desafio é 
uma unidade de conteúdo essencial de um level. Holleman (2018) acrescenta 
que desafios são aglomerados de ações feitas em uma tentativa de atingir um 
objetivo, precedidos e seguidos de momentos de relativa segurança.
Essa distinção dos desafios, delimitando-os pelos momentos de segurança 
que os envolvem, ajuda a perceber melhor como o jogo, do ponto de vista 
do jogador, é experimentado, e oferece uma ferramenta para que os game 
designers possam planejar melhor essa experiência. Vamos terminar essa 
seção observando maneiras de definir os desafios em diferentes tipos ou 
gêneros de jogos.
Jogos de ação e aventura em mundo aberto, como os novos jogos da série 
Tomb Raider, Shadow of Mordor ou Watch Dogs, apresentam seus grandes 
desafios como missões. Elas são escolhidas pelos jogadores com relativa 
liberdade, a partir de momentos ou lugares no mapa onde eles não correm 
risco iminente. Cada uma dessas missões, entretanto, é uma combinação de 
diferentes desafios. Elas podem ser mais voltadas à superação de obstáculos, 
como alcançar um determinado ponto no cenário, ou mais voltadas ao con-
fronto aberto com inimigos. Provavelmente, no decorrer de cada uma das 
missões, serão encontrados momentos mais focados em obstáculos e outros 
mais focados em combate. De forma geral, o desafio é atingir os objetivos 
exercitando habilidades difíceis e tentando se superar. Além disso, os desen-
volvedores também acrescentam elementos de coleção, envolvendo itens, e 
um pouco de dilema, empregando um sistema de habilidades ramificado, no 
qual, ao investir em uma habilidade, fica mais difícil conseguir as outras que 
não fazem parte do mesmo ramo.
5Construções de desafios
Em muitos jogos de plataforma 2D com ênfase em ação e enfrentamento 
de inimigos, como os da série Megaman, Sonic e similares mais atuais, isso 
também se manifesta. Porém, outros jogos que se enquadram no mesmo gênero, 
como Celeste e Super Meat Boy, deixam de lado inimigos, para concentrarem 
seus desafios em torno de obstáculos complexos e bastante punitivos. Esses 
desafios devem ser atravessados de uma só vez, pois possuem poucos ou 
nenhum momento de segurança, exceto o ponto inicial do level.
Mesmo em jogos de ritmo, como Guitar Hero, podemos perceber que 
as músicas deixadas para o final são aquelas mais difíceis de executar, pois 
exigem mais destreza e apresentam menos descansos. Perceba que a identifi-
cação das unidades de desafios, como proposta por Holleman (2018), é mais 
fácil em gêneros de jogos em que a ação é predominante, por haver claros 
momentos de risco.
No entanto, em jogos de aventura e narrativa a segurança não servirá 
como bom parâmetro para a identificação das unidades de desafio. Em jogos 
como Obra Dinn e Broken Age, podemos separar os desafios pelos momentos de 
conforto que surgem após a resolução de um dos problemas, até que o próximo 
seja apresentado. Na semiologia greimasiana, área da ciência que estuda os 
significados dos textos, esses desafios seriam classificados como programas 
e subprogramas. A protagonista tem um objetivo, mas, para alcançá-lo, deve 
concluir algumas grandes tarefas, isto é, um programa, o que, por sua vez, 
demanda outros subprogramas, e assim por diante. Então, nestes estilos de 
jogos, as unidades de desafios equivalem a cada conjunto de tarefas que deve 
ser executado para concluir um dos subprogramas que ajudam a concluir o 
programa principal e assim atingir o objetivo da protagonista.
Similarmente, em jogos de tabuleiro ao estilo europeu, os desafios 
podem ser entendidos como subprogramas do programa principal, que ge-
ralmente envolve obter mais pontos que os adversários. Contudo, esses 
subprogramas não acontecem de forma linear. Como tais jogos se baseiam 
em um core gameplay loop em que os jogadores tentam, a cada turno ou 
rodada, maximizar o efeito de suas ações, o conflito caracteriza-se por 
dilemas. O desafio não é fazer, mas sim decidir o que é melhor fazer a cada 
rodada. Nessa perspectiva, as unidades de desafios podem ser encontradas 
examinando-se as dinâmicas que as mecânicas produzem. Ou seja, os desa-
fios em um jogo de tabuleiro moderno são os momentos em que as decisões 
cruciais devem ser tomadas, momentos que são antecedidos e precedidos 
pela simples execução dos procedimentos.
Construções de desafios6
Análise de desafios e sua progressão
Segundo a teoria do fl uxo, proposta pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi 
(2002), as atividades que fazem as pessoas entrarem no estado de ação com 
alta concentração, que resulta em grande prazer e felicidade, são aquelas em 
que existe um equilíbrio dinâmico entre o nível de habilidade da pessoa e a 
difi culdade do desafi o enfrentado. O psicólogo percebeu que este fenômeno era 
comum entre esportistas, e reparou que, conforme a prática e o treinamento 
no esporte aumentavam a habilidade dessas pessoas, elas passavam a buscar 
desafi os maiores, para reestabelecer tal equilíbrio.
Em esportes competitivos, quando os adversários possuem grande diferença 
de habilidades, esse equilíbrio pode estar comprometido desde o começo. 
Contudo, ele também pode ir se ajustando no decorrer da partida mediante 
eventos imprevistos, como cansaço, penalidades, sorte e outros. No caso dos 
jogos para um único jogador, típicos dos videogames, cabe aos game desig-
ners planejarem maneiras de manter os desafios interessantes, à medida que 
os jogadores aprimoram suas habilidades no jogo. Isso é conhecido como a 
curva de dificuldade do jogo (SCHELL, 2011).
Curvas de dificuldade são partes importantíssimas do design de um jogo e 
também as mais difíceis de acertar. Jogos de arcade dos anos 1970, como Tetris 
e Space Invaders, criavam curvas de dificuldade definindo uma regra para a 
modificação de variáveis do jogo ao longo do tempo, como, por exemplo, ao 
aumentar a velocidade dos inimigos e sua quantidade. Jogos mais complexos, 
porém, não funcionam tão bem simplesmente com esse tipo de progressão 
ascendente. A diferença é que os jogos de arcade queriam eliminar os jogadores 
logo, para que eles gastassem mais fichas na máquina, o que não ocorre com 
outros tipos de jogos, que procuram entreter os jogadores por mais tempo. Sendo 
assim, há uma fusão entre as curvas de dificuldade e as chamadas curvas de 
interesse, que são diagramasutilizados para planejar os momentos de maior 
tensão e relaxamento do público durante um espetáculo (SCHELL, 2011).
Portanto, bons jogos se preocupam em criar desafios que cresçam ao longo do 
tempo, mas principalmente conforme as habilidades dos jogadores aumentam. 
Uma das maneiras mais simples de avaliar a habilidade do jogador é testá-lo. 
Assim, se o jogador chegou até um determinado ponto na progressão do jogo, é 
por que, idealmente, foi hábil o suficiente para superar os desafios anteriores. Por 
isso, estipular bem quais habilidades serão exigidas ou testadas a cada desafio 
é importante para planejar uma boa curva de dificuldade entre os desafios.
7Construções de desafios
Nesse sentido, o modelo CCST, de Holleman (2018), vem bem a calhar. A 
sigla é uma abreviação de Challenge, Cadence, Skill-Theme (Desafio, Cadên-
cia, Habilidade-Tema). Esse modelo foi desenvolvido a partir da análise dos 
levels de Super Mario World, pela qual o game designer pode perceber padrões 
na configuração de cada um deles. Holleman (2018) identificou detalhes na 
construção e encadeamento dos desafios dentro de um mesmo level e também 
sobre como a dificuldade varia entre levels iniciais e finais. Analisemos melhor 
cada item deste modelo.
Como já mencionado, podemos tanto unificar vários desafios com um 
mesmo objetivo em um desafio maior quanto subdividir um desafio, criando 
objetivos parciais. Neste caso, pensemos no level como o grande desafio e nos 
diferentes obstáculos, inimigos e quebra-cabeças que nele se encontram como 
as unidades de desafio. Nesse contexto, cadência é a progressão das unidades 
de desafios dentro do level. Normalmente, essas unidades de desafios não são 
aglomerados de inimigos e obstáculos quaisquer; elas são variações de um 
desafio-padrão, que gira em torno de um Tema ou Habilidade central que o 
jogador precisará demonstrar.
A cadência também pode ser entendida como pacing, ou ritmo, do jogo. 
Este é um termo utilizado na indústria de jogos para se referir ao ritmo com 
que novidades são apresentadas ao jogador. Porém, enquanto o pacing pode 
ser utilizado para falar de qualquer conteúdo novo ao longo do jogo todo, a 
ideia de cadência sugerida por Holleman (2018) é mais voltada para a pro-
gressão dos desafios que visam um mesmo objetivo maior e bem definido. 
No caso de Super Mario World, o game designer identifica que praticamente 
todos os levels começam com uma versão básica de um tipo de desafio, e vão 
apresentando gradativamente versões mais complexas dele, em basicamente 
três maneiras, que serão explicadas na próxima seção.
Perceba que, novamente, a cadência é um tipo de curva de dificuldade, 
e existem várias possibilidades para ela. Em jogos arcade, podemos pensar 
em algumas curvas de dificuldade baseadas principalmente no ajuste de 
variáveis do jogo, imaginando desde curvas completamente lineares (em 
que a dificuldade do próximo momento é sempre maior que a anterior) até 
outras, que contemplam momentos de alívio sorteando valores mais baixos 
para as variáveis (LARSEN, 2010). Mas podemos ir mais longe, sendo mais 
específicos e também mais criativos.
Koichi Hayashida, diretor de jogos como Super Mario Galaxy 2 e Super 
Mario 3D Land, afirma que também planeja os desafios em um level em torno 
de um conceito central, tal como Holleman (2018) havia percebido em Super 
Construções de desafios8
Mario World, dirigido por Takashi Tezuka, mas revela que sua cadência tem 
inspiração em uma estrutura típica das narrativas orientais e mangás, dividida 
em quatro atos, chamada Kishōtenketsu (NUTT, 2012). Segundo Hayashida, 
em entrevista a Christian Nutt (2002, documento on-line, tradução nossa):
Primeiro, você [jogador] tem que aprender a usar tal mecânica do jogo e, 
em seguida, o estágio oferecerá um contexto um pouco mais complicado 
no qual você terá que usá-la. Em seguida, o próximo passo é algo louco que 
acontece e faz você pensar sobre [a mecânica] de uma maneira que você não 
estava esperando. Assim, você consegue demonstrar, finalmente, que tipo 
de maestria conquistou.
Ele afirma que essa é uma filosofia de design incentivada por Shigeru 
Miamoto, criador da franquia, que sempre pensava na construção do level 
como a construção de uma narrativa. Isso nos mostra que é possível buscar 
inspiração para a cadência dos desafios em outras fontes, além dos próprios 
jogos. Podemos pensar em cadências que sigam a estrutura de três atos, das 
narrativas ocidentais, ou então que possuam tema e variação como músicas 
clássicas. O que importa é entender que os desafios devem progredir de ma-
neira a acompanhar a habilidade que os jogadores desenvolvem ao superá-los.
Ideias para criar desafios
Ainda acompanhando a perspectiva de Holleman (2018), vamos procurar 
entender como os desafi os podem ser variados. Segundo o autor, existem três 
maneiras principais de subdividir desafi os: Expansão, Evolução e Reconfi gu-
ração. Essas variações acontecem dentro de um level ou trecho da experiência, 
em que se exige do jogador uma determinada habilidade ou mecânica.
Existem, claramente, diversos tipos de habilidades que um jogo pode exi-
gir, desde destreza física a raciocínio lógico e conhecimentos gerais. Porém, 
raramente é recomendável que o jogo exija tantas habilidades ao mesmo tempo, 
pelo menos nas primeiras fases. Os jogos da série Super Mario, seguem esses 
princípios há muito tempo.
Neles, a principal ação do personagem é pular, então a maioria dos desafios, 
em especial os iniciais, gira em torno da habilidade do jogador em conseguir 
executar os saltos corretamente. Logo no começo da fase, será apresentado um 
desafio simples e relativamente seguro, mas que exige a habilidade proposta. 
Este é o desafio-padrão do level. Em seguida, esta mesma habilidade será 
9Construções de desafios
testada em variações mais arriscadas, que expandem, evoluem ou reconfiguram 
o desafio inicial. Muitas vezes, haverá um determinado desafio impossível de 
ser ultrapassado, a não ser aprendendo os detalhes de sua mecânica e assim 
demonstrando a habilidade requerida.
Expansão é uma variação quantitativa de algum desafio anterior. Muitas 
vezes, são reajustadas variáveis e métricas do desafio. Quando, por exemplo, 
começa-se exigido um pulo simples e seguro, uma expansão seria pedir um 
salto mais alto ou mais distante, talvez com um precipício logo abaixo. Um 
jogo de tiro em primeira pessoa ( first-person shooter — FPS) poderia, por 
sua vez, aumentar a quantidade de inimigos ou diminuir a quantidade de itens 
de recuperação disponíveis no cenário. Já em jogos em que os desafios não 
exigem habilidades físicas, mas mentais, uma expansão seria exigir o mesmo 
tipo de raciocínio lógico, porém mais vezes, e talvez com mais elementos a 
serem considerados.
Evolução é uma variação qualitativa do desafio. Por qualitativa, entenda-se 
que o desafio parece o mesmo, pois exige as mesmas habilidades, porém os 
riscos são mais altos ou partes do desafio funcionam de modo ligeiramente 
diferente. Por exemplo, se antes os inimigos vinham andando pelo chão, 
agora eles podem vir pulando. Em um jogo FPS, isso poderia ser conseguido 
alterando os tipos de inimigos e suas armas, ou então as características do 
terreno. Em jogos sem ação, a evolução do desafio seria algo parecido com 
um desafio já apresentado, mas que exige agora um raciocínio diferente, ou 
que sejam consideradas outras características dos elementos.
Reconfiguração, por fim, é uma modificação lógica no desafio. Quase se 
tratando de outro desafio por completo, aqui a ideia é utilizar contra o jogador 
o conhecimento que ele adquiriu. Assim, a reconfiguração reapresenta os 
elementos já conhecidos, mas de uma maneira que força o jogador a repensar 
sua abordagem. Por exemplo, se antes os desafios giravam em torno de Mario 
desviar e fugir de balas de canhão, uma reconfiguração possível seria um 
desafio em que o jogador deve mirar e pular bem em cima delas para conseguir 
o impulso necessário para atingir determinadaaltura. Já em um jogo FPS, 
uma reconfiguração para um confronto seria ter de passar pelos inimigos 
sem ser visto e, portanto, sem atirar, ou ter de se proteger em vez de eliminar 
os adversários. Nos jogos de raciocínio, uma reconfiguração seria apresentar 
um novo dilema em relação a algo que já era dado como superado, ou então 
reapresentar uma situação que exija um pensamento oposto ao que se utilizou 
para resolver problemas anteriores.
Construções de desafios10
Desde os anos 1970, o psicólogo Edward de Bono estuda as características da cria-
tividade humana frente à resolução de problemas. Em seu livro The Use Of Lateral 
Thinking (DE BONO, 1971), o autor utiliza diversos quebra-cabeças, charadas e desafios 
para mostrar como funciona nossa tendência de buscar padrões e mínimo esforço 
de pensamento. Seus exemplos demonstram como a apresentação de um problema 
condiciona nossa forma de pensar sobre ele, o que pode ser explorado por aqueles 
que fazem essa apresentação. Entender essa característica psicológica é interessante 
para os criadores de jogos, pois poderão entender como a apresentação e repetição 
de um desafio-padrão reforça o impacto de uma reconfiguração bem feita.
Quantas dessas variações são necessárias, ou sua ordem, são coisas que 
cabe aos game designers e suas equipes decidir. Elas poderiam ser cadenciadas 
como no caso do jogo Super Mario World, por exemplo. Nele, a primeira coisa 
apresentada no level é o desafio-padrão, que é seguido por expansões, ou 
seja, variações quantitativas do desafio-padrão (número de inimigos, alturas 
e distâncias entre os elementos). Em seguida, é introduzida uma evolução da 
primeira expansão (uma variação dos elementos de uma versão mais difícil do 
desafio-padrão). Levels mais avançados giram em torno de temas com mais de 
uma mecânica ou habilidade central, e geralmente farão alguma combinação 
inusitada entre elas para conseguir reconfigurações do desafio.
As habilidades exigidas dos jogadores variam de jogo para jogo, dependendo 
do estilo, mas saiba que elas podem estar atreladas aos verbos principais dos 
personagens ou elementos que os jogadores controlam, e combinações deles. 
Em um jogo plataforma, por exemplo, uma habilidade central em determinado 
level pode ser correr e pular. Então neste level todos os desafios exigirão ma-
estria destas duas ações. Já em um FPS, talvez as ações de correr e se proteger 
possam inspirar uma missão mais defensiva do que ofensiva.
Outra solução é atrelar as habilidades a elementos do jogo, como mecanis-
mos, obstáculos e inimigos. Assim, em vez de testar a habilidade dos jogadores 
em uma determinada ação, você testará várias ações em um mesmo contexto. 
O jogo Celeste, por exemplo, apresenta algumas ações possíveis, como pulo 
duplo, pulo a partir de paredes e dash, que é um breve e veloz deslocamento. 
Os levels são montados em torno dessas ações, mas muitas vezes elas por si 
só não são suficientes para uma travessia. Nesse caso, jogadores precisarão 
11Construções de desafios
entender como aproveitar o mecanismo das plataformas móveis para conseguir 
avançar. Quando um level ou desafio maior gira em torno de elementos do 
jogo, podemos dizer que este é seu tema.
Jogos como Hollow Knight, por exemplo, diferenciam as áreas de seu 
mapa com obstáculos, mecanismos e inimigos quase exclusivos de cada 
uma, servindo como seu tema. Esses obstáculos e mecanismos, logica-
mente, são pensados para testar as ações disponíveis para os jogadores. E 
cada subárea testa uma ou mais habilidades. Os inimigos seguem alguns 
padrões de classe, mas em cada área eles apresentam uma característica 
ligeiramente diferente, não apenas de visual, mas também de comporta-
mento. O inimigo básico da primeira área, mostrado na Figura 1, apenas 
rasteja para frente e para trás, ignorando o jogador. Em outras áreas, ele 
será mais rápido, ou ficará escondido, ou subirá paredes. Como essas 
variações são restritas a cada área, o jogador é surpreendido inicialmente, 
mas tem tempo de se acostumar com o tema e desenvolver as habilidades 
necessárias para superar cada variação.
Figura 1. Variações temáticas do inimigo básico em Hollow Knight.
Fonte: Adaptada de Hollow... ([2019]).
Como inspiração, Rogers (2014) sugere uma lista de temas, que são clichês 
muito utilizados, mas que podem ser bastante úteis, pois cada um serve como 
um grupo de mecânicas relacionadas, em torno das quais os desafios podem 
girar. Abaixo, segue uma adaptação da lista, com foco nos tipos de elementos 
e mecânicas que cada tema poderia apresentar (ROGERS, 2014):
  Fogo, veneno, lixo tóxico: pode incluir poços de lava ou veneno, me-
canismos que causam erupções ou explosões periódicas, mas também 
pode incluir elementos ou inimigos resistentes a elementos, tornando 
a situação mais interessante.
  Gelo: pode incluir mecânicas que modificam o controle do movimento, 
com escorregamento ou congelamento, por exemplo. Também levam 
Construções de desafios12
a pensar em elementos frágeis, que podem se quebrar, facilitando ou 
dificultando a situação.
  Tumba, masmorra: pode incluir elementos dos anteriores, mas tam-
bém fazem pensar em armadilhas protegendo tesouros e mecanismos 
interconectados. Inimigos como morcegos ou criaturas fantasiosas 
encaixam-se bem e podem ter regras de comportamento que comple-
mentem as armadilhas.
  Fábrica, construção: explora ainda mais a ideia de mecanismos co-
nectados, geralmente marcados por esteiras de produção, prensas e 
plataformas de movimento circular, como engrenagens, ou vertical, 
como guindastes, todos com movimentos bem ritmados e previsíveis.
  Floresta: combina bem com desafios e mecânicas que envolvem mo-
vimentação, como subir em árvores, atravessar rios, poços de lama e 
balançar em cipós. Inspira inimigos como animais voadores ou raste-
jantes, e muitos outros.
  Cemitério, casa assombrada: inspira mecânicas relacionadas a ilusões, 
confusão e sustos. Coisas podem desaparecer e aparecer em outros 
lugares, ou não serem o que parecem à primeira vista. Inimigos podem 
ser invulneráveis ou se reerguer mesmo após derrotados. 
  Urbano: evoca ações cotidianas, como se caminhar e conversar, mas 
também pode ser utilizado para ações que saem do comum, como correr, 
pular e brigar. Os ambientes podem apresentar mais verticalidade e locais 
internos, acessíveis através de portas e chaves. Pode contemplar meios 
de transporte alternativos, modificando a movimentação.
  Espaço, submarino: pode incluir mecânicas de controle de naves e 
movimentação com pouca ou nenhuma gravidade. Elementos e inimigos 
flutuantes ou com movimentação lenta. Mecanismos de atração ou sucção.
Dependendo da proposta do jogo, será possível utilizar vários desses temas, 
ou talvez apenas um. Um jogo de batalha espacial, por exemplo, talvez não 
tenha espaço para um tema urbano. Já o jogo Donkey Kong Tropical Freeze 
progride de tema em um mesmo level. Mas o que importa aqui é entender que 
você pode pensar nos desafios de seu jogo em grandes grupos temáticos, que 
possuem elementos coerentes com os quais montar seus desafios. Lembre-se 
dos fatores que serão a fonte principal dos conflitos e quais tipos de desafios 
deverão motivar seus jogadores. Defina as habilidades que serão testadas em 
cada desafio e faça variações delas. Organize-as em uma cadência coerente, 
temática, que acompanhe a evolução das habilidades dos jogadores, criando 
assim uma boa curva de dificuldade.
13Construções de desafios
CSIKSZENTMIHALYI, M. Fluir: a psicologia da experiência óptima para a qualidade de 
vida. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2002.
DE BONO, E. The use of lateral thinking. London: Pelican Books, 1971.
FULLERTON, T.; SWAIN, C.; HOFFMAN, S. Game design workshop: a playcentric approach 
to creating innovative games. 2nd ed. Burlington: Morgan Kaufmann Publishers, 2008.
HOLLEMAN, P. Reverse design: Super Mario World. 1st ed. Boca Raton: CRC Press, 2018.
HOLLOW Knight Wiki. FANDOM, [2019]. Disponível em:https://hollowknight.fandom.
com/wiki/Hollow_Knight_Wiki. Acesso em: 22 ago. 2019.
KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. Perspectiva, n. 22, p. 105–128, 2014. Disponí-
vel em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/viewFile/10745/10260. 
Acesso em: 22 ago. 2019.
LARSEN, J. M. Difficulty curves. Gamasutra, 2010. Disponível em: https://www.gama-
sutra.com/blogs/JimmyMarcusLarsen/20100524/87385/Difficulty_Curves.php. Acesso 
em: 22 ago. 2019.
NUTT, C. The structure of fun: learning from Super Mario 3D land's director. Gamasutra, 
2012. Disponível em: https://www.gamasutra.com/view/feature/168460/the_struc-
ture_of_fun_learning_.php. Acesso em: 22 ago. 2019.
ROGERS, S. Level up! The guide to great video game design. Chichester: John Wiley 
& Sons, 2014.
SCHELL, J. A arte de game design: o livro original. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
SUITS, B. The grasshopper: games, life and utopia. 3rd ed. Ontario: Broadview Press, 2014.
Leituras recomendadas
SALA, T. Game theory applied: the flow channel. IndieDevStories, 2011. Disponível 
em: http://indiedevstories.com/2011/08/10/game-theory-applied-the-flow-channel/. 
Acesso em: 22 ago. 2019.
VAZQUEZ, R. How tough is your game? Creating difficulty graphs. Gamasutra, 2011. 
Disponível em: https://www.gamasutra.com/view/feature/134917/how_tough_is_
your_game_creating_.php. Acesso em: 22 ago. 2019.
Construções de desafios14

Continue navegando