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INSTITUTO DE DIREITO POBLlCO E CIINCIA POUTICA REFORMA DO PODER JUDICIARIO" Presidente: THEMISTOCLES BRANDÃo CAVALCANTI Coordenador: ARMANDo DE OLIVEIRA MARINHo Participantes: OLAVO TOSTES FILHO; OSWALDO TRIGUEIRO; LUIZ ANTÔNIO SEVERO DA CoSTA; CAIO MÁRIo DA SILVA PEREIRA. Presidente - Dentro do plano de trabalho do Instituto de Direito Público e Ciência Política, não poderíamos deixar de nos interessar pela reforma do Poder Judiciário, proposta pelo Governo ao Congresso Nacional. Fizemos aqui há algum tempo uma mesa-redonda, quase que com os mesmos participantes, sobre o tema, mas agora já existe o texto proposto pelo Governo. Colocando a questão em termos mais objetivos: o Congresso Nacional já está examinando a matéria. Existe uma comissão nomeada para dar parecer à proposta do Governo, cujo relator é o Senador Accioly Filho que estaria, segundo estou informado, preparando um substitutivo. De maneira que esta reunião de hoje - espero fazer uma outra talvez no próximo mês - se destina, precisamente, a examinar o problema objeti vamente. Vamos procurar fornecer dados, soluções e, eventualmente, alguma emenda à proposta do Governo. Assim, o nosso trabalho será objetivo, não com o sentido de discutir teses, mas de apresentar realmente sugestões que possam inspirar o Congresso no exame da reforma proposta pelo Governo. Tenho a respeito deste assunto - permitam-me falar de trabalhos meus antigos - algumas idéias muito resumidas, idéias que lancei há mais de 40 anos, em 1933, num livrinho que escrevi a respeito da organização judiciária proposta no anteprojeto da Constituição de 1934. Vou resumir as idéias fundamentais, que tinha proposto naquela época: "a) Lei Orgânica da Justiça Nacional, fixando normas para os estados organizarem a sua Justiça, bem como dificultando a modificação da divisão judiciária; b) Garantias asseguradas aos magistrados e membros do Minis tério Público Federal e Estaduais; c) Possibilidade de aumento do número de ministros do Supremo Tribunal Federal, mediante processo assegurador • Mesa-redonda realizada no dia 21 de dezembro de 1976. R. Cio pol., Rio de Janeiro, 21(2) :23·45 abr.ljun. 1978 da independência dos mesmos; d) Responsabilidade dos membros do Poder Judiciário; e) Criação do Tribunal de Reclamações (que foi o que se transformou em Tribunal de Recursos); f) Possibilidade de criação de hibunais e juízes especializados, abrindo caminho à magistratura do traba lho; g) Ação declaratória de inconstitucionalidade das leis; h) Responsa bilidade efetiva dos prepostos da União, dos estados e municípios, pelos atos lesivos do patrimônio público; i) Normas gerais de interpretação que fixem o caráter social da lei; j) Criação do mandato de garantias que dá ao Poder Judiciário o meio de assegurar o respeito aos direitos individuais lesados pelo Poder Público; k) Incompatibilidade de nomeação de funcio nários eletivos para o Poder Judiciário e a inelegibilidade dos membros deste; 1) Compulsória para os membros do Poder Judiciário; m) Gratui dade da Justiça para os pobres; n) Suspensão de juízes e impedimentos de parentes próximos para advogarem em causas a eles afetas." Isso foi escrito há 40 anos. Vemos que no projeto existem algumas idéias semelhantes a estas e outras já foram adotadas. Ao ser elaborada a Constituição da Guanabara, não sei se lembram, mas eu redigi o seguinte: "O Poder Judiciário do estado será exercido pelos seguintes órgãos: Tribunal de Justiça; Tribunal de Alçada; Conselho de Magistratura; Cor regedoria da Justiça; Outros tribunais criados por lei, quer dizer, permitia a criação de outros tribunais no próprio estado; Juízes e tribunais de primeira instância; Tribunal do Júri; Conselho de Assessoria Militar; e inte gração do Poder Judiciário a outros órgãos que a lei criar." O meu ponto de vista sempre foi esse: dar um pouco de elasticidade às disposições constitucionais, de maneira que fosse permitido ao estado estabelecer a estrutura judiciária mais conveniente a cada um, inclusive, se necessário, quebrando os padrões tradicionais de órgãos de julgamento. Estas, as idéias que sempre tive a respeito do assunto, sem falar, espe cialmente, na justiça de primeira instância, de preponderante interesse, e que cabe a cada estado organizar. A Lei Orgânica da Magistratura, a Lei Orgânica do Poder Judiciário é que poderia estabelecer esses padrões. Trouxe também aqui um documento que poucos conhecem, que está até esquecido. f: o anteprojeto da reforma da Justiça, com a organização judiciária da União e dos estados. Esse projeto foi feito em 1933 por uma comissão presidida pelo Ministro Bento Faria, constituída por Carlos Maximiliano, Cândido de Oliveira Filho, José de Miranda Valverde, Antô nio Pereira Braga e Otávio Kelly. f: um documento muito interessante, que vale a pena ser relido. f: um pouco minucioso, porque entra em detalhes mínimos de organização etc. A meu ver, é detalhado demais, mas talvez pudesse, em se tratando de lei orgânica, estabelecer a regula mentação do preceito constitucional na parte relativa ao estado, quer dizer, ampliando-se um pouco mais. Eram estas as palavras que inicialmente eu queria dizer, exprimindo o meu ponto de vista pessoal a respeito do assunto. Vou dar a palavra ao Prof. Armando Marinho, para que faça suas considerações. 24 R.C.P. 2178 Ar1'1U1JUlo de Oliveira Marinho - Sr. Presidente, Srs. Membros desta mesa redonda: o aprimoramento das instituições políticas e os meios para alcan çá-lo sempre foram a tônica dos estudos que desenvolvemos neste Instituto, sob a direção do Ministro Themistocles Cavalcanti. Assim, o Poder Judi ciário vem sendo objeto das nossas cogitações, sempre de forma isenta e com o único escopo de contribuir para o equacionamento da problemática, mercê do oferecimento às autoridades competentes de uma inestimável gama de sugestões e críticas, produzidas por homens ilustres como os presentes. O verdadeiro significado destas mesas-redondas é informar à opinião pública, através do diálogo comprometido apenas com a verdade científica, o exato conteúdo dos problemas institucionais, principalmente aos jovens advogados, professores, magistrados e estudantes, que herdarão o legado dos nossos atos. Assim, os debates deste Instituto sempre se caracterizaram por serem despojados de conotações emocionais ou vinculações a qualquer outro interesse que não seja o de contribuir, conforme já disse, para o aprimoramento institucional do País. No dia de hoje, nos voltamos para o estudo do Poder Judiciário. Cumpre ressaltar que, desde 1967, o nosso presidente, Ministro Themistocles Caval canti, vem orientando o estudo desse assunto, que então já nos preocupava. Naquele ano, realizamos, sob minha cGordeaação, duas mesas-redondas, com a participação, entre outros, dos Profs. Caio Mário Miguel Reale, do saudoso Levi Carneiro, Caio Tácito e Alcino de Paula Sal azar. Delas resultou uma conclusão, apresentada em forma de anteprojeto de reforma constitucional, que se limitava ao estudo e à estruturação da cúpula do Poder Judiciário. Naquela ocasião, inclusive, foi proposta a criação do Superior Tribunal Federal de Justiça, como uma maneira de se aliviar o trabalho do Supremo Tribunal Federal. Em 1974, novamente realizamos três mesas-redondas, das quais parti ciparam alguns dos juristas hoje aqui presentes. Naquela oportunidade, fizemos mais um trabalho de prospecção, fomos mais objetivos, analisamos o quadro da realidade conjuntural e apresentamos sugestões e linhas de ação aceitáveis ao consenso geral dos participantes. O resultado desses trabalhos foi remetido ao Supremo Tribunal Federal, como uma das inúme ras colaborações recebidas por aquela egrégia Corte de Justiça, para elaborar o documento conhecido como Diagnóstico do Poder Judiciário, que serviu de base à elaboração do projeto de emenda constitucional da Reforma do Poder Judiciário, que tanta celeuma vem causando, debatido por doutose jejunos e, principalmente, de forma sensacionalista, sem nenhum sentido construtivo - nem sempre, é bem verdade, segundo se depreende - de quase tudo que nos chegou ao conhecimento em maténa de debate. Hoje, a nossa incumbência é examinar alguns aspectos, que eu diria genéricos, do texto do projeto. Isto depreende-se do questionário a nós distribuído. Vamos procurar, certamente, fazer uma avaliação qualitativa ãos seus aspectos técnicos, jurídicos, institucionais e operacionais. Dizer se o texto correspondeu à expectativa geral, quanto ao fornecimento de uma Reforma do Judiciário 2S instrumentalidade capaz de melhorar a prestação jurisdicional que é, real mente, a nossa preocupação. Este, evidentemente, o ponto nevrálgico do problema. Sabemos todos nós não ser possível alcançá-lo sem uma reforma ampla e profunda, capaz de, conservando o bom, corrigir os defeitos e as distorções. Dentro desta ordem de considerações, tenho para mim que a reforma do Poder Judiciário deva ser cogitada em três planos: 19 ) Plano institu cional, qual seja a modificação, por alteração, supressão ou inovação dos preceitos constitucionais regulamentadores e conceituadores do Poder Judiciário. 29 ) Plano estrutural ou orgânico, qual seja o de se tracejar uma e!>trutura e uma organização eficientes, que inovem e modernizem, rompam com o tradicionalismo imobilista e se ajustem à realidade nacional com vistas ao futuro. 39 ) Plano operacional ou material, qual seja a cogitação das atividades-meio, sem as quais não se alcançam as atividades-fim, in casu, a boa prestação jurisdicional. São esses três pontos que considero fundamental serem cogitados e equa cionados para termos uma reforma do Poder Judiciário que possa, real mente, ser chamada de reforma. De momento, cabe-nos apenas examinar e debater o plano institucional da questão, porquanto temos somente o texto do anteprojeto de reforma constitucional. Doze foram as indagações propostas pelo presidente desta reunião. Examiná-las todas, desafio tentador, seria ocupar muito tempo e me ver privado de ouvir e de aprender com os ilustres participantes. Por conse guinte, limitar-me-ei a abordar os pontos mais significativos do projeto, segundo o meu entendimento, dentro das indagações formuladas. À primeira indagação, "Qual a sua impressão sobre o projeto de refor ma?", respondo: Sob o ponto de vista técnico-legislativo, considero que o projeto está bem lançado. Talvez sejam necessários alguns retoques em sua redação. O meu conteúdo é amplo e contém modificações substanciais. Engloba ic'éias novas, mas já reivindicadas em debates, relatórios, entrevistas, conferências etc. Não é ele, portanto, fruto de elaboração que se tenha produzido dentro de um universo fechado, aproveitando apenas as idéias de seus fautores. Na verdade a sua elaboração foi precedida de estudos preliminares colhi aos urbi et orbi, levado em consideração o pensamento de juristas antigos como Clóvis Bevilacqua, João Mangabeira, o próprio Amaro Cavalcanti, Rui Barbosa e o nosso Ministro Themistocles Cavalcanti, que acaba de ler um trabalho elaborado em 1933 e que, na realidade, enfeixa toda essa proble mática que estamos examinando. Considero um projeto corajoso, inovador e realista, que procura lançar bases para soluções que ultrapassam os paliativos. :É claro que, no afã de todos em colaborar no equacionamento do problema, surgiram inúmeras e válidas sugestões. Nem todas puderam ser aproveitadas, daí as opções que tIveram de ser tomadas. 26 R.C.P. 2/78 A segunda indagação, "O que pensa de uma lei orgânica da justiça?", respondo: Nada há nos domínios da teoria que exclua de uma Constituição Federal, por incompatível com a Federação, o princípio da unidade do direito e da justiça. Isso já afirmava Amaro Cavalcanti, socorrendo-se do pensamento de José Rigino, para quem a "Federação pode apresentar os mais diversos graus de concentração política e fins internos de comunhão". Rui Barbosa, na campanha civilista, sustentou a unidade da magistratura dentro da Federação. Clóvis Bevilacqua era de opinião que a Federação "não exige para os estados competência para legislar sobre a organização da magistratura". Não vejo como possa a idéia ferir a autonomia dos estados, senão através de uma ótica distorcida. Este assunto foi amplamente debatido entre nós; em 1974, o Or. Severo da Costa nos brindou com uma proposição, ao que parece encampada pelo projeto, que eu me permitirei ler agora aqui, a fim de relembrá-Ia a todos. "Toma-se necessário um diploma legal que consolide todas as normas básicas estruturais do nosso Judiciário, em outras palavras, que seja a sua espinha dorsal. Dela constariam os princípios fundamentais, não só de ordem estrutural, como de seleção, disciplina ética, sanção etc. O princípio federativo seria, evidentemente, respeitado, observadas, todavia, as normas de um estatuto orgânico racional." Já tivemos, a respeito, o chamado projeto do Ministro Bento de Faria. Essa opinião, já trazida à colação dos debates em reunião anterior, eu encampo integralmente. Acho viável e, mais que isso, necessária uma lei orgânica, desde que não avance a ponto de destruir os princípios da auto organização dos estados. E creio ser perfeitamente conciliável a lei orgâ nica da magistratura com o princípio de autonomia dos estados. Pelo que se depreende do projeto, a matéria não foi tratada de forma radical, como trataram os publicistas citados, porque, segundo depreendi da rápida leitura que fiz das obras que citei, havia até uma certa posição radical, por parte de Amaro Cavalcanti, José Rigino e outros, no sentido da unidade da Justiça. :E: aquela velha polêmica, unidade versus dualidade. Parece-me que o projeto pretende chegar a um meio-termo. Daí eu ter a impressão de que o mesmo propicia a possibilidade de ficarmos numa posição equidistante entre a unidade e a dualidade da Justiça. Quanto à indagação sobre os Tribunais de Alçada, vou responder sucin tamente, se bem que o tema seja merecedor de longas observações. Pessoalmente, sou partidário dos Tribunais de Alçada. Vi sua criação com grande entusiasmo. Tenho acompanhado, por mister de minha posição funcional, o que é o trabalho dos Tribunais de Alçada e os relevantes serviços que prestam à Justiça, veículos que são do aceleramento da prestação jurisdicional. Acredito que extintos os Tribunais de Alçada, tout court, provocar-se-ia um tremendo caos em nossos já tão congestio nados Tribunais de Justiça. Seria mesmo um retrocesso. Estes órgãos, como disse, vêm prestando inestimáveis serviços e contribuindo, na medida em Reforma do ludiciário 27 que lhes permite a infra-estrutura, para a rapidez da prestação jurisdicional. As distorções que existirem e que justificariam até certo ponto sua extinção seriam facilmente corrigíveis mercê da própria Lei Orgânica. Os Tribunais de Alçada poderiam ser especializados: Tribunal Cível, Criminal, Adminis trativo etc., eliminando-se as distorções de excessiva autonomia, de admi nistração própria, de desuniformidade operacional. No entanto, a opção de extingui-los seria válida à medida que os Tri bunais de Justiça pudessem absorver todos os integrantes e toda a compe tência do Tribunal de Alçada e exercer eficientemente as funções que esses tribunais executam. Aí, lança-se desafio à criatividade dos legisladores, para, ao extinguirem os Tribunais de Alçada, criarem órgãos capazes de suprir suas atividades. Parece, ao que tudo indica, que nos vamos socorrer de modelos estrangeiros: o tribunal da Alemanha e o tribunal da Itália. Mas será que poderemos novamente lidar com realidades estranhas à nossa? Por que não resolvemos os nossos problemas dentro da nossa própria realidade? Portanto, em princípio, sou favorável à permanência dos Tribunais de Alçada e me permito discordar do texto do projeto propondo a sua extin ção, desde que regulada a sua competência etc., na Lei Orgânica. A indagaçãoseguinte é relativa à criação do Conselho Nacional da Magistratura. O assunto foi igualmente ventilado por nós em 74. O Prof. Chermont de Miranda apresentou proposição concreta. O projeto cogita do Conselho da Magistratura de outra forma, com outro enfoque, com outro espírito. Na ocasião, o referido professor nos sugeriu o seguinte: para supervisão dos problemas gerais da administração, interessando a todos os órgãos da Justiça Federal, com exclusão, apenas, do Supremo Tribunal Federal, seria criado o Conselho Superior da Magistratura, presi dido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e integrado pelos pre sidentes de todos os tribunais federais e de um representante de cada um desses tribunais escolhidos por eleição entre seus pares. A este Conselho Superior da Magistratura caberia a iniciativa dos projetos de lei a serem encaminhados ao Poder Legislativo, tendo por objeto o estudo, planeja mento, eventual execução dos serviços de interesse comum aos órgãos do Poder Judiciário federal, particularmente no tocante à utilização dos recur sos tecnológicos, tais como serviços de computação, comunicação, publici dade, mecanização, proposta orçamentária relativa a toda a Justiça federal, excluindo o Supremo Tribunal Federal, regulamentação por lei comple mentar do capítulo da Constituição relativo às normas gerais quanto à organização da Justiça estadual. Então, o Conselho da Magistratura idea lizado pelo Pro f. Chermont e debatido aqui parece-me ter um sentido muito mais amplo, mais profundo, mais orgânico, muito mais eficiente do que o apresentado no projeto, que nos dá, à primeira vista, a impressão de ser um simples órgão de correição, exercitador do poder de polícia. Talvez a Lei Orgânica possa dar outro enfoque a este Conselho, mas a leitura do projeto, a impressão que nos dá, à primeira vista, é de que seria um órgão meramente disciplinador e de correição, quando o Conselho da Magistratura se toma também necessário por outros motivos. 28 R.C.P. 2/78 o Prof. Alcino Salazar tem uma página notável em seu livro, que consi dero antológico, sobre o Conselho da Magistratura; é a página 245, onde se lê: "Ponto fundamental da reforma a ser empreendida, já ressaltada, é o da instituição de um órgão de cúpula com atribuições de ordem admi nistrativa e poder disciplinar dominante." Então, não é só o poder disci plinar, é igualmente a função administrativa. Olavo Tostes Filho - Ele defendia a unidade da Justiça. Armando de Oliveira Marinho - Ele é partidário da unidade da Justiça, como podemos observar: "Sua finalidade essencial será, a um tempo, a de exercer supervisão do funcionamento de todos os órgãos titulares e agentes da área do Poder Judiciário, de sorte a preservar sua unidade orgânica e de exercer o pleno comando hierárquico quanto aos deveres e responsabilidades funcionais de todos." Eu me permiti ler o texto porque se trata de um autor moderno, que nos traz à colação o velho debate entre unidade e dualidade da Justiça. Sr. Presidente, em linhas gerais, são estas as palavras e idéias que trago à consideração da mesa. Certamente, os demais componentes irão desen volver com maior brilho e mais eficiência os debates. Presidente - Vai usar da palavra o Ministro Oswaldo Trigueiro. Oswaldo Trigueiro - Há poucos dias um jornal de Brasília publicou matéria destacada, na qual me apresentava como contrário à reforma judi ciária ou, pelo menos, como pessimista quanto aos seus resultados. Essa publicação não é infiel ao meu pensamento, expresso em conferência inserta no volume Problemas do governo democrático, de minha autoria. Nesse trabalho, em que analisei, entre outros temas, algumas sugestões sobre a reforma da Justiça, assim concluí: "Estas sugestões, todas oriundas de órgãos de indiscutível autoridade apresentam, como sempre ocorre, vantagens evidentes, ao lado de incon venientes inevitáveis. O que à primeira vista se pode dizer de todas elas é que visam apenas a encontrar solução para o acúmulo de feitos nos Tribunais Superiores, onde é comum que uma causa aguarde julgamento por mais de 10 anos. Para esse objetivo limitado, qualquer das fórmulas em referência será eficaz, porém esta eficácia será dentro de pouco tempo anulada pelo crescimento vegetativo do movimento forense. A mera expansão do aparelhamento judiciário atenderá a esse objetivo imediato, mas não representará uma verdadeira reforma, de alto a baixo, no serviço da Justiça, para tomá-lo menos rotineiro, mais dinâmico, e em condições de ajustar-se às condições sociais de nosso tempo. O problema da Justiça não se resolverá apenas com a instalação de novas comarcas e a criação de mais um ou dois tribunais. Estas providências, se bem que adequadas para atenderem à expansão do movimento forense, não terão o alcance de modificar a Justiça, em seus métodos lentos e antiquados, e prepará-la para a época da navegação espacial. Talvez já seja oportuno dar-se à Justiça comum - para a composição dos pequenos litígios - o caráter de Justiça de conciliação, que dispen- Reforma do ludiciário 29 sasse o processo escrito, que se arrasta interminavelmente por várias instâncias. Para tanto, poderíamos adaptar às nossas condições o exemplo americano, no que diz respeito à institucionalização do judiciário menor, que funciona nas grandes metrópoles, através de órgãos especializados para c- julgamento sumário das contravenções e processamento das demandas de pequeno valor, que não podem suportar os ônus da processualística ordinária. Se persistirmos em manter inalterado o sistema vigente, dentro de pouco tempo o acesso à Justiça somente será permitido aos ricos e às empresas em condições de manter serviço jurídico de caráter permanente. Além do mais, parece pouco racional que o juízo que processa a falência da Panair e julga o litígio da Manesmann seja o mesmo que deva processar e julgar o despejo de um barraco ou executar a cobrança de uma conta de botequim. Como de início assinalei, no campo judiciário é ainda mais escassa a imaginação para reformas ousadas e profundas. Os meios forenses são conservadores por índole, mantendo inexplicável fidelidade a práticas e concepções que remontam às Ordenações do Reino. No Brasil, como em numerosos países, a administração da Justiça reclama larga modernização na mentalidade, na estrutura, na forma de recrutamento dos juízes, nos métodos de operação, na revisão de privilé gios obsoletos. A necessidade de uma reforma dessa natureza certamente paira acima de toda controvérsia. Mas essa reforma é tão urgente quanto improvável, porque o Poder Judiciário é o mais imutável dos poderes, o mais resistente às transformações políticas, ainda quando revolucionárias." Se nestas palavras se pode enxergar uma crítica à reforma judiciária, terá sido uma crítica avant la lettre, porque elas foram escritas há 11 anos. Só por inadvertência elas poderiam ser interpretadas como crítica à proposta de reforma constitucional ora em tramitação no Congresso. A respeito desta estou me manifestando, nesta mesa-redonda, pela primeira vez. Em linhas gerais, estou de acordo com o Dr. Armando Marinho, na excelente exposição que acaba de fazer. A reforma da Justiça, sem dúvida, ~ necessária, imprescindível mesmo, e o Governo mostra-se disposto a realizá-la e sua intenção, declaradamente, é a de realizá-la em extensão e em profundidade tais que possam dar ao problema uma solução consen tânea com o desenvolvimento, o progresso e as necessidades do País. Mas, nestes dois anos de pesquisas, de dignósticos, de sugestões de toda sorte, criou-se uma expectativa que os fatos dificilmente confirmarão. Em geral, os legisladores são inclinados a acreditar como que no poder mágico dos textos legais. Quando se elabora uma lei, primorosa em sua redação e em sua inspiração doutrinária, sempre se espera que, no dia seguinte, tudo mude para melhor. Receio que muita gente esteja conven cida de que, aprovada a reforma constitucionaldo Poder Judiciário, desa parecerão, do dia para a noite, os defeitos mais graves que afetam o funcio namento da Justiça. Precisamos estar prevenidos contra essa ilusão. Mas isso não é argumento contra a reforma, que deve ser feita, e que vai ser feita, a despeito de sua complexidade e do caráter naturalmente polêmico 30 R.C.P. 2/78 de muitas das soluções adotadas no protejo que o presidente da República encaminhou ao Congresso Nacional. Nos últimos 12 anos o Poder Judiciário já sofreu três ou quatro modifi cações. Isso mostra que a Revolução quer reformar a Justiça, mas ainda não acertou com os meios de fazê-lo eficiente e satisfatoriamente. Tenho a impressão de que, como ocorreu nas vezes anteriores, a reforma se preocupa sobretudo com a cúpula do Poder Judiciário, mais precisamente com a cúpula judiciária federal. Ora, a meu ver, a cúpula não é o que funciona pior na Justiça do País. Nos últimos 12 anos os tribunais federais têm funcionado razoavelmente bem. As estatísticas demonstram que os tribunais federais, já todos transferidos para a nova capital, estão com o seu serviço mais ou menos em dia. O Supremo Tribunal vem julgando, em média, oito mil processos por ano, quer dizer, julga pelo menos 20 vezes mais que a Corte Suprema dos Estados Unidos. O Tribunal Federal de Recursos julga outro tanto. Nos outros tribunais a produtividade é a mesma. O retardamento de alguns processos, por vários anos, resulta de fatores que não podem ser atribuídos ao sistema, e para cuja correção a reforma não sugeriu método eficaz. Nos grandes estados, a começar por São Paulo, as estatísticas se expressam em números impressionantes: jul gam-se todos os anos dezenas de milhares de causas, o que é indicativo do desenvolvimento econômico e cultural do País. Então, não é nos tribunais que estão os defeitos maiores da Justiça. Estes, a meu ver, se concentram, na primeira instância, na Justiça que está em contato direto com o povo, na Justiça das pequenas causas, na Justiça das comarcas remotas. Essa é que funciona realmente mal, a Justiça cara, complicada, inacessível e que tanto contribui para a descrença popular em nossas instituições. Dessa Justiça todos querem fugir e a ela só se recorre quando não se encontram meios e modos de composição dos pequenos litígios. Presidente - Esta é exatamente a questão ventilada no item 5, quer dizer, nos dispositivos constitucionais que podem influir na organização judiciária dos estados. A meu ver, este é um ponto muito importante, que pediria a ampliação do preceito constitucional, para estabelecer outras normas ou abrir caminho para outras normas. Armando de Oliveira Marinho - Se bem que o projeto parece remeter tudo isso à Lei Orgânica. Oswaldo Trigueiro - O problema da eficiência da Justiça de primeiro grau, evidentemente, não se resolverá apenas com o encarte de um ou dois novos dispositivos no texto da Constituição. Ele pressupõe, em cada estado, uma boa organização judiciária. Mas basicamente ela está vinculada às condições políticas, econômicas e sociais de cada região do País. Por isso mesmo, faço minhas ressalvas à idéia da Lei Orgânica da Magistratura Na cional, que é pelo menos heterodoxa, num regime federativo, em que de vem conviver, independentemente, a Justiça da União e a Justiça dos estados. Reforma do Judiciário 31 Nominalmente, o Brasil ainda é uma República federal. E a Constituição atual ainda consagra o princípio de que o poder constituinte derivado não pode abolir a federação. Mas a realidade política visivelmente marcha em outro sentido. Também da federação se poderá dizer que é palavra que alguns ainda trazem nos lábios, mas poucos a trazem no coração. O regime federativo pressupõe, antes de tudo, que os estados-membros tenham capa cidade de auto-organização e de autogovemo. Sob qualquer desses aspectos, a margem de autonomia dos estados vem sendo progressivamente reduzida. Para isso, sem dúvida, a reforma em tramitação contribuirá de maneira pon derável. Será um bem, será um mal? Será um fato inelutável, que levará a uma cada vez mais acentuada uniformização da Justiça, num País tão dessemelhante como o nosso. Penso que o molde federal rígido dificultará o atendimento às peculiaridades locais, extremamente diferenciadas. A Justiça da região metropolitana de São Paulo ou do Rio de Janeiro tem mais afinidades com a de Nova Iorque ou de Paris do que com a da Amazônia rural. Presidente - Mas não vai nivelar necessariamente, vai abrir perspectivas. Oswaldo Trigueiro - Outra medida de tendência centralizadora é a insti tuição do Conselho Nacional da Magistratura, ao qual se atribuirá a competência expressa de conhecer de reclamações contra juízes e membros de tribunais, e de determinar-lhes a disponibilidade ou a aposentadoria com vencimentos proporcionais. Pelo direito vigente, essas penalidades podem ser aplicadas pelos Tribunais Superiores, mas mediante escrutínio secreto {: pelo voto de dois terços dos juízes efetivos, o que é dificílimo de conse guir-se. Mas se isso puder ser feito mediante processo administrativo, pelo voto da maioria dos Conselhos de Magistratura estaduais, já não haverá razão para que essa tarefa seja atribuída a um Conselho Nacional. Se a Constituição der aos Conselhos Estaduais a competência que se pretende dar ao Conselho Nacional da Magistratura, acredito que os maus juízes serão afastados da carreira. Penso mesmo que o Conselho Estadual julgará melhor, porque conhece melhor as pessoas e os fatos e tem mais facilidade de apreciar as provas e de sentir a repercussão social das decisões que tomar. Em Brasília será bem mais difícil julgar acertada e prontamente todas as acusações levantadas contra os membros das Justiças estaduais. Depois, a instituição do Conselho Nacional da Magistratura, nos termos em que foi proposta, pode agravar as condições de funcionamento do SL.premo Tribunal, outro aspecto da reforma que pede o máximo de ponderação. Com apenas 11 ministros, e sem substitutos, o Supremo Tribunal está julgando anualmente cerca de oito mil processos. O projeto de reforma não amplia o Supremo Tribunal, nem lhe reduz a competência. Ao contrá rio, aumenta-lhe as atribuições, de tal sorte que, dentro de alguns anos, o número de processos poderá ser multiplicado por dois ou por três. Pode-se dizer mesmo que a reforma imporá a todos os ministros do Supremo Tribunal os encargos de um segundo emprego. O presidente será 32 R.C.P. 2/78 o órgão homologador das sentenças estrangeiras. Três ministros, obrigatoria mente, já integram o Tribunal Superior Eleitoral. Os outros sete irão compor o Conselho Nacional da Magistratura, que terá de julgar toda e qualquer reclamação, acusação ou queixa, que se faça a qualquer dos três mil juízes existentes do país e que dentro de pouco tempo serão quatro ou cinco mil. O Conselho Nacional da Magistratura - que será uma espécie de tribunal especial ou, pelo menos, uma turma de caráter permanente - terá que processar e julgar todas essas reclamações. f: certo que essas reclamações, ao que se pretende, serão encaminhadas pelo procurador geral da República. Mas este não poderá decidir liminarmente se a reclamação é irrelevante, nem poderá deixar, mesmo para fins de arquiva mento, de levar o caso à apreciação do Conselho. Não é só essa inovação que vai multiplicar a tarefa do Supremo Tribunal. A reforma o distingue ainda com o encargo de conhecer das avocatórias e de julgar as representações para efeito de interpretação de qualquer lei ou ato normativo, federal ou estadual. Ao elenco da competência orginária do Supremo Tribunal a reforma acrescenta a de avocar as causas processadas em qualquer juízo ou tribunal, a pedido do procurador-geral da República, quando decorrer imediato perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas, com o que se devolverá ao Supremo Tribunal o conhecimento integral da lide. Isso significa que qualquer decisãocontrária à Fazenda federal, esta dual ou municipal, bem como a qualquer autarquia, empresa pública ou sociedade de economia mista, poderá ser imediatamente submetida à revisão da instância suprema, com supressão dos recursos ordinários tradicionais. Não quero discutir o mérito dessa inovação, para cingir-me ao aspecto prático. Daí esta indagação: o Supremo Tribunal estará em condições de atender satisfatoriamente a mais essa pesada tarefa? Atualmente, cabe ao Supremo Tribunal, mediante ação direta da Pro curadoria Geral da República, julgar as argüições de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. Pela reforma, essa compe tência se ampliará desmesuradamente, para referir-se não apenas às ques tões de constitucionalidade, mas às de simples interpretação de lei ou ato normativo, federal ou estadual. Dessa forma, o Supremo Tribunal ficará incumbido de suprir as deficiências de todas as consultorias jurídicas da União e dos estados. Presidente - Essa competência de julgar a inconstitucionalidade já está na Constituição atual. Oswaldo Trigueiro - Mas agora se cogita de estendê-la à mera interpre tação de lei ou ato normativo. Sem dúvida seria ideal que, de início, as leis e atos normativos ficassem escoimados de todas as dúvidas de interpretação. Mas isso é impossível e, de resto, não é tarefa de que o Supremo Tribunal possa desincumbir-se de maneira eficiente e satisfatória. Ainda que a inova ção seja aceitável do ponto de vista doutrinário, é fora de dúvida que esse novo encargo sobrecarrega o Supremo Tribunal de maneira esmagadora. Reforma do Judiciário 33 Por outro lado, parece destoante da dignidade do Supremo Tribunal que ele seja a toda hora solicitado para interpretar um decreto sobre mordomia estadual, ou uma portaria de delegado de trânsito. A extinção dos Tribunais de Alçada parece ser o ponto da reforma que está encontrando maior resistência nos meios forenses. Reconheço que a proposta se apóia em boas razões doutrinárias. Mas a idéia é centrali zadora, no sentido de que a segunda instância estadual seja comprimida num tribunal único. Receio, contudo, que os fatos - quero dizer, o desenvolvimento do País, com o conseqüente crescimento do movimento judiciário - nos conduzam na direção oposta, ou seja, a uma inelutável e progressiva descentralização. As proporções continentais do Brasil e as características do regime federativo não nos permitem considerar os estados brasileiros como equiva lentes às províncias dos países unitários. Sobretudo, se considerarmos a posição dos chamados grandes estados - São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul. Em termos demográficos São Paulo equivale à Bélgica e à Holanda reunidas, é quase igual à Argentina e, dentro de 10 ou 15 anos, deverá ter a população da Espanha de hoje. Ora, ninguém concebe, em qualquer desses países, que toda a segunda instância da justiça ordi nária esteja reunida em um só tribunal, com sede na capital do país. Em todos eles a organização judiciária prevê a divisão do país em províncias judiciárias, com as suas cortes de segundo grau. Mais cedo ou mais tarde, isso terá de ocorrer no Brasil, com a instituição de Tribunais de Apelação em Santos, Ribeirão Preto, Londrina, Pelotas ou em Caxias do Sul. Será esse o meio de evitar-se o crescimento desmesurado dos tribunais únicos nas capitais dos estados. Quantos Tribunais de Alçada há em São Paulo? Severo da Costa - Três, com uma média de 26 juízes. Olavo Tostes Filho - São ao todo 140 juízes, somando-se os dos Tribunais de Alçada e os do de Justiça. Oswaldo Trigueiro - Quer dizer que a unificação, de início, estabelecerá, em São Paulo, um tribunal com 140 desembargadores. Se considerarmos que São Paulo não vai parar, não será exagero prever-se que dentro de 20 anos o seu tribunal terá 250 ou 300 juízes. Por isso penso que a unifica ção, que se fizer agora, não estará fadada a grande futuro. Mesmo que desapareça a autonomia federativa, não há como impedir-se a descentra lização, por forma que atenta às peculiaridades regionais do País. Para concluir, direi que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, eviden temente, não será um malefício. Não sei se ela será essencial para o aprimoramento da Justiça, mas devemos esperar que contribua para isso. Quanto à extinção dos Tribunais de Alçada, será preciso aguardar a prova do tempo. Penso, porém, que a realidade do País evoluirá no sentido da crescente especialização e descentralização da Justiça de segundo grau. Em linhas gerais, a reforma está bem delineada e poderá alcançar, em grande parte, os seus objetivos. Como é natural, ela propõe medidas que não suscitam objeções e contém inovações polêmicas, sobre as quais não é possível estabelecer-se um consenso tranqüilo. Quanto a alguns desses 34 R.C.P. 2178 pontos, é de esperar-se que a tramitação parlamentar permita alguns corre tivos indispensáveis. Caio Mário da Silva Pereira - Já tenho participado com muito prazer de mesas-redondas anteriores, mantidas na Fundação Getulio Vargas e, pelas minhas condições atuais de presidente da Ordem dos Advogados, tenho sido solicitado freqüentemente a me pronunciar a respeito da reforma do Poder Judiciário. Ao contrário do que ocorre com o Ministro Oswaldo Tri gueiro, que disse que pela primeira vez se pronuncia sobre a reforma, eu o tenho feito numerosas vezes e agora, a bem dizer, o que posso trazer para os companheiros desta mesa-redonda é, um pouco resumidamente, aquilo que, já em mais de uma oportunidade, tive ensejo de falar. Em primeiro lugar, a indagação básica do questionário submetido aos membros desta mesa diz respeito a uma espécie de juízo de valor, em termos genéricos, sobre o projeto da reforma. Eu considero que esse pro jeto de reforma - lamento dizê-lo - não satisfaz às expectativas de todos quantos têm cuidado, cogitado e pensado nesse assunto. Primeiramente, entendo - e aí estou inteiramente de acordo com o Ministro Oswaldo Trigueiro - que o projeto, tal como foi apresentado, cuidou de alguns aspectos particulares da reforma sem cogitar daquilo que é fundamental, que é a modificação de uma consciência judicante no País. Ainda vivemos aquele mesmo sentido de uma Justiça quinhentista. Na verdade, todos nós que trabalhamos na Justiça, seja advogando, seja julgando, sentimos que o que está em vigor é o Livro lU das Ordenações do Reino. Pouca modifi cação estrutural existe. Quando participei, anteriormente, de um estudo sobre a reforma na Fundação Getulio Vargas, tive ensejo de me referir a alguns aspectos básicos que considerava necessários à sua plena efetivação. Especialmente no que diz respeito à minha opinião pessoal, entendo não ser possível imaginarmos uma reforma do Poder Judiciário sem o resta belecimento das prerrogativas da magistratura. Não é possível o juiz ter que considerar o ato judicante, todas as vezes que profere uma decisão, especialmente quando envolvido o interesse público como um "ato de heroísmo" . As prerrogativas constitucionais da magistratura são essenciais. Tenho ouvido e lido mui freqüentemente que os juízes continuam julgando, inde prendentemente do eclipse dessas prerrogativas. O problema não é esse. O problema não é saber se os juízes julgam bem, independentemente de las. O que é necessário é que essas prerrogativas sejam restabelecidas, porque elas são a estrutura do Poder Judiciário no Brasil. Elas foram oferecidas aos juízes em condições superiores às que ocorreram nos Es tados Unidos, com a magistratura americana, talvez porque as nossas con dições sociais, como as nossas condições políticas, tenham tomado essas exigências muito mais prementes do que naquele país. Então, a meu ver, o ponto principal, o ponto de partida para essa refor ma, seria o restabelecimento das prerrogativas da magistratura. Por outro lado, vejo na reforma que os instrumentos fundamentais de defesa das garantias individuais acham-se mutilados. O mandado de segu-Reforma do ludiciário 35 rança e especialmente o habeas-corpus não readquiriram nessa reforma aquela plenitude que todos nós consideramos indispensáveis para a defesa dos direitos e das liberdades individuais. Este também, entendo, é um dos aspectos fundamentais numa reforma do Poder Judiciário. Somente podemos considerar que a Justiça realmente se transformou, que a Justiça realmente se modificou, no momento em que nós sentirmos que aqueles instrumentos fundamentais para defesa dos direitos e das garantias indivi duais readquiriram aqueles poderes que no passado existiram, aqueles poderes que já representaram entre nós. Com relação à Lei Orgânica entendo que é necessana, porque uma Constituição não pode descer ao casuísmo de prever todas as hipóteses e situações concretas. Somente uma Lei Orgânica poderá fazê-lo, não com o sentido de estabelecer uma uniformidade, uma unidade de Justiça para todo o País, mas no de estabelecer as linhas gerais, estruturais, de tal modo que os estados tivessem uma espécie de ordenamento básico para a organização da sua Justiça. Tenho viajado muito pelo País inteiro e tenho verificado, na minha curiosidade a respeito do que ocorre em todos os estados, que há princípios que são deformados, e que uma Lei Orgânica poderia normalizar, de tal modo que a organização interna da Justiça estadual não desobedecesse àquilo que fosse de interesse nacional. Então, a meu ver, considero uma necessidade preservar o pouco que resta da federação no Brasil. Entendo que nós devemos sustentar a neces sidade de preservá-la, não aquela federação utópica da Constituição de 1891, mas uma federação que atenda às realidades contemporâneas. Assim, uma Lei Orgânica da Magistratura haveria que atender a esses dois aspectos fundamentais: estabeleceria apenas linhas gerais, as linhas básicas, que permitissem aos estados organizarem a sua Justiça, já então obedecendo ao princípio da autonomia e da organização federativa. Ela teria que conciliar esses dois aspectos, resumidos nesses dois conceitos: atender às peculiaridades locais sem prejuízo da organização federativa. Também uma indagação básica, e sobre a qual tem sido polemizada a reforma do Poder Judiciário, é no tocante à criação do Conselho Nacional da Magistratura. Entendo que a criação desse conselho será de grande utilidade, não no sentido de se lhe reconhecer competência para julgar as reclamações que a ele fossem dirigidas de todo o País. Ele teria, sim, uma competência recursal. É necessário que seja nesse sentido. A experiência nos mostra que os Conselhos de Magistratura estaduais, como as Corre gedorias de Justiça estaduais são influenciadas pelo esprit-de-corps, pelo ~ubjetivismo dos companheiros. Considero então que um Conselho Nacional de Magistratura deveria exercer talvez uma função preventiva, muito mais do que uma função corretiva. No momento em que os conselhos estaduais tivessem que apre ciar uma dessas hipóteses, lembradas pelo Ministro Oswaldo Trigueiro, de um juiz que se desvia da boa conduta e é absolvido por simpatia ou por coleguismo, esse órgão julgador se lembraria da existência daquele 36 R.C.P. 2/78 superconselho, que seria o Conselho Nacional da Magistratura, e pensaria duas vezes. Quer dizer, ele terá a convicção de que o seu julgamento, pelo fato de existir uma instância superior revisional, será um julgamento que dele exigirá muito mais do que atualmente ocorre. Por tudo isso, entendo que o Conselho Nacional da Magistratura exer cerá uma função muito mais preventiva que corretiva. Aí vem então aquela sugestão do Prof. Marinho, quando diz que o problema é de organização. Sob este aspecto, convém de logo prevenir contra a sobrecarga a ser evitada, e que tanto nos preocupa a todos. Não deverá recrutar sete minis tros do Supremo Tribunal Federal para neles descarregar as suas tarefas. Deverá ser cuidadosamente estruturado, e nós estamos aqui exatamente para apresentar algumas sugestões visando aprimorar o projeto. Então esse Conselho, com uma competência definida especificamente, com caráter recursal, poderá preencher as falhas dos Conselhos Estaduais de Magis tratura, que sabemos serem deficientes. Quanto ao problema do Tribunal de Alçada - parece que neste ponto todos estamos de acordo - já me manifestei inúmeras vezes sobre o assunto. O Tribunal de Alçada, em todas as capitais onde existe, tem funcionado satisfatoriamente. Não posso compreender como, ao se reformar o Poder Judiciário no Brasil, se vá precisamente extinguir aquilo que funciona bem e se procure manter o que se tem revelado insatisfatório. O gigantismo dos tribunais é uma ameaça que está assustando a todos nós, como disse o Desembargador Olavo Tostes. O crescimento vegetativo dos processos em todos os estados faz com que as perspectivas de massificação da Justiça dos estados sejam quase aterradoras. Agora, se os Tribunais de Alçada conseguiram até agora, como têm conseguido, uma diversificação de processos, o que devemos fazer é exatamente o oposto do que se projetou. Cumpre não extinguir os Tribunais de Alçada, marchando para a especialização. Aumentar mesmo o seu número, onde necessário, aperfei çoando-os com a especialização. Seria um Tribunal de Alçada para julga mento de feitos administrativos; outro para julgamento de feitos criminais etc. Aliás, esta é a tese que já sustentei em outra oportunidade em que participei de reunião aqui na Fundação: a preocupação da especialização da Justiça. Não podemos compreender que todos os juízes façam uma espécie de clínica geral, e sejam homens que sabem todos os assuntos, que conheçam profundamente todas as matérias. A tendência do mundo moderno é preci samente esta. Especializar para melhor produzir. Olavo Tostes Filho - Os juízes do Tribunal Federal de Recursos, por exemplo, hoje têm que saber tudo sobre direito penal, direito do trabalho, administrativo etc. Caio Mário da Silva Pereira - Isto é absurdo. Em resumo, entendo que a manutenção do Tribunal de Alçada é uma necessidade. E a referência ao Tribunal Federal de Recursos leva-me a um outro ponto, sobre o qual me tenho manifestado e, agora, aproveito a oportunidade do aparte do Desem- bargador Tostes para abordar. A reforma supõe a melhoria do Tribunal Reforma do ludicidrio 37 Federal de Recursos, com a criação de maior número de juízes, elevando-os a 27. Sabemos que o Tribunal Federal de Recursos vive assoberbado com uma massa enorme de julgados. E o fato de se aumentar o número de juízes significa a mesma coisa que criar novos tribunais? A meu ver não. De um lado, as câmaras irão funcionar numa dispersão tão grande, que perderão o sentido de unidade. De outro lado, a infra-estrutura do Tribunal Federal de Recursos não comporta a multiplicação do número de juízes. Se já nos causa apreensão aumentar o número de juízes hoje, daqui a alguns anos, numa previsível reforma futura ( 10 anos, por exemplo), teremos que, provavelmente, duplicar o Tribunal Federal de Recursos. Muito mais racional - e é o que tenho sempre sustentado - seria cumprir o que a Constituição desde 1946 vem estabelecendo, com a criação de novos Tribunais de Recursos. Isso, então, daria essa flexibilidade, sem que uma infra-estrutura ficasse agigantada, e sem condições de funcionar. Basta vermos que a publicação de um acórdão do Tribunal Federal de Recursos pode levar dois anos, o que é um desprestígio para a Justiça e um mal para os jurisdicionados. Todos esses aspectos são muito impor tantes, para que possamos deixar de deles cogitar. Finalmente (e não vou tocar em todos os assuntos porque ficaria monopolizando a palavra), peço permissão para voltar àquilo em que, em anteriores debates, tive ensejo de me deter, assim como em pronunciamentos pela imprensa e em conferências. :e fundamental que voltemos as vistas para a Justiça de primeira instância. Na cúpula, a nossa Justiça funciona bem. Ela tem falhas, evidentemente toda organização humana estásujeita a falhas, mas no seu conjunto nós podemos considerar que a Justiça no Brasil, em sua cúpula, desempenha-se a contento. Onde ela não funciona bem, lamentavelmente, é na primeira instância. Aí é que o jurisdicionado tem contato direto com a Justiça e aí é que está a sua grande decepção. E, lamentavelmente, o projeto de reforma foi absolutamente omisso. Ele não tomou conhecimento da Justiça de primeira instância. Eu voltada as vistas para isso, pedindo permissão para revigorar as sugestões que, em 1974, tive ensejo de apresentar e que, a meu ver, com o aprimoramento que os companheiros lhe hão de dar, possivel mente venha a atender a alguma coisa daquilo que nós desejamos. Nós, os advogados, que temos contato direto com a Justiça de primeira instância, sentimos onde está a sua principal deficiência. Agradeço ao Sr. Ministro ter-me dado ensejo para essas considerações e aos colegas a atenção com que me ouviram. Armando de Oliveira Marinho - Concordo com o Prof. Caio Mário, no que conceme ao Tribunal Federal de Recursos. Sou partidário de que se mantenha (\ texto constitucional atual e até com mais flexibilidade, criação de tribunais federais de recursos, não fixando o número, à medida que a necessidade de tribunais regionais fosse surgindo. Oswaldo Trigueiro - O Prof. Caio Mário aceita a proposta do Tribunal Federal de Recursos, porque este, na sua maioria, ao que eu sei, prefere que a Justiça federal em segunda instância seja organizada como a do trabalho e a eleitoral, com tribunais regionais e um tribunal superior. 38 R.C.P. 2/78 Armando Marinho - Essa é a solução. Oswaldo Trigueiro - Essa, parece, é a solução de preferência da maioria no Tribunal de Recursos. Aí, então, se adaptaria um esquema que já funciona bem, duas Justiças especializadas. Caio Mário da Silva Pereira - E, ainda mais, foi objeto de debate em nossa reunião anterior: a criação de um Tribunal Superior, que não estaria no mesmo nível do Supremo Tribunal. Este seria mantido na sua compe tência específica, tal como atualmente, mas com a existência de um outro tribunal, que desafogaria os julgamentos. Seria uma espécie de Superior Tribunal. É a tese do Tribunal Federal de Recursos atualmente. Presidente - Eu tenho um esclarecimento a dar, a respeito da criação de mais um Tribunal de Recursos. Eu já tive ocasião de elaborar um projeto de criação de mais um Tribunal de Recursos, que foi aprovado, mas houve dificuldade em se constituir um Tribunal de Recursos em São Paulo, porque o nível de vencimentos dos juízes de São Paulo é muito superior ao de qualquer outro estado e não houve possibilidade de se criar um Tribunal de Recursos em São Paulo, com os vencimentos dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos. Caio Mário da Silva Pereira - Mas não teria, necessariamente, que ser em São Paulo. Oswaldo Trigueiro - Mas isso está resolvido pela Constituição, que não permite que vencimento estadual seja maior que o federal. A desobediência ao princípio é outra coisa. Olavo Tostes Filho - A matéria principal a respeito da reforma do Judi ciário foi aflorada por todos, a começar pelo Ministro Oswaldo Trigueiro, a quem eu peço desculpas neste momento, porque nunca tinha me defron tado pessoalmente com S. Ex~. Sou um velho admirador seu ... Acho que há um aspecto muito grave nessa reforma. Fez-se muita atoarda em torno dela: mesas-redondas, todos os tribunais s~ pronunciaram, diz-se que os volumes de sugestões subiram ao teto. O povo está muito esperançoso e o que vai acontecer é isso: vai continuar tudo como dantes. Porque o grande problema deste País é, realmente, a primeira instância. Não por falta de legislação, porque se o juiz é bom, ele trabalha bem com qualquer Código. Eu me lembro que se julgava aqui, normalmente, uma ação de despejo, com recurso e execução, em três meses, durante vários anos, na maioria das Varas do Rio de Janeiro. Mas nós precisamos ver o quadro da Justiça brasileira no momento. Eu me lembro óe que quando fui estudar em Belo Horizonte para iniciar meu curso, em 1935, a cidade tinha 150 mil habitantes, hoje Belo Horizonte tem 2 milhões de habitantes. Isso é um fenômeno que ocorreu no País inteiro e eu já o tenho acentuado. Todos correram dos campos para a cidade. Antigamente, moravam no campo 70% da população brasileira. Hoje, a grande maioria está nas cidades, os campos estão despovoados, mesmo porque houve a Reforma do ludiciário 39 introdução de máquinas, instrumentos agrícolas, novos métodos. O Rio de Janeiro hoje tem 7 milhões de habitantes, inclusive das cidades satélites, já que todos vivem no Rio de Janeiro, aqui fazem a sua vida. Há 25 anos, havia 2 milhões. Quanto houve de mudança, de modificação nos instru mentos judiciários? Nós tínhamos 18 Varas Cíveis, temos agora 22, tínha mos 25 Varas Criminais, temos 26. A população do Rio, dentro de uns 15 anos, vai ultrapassar 20 milhões de habitantes. São Paulo é também outra megalópole. O problema é muito sério, porque é preciso que o instrumental de prestação jurisdicional na primeira instância cresça parale lamente. :É a mesma coisa com os demais serviços: não há trens, não há transporte urbano, não há esgotos porque a cidade cresceu excessivamente. Também ocorreu uma explosão educacional. Temos vários professores que fugiram das universidades, tangidos pela insuficiência dos salários. O professor não pode se dedicar ao magistério como no meu tempo de estudante, em que era só professor, não tinha atividade paralela. Hoje, temos a multiplicação de dezenas de Cursos de Direito, e péssimos. Ao último concurso aqui no Rio de Janeiro concorreram 400 candidatos e foram aprovados 10. E no Rio Grande do Sul, nos concursos, não conse guem preencher o número de vagas. Isso está-se verificando no Brasil inteiro, porque caiu de tal maneira o nível técnico, que nós não consegui mos aprovar candidatos, em condições de ministrar a Justiça de primeira instância, no número necessário. :É uma questão que acredito seja ocasional porque o País vai superar tudo isso. Dentro de pouco tempo o problema vai desaparecer, vamos ter gente capaz. Mas, hoje, se multiplicássemos o número de vagas, não tínhamos como preenchê-Ias. :É um problema que precisa ser encarado com seriedade. Então, vamos fazer uma reforma judiciária como se fôssemos caiar uma casa em ruína, porque as modifi cações são de pequena monta. O Tribunal de Alçada, por exemplo, fun ciona bem. Poderia haver a unificação desses tribunais se não houvesse empecilhos que considero fundamentais. Num tribunal de 140 membros, na hora de fazer a eleição da cúpula, dos presidentes ou daqueles que se vão encarregar de apreciar as questões constitucionais, não sei como proceder. No Rio de Janeiro, numa ocasião em que se desobedeceu o critério de antigüidade, o tribunal ficou dividido em duas correntes. Houve retaliações, paixões, ciúmes. Isso vai afetar o funcionamento da Justiça. Num tribunal numeroso, fatalmente, haverá correntes antagônicas. Então, o que vai ocorrer é que o Governo vai colher maus frutos dessa reforma porque o povo vai esperar muito, fez-se muita propaganda a respeito, e, no entanto, vão continuar as mesmas filas: de mulheres que querem desquitar-se e procuram a Justiça gratuita; os menores não terão casa de recolhimento; não haverá penitenciária para todos os réus conde nados; à Polícia não será possível fazer inquérito para todos os crimes porque não há pessoal para a Polícia Judiciária. No momento, se não me engano, há cerca de 100 mil inquéritos baixados em diligência, que vão e voltam. Esse problema é insolúvel, a não ser que se faça um investimento de vulto, de ordem material. O povo vai esperar grandes frutos dessa 40 R.C.P. 2/78 reforma e não vai colher nenhum. O que se vai fazer no Tribunal Federal de Recursos será benéfico porque um tribunal com 27 membros deve funcionar melhor do que com o número atual, mas não será tanto assim. Há juízes que vão acumulando processosenquanto outros são expeditos e rápidos. Isso ocorre com qualquer espécie de organização. A grande carência, de tudo, é decorrente da explosão populacional. À medida que os anos sobrevierem vamos ficar com carências ainda maiores, se a popu lação for aumentando na média dos últimos anos. A população do globo, que era de 2 bilhões de criaturas há 50 anos, passou, no momento atual, a 4 bilhões e vai passar a 8 bilhões no começo do século XXI. Armando de Oliveira Marinho - Gostaria de saber sua opinião a respeito da criação dos cursos para preparação dos magistrados e dos cursos de especialização de magistrados. V. Exª' acha que esses cursos, até certo ponto, poderão suprir as deficiências que encontramos no material humano? Olavo Tostes Filho - Tenho a impressão que ensinar a ser juiz é como ensinar pintura. 11 preciso aptidão e vocação. Acho que o sistema melhor e mais feliz encontrado é o do Rio Grande do Sul. O candidato, depois de aprovado em um determinado número de provas, só será efetivado depois de dois anos de exercício. 11 uma espécie de estágio probatório. Eu pedia permissão para acrescentar ainda alguma coisa. Li, com referência à reforma do Judiciário, o parecer aprovado pelo Conselho Seccional dos Advogados do Rio de Janeiro. Extremamente bem elaborado, ele aborda o problema do Supremo. O Supremo, para poder enfrentar o afluxo de recursos, vem podando anualmente o número de processos. Os recursos se tornam agora limitados segundo o valor. Os advogados se queixam de que o Supremo está faltando à sua missão, que é de evitar a injustiça por efeito de errada exegese de lei. Os feitos estão cada vez mais limitados. Hoje, só em matéria constitucional, praticamente em ofensa direta à Constituição, é que se admite recurso extraordinário. Vem, agora, o poder de avocatória. O defeito que o parecer do Conse lho Seccional revelou no sistema foi que, nos Estados Unidos, onde se buscou inspiração para essa avocatória, ela tem a finalidade de evitar abusos do poder público. E, aqui, estamos criando uma espécie de terceira instância, para evitar o cumprimento de ação judicial. Oswaldo Trigueiro - Toda e qualquer decisão contra a Fazenda federal, contra qualquer autarquia ou empresa pública vai atrapalhar. Olavo Tostes Filho - 11 o que diz o parecer; com esse aumento de tarefas, vamos verificar cada vez mais distante a possibilidade de recorrer ao Supremo, tirando-lhe a sua função precípua, aquela para a qual foi criado. Presidente - Tem a palavra o Dr. Luiz Antônio Severo da Costa. Luiz Antônio Severo da Costa - Com a vantagem de quem fala por último tenho a observar o seguinte: quando estava sendo construída a Siderúrgica de Volta Redonda, o General Macedo Soares fez a seguinte observação: Reforma do ludiciário 41 c.ada brasileiro tem um plano siderúrgico. Também, quanto à reforma judiciária estamos do mesmo modo: cada brasileiro tem seu plano de reforma. Cabe lembrar que essa reforma judiciária foi entregue pelo Governo a duas pessoas do mais alto gabarito. Não podia ter sido mais feliz a escolha como a do Ministro Rodrigues Alckmin, figura com expe riência na Justiça de São Paulo, no Tribunal de Alçada e atual Ministro do Supremo, e do Procurador-Geral Henrique Fonseca de Araújo. Essa matéria de legislação é muito difícil. Trata-se de temas eminentemente ~{)lêmicos. Sobre a matéria aqui abordada, todos nós já temos posições filosóficas gerais, pró-federalismo ou pelo menos federalismo, por exemplo. Os conceitos, sugestões e críticas que aqui têm sido feitos à reforma não envolvem, sem dúvida, essas ilustres figuras. De início, parece que há exagero em críticas. Isso afirmou o procurador-geral em declarações a O Globo. Ele alega que estamos apenas ainda em matéria de reforma constitucional. Dizem que foi esquecida a primeira instância. Ele esclarece que, por enquanto, estamos especificamente no campo da Constituição federal. Pena é que não houvesse sido publicado o plano geral, para receber críticas e sugestões, antes do seu encaminhamento ao Congresso. :f: claro que poderemos trazer sugestões construtivas, mas está havendo, me parece, um pouco de diálogo de surdos, por exemplo: aquele interessantíssimo parágrafo único do art. 112 da Constituição federal, que declara a possibi lidade de "para as causas ou litígios, que a lei definirá, poderão ser instituídos processo e julgamento de rito sumaríssimo, observados os crité rios de descentralização, de economia e de comodidade das partes". :e um artigo, na verdade, de muito valor, para aqueles que aceitam, como aceitamos, a descentralização e a especialização. O Dr. Fonseca de Araújo acha que isso é uma coisa tão evidente e tão clara que nem precisa constar da Constituição. J á o Prof. Valladão, em crítica que fez outro dia no Clube dos Advo gados - crítica muito inteligente e interessante -, dá até ênfase e acha que além de se tomar isso uma recomendação deveria ser determinado, especificado. Ele dá até uma outra redação: "a lei estabelecerá para as causas ou litígios definidos processos e julgamento de rito sumaríssimo, observados os critérios de descentralização", e ele acrescenta "especia lização" ... :f: necessário que a espinha dorsal dessa reforma seja traçada e essas flormas virão naturalmente, depois, e numa complementação. Estamos ainda num processo de elaboração de um esquema e temos que dar a esses homens esse crédito de confiança. Criticá-los, evidentemente, mas constru tivamente. Estamos ainda numa etapa de reforma. Todos sabemos que o problema da Justiça brasileira, o grande drama, e tradicional, é a Justiça de primeira instância. :f: aquilo que Campos Sales já dizia: temos que colocar a justiça à porta do povo, uma justiça como a que já tivemos na cidade do Rio de Janeiro. Já tivemos as pretorias. O pior é que no Rio de Janeiro estamos involuindo nesse aspecto. 42 R.C.P. 2/78 o Governo Carlos Lacerda criou as regtoes administrativas. Quando fIzemos parte da comissão, como representante do Instituto dos Advogados Brasileiros que elaborou sugestões para o Estado da Guanabara reformar seu judiciário, comissão dirigida pelo ilustre Desembargador Fernando Maximiliano, lembramos que essas regiões administrativas podiam ter tam bém junto a elas um núcleo judiciário, onde pudessem as partes tratar de acidentes de automóvel, de um pequeno delito, uma pequena infração, ou mesmo do caso de uma pessoa que, por exemplo, tivesse sua roupa quei mada na lavanderia. Elas se drigiriam ao juiz de plantão. f: o atendimento dessas pequenas necessidades, essas objetividades, que nós devemos pro curar ter no Brasil. Armando de Oliveira Marinho - Em São Paulo já existem as Varas Dis tritais, que funcionam de forma eficiente conforme constatei em viagem de estudos feita em 1973. Luiz Antônio Severo da Costa - Mas é desta dinamização do Judiciário que precisamos, pois ele está tantas vezes afastado das conquistas do mundo moderno. Há uma defasagem imensa delas com o Judiciário. Agora estamos numa outra fase, uma fase realmente difícil, que é a fase da terapia. Já nos reunimos aqui para a parte do diagnóstico. Esta é muito fácil; é fácil conhecer as falhas, mas corrigi-Ias não é nada fácil. Essa primeira etapa que estamos tratando é a da reforma constitucional. Podemos sentir que muitas das idéias das sugestões feitas aqui, que estavam no ar, foram adotadas. Nós as aceitamos, nós as debatemos, como, por exemplo, a da Lei Orgânica da Magistratura, que eu admito ser uma necessidade. Nós temos que conciliar a instância daquela instituição com a não federalização da Justiça. No ensinamento daquele grande mestre, daquela figura digna, que é Alcino Sal azar, isso seria necessário. Na época, levei a ele algumas considerações e ele até me honrou com uma longa carta, na qual defende o seu ponto de vista pela federalização, quer dizer, a volta ao esquema do Império, com uma justiça nacional. Então eu acho, data venia da opinião do meueminente amigo, Ministro Oswaldo Trigueiro, necessária essa Lei Orgânica da Magistratura, não excessivamente controladora, não excessivamente limitadora. Também os Profs. Caio Mário e Armando Marinho defendem essa linha e acham que é uma necessidade, a fim de que a magistratura brasileira não tenha disparidade imensa, conforme os estados. Aceito o Conselho da Magistratura, mas quero agora voltar a uma sugestão que dei aqui na comissão: é que aceito o Conselho Nacional de Magistratura, mas esse Conselho coincidente com a existência de Conselhos Estaduais de Magis tratura. De modo que o Conselho Superior julgaria os desembargadores, julgaria em grau de recurso os juízes. Esta era a idéia e vejo que essa sugestão é a adotada pela Associação Brasileira de Magistrados, que aceita a existência de um Conselho Nacional de Magistratura. Também estou com o Prof. Caio Mário, quando diz que os ministros <lO Supremo já estão imensamente sobrecarregados e até de uma forma Reforma do ludiciário 43 interessante. Os ministros do Supremo Tribunal Federal no Brasil, como nos Estados Unidos, estão gastando mais tempo para dizer: eu não vou julgar, do que para julgar. Os ministros do Supremo gastam muito tempo com os agravos, quando deveriam estar sendo disso poupados. Isso é uma crítica construtiva que faço. As câmaras de admissibilidade poderiam cuidar disso e deixar, por exemplo, que os ministros ficassem com a função que devem ter: a de julgar os recursos extraordinários principalmente. O Minis tro Trigueiro sabe bem que as pautas de julgamento são imensas naquela corte. Há algumas considerações do Prof. Marinho, que colocou bem o pro blema quanto ao plano institucional. Nesse plano institucional, eu lembraria também rever e manter aquele parágrafo único do art. 112, que trata das duas coisas, ser compulsório e também no sentido de que criará dispositivo relativamente à especialização. No campo puramente constitucional, eu manteria os juízes de paz, con forme está na Constituição, porque a reforma deixa para os juízes de paz apenas as funções de casamento. Oswaldo Trigueiro - Nos estados, isso é muito variável. Os juízes de paz em Minas Gerais, e creio que em Mato Grosso, sempre foram eletivos. Os juízes de paz do Nordeste são todos de livre nomeação do Governador do Estado. Luiz Antônio Severo da Costa - Eu manteria como está na Constituição atual, não retiraria as atribuições ... Oswaldo Trigueiro - Em Minas, o juiz de paz sobreviveu, porque ele era o substituto eventual do juiz de direito, mas não ocorria isso no Nordeste, onde ele fazia apenas casamentos. Luiz Antônio Severo da Costa - Agora, eu vou entrar num terreno um pouco delicado, porque não quero ser eivado de estar falando pro domo sua. :E: o problema dos Tribunais de Alçada. Esse é um problema delicado e interessante. Parece-me, com a experiência que tenho de 12 anos, porque, desde que deixei a advocacia, sou membro do Tribunal de Alçada, é o seguinte: pela que eu sei, a idéia de retirar da Constituição o artigo que permite aos estados criarem Tribunais de Alçada nasce de dois motivos principais. Em primeiro lugar, eles têm ciência de que vários estados da F ederação estão com planos de organizar Tribunais de Alçada. A razão ue ser disso é que há estados no Brasil que não têm a menor necessidade de criar tais tribunais e que estão com essa idéia. Então, a retirada do dispositivo constitucional que permite a criação dos Tribunais de Alçada era, em primeiro lugar, uma medida, digamos, preventiva, porque isso ocorreu no passado. Há dois estados no Brasil, Paraná e o antigo Estado do Rio, que, sem necessidade, criaram Tribunais de Alçada. Um deles tinha 17 membros e criou um tribunal de 10 e, para isso, o tribunal aelegou excessivamente. Há delegação excessiva aos Tribunais de Alçada. O Desembargador Olavo Tostes sabe disso, pois é um homem de espírito 44 R.C.P. 2/78 público construtivo. No ano passado, os 36 desembargadores do Estado de São Paulo julgaram 10% dos recursos, 15% dos recursos foram julgados pelos juízes substitutos, 75% foram julgados pelos Tribunais de Alçada. Aqui, neste estado, a nossa competência é de 700 salários mínimos, já foi de 1.000. Assim, a razão de ser da supressão desse dispositivo era precisa mente evitar que Pernambuco, Mato Grosso, Amazonas, por exemplo, elaborassem planos para criar Tribunais de Alçada. E já se viu isso no passado, pois foram criados Tribunais de Alçada onde não havia neces sidade. De modo que o problema foi bem colocado nestes termos. A idéia do tribunal numeroso, grande, é perfeitamente válida, como existe na Alema nha, na França, desde que dividido em seções. A Corte da Cassação fran cesa, como sabem, é dividida em cinco seções autônomas. Há o presidente geral e os da Alçada: da primeira seção, da segunda, da terceira, quer cizer, cada seção cuida do seu problema. Até, digamos, por economia, pois haverá infra-estrutura comum, num País pobre como é o Brasil (nós temos que nos encarnar nesse papel). As secretarias dos tribunais, os órgãos burocráticos se multiplicam, desculpem a comparação, como tecidos cancerosos. Eu estive no Banco do Brasil, fui advogado de uma entidade chamada Agência Especial de Defesa Econômica durante a guerra. Um dia, voltei ao Banco do Brasil e encontro, para surpresa minha, a Agência Especial de Defesa Econômica em liquidação, quando a guerra já terminou há tantos anos ... Quer dizer, cria-se um organismo, não se extingue mais ele. Então, nenhum inconveniente haveria na criação dessas infra-estruturas grandes com seções autônomas. Nós temos que criar no Brasil - já que isto é problema que escapa a nós, juristas - especialistas trazidos do campo da administração pública. Vamos ter que fazer o que os Estados Unidos estão fazendo, isto é, criar técnicos em administração judiciária. E a Fundação Getulio Vargas, que criou, com tanto brilho, as escolas de administração pública e de adminis tração de empresas, também poderia caminhar para o setor de administração de tribunais. Presidente - Esta mesa-redonda foi extremamente útil e produtiva. Creio que poderá levar ao conhecimento da Comissão Especial do Congresso uma reação de diversos elementos que estão interessados na reforma judiciária, mas advertindo sobre o perigo de algumas posições dessa reforma. Eu, pes soalmente, estou de acordo com a maioria das ponderações aqui feitas. Devo eI!tretanto, salientar que essa idéia minha de reforma judiciária já é antiga t;. ela deve ter, especialmente, dois objetivos: racionalizar um pouco o processo judiciário e quebrar um pouco os padrões tradicionais da estru tura judiciária, que têm impedido, precisamente, o desenvolvimento desse mecanismo judiciário. O problema da primeira instância é um problema relevante, mas que só pode ser parcialmente resolvido pela reforma constitucional. A reforma ReforTTUl do ludiciário 4S constitucional não pode chegar até lá. Ela se fará, através dessa segunda etapa, que é a Lei Orgânica da Justiça, que poderá, então, abrir algumas sugestões e novos caminhos para a organização judiciária de primeira instância. Em todo caso, o resultado desta mesa-redonda é positivo, no sentido de alertar a comissão para certos excessos que existem, certos padrões fixados pelo projeto de reforma. Neste particular, vamos encaminhar o resultado desta mesa-redonda, depois de revisto por cada um dos participantes, para a comissão especial do Congresso que vai cuidar do assunto. Agradeço esta colaboração e devo dizer que faremos ainda outras mesas redondas, pelo menos uma ou duas, para tratar de outros problemas espe cíficos. A próxima deverá tratar principalmente da parte do contencioso administrativo que está formulado de maneira um pouco infeliz pela reforma e tecnicamente errada. REALIZE AQUELE ANTIGO' SONHO Milton Dacosta [1915140 X ~cm , Os mais belos quadros dos grandes mestres estão agora ao seu alcance. Reproduções sobretela, importadas da Itáliá, que não devem nada aos originais; (a não S!3r no preço) para va.l6rizar o seuambiéntE!. A escolha é sua. Livrarias da Fundação Getulio Vargas RIO - S. PAUJ;.O BRASfuA R.C.P. 2/78
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