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INTRODUÇÃO Todo mundo reage às mudanças, alguns mais demorada e visceralmente, e outros mais tranquila e rapidamente. É papel do agente de mudança e do líder de mudança entender o que se passa com os que são afetados pela mudança e agir da maneira mais eficaz naquela situação. No primeiro módulo, discutiremos sobre como o mundo está em contínua mudança e como isso nos afeta e estimula – se não nos obriga – a mudar. No segundo módulo, veremos algumas das principais teorias sobre gestão da mudança e vamos utilizar o método de Kotter como base para um passo a passo de como liderar mudanças dentro do ambiente organizacional, desde fazer com que os envolvidos vislumbrem a necessidade da mudança, passando por criar uma equipe de mudança, e reenergizando constantemente o time para a mudança. No terceiro módulo, apresentaremos metodologias para o gerenciamento dos stakeholders, desde a sua identificação até o seu engajamento. Além disso, haverá um capítulo específico sobre comunicação com os stakeholders. No quarto e último módulo, descreveremos sobre como a cultura organizacional pode apoiar e facilitar ou dificultar o processo de mudança. SUMÁRIO MÓDULO I – MUNDO EM MUDANÇA, E VOCÊ MUDANDO ................................................................ 7 MUNDO EM MUDANÇA ..................................................................................................................... 7 MUDAR É DIFÍCIL .............................................................................................................................. 11 MÓDULO II – FAZENDO A MUDANÇA ACONTECER .......................................................................... 13 CURVA DA MUDANÇA ...................................................................................................................... 14 Etapas da transição, de Elisabeth Kübler-Ross .................................................................... 14 Curva da mudança no ambiente organizacional ................................................................. 15 KURT LEWIN ...................................................................................................................................... 16 OTTO SCHARMER E A TEORIA “U” .................................................................................................. 17 Por que Teoria U? .................................................................................................................... 18 Pontos cegos ............................................................................................................................ 18 Liderança na prática ................................................................................................................ 19 Princípios básicos para colocar em prática a Teoria U ....................................................... 19 JOHN KOTTER: LIDERANDO MUDANÇA ........................................................................................ 21 Criação de um senso de urgência ......................................................................................... 21 Criação de uma equipe de mudança .................................................................................... 22 Desenvolvimento da visão da mudança ............................................................................... 24 Comunicação da visão ............................................................................................................ 25 Empowerment para a ação ...................................................................................................... 26 Caso do Big Mac.................................................................................................................. 26 Vitórias de curto prazo ............................................................................................................ 27 Caso da Corretora Easynvest ............................................................................................ 28 Não permitir o desânimo ........................................................................................................ 29 Tornar a mudança duradoura ............................................................................................... 30 MÓDULO III – GERENCIAMENTO DE STAKEHOLDERS ........................................................................ 31 O QUE SÃO STAKEHOLDERS ............................................................................................................. 31 IDENTIFICANDO STAKEHOLDERS ..................................................................................................... 32 Caso da empresa de assistência médica .............................................................................. 34 GERENCIAMENTO DE STAKEHOLDERS ............................................................................................ 36 PLANEJANDO E CONTROLANDO O ENGAJAMENTO DOS STAKEHOLDERS ................................. 40 Seis maneiras de aumentar o engajamento dos funcionários .......................................... 43 Controlando o engajamento dos stakeholders ..................................................................... 44 GERENCIAMENTO DA COMUNICAÇÃO ......................................................................................... 45 Mensagens-chave .................................................................................................................... 47 Papel da liderança na comunicação ...................................................................................... 47 Stakeholders externos .............................................................................................................. 48 Assuntos difíceis ....................................................................................................................... 48 Gerenciamento da comunicação com os stakeholders ....................................................... 49 Comunicação na mudança ..................................................................................................... 49 MÓDULO IV – MUDANÇA E CULTURA ORGANIZACIONAL............................................................... 51 MUDANÇA, CULTURA E ESTRATÉGIA ............................................................................................. 51 O QUE É CULTURA ORGANIZACIONAL .......................................................................................... 53 COMO A CULTURA É DISSEMINADA .............................................................................................. 57 GESTÃO E MUDANÇA DA CULTURA ORGANIZACIONAL ............................................................. 58 Como mudar comportamentos e cultura? ........................................................................... 59 Declaração de valores ............................................................................................................. 60 Líderes como agentes da cultura .......................................................................................... 63 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 64 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA ...................................................................................................... 68 PROFESSOR-AUTOR ............................................................................................................................. 69 Neste módulo, vamos refletir sobre as mudanças que o mundo vem enfrentando e as suas implicações para os negócios. Também vamos discutir sobre o papel ativo que temos de assumir nas mudanças, mas, ao mesmo tempo, porque é tão difícil mudar. Vamos aprender que mudar não é uma escolha simples do tipo quero ou não quero, mas, sim, um processo principalmenteemocional de aceitação e engajamento. Mundo em mudança Se no passado talvez fosse possível olhar para as mudanças como algo inevitável e com passividade, hoje é absolutamente necessário o nosso envolvimento nas mudanças que nos afetam e, como gestores, saber liderá-las. É quase desnecessário mencionar a enorme quantidade de mudança pelas quais estamos passando diariamente, muito em decorrência da evolução da tecnologia. Um exemplo interessante é a tecnologia de aula: no passado não tão distante, o professor estava necessariamente presente e usava- se uma enorme lousa verde como recurso tecnológico, e hoje em dia, bem, trabalhamos on-line! MÓDULO I – MUNDO EM MUDANÇA, E VOCÊ MUDANDO 8 Figura 1 – Exemplo de uso de quadro verde para aula Mas é interessante verificar que a mudança não é somente de A para B, não é uma simples troca. Representa também, muito usualmente, maior complexidade. É o mundo ficando cada vez mais volátil, incerto – uncertainty –, complexo e ambíguo (Vuca). Por exemplo, em um mundo mais populoso e mais urbano, as soluções para o trânsito também se tornam mais complexas: Figura 2 – Mundo Vuca Assim, não só estamos mudando o tempo todo, mas também caminhando para um mundo cada vez mais complexo. 9 Pensemos nas mudanças no mundo a partir da tecnologia, da popularização do computador pessoal e da internet, fenômenos que não têm mais de 40 anos. É incrível pensar que as mudanças vêm ocorrendo em um ritmo alucinante. Dançar a dança das mudanças nesse ritmo passou a ser uma condição básica de sobrevivência e adaptação, de desenvolvimento e evolução humana (MONTEIRO, 2018). Novas profissões e novas competências surgiram nos últimos anos, e apenas uma parcela do que se aprende na faculdade será, de fato, utilizada na prática profissional. Vivemos a época do “aprendizado por toda a vida” – lifelong learning –, ou seja, precisaremos reservar um percentual do nosso tempo e dinheiro para aprendizagem contínua, de ora em diante. À medida que o mundo evolui com a 4ª Revolução Industrial, o ambiente corporativo também está mudando e exigindo novas habilidades dos colaboradores. Pesquisa feita pelo World Economic Forum, conhecido pelas suas reuniões em Davos na Suíça, aponta as 10 habilidades profissionais que o mundo corporativo exigirá já a partir de 2020: alfabetização de dados; pensamento crítico; habilidade em tecnologia; criatividade; inteligência emocional; inteligência cultural e diversidade; habilidades de liderança; julgamento e tomada de decisão; colaboração e adaptação; e flexibilidade. A competência “adaptação e flexibilidade” significa, segundo o World Economic Forum, que: o mundo está mudando rapidamente, e os funcionários precisam se comprometer a aprender novas habilidades ao longo de suas carreiras. Além disso, eles devem ser flexíveis a novas ideias e maneiras de solucionar os problemas da empresa” (ÉPOCA NEGÓCIOS ONLINE, 2019). O trabalho mudou, as carreiras são fluidas e curtas; as grandes empresas dividem o seu espaço com startups que são as suas novas concorrentes; os funcionários se transformaram em empreendedores. Os grandes centros de poder se sentem ameaçados por manifestações públicas que ninguém sabe ao certo como e de onde surgiram. A liderança migrou de núcleos poderosos para o fenômeno não hierárquico das redes e das interconexões. A globalização traz em si um movimento de transformação e mudança. Algo relativamente novo no horizonte empresarial brasileiro são as startups e mais novo ainda são aquelas que se transformaram em unicórnios. Aileen Lee, investidora americana do Vale do Silício, buscava uma palavra para descrever as empresas de tecnologia que cresciam rapidamente e atingiam a marca de US$ 1 bilhão em valor de mercado. O que Aileen buscava, na época, era achar uma palavra que demonstrasse como era difícil conseguir que uma empresa alcançasse esse porte. Como unicórnios na mitologia são criaturas raras e mágicas, esse foi o jeito que a investidora conseguiu para identificar essas startups. 10 O Brasil tem atualmente mais de uma dezena de unicórnios, entre eles: 99, iFood, Gympass, Loft, Nubank, PagSeguro, Quinto Andar e Wildlife. Os unicórnios são tipicamente transformadores das suas áreas de negócio. A forma de gestão das startups é mais moderna e inovadora e acaba impactando o mercado também nesse sentido. Por exemplo: a Loft, lançou a licença paternidade remunerada de seis meses para seus colaboradores. A iniciativa, batizada de “parental leave”, estabelece uma licença mínima compulsória de dois meses para os homens, o que a coloca como pioneira no país a adotar a medida (ARBEX, 2020). Figura 3 – Parental leave As startups parecem ser feitas sob medida para os mais jovens. É verdade que o mundo é cada vez mais singular, e uma forma de entendê-lo é por meio da análise das várias gerações que coexistem. Os mais jovens, nascidos entre 1978 e 1990, são os chamados de Geração Y. Nascidos na era digital, tiveram a convivência com o eletrônico praticamente desde o berço, com TV, computador e comunicação rápida dentro de casa. Parece um dado sem importância, mas estudos americanos comprovam que quem convive com ferramentas virtuais desenvolve um sistema cognitivo diferente. Ao mesmo tempo em que estudam, são capazes de ler notícias na internet, checar a página do Facebook, escutar música e ainda prestar atenção na conversa ao lado. “Para eles, a velocidade é outra. Os resultados precisam ser mais rápidos, e os desafios, constantes” (LOIOLA, 2019). 11 Em síntese, vivemos em um mundo em permanente mudança que, como diz Bauman (2011), é: líquido porque, como todos os líquidos, ele jamais se imobiliza nem conserva sua forma por muito tempo. Tudo ou quase tudo em nosso mundo está sempre em mudança: as modas que seguimos e os objetos que despertam nossa atenção, as coisas que sonhamos e que tememos, aquelas que desejamos e odiamos, as que nos enchem de esperanças e as que nos enchem de aflição. Mudar é difícil “Mudar é difícil, mas não mudar é fatal”, Leandro Karnal. “Mudar é difícil porque a mente humana prefere a serenidade da estabilidade às incertezas da mudança” (MONTEIRO, 2018). Enraizamos hábitos do passado, e, à medida que envelhecemos, esses padrões se reforçam mais e mais, e menor é a tolerância ao novo. A partir dessa lógica entende-se por que desafios adaptativos são ainda mais difíceis, por isso é importante para quem lida com Mudança Organizacional entender a tendência natural do ser humano e o caminho comportamental diante da transformação, que exige um grande esforço da pessoa que experimenta esse fenômeno. “O cérebro humano, isoladamente, custa uma quantidade tremenda de energia: 25% das calorias necessárias para que o corpo inteiro funcione durante um dia” (HERCULANO- HOUZEL, 2017). Hoje em dia, quando acreditamos precisar de uma boa nova dose de energia, podemos entrar em supermercado e comprar uma barra de chocolate, mas nos primórdios da vida humana não era assim, e precisávamos economizar energia, pois para repor era necessário caçar. Tinham melhor chance de sobrevivência aqueles com melhor estoque de energia e menor consumo. Assim, o nosso cérebro prefere o caminho já conhecido a “pensar” e desenvolver uma nova solução, ou seja, quanto menos “gastar” o cérebro e a energia, melhor, mas não podemos ficar parados! O mundo está em permanente mudança, e precisamos mudar para sobreviver. Vale ressaltar que, se a velocidade da mudança no mundo externo, no mercado, for maior do que dentro da empresa, ela ficará desatualizada e correrá o risco de morrer. Isso foi o que aconteceu com a Nokia, que já foi a empresa líder mundial na área de celulares, mas perdeu mercado e valor, e foi comprada pela Microsoft. Durante coletiva de imprensa para anunciar compra da empresapela Microsoft, o CEO da Nokia terminou o seu discurso dizendo: “Nós não fizemos nada de errado, mas de alguma forma, perdemos”. Ao dizer isso, todos os gestores do seu time, e ele mesmo, choraram tristemente (GUPTA, 2019). 12 Este caso da Nokia é revelador do mundo em que vivemos: não é preciso fazer algo errado para perder, basta não mudar na velocidade que o mercado exige. Um recente estudo, Making Change Work – Fazendo a Mudança Acontecer –, realizado pela IBM, mostra que somente 20% das empresas se consideram bem-sucedidas em processos de mudança. Segundo a pesquisa, os principais motivos para isso acontecer são o modelo mental, a resistência das pessoas, seguidos da cultura corporativa da empresa (VALOR ECONÔMICO, 2014). Outro fator importante para a dificuldade em mudar está na percepção da necessidade da mudança. Por questões emocionais ou racionais, por vezes, não percebemos que temos de mudar, ou demoramos demais para perceber, e quando isso acontece pode já ser tarde! Os mercados estão mais “nervosos” e ágeis. Pensemos na quantidade de segmentos que se deparam com uma nova realidade e não sabem como lidar com ela. Se considerarmos somente alguns segmentos, podemos pensar no desafio de jornais e revistas, que se veem na obrigação de reinventar-se diante da era digital; no mercado fotográfico, com as fotos digitais e câmeras nos smartphones; no mundo fonográfico, com CDs competindo com músicas a preço de banana a um clique ou grátis na pirataria virtual; e até nas cooperativas de táxi, ameaçadas por um sem-número de aplicativos que oferecem o mesmo serviço de forma muito mais simples e eficiente. Quantos competidores ficaram pelo caminho! Portanto, o desafio do novo século traz outra natureza e qualidade: trata-se de um desafio adaptativo, que requer novas formas de pensar e agir, e que traz novas perguntas. As competências para esse tipo de desafio são outras: flexibilidade e resiliência, inteligência emocional, empatia, capacidade de estabelecer alianças, colaboração, tolerância ao erro, busca do conflito produtivo, negociação, aprendizagem, inovação e criatividade, fortaleza para lidar com o estresse e a pressão, clareza do propósito, etc. No módulo anterior, vimos que vivemos em um mundo em permanente mudança e como é difícil mudar. Neste módulo, vamos conhecer como fazer e as principais características de uma mudança organizacional de sucesso, bem como o papel da liderança nesse processo. Sabemos que uma mudança não ocorre da noite para o dia, mas é um processo que, no caso de mudanças complexas, pode demorar anos. Muitas pesquisas têm sido feitas a fim de identificar o que realmente faz a diferença entre o fracasso e o sucesso em uma mudança. Um dos mais respeitados pesquisadores dessa área é John Kotter, que foi professor de Harvard por muitos anos, pesquisador e autor conhecido globalmente nessa área. Ele afirma que uma das principais conclusões das suas pesquisas nessa área é que a essência da mudança não ocorre “nas empresas, mas sim nas pessoas”, ou seja, esse é um assunto da área humana. A melhor prática de gestão da mudança é mudar o comportamento das pessoas. Assim, fica claro que planejamento, planilhas, gráficos e dados são importantes, mas o mais importante é mexer com o coração das pessoas envolvidas. A mudança de comportamento é menos uma questão de oferecer análises para afetar o raciocínio do que ajudar a ver a verdade para influenciar os sentimentos. Tanto o pensamento quanto o sentimento são essenciais, e ambos estão presentes nas organizações bem-sucedidas, mas o coração das mudanças são as emoções (KOTTER, 2017). Neste módulo, vamos apresentar quatro das mais importantes teorias sobre mudança e como podem ser utilizadas no ambiente organizacional. Em função da sua ampla aceitação e utilização pelo mercado, vamos detalhar a metodologia de mudança do professor John Kotter. MÓDULO II – FAZENDO A MUDANÇA ACONTECER 14 Curva da mudança Imagine que a sua empresa investiu tempo e dinheiro em um novo processo e novos sistemas, treinou todos e facilitou a vida deles, ou assim pensa o diretor. No entanto, as pessoas continuam trabalhando à sua maneira antiga, utilizando arquivos Excel. Onde estão as melhorias esperadas? O fato é que as organizações não mudam apenas por causa de novos sistemas, processos ou estruturas. Eles mudam porque as pessoas dentro da organização se adaptam e mudam. Somente quando as pessoas fazem as suas próprias transições pessoais é que uma organização pode realmente colher os benefícios da mudança. Como alguém que precisa fazer mudanças na sua organização, o desafio é ajudar e apoiar as pessoas por meio dessas transições individuais, que às vezes podem ser intensamente traumáticas e envolvem perda de poder, prestígio... e até o emprego. Quanto mais fácil você puder fazer essa jornada para as pessoas, mais cedo a sua organização se beneficiará e maior será a probabilidade de você ser bem-sucedido. No entanto, se você errar, pode estar caminhando para o fracasso do projeto e da carreira. A “curva da transição” ou “curva da mudança” é um dos modelos mais conhecidos e mais poderosos utilizados para entender os estágios de transição pessoal e mudança organizacional. Isso ajuda a prever como as pessoas reagirão à mudança, para que você possa ajudá-las a fazer as suas próprias transições pessoais e garantir que elas tenham toda a orientação e o apoio de que precisam. A curva de mudança é amplamente usada nos negócios e no gerenciamento de mudanças, e há muitas variações e adaptações. A sua base conceitual é frequentemente atribuída à psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, como resultado do seu trabalho com pacientes terminais e os seus familiares. Etapas da transição, de Elisabeth Kübler-Ross As etapas de transição de Kübler-Ross são um modelo composto dos vários níveis ou estágios das emoções que uma pessoa experimenta ao encarar a morte. A psiquiatra Kübler-Ross inclinou-se para esse assunto por falta de pesquisa e informação sobre o tema da morte e a experiência de morrer. Ela começou a sua pesquisa analisando e avaliando aqueles que foram confrontados com a morte. O seu livro, bem como o modelo, foi inspirado pela sua associação e pelo seu trabalho com pacientes que eram doentes terminais. Esse modelo foi introduzido e recebeu o nome da autora a partir do lançamento do seu livro Sobre a morte e o morrer, em 1969. Os cinco estágios são: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Após a publicação do livro, verificou-se que o conceito e o modelo eram válidos para muitos outros casos além da morte, e variações começaram a ser trabalhadas para situações relacionadas às mudanças organizacionais. 15 Curva da mudança no ambiente organizacional A curva da transição de Elisabeth Kübler-Ross, tendo sido amplamente aceita, sofreu alterações para melhor adaptação ao mundo corporativo. O modelo de curva de mudança organizacional mais aceito descreve quatro estágios pelos quais as pessoas passam enquanto enfrentam e se ajustam às mudanças. Mogestad (2000) descreve as etapas da curva da mudança no ambiente organizacional como sendo de quatro etapas: negação, reação, reorientação, adaptação, conforme o gráfico a seguir. Gráfico 1 – Curva de mudança no ambiente organizacional Dessa forma, no processo clássico de mudança, segundo Mogestad (2000), encontram-se: 1. Negação – Ocorre quando a pessoa ouve pela primeira vez sobre a mudança e pauta-se por alguma passividade, pouca iniciativa, e há negação explícita ou implícita da mudança. Esta pode ocorrer em nível individual, de grupo ou organizacional, e apenas adia o problema que está na gênese da mudança, muitas vezes tornando-o pior. Assim, os gestores devem promover a saída desta fase com alguma celeridade para evitar que a organização perca oportunidades e passepor um período que comprometa as mudanças necessárias. 2. Reação – Ocorre quando os envolvidos percebem que a mudança está presente e é irreversível. Esta fase mostra comportamentos mais evidentes de reação contra a mudança e apresenta um período de produtividade muito baixo. Nesta fase, é comum apresentar comportamentos de irritação, agressividade e depressão. O papel do líder nesta fase é de muita escuta, empatia, mas também de firmeza e confirmação de que a mudança ocorrerá. 3. Adaptação – Acontece quando as pessoas aceitam a mudança como necessária e importante, ainda que não a desejassem. Caracteriza-se por um período mais enérgico em que as equipes conseguem pensar à frente e procurar formas de adaptação à mudança. Para um gestor esta fase é crucial, uma vez que deverá orientar o seu time nas atividades 16 de aprendizagem, planejamento e desenvolvimento de resposta à mudança. Neste estágio, as pessoas param de se concentrar no que perderam, e começam a se soltar e aceitar as mudanças. Eles começam a testar e a explorar o significado das mudanças e, assim, aprendem que a mudança também pode trazer algo de bom, e como podem adaptar-se. 4. Reorientação – Constitui a última etapa, em que as pessoas aceitam a mudança e adotam um novo comportamento de motivação e foco no cumprimento dos objetivos individuais e organizacionais, trabalhando com responsabilidade, produtividade e confiança. Nesta fase, os gestores devem reconhecer o trabalho efetuado, recompensando e estimulando os envolvidos ativamente no processo de mudança, preparando o início de um novo ciclo de mudança na busca da melhoria contínua. Neste estágio, as pessoas não apenas aceitam as mudanças, mas também começam a adotá-las: elas reconstroem as suas maneiras de trabalhar. Somente quando as pessoas chegam a esse estágio a organização pode realmente começar a colher os frutos da mudança. Cada fase pode durar um tempo diferente, dependendo da pessoa e da mudança, e também é possível que uma pessoa fique presa em um estágio específico e não se mova a partir daí. É fácil pensar que as pessoas resistem à mudança por falta de visão. No entanto, é necessário reconhecer que as mudanças podem afetar algumas pessoas negativamente de uma maneira muito real que pode não ter sido prevista. Por exemplo, pessoas que desenvolveram trabalhos específicos e conquistaram uma posição de respeito repentinamente podem ver as suas posições severamente minadas pela mudança. Com o conhecimento da curva de mudança, você pode planejar como minimizar o impacto negativo da mudança e ajudar as pessoas a se adaptarem a ela mais rapidamente. O seu objetivo é tornar a curva mais rasa e mais estreita, e ajudar os seus colaboradores a caminharem mais fácil e mais rapidamente pela curva. Kurt Lewin Kurt Lewin foi um psicólogo alemão, que se radicou definitivamente nos Estados Unidos em 1933 e se especializou em psicologia social. O seu modelo para o gerenciamento de mudança de comportamento é mundialmente conhecido e é também a base para vários outros modelos de mudança. Segundo Lewin, as mudanças de comportamento de um grupo de pessoas passam por três fases: 1. “descongelamento” dos comportamentos atuais e indesejados; 2. modificação de comportamento e 3. “congelamento” do novo comportamento. 17 A analogia que se faz é a do cubo de gelo ao qual se queira dar uma nova forma, por exemplo, piramidal. Para tanto, é necessário primeiramente descongelar o cubo de gelo. A água obtida é amorfa, portanto, moldável a qualquer recipiente. Para realizar a mudança, finalmente, é necessário que esta água obtida seja congelada no novo formato desejado. Vejamos cada uma das fases: 1. Descongelamento – Antes de ser possível qualquer mudança é preciso reconhecer a inadequação do comportamento atual. Lewin propõe que nesta etapa se faça uma grande reflexão sobre o que precisa ser mudado e por quê. Em um mundo em transformação, o jeito de agir da empresa, ou de um grupo de pessoas, pode ficar obsoleto rapidamente, mas nem sempre as pessoas se dão conta disso. Ter esse choque de realidade pode ser o primeiro passo para a necessária mudança. Nesta etapa, a liderança da empresa precisa deixar claro que não aceita mais um determinado tipo de comportamento. Esta fase aponta e deixa claro: o que precisa ser mudado e o quão urgente é essa mudança. 2. Mudança – Criada a conscientização da necessidade de mudança, é hora de agir. Hora de mudar. É um período de incerteza e receio, a etapa mais difícil de ser vencida. Nesta fase, discute-se qual é a mudança de comportamento que se quer implantar e, muito especificamente, qual é o novo comportamento que se deseja. Para-se de olhar para o passado e discute-se o futuro. Trata-se de definir o novo comportamento com clareza e, possivelmente, com a anuência de todos os envolvidos. A melhor técnica para isso seria o que hoje se chama de cocriação, ou seja, com a participação de todos os envolvidos. 3. Congelamento – Significa colocar em prática as decisões tomadas na etapa anterior. Quanto maior for o grau de participação dos envolvidos nas etapas anteriores, mais chance de sucesso terá essa fase. Quanto mais o grupo valorizar o novo comportamento desejado, mais eficiente será esta fase de “congelamento”. A mudança só será efetiva se atingir um patamar de estabilidade. Definido o novo comportamento, esta fase de “congelamento” foca o novo e como torná-lo presente e rotineiro. Otto Scharmer e a Teoria “U” Otto Scharmer é alemão, professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, professor de Mil Programas de Talentos na Universidade de Tsinghua, em Pequim, na China, e cofundador do Instituto de Presença. Ele preside o programa MIT Ideas, que ajuda líderes de negócios, governo e sociedade civil a inovar. A Teoria U nasceu da inquietação de Scharmer com a indagação: por que estamos criando de forma coletiva resultados que ninguém quer? (SCHARMER, 2019). 18 A Teoria U traz o conceito de “presenciar”, ou presencing, que consiste em uma jornada rumo ao exercício da liderança a partir das nossas mais altas possibilidades futuras. “Presenciar é uma combinação das palavras presence (presença) e sensing (sentir). Significa sintonizar-se e agir a partir da mais alta possibilidade futura – o futuro que depende de nós para ser criado” (SCHARMER, 2019). Por que Teoria U? Scharmer (2019) nomeou esse modelo de Teoria U pelo fato de o seu trajeto de implantação se assemelhar à letra U. O movimento completo do U é composto de seis pontos de inflexão, além de um limiar de transformação, na base do U, como pode ser observado na figura a seguir: Figura 4 – Teoria “U”, de Otto Scharmer De acordo com a Teoria “U” de Otto Scharmer, encontram-se: Descida do “U” – Um caminho para compreender os seus modelos mentais e como eles estão relacionados à realidade na qual está inserido. Fundo do “U” – É um espaço de reflexão, quando o indivíduo já tem um maior conhecimento sobre si e o ambiente, bem como a possibilidade de compreender a realidade atual e iniciar um processo de inovação, que é a subida do “U”. Subida do “U” – Novas ideias são colocadas em prática, embora o processo possa iniciar novamente, ou etapas serem revistas, se necessário. Pontos cegos De acordo com Scharmer, existem pontos cegos nas discussões globais de hoje, sugerindo que devemos reagir às atuais ondas de mudanças desestabilizadoras a partir de um lugar mais profundo. 19 Esse lugar deveria nos remeter a um novo tipo de futuro, um futuro a ser criado, em vez de apenas reagirmos aos padrões do passado, o que, em geral, só leva à perpetuação desses padrões. O primeiro ponto cego diz respeito ao pensamento econômico vigente, que reflete uma realidade econômica dos três últimos séculos, e, por isso, tão despreparadopara lidar com a realidade do século XXI. O segundo ponto cego diz respeito ao self, ou seja, o nosso eu, que representa quem somos realmente e o futuro que queremos criar. Conectar-nos com quem somos nos permite compreender o passado, ao mesmo tempo em que nos conectamos com o futuro que quer emergir por meio de nós. Isso permite que indivíduos, instituições e grandes sistemas promovam uma profunda mudança, que facilita as nossas intenções, inspirando a transformação coletiva. Quando essa mudança acontece, as pessoas começam a operar de acordo com o que, segundo Scharmer, é a essência do ideal de liderança hoje. Liderança na prática O autor sintetiza a sua teoria em um conjunto de insights poderosos, que funcionam como práticas a serem adotadas. Dois dos mais relevantes são: Para acessar e ativar as fontes mais profundas dos campos sociais, três instrumentos devem ser ajustados, ou “afinados”: a mente aberta, o coração aberto e a vontade aberta (vide “U”), Para abrir esses níveis mais profundos é preciosa a superação de três barreiras: a Voz de Julgamento (VOJ), a Voz do Cinismo (VOC) e a Voz do Medo (VOF). Por VOJ, entendem-se os velhos e limitantes padrões do julgamento. Sem a capacidade de desligar ou suspender a VOJ, não faremos nenhum progresso para acessar a criatividade e nunca atingiremos os níveis mais profundos do U. Já na VOC estão as emoções da desconexão, tais como cinismo, arrogância e frieza que nos impedem de mergulhar nos campos em volta de nós. Finalmente, a VOF representa o medo de deixar ir o eu familiar e o mundo conhecido; o medo de ir em frente e o medo de se render no espaço do nada. Princípios básicos para colocar em prática a Teoria U Scharmer (2019) elenca 24 princípios e práticas para conduzir à inovação e às mudanças profundas: 1. Atenda – Ouça o que a vida o convida a fazer. A essência do U é fortalecer a nossa presença e participação ativa no mundo. Preste atenção nos sinais à sua volta. 2. Conecte-se – Ouça e dialogue com participantes interessantes no campo. Fale tanto com os atores centrais como com os menos visíveis. Converse com as pessoas que participam do campo que lhe atrai. 3. Coinicie um grupo central diversificado que inspire uma intenção comum – Junte um grupo de pessoas interessadas nesse mesmo assunto e que queiram avançar e aprender. 20 4. Forme uma equipe central de protótipo altamente comprometida e esclareça questões essenciais – Uma equipe de cinco a sete pessoas pode ser um tamanho interessante. Inicie um trabalho prático. 5. Faça jornadas de mergulho profundo aos lugares de maior potencial – Este exercício conecta as pessoas a contextos e ideias que são relevantes para criar um futuro possível. 6. Observe, observe, suspenda a Voz do Julgamento – Suspender a sua VOJ significa desvencilhar-se do hábito de julgar a partir de experiências e padrões passados, para abrir uma nova possibilidade. 7. Pratique o ouvir profundo e o diálogo – Conecte-se a outros com mente, coração e vontade abertos. Abra todos os seus canais para ouvir e empatizar. 8. Crie órgãos de sensibilização coletiva que permitam ao sistema ver a si mesmo – O método do World Café é, por exemplo, uma prática muito útil para criar órgãos de sensibilização coletiva. 9. Deixe ir o seu velho eu e as coisas que devem morrer – O maior obstáculo para se mover pelo U vem de dentro: ele emerge da sua resistência. Lidar com a resistência é essencial quando você desce pelo lado esquerdo do U. 10. Deixe vir, conecte-se e renda-se ao futuro que quer emergir por você – Qual futuro você pode ter pela frente? Quem e o que você pode tornar-se? 11. Silêncio intencional – Adquira uma prática que o ajude a se conectar com a sua fonte. Pode ser apenas um recolhimento, um momento de silêncio, uma reza, uma meditação. Descubra o que lhe atrai mais e que lhe permite que você se conecte com o seu eu interior. 12. Siga a sua jornada – Faça o que ama, ame o que faz. Para acessar o melhor do seu potencial criativo você tem de seguir uma jornada que inclua felicidade e intuição. 13. Lugares de presença – Crie círculos nos quais as pessoas estimulem uns aos outros na intenção mais elevada. Desenvolver a capacidade de discernir e dar o próximo passo em situações em que as velhas estruturas sucumbem e novas ainda não emergiram, talvez seja a capacidade mais importante para conduzir o trabalho e a vida atualmente. 14. Poder da intenção – Conecte-se ao futuro que precisa de você. É possível ganhar energia quando se realiza algo que importa para você. 15. Forme grupos centrais – Cinco pessoas podem mudar o mundo. Uma frase atribuída a Margaret Mead é: “Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos comprometido pode mudar o mundo. De fato, é a única coisa que ele sempre faz”. 16. Forme microcosmos estratégicos como uma pista de aterrisagem para o futuro emergente – O objetivo de criar um protótipo é gerar um feedback de todos os stakeholders, a fim de refinar as premissas do seu projeto. O foco está em explorar o futuro na prática, e não apenas analisando. 21 17. Integre cabeça, coração e mãos – Não pense, sinta. Descer do lado esquerdo do U é abrir-se e lidar com a resistência do pensamento, com a emoção e com a vontade. Subir o lado direito é reintegrar intencionalmente a inteligência da mente, do coração e da mão no contexto de aplicações práticas. 18. Crie, adapte-se e sempre permaneça em diálogo com o universo – Não se prenda à forma inicial. Aprenda fazendo e evolua sempre. 19. Codesenvolva ecossistemas de inovação – Muitos líderes que enfrentam desafios difíceis percebem que os desafios exigem novos métodos de operar. 20. Crie infraestruturas de inovação com lugares seguros para o desenvolvimento pessoal – Assim como uma semente precisa de lugar e tempo para crescer, e um filho, de lugar e tempo para se desenvolver, a inovação precisa do mesmo para se desenvolver e surgir. 21. Teatro do Presencing Social – Desenvolva consciência coletiva. Desenvolva a consciência social tanto dos envolvidos no seu projeto quanto dos que virão. 22. Base intencional – Tenha propósito nas suas ações, antes, durante e depois do fato. 23. Base relacional – Sempre que duas ou mais pessoas se encontram e realmente se conectam, algo especial acontece. Crie oportunidades. 24. Base autêntica – O processo do U pode ser pensado como um processo de respiração. O lado esquerdo do U é a parte inalante do ciclo e lado direito é a parte exalante do ciclo, concretizando o campo do futuro. John Kotter: liderando mudança Kotter foi professor de liderança na Harvard Business School por muitos anos, tendo recebido do título de professor catedrático aos 33 anos de idade, um dos mais jovens da história de Harvard a receber tal honra. A sua área de trabalho é liderança e mudança. Kotter (2013) é enfático em dizer: “Como fazer as pessoas mudarem? Não é por meio de estratégia, estrutura, cultura ou sistema. Tudo isso é importante. Mas o núcleo da questão envolve uma mudança de comportamento, e ela só ocorre quando se fala ao coração das pessoas”. Como veremos, a metodologia de Kotter coloca a pessoa no centro da mudança. A sua metodologia é trabalhada em oito etapas, que apresentamos a seguir. Criação de um senso de urgência Ninguém muda sem querer! Enquanto estiver no modo “não querendo”, as pessoas podem resistir à mudança, ou, na melhor das hipóteses, se adaptarem e fazerem uma mudança frágil, prontas para voltarem para trás na primeira oportunidade. O ideal é que as pessoas desejem a mudança. Quando for este o caso, a mudança fica muito mais fácil e efetiva, mas como se consegue isso? 22 Vamos supor que uma empresa da área de serviço precise aumentar o seu “foco no cliente”, como parte da sua estratégia para ganhar venda recorrente e, consequentemente, receita. O foco da empresa é atualmente muitovoltado para a entrega do serviço, dentro de um padrão definido pela própria empresa, não considerando muito a necessidade do cliente. Sabemos que mudanças no padrão do serviço são custosas e apresentam riscos, uma vez que dependem parcialmente do julgamento de quem está entregando o serviço e de negociação com o cliente. Engajar um grupo de gerentes nesse desafio envolve vários passos e possibilidades: Conhecer mais desse assunto – Por exemplo, por meio de reuniões específicas, grupos de trabalho, fóruns de discussão, relatórios financeiros ou benchmarks com o mercado e concorrentes (impacto racional). Querer melhorar a situação atual – Por exemplo, por meio de feedback de clientes e acionistas, entender o impacto da situação atual e os seus impactos na remuneração variável, ou na empregabilidade ou sustentabilidade do atual emprego (impacto racional ou emocional). Clarificar qual é o meu ganho pessoal nisso – Pode ser de remuneração fixa ou variável, manutenção de emprego, carreira/promoção, ou satisfação pessoal (impacto racional ou emocional). É importante nesta fase apresentar argumentos que impactem tanto o lado racional, quanto o emocional dos envolvidos na mudança. Kotter é claro em argumentar que, para provocar o engajamento, é necessário o envolvimento emocional dos stakeholders. Criação de uma equipe de mudança Mudança não se faz sozinho, especialmente se for um processo amplo, longo, complexo e de grande impacto na organização. Alguns imaginam que bastaria designar um excelente gerente para o projeto de mudança, mas, de fato, mesmo gestores heroicos não conseguem sozinhos. É preciso criar uma equipe de mudança que possa ajudar tanto na concepção do projeto, quanto na sua implantação. Uma equipe de mudança deve incluir: Sponsor – Patrocinador da mudança, consegue recursos, tem a credibilidade e visibilidade necessária para a mudança caminhar com sucesso. O sponsor ou patrocinador é aquele que consegue recursos de todo tipo para a mudança: dinheiro; reuniões com stakeholders críticos, como a diretoria; e espaço no jornal interno da empresa em um momento crítico. Líder/gerente da mudança – É o líder e responsável por atingir os resultados desejados. Gerencia uma equipe multidisciplinar, como veremos a seguir. Líder e gerente da mudança são dois papéis importantes que podem ser interpretados pela mesma pessoa ou não. O líder é aquele que trata com os aspectos mais humanos da mudança: orientação e estratégia, alinhamento, motivação e, principalmente, inspiração para todos os envolvidos e impactados pela mudança. Já o gerente da mudança é aquele que trata de questões como: 23 orçamento, organização, recrutamento de pessoal, controle e solução de problemas. “A mudança bem-sucedida consiste em 70% a 90% de liderança e apenas em 10% a 30% de gerenciamento” (KOTTER, 2013). Especialistas – São os que aportam a visão técnica de algum assunto específico. Podem ter uma atuação parcial ou permanente na equipe. Por exemplo: RH, jurídico, compras, TI, operações, logística, etc. Pessoal com credibilidade, ligações e estatura – Para que a mudança consiga andar na velocidade adequada e atingir os stakeholders necessários (KOTTER, 2017). Stakeholders da mudança – Representantes dos impactados pela mudança. Tipicamente, uma amostra destes stakeholders faz parte da equipe para aportar a visão prática dos limites e das necessidades da mudança. É fundamental que este grupo traga uma representação da diversidade dos que serão afetados pela mudança. Por exemplo: nível, cargo, geografia, gênero, tempo de casa, geração, etc. Champions – São os embaixadores das soluções propostas para grupos específicos de stakeholders ou de áreas específicas. Podem ser designados durante ou após a conclusão dos estudos, já na fase de implantação. O Banco Votorantim, no seu processo de mudança de cultura, identificou e designou 17 embaixadores da cultura. “A própria escolha desses embaixadores da cultura leva em conta a lógica de que o exemplo é tudo. Entre os voluntários, apenas os que eram considerados exemplares foram aceitos” (MANO; VIEIRA, 2016). Será que falta alguém? Faça uma revisão geral dos stakeholders e verifique, mais uma vez, se você não se esqueceu de colocar no time uma amostra de algum conjunto de pessoas que poderá tanto ter um impacto para acelerar quanto retardar a mudança. Além desses papéis, Kotter (2013) ressalta ser fundamental que as pessoas convidadas para a equipe de trabalho tenham: poder para fazer a mudança necessária, o que significa frequentemente ir contra o status quo; credibilidade para que os demais colaboradores da empresa possam espelhar-se e, assim, desejar embarcar na mudança; liderança para conduzir o processo e inspirar outros a segui-lo e especialização, ou seja, conhecimento técnico da área que está sendo transformada. Nem todos os membros da equipe de mudança precisam ter todas as qualidades descritas acima, mas pelo menos uma delas. 24 Desenvolvimento da visão da mudança Uma das etapas mais importantes no processo de mudança é a criação da visão da mudança. Essa visão deve ser uma frase muito sintética sobre como ficará a empresa uma vez que a mudança seja efetivada com sucesso. Deve tocar especialmente o lado emocional dos envolvidos e, por isso mesmo, não é uma meta, não deve apresentar números ou ganhos financeiros, que tipicamente entram em contato com o nosso lado racional. Uma visão deve estar longe da zona de conforto. As pessoas da organização precisam ter motivos para acreditar que podem alcançar essa visão, no entanto, isso deve exigir esforços heroicos e talvez até um pouco de sorte. A visão: “Deve motivar as pessoas a tomar medidas certas. Ela reconhece implícita ou explicitamente os benefícios da mudança. Deve ajudar a coordenar as ações de diversas, centenas de pessoas, de uma forma incrivelmente rápida e eficiente” (KOTTER, 1999). A visão pode ser construída pelo time de mudança em reuniões com o objetivo específico para esse fim, mas também pode ser elaborada por um grupo maior de stakeholders, com 50, 100 ou 500 pessoas, como uma atividade de engajamento destas no processo de mudança. Se a mudança se refere à própria empresa como um todo, então, a visão da empresa pode incluir a transformação desejada pelos acionistas e a sua alta liderança, ou seja, pode ser “uma imagem daquilo que o pessoal da empresa aspira a que ela seja ou se torne” (ALBRECHT, 1994). A visão pode ser de um projeto, de uma área, de uma empresa, de um país, ou de uma cidade. Kuala Lumpur, capital da Malásia, foi uma das primeiras cidades a definir uma visão de futuro, no seu caso, para 2020, como sendo “Kuala Lumpur, uma cidade de classe mundial” (VISION AND GOALS OF KUALA LUMPUR, 2020). Já Vancouver, a terceira maior cidade do Canadá, pretende tornar-se “100% sustentável até 2050” (GRISOLIA, 2019). Vale a pena também mencionar uma das mais bem-sucedidas visões que o governo brasileiro já teve: tornar o Brasil autossuficiente na alimentação dos brasileiros, por meio da criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), uma organização de pesquisa inteiramente dedicada a este objetivo. Até o início dos anos 70 o Brasil era um grande produtor e exportador de café e açúcar, e importava quase todos os demais alimentos. Não conseguia manter a segurança alimentar de sua população. Hoje a agropecuária brasileira é uma das mais eficientes e sustentáveis do planeta, e produz alimento suficiente para um bilhão de pessoas, cerca de cinco vezes sua população, e tornou-se um dos maiores exportadores de alimentos do mundo e, sem dúvida, a Embrapa teve uma contribuição decisiva para isso (LOPES, 2019). 25 Comunicação da visão Em um mundo digital onde as pessoas se comunicam “o tempo todo”, parece ser quase desnecessáriodefinir o que é comunicação. Crianças são habituadas e estimuladas a interagir com o celular, o iPad e a televisão desde muito cedo, para conforto dos pais, mas sabemos, até intuitivamente, que o excesso de informação não é sinal de boa comunicação. Já temos mais de um celular e cerca de dois dispositivos digitais – computador, notebook, tablet e smartphone – por habitante em uso no Brasil, algo em torno de 420 milhões (FGV, 2019). O Brasil é um dos países que mais utiliza aplicativos como o WhatsApp, o Facebook e o Instagram no mundo. As mídias sociais têm revolucionado a comunicação, impactando os negócios, a política, a cultura e o lazer da população. As mais recentes crises políticas no mundo, incluindo China, Rússia e Venezuela, estão baseadas na comunicação pelos aplicativos do celular. Também no Chile, “os manifestantes continuam fazendo convocações de protestos nas ruas por meio das redes sociais, e as sextas-feiras já se tornaram dias clássicos para concentração e protestos” (EXAME, 2020). Até o papa Francisco aderiu e abriu uma conta no Twitter, pela qual fala diretamente com os seus fiéis pelo mundo todo. Assim, para atingir os objetivos da mudança, já não se pode comunicar um projeto somente pela mídia tradicional. Os gestores da mudança têm de estar atentos às necessidades do mundo moderno e comunicar utilizando todas as mídias mais atuais, especialmente as digitais. Não é de se esperar que um gerente de produção, ou de vendas, quando está na posição de líder de mudança, seja expert na utilização de mídias sociais, por isso deve atrair para a sua equipe de projeto o responsável pela área de comunicação da empresa, que é um especialista nessa área. As principais características para a comunicação efetiva da mudança são (KOTTER, 2013): simplicidade – o jargão e a linguagem técnica devem ser eliminados. metáforas, analogias e exemplos – uma imagem verbal vale mais que mil palavras. fóruns múltiplos – grandes e pequenas reuniões, memorandos e informativos, interação formal e informal. repetição, repetição, repetição – as ideias são absorvidas somente depois de serem ouvidas muitas vezes. liderança por meio de exemplos – o comportamento de pessoas importantes inconsistente com a visão esmaga outras formas de comunicação. É fundamental que os líderes mantenham comportamentos alinhados com o que se deseja mudar. explicação de inconsistências aparentes – inconsistências não explicadas minam a credibilidade de toda a comunicação. mão dupla – a comunicação de mão dupla é sempre mais poderosa do que a de mão única. 26 Empowerment para a ação Fazer uma mudança significativa na organização não é apenas mudar uma coisa, mas, sim, fazer dezenas ou centenas de pequenas mudanças, às vezes pouco perceptíveis, em todos os níveis e áreas enquanto se faz uma grande mudança muito visível. Esta é uma das razões para se ter representantes de todas as áreas importantes da empresa tanto na fase de concepção quanto na implantação da mudança, pois a eliminação dos pequenos entraves, de forma descentralizada, é fundamental. Mesmo para uma equipe de mudança muito competente e engajada, é muito difícil que consiga prever todas as pequenas mudanças que precisam ser feitas nas áreas afetadas para que a grande mudança possa ter sucesso, por isso é fundamental trabalhar utilizando o conceito de “ação descentralizada” ou empowerment. O papel da liderança que apoia a mudança deve ser de remover as barreiras ao novo e alterar processos que já não fazem mais sentido em face da inovação proposta. É comum que durante a mudança algum procedimento de trabalho ainda esteja definido segundo padrões anteriores à mudança. É possível, por exemplo, que a remuneração variável dos vendedores esteja ainda correlacionada à “quantidade vendida” enquanto a empresa esteja tentando mudar para uma nova visão de “venda de qualidade e melhoria da margem de lucro”. A empresa pode divulgar a sua nova visão, mas se não fizer a troca do seu sistema de remuneração não vai conseguir mudar o comportamento dos seus vendedores. Lembramos, mais uma vez, como é importante trazer os especialistas para fazer parte da equipe de mudança, neste caso, o gerente de recursos humanos ou o gerente de remuneração. Vale ressaltar que um projeto grande e complexo é frequentemente composto de dezenas ou centenas de pequenos projetos que precisam estar alinhados. Nesse caso, torna-se fundamental que a empresa faça um projeto para alterar a forma de remuneração dos seus vendedores. Caso do Big Mac Nos anos 1960, o McDonald’s vendia apenas opções simples de hambúrgueres e batatas fritas. Operando a sua loja em uma região industrial dos Estados Unidos, o franqueado Jim Delligatti, percebeu que os seus clientes eram muito grandes e comiam vários sanduíches para matar a fome, então, imaginou que um “sanduichão” com duas carnes poderia ser um sucesso de vendas e, pronto, criou o Big Mac. É claro que o franqueado, no início, não contou nada para a liderança do McDonald’s, porque, por contrato, o franqueado não podia alterar o padrão dos sanduíches vendidos na rede. Isso era uma regra de ouro. 27 Figura 5 – Big Mac O gerente regional, no entanto, examinando os números crescentes de Jim Delligatti, percebeu que havia algo de errado, ou de certo, naquela loja, e decidiu investigar. Delligatti escondeu a sua invenção o quanto pôde, pois estava infringindo uma regra importante da rede: havia introduzido um novo produto sem autorização da matriz. O McDonald's inicialmente foi contra o produto inovador de Delligatti. Depois, vencidos pelos números espetaculares, deixou o empresário vender o hambúrguer gigante nas suas lojas. Em 1968, ele foi lançado em todas as lojas dos Estados Unidos e, posteriormente, entrou de vez no cardápio mundial. Delligatti nunca ganhou participação sobre as vendas desse produto, conforme rezava o seu contrato com a rede (LOVE, 1996). Atualmente, o Big Mac é um ícone e um dos produtos mais vendidos no mundo, e em 1986 a revista The Economist criou o índice Big Mac, que é um indicador econômico que acompanha a inflação ao redor do mundo a partir do preço de venda desse sanduíche nos vários países. Este caso mostra: como a inovação e a mudança podem ocorrer “nas pontas”, fora do escritório central das corporações, porque inova mais quem está mais perto do cliente; como a mudança, mesmo sendo benéfica para a empresa, sofre resistência e represálias do sistema atual. Vitórias de curto prazo Mudanças grandes e complexas demoram anos para ficarem prontas. Pode-se dizer que essas mudanças são mais parecidas com uma maratona do que com uma corrida de 100 metros: é preciso ter fôlego e resistência. Porém, se o interesse e a energia do líder da mudança parecem inesgotáveis, o mesmo não se pode dizer dos que estão à sua volta, sendo impactados pela mudança, por isso é crítico estimular permanentemente o entusiasmo dos envolvidos e interessados na mudança. Não se pode esperar cinco anos para celebrar a mudança, é preciso fazer celebrações intermediárias ao longo do processo, para manter os stakeholders engajados e apoiando o processo em andamento. 28 Deve-se ter claro que uma mudança de grande porte não é feita com um único movimento. Em geral, trata-se de dezenas ou milhares de pequenas ações que vão direcionando a empresa para o caminho desejado. Para manter os seus apoiadores satisfeitos com o rumo da mudança, devem-se celebrar “pequenas vitórias” ao longo do processo. Mudança organizacional também pode ser comparada com virar um grande navio, um transatlântico: as pessoas que estão na frente podem ver a mudança acontecendo e para onde o navio está se dirigindo, mas as pessoas na parte de trás podem não perceber, por um tempo, por isso a comunicação do processo é fundamental, e ao mesmo tempo, celebraras conquistas intermediárias que trazem para todos os interessados a percepção de que “estamos no caminho certo”. Essas vitórias de curto prazo “aumentam a fé na viabilidade da mudança, recompensam emocionalmente os que trabalham duro, mantêm os críticos a distância e sustentam o impulso” (KOTTER; COHEN, 2017). Caso da Corretora Easynvest Figura 6 – A Easynvest mudou a forma do mercado investor Leuzinger (2017) descreve o caso da Título Corretora, que foi fundada em 1968 e passou cerca de 30 anos atuando de forma tradicional, como qualquer outra corretora de valores, com foco na Bolsa de Valores. Em 1999, a corretora lançou uma das primeiras plataformas on-line de compra e venda de ações do País, o chamado home broker. O nome da ferramenta? Easynvest. Em 2016, a corretora se tornou a líder no Tesouro Direto, com mais de 100 mil investidores nessa área. 29 A agora denominada Corretora Easynvest, ou simplesmente Easynvest, engatou um salto quântico em dois anos, sextuplicando o seu número de clientes de 45 mil em 2015 para esperados 300 mil no fim de 2017. O número de colaboradores também foi multiplicado por seis, desde 2012, pulando de 40 para 230. Em 2017, a Advent comprou quase metade da Easynvest por R$ 200 milhões. No caso acima, podemos verificar uma mudança significativa na empresa, incluindo produtos e serviços, os seus clientes, acionistas e até mesmo o seu nome, mas notem que todas essas mudanças foram ocorrendo ao longo de muitos anos, permitindo que os envolvidos pudessem adaptar-se minimamente, ao mesmo tempo em que se preparavam para o próximo passo. Cada uma das etapas descritas acima – nova plataforma, número de clientes crescente, novo nome, recordes de clientes, novos acionistas – deve ter sido celebrada pelos líderes da empresa ao longo dos anos e, talvez, por todos os que ali trabalhavam naquele momento, permitindo a readaptação passo a passo de todos. Não permitir o desânimo Mudanças complexas são muito difíceis de serem planejadas antecipadamente em grande profundidade e nível de detalhe, considerando os vários anos de projeto. Assim, é muito comum que os envolvidos nos projetos, em algum momento, acabem por entender que o projeto já acabou. Segundo Kotter (2017), “É fácil proclamar a vitória cedo demais e tornar-se complacente. Isso acontece o tempo todo. Essas armadilhas são inerentes à própria natureza da mudança em grande escala”. Sabemos que mudanças de grande porte e complexas tipicamente demoram alguns anos para chegar ao fim e, por vezes, a equipe de mudança esmorece, envolve-se com outros projetos e acaba declarando o fim do projeto cedo demais. Por exemplo, uma fusão entre empresas é um processo complexo que demora anos para finalizar. Marcelo Orticelli, que foi diretor de gente e cultura do Itaú Unibanco, e trabalhou na fusão do Itaú com o Unibanco, relata que “A literatura diz que a consolidação de uma cultura leva entre cinco a sete anos, e, no nosso caso foram aproximadamente cinco anos” (ORTICELLI, 2019). Uma das questões relevantes do porquê de uma mudança complexa demorar muito em uma empresa grande é porque os sistemas de trabalho são interdependentes, ou seja, são interligados: se você mexe em algo em algum lugar, terá um efeito em alguma outra coisa em outro lugar, por isso uma mudança complexa não pode ser analisada somente em si, mas é também necessário que se analisem os seus impactos, portanto, as resistências provocadas à sua volta. Kotter (1999) ressalta que: Mudar cenários bastante interdependentes é muito difícil porque, definitivamente, você tem de mudar quase tudo. Por causa de todas as interconexões, você quase nunca pode mover apenas um elemento por si 30 só. Você tem de mover dezenas ou centenas ou milhares de elementos, o que é um processo difícil e demorado e raramente pode ser conseguido por apenas algumas pessoas. Dessa forma, é comum descobrir que a sua mudança começou com um escopo, mas evoluiu ao longo projeto para algo maior e mais complexo, não previsto inicialmente. Uma forma de manter a energia e não desanimar nem querer terminar o projeto antes do necessário é, de fato, celebrar cada passo importante na direção da finalização do projeto, sem esquecer que, como diz o ditado popular: “A mudança só acaba quando termina”. Não se deixe enganar pelo sucesso de curto prazo. Tornar a mudança duradoura Quando se faz uma mudança profunda e abrangente em uma empresa, muito provavelmente estará tocando, senão também modificando, parte da sua cultura. Fixar um novo conjunto de práticas em uma cultura já é difícil o bastante quando esses métodos são consistentes com o núcleo da cultura. Quando não são, o desafio pode ser ainda maior, por isso vale a pena verificar se o projeto que se está gerindo vai ao encontro dos valores de fato da empresa, ou se haverá choque. Nesse caso, projeto será muito mais amplo, pois precisará também considerar a gestão da mudança da cultura da empresa em paralelo ao projeto original. A cultura se refere a normas de comportamento e valores compartilhados entre um grupo de pessoas e é importante porque pode influenciar poderosamente o comportamento humano. Kotter (1999) esclarece que nós nos relacionamos com a cultura como um peixe se relaciona com a água. Como ela está em toda a parte, embora invisível, você simplesmente não pensa nela, apesar da grande influência que tem sobre você. A ideia é não brigar com a cultura, pois é uma força muito poderosa e resiliente. Se for preciso mudá-la, que se faça isso de maneira consciente. Caso contrário, use a cultura a seu favor. É preciso também ficar alerta para ter certeza de que o líder do projeto terá enraizado a mudança antes de partir para um novo desafio, quem sabe em um cargo maior em outro local da empresa. Kotter (1999, 2017) apresenta vários casos de projetos tidos como consolidados, que, apesar disso, voltaram alguns passos para trás com a saída do sponsor ou gerente do projeto. Enraizar uma mudança significa que ela não pode depender de uma pessoa para continuar operando eficientemente. Finalmente, gostaríamos de dizer que este tema de cultura é tão relevante que decidimos dedicar um capítulo inteiro para a sua melhor compreensão.1 1 Vide Módulo IV – Mudança e cultura. Neste módulo, vamos apresentar e discutir uma das mais importantes áreas da gestão de projetos: o gerenciamento de stakeholders. Como já vimos nos capítulos anteriores, gerenciamento de projetos é, em grande parte, gerenciamento de pessoas, sejam elas da equipe de mudança ou não. As pessoas que são ou serão afetadas pelo projeto durante a sua execução ou após a sua implantação poderão auxiliar ou resistir. Se forem pessoas poderosas poderão ter um impacto significativo no projeto. Em função disso, o PMBOK recomenda o gerenciamento das pessoas que são ou serão impactadas pelo projeto, como forma de garantir a sua boa execução. Além disso, vamos analisar quem são os stakeholders, como identificá-los, como gerenciá-los e como planejar e executar um plano do seu engajamento ao projeto. O que são stakeholders Todo projeto traz no seu resultado uma mudança, que pode agradar ou desagradar aqueles que são afetados por ela, em maior ou menor grau. Um projeto pode resultar em todo tipo de reações das pessoas que serão afetadas. Vamos imaginar que o governo anuncie a realização de uma nova estação de metrô no bairro. Muitos vão ficar felizes com essa notícia, pois isso facilitará o transporte dos moradores da região e dos seus visitantes. Os investidores também ficarão felizes, pois os imóveis também terão os preços aumentados. O comércio da região terá mais movimento e mais dinheiro no seu caixa, mas uma parcela dos moradores não ficará satisfeita: aqueles que terão os imóveis desapropriados para a construçãoda nova estação. MÓDULO III – GERENCIAMENTO DE STAKEHOLDERS 32 Podemos ver, assim, que o metrô precisará lidar com diferentes conjuntos de pessoas para que a obra não venha a ficar parada por meio de alguma ação na justiça. A cada um desses conjuntos chamamos de stakeholders. Figura 7 – Stakeholders A palavra stakeholder tem várias possíveis traduções para o português, e a que consta no PMBOK (PMI, 2018) é “parte interessada”. Uma possível tradução para o termo stakeholder é: stake = aposta, interesse; e holder = aquele que tem a posse, daí a tradução para parte interessada. Também se usam comumente no Brasil as expressões “afetados”, “impactados” e “envolvidos”. No guia PMBOK, a palavra stakeholder se refere a pessoas ou organizações ativamente envolvidas no projeto, que têm interesse no projeto ou que são afetadas por ele. Ainda segundo o guia PMBOK, os stakeholders podem exercer influência sobre o projeto e as suas entregas. No Brasil, o termo stakeholder é correntemente utilizado, apesar de representar um estrangeirismo. Identificando stakeholders Valle (2014) aponta que a correta identificação dos stakeholders é o primeiro passo para saber o que deve ser produzido, para quem e em que quantidade e formato. Necessidades de informação da alta administração são diferentes daquelas da área contábil. Informações julgadas adequadas para gerentes e chefias podem ser insuficientes para profissionais de áreas técnicas e de implantação, e ainda consideradas por demais detalhadas e desnecessárias para patrocinadores ou diretores. 33 Um stakeholder pode ser uma pessoa, um grupo ou uma organização. Wideman (2004) aponta os seguintes tipos de stakeholders: Qualquer um que esteja diretamente relacionado com o projeto, como fornecedores, consumidores e todos os envolvidos no processo do projeto; Aqueles que têm influência sobre infraestrutura; tecnologia; e condições físicas, comerciais, financeiras, socioeconômicas e políticas que afetam o projeto; Aqueles que têm uma relação hierárquica com o projeto, por exemplo, autoridades governamentais; Indivíduos, grupos ou associações que possuem direitos adquiridos, muitos dos quais não diretamente envolvidos com o projeto, mas que podem vê-lo como uma oportunidade de ampliação ou ameaça desses direitos. Nessa linha, Frooman (1999) argumenta que o desenvolvimento de uma análise de stakeholders deve responder a três questões principais: Quem são eles? Esta questão refere-se aos atributos dos stakeholders. O que eles querem? Esta questão refere-se às finalidades dos stakeholders. Como eles vão tentar conseguir o que querem? Esta questão refere-se aos métodos utilizados pelos stakeholders. Entre as técnicas mais utilizadas para se identificar stakeholders estão: análise do projeto; brainstorming; entrevista com stakeholders críticos e reuniões com a equipe de projeto. Devido à complexidade e à quantidade de stakeholders é fundamental que o gerente do projeto defina uma maneira de classificar os seus stakeholders para melhor gerenciá-los. Segundo Valle et al. (2014), as categorias típicas de stakeholders são: Cliente ou usuário do produto do projeto – São os que recebem os produtos ou serviços do fornecedor. Em geral, estão no centro das atenções. Patrocinador (sponsor) ou investidor – O patrocinador é um stakeholder importante, na medida em que possui interesse no sucesso da sua conclusão e nos resultados que vai gerar. Gerente do projeto – É um stakeholder-chave em qualquer projeto. É aquele que gerencia o projeto no dia a dia. Equipe de projeto – São os que trabalham no projeto, ainda que não necessariamente integralmente. Familiares dos membros da equipe de projeto – Determinados projetos demandam uma alta carga de trabalho em alguns momentos e podem causar estresse nos membros da equipe, o que afeta o seu relacionamento com a família. Por outro lado, questões familiares também podem afetar a motivação e o foco de atenção do membro da equipe. 34 Organização executora do projeto – A empresa tem o risco de perda de capital investido caso o projeto não seja bem-sucedido. Comunidade – Uma comunidade pode referir-se, por exemplo, à população de um bairro ou de uma cidade, aos empregados de uma empresa ou aos fiéis de uma igreja. Podem também se referir a grupo de defesa de uma causa ou questão. Sociedade – A sociedade pode ser definida como a comunidade, a nação ou um amplo grupo de pessoas com tradições comuns, valores, instituições, interesses e atividades coletivas (CARROL; BUCCHOLTZ, 2012). Estado – O Estado sempre é um stakeholder em qualquer projeto, pois é ele que regula a vida de um país por meio de leis e de agentes que garantem o seu cumprimento. Gerações futuras – A inserção das futuras gerações como um dos stakeholders em projetos está relacionada com o conceito de desenvolvimento sustentável, que é aquele que atende às necessidades atuais sem comprometer a sobrevivência e as necessidades das gerações futuras. Listadas acima estão as categorias mais típicas de stakeholders, mas podem ser bastante diferentes dependendo do projeto. Veja o caso a seguir. Caso da empresa de assistência médica2 Os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) indicavam que o Brasil tinha naquele ano cerca de 40 milhões de pessoas atendidas por um plano médico privado no Brasil e cerca de 10 milhões de pessoas com plano privado exclusivamente odontológico. Algumas pessoas possuíam os dois tipos de planos. Destas, cerca de 3/4 eram atendidas por planos empresariais. Rogério Cândido, fundador e presidente da Saúde Total e Medicina, via muitas oportunidades de crescimento da sua empresa, tanto no segmento de assistência médica, quanto no de assistência odontológica. A sua empresa havia fechado o ano com 400 mil de vidas e visualizava um crescimento de 30% ao ano para os próximos cinco anos, chegando a um tamanho de 1,5 milhão de vidas ao fim dos cinco anos. Era uma meta agressiva, mas possível, pensou ele. O plano era atacar o mercado em três frentes: Conquistar empresas que nunca tinham dado esse benefício para os seus colaboradores. Conquistar empresas que já davam esse benefício, mas estavam insatisfeitas com os seus atuais fornecedores. Vender o serviço complementar, ou seja, vender assistência odontológica para quem já tinha assistência médica. 2 História baseada em uma situação real, com nomes e dados fictícios. 35 Antônio Ferreira, diretor comercial, e o seu time de projeto já haviam pesquisado o mercado e entendido que, além de preço, esse era um mercado de gente trabalhando com gente, e resolveram mapear os stakeholders envolvidos. Em um primeiro levantamento, identificaram 10 categorias de stakeholders, no que se refere a planos empresariais: 1. Diretoria – Frequentemente, o plano de saúde é aprovado por toda a diretoria do cliente. 2. Diretor de RH – É o principal interlocutor de alto nível. 3. Diretor financeiro e o seu time – Fazem a análise de custo do plano e a sua viabilidade. 4. Gerente de benefícios – É quem faz a análise técnica do plano de saúde e compara os planos concorrentes. 5. Colaboradores – São os que vão utilizar e pagar, em parte. 6. Familiares dos colaboradores – São os que vão utilizar o plano junto com os colaboradores. 7. Médicos conveniados – São os que vão prestar serviços e receber pelos serviços prestados. 8. Hospitais – São os que vão prestar serviços e receber pelos trabalhos prestados. 9. Usuários atuais – São os que podem referendar a qualidade da empresa Saúde Total e Medicina para futuros usuários. 10. Profissionais de RH que já são clientes – São os que podem referendar a qualidade da empresa Saúde Total e Medicina para futuros clientes. O time de projetodesenvolveu planos específicos para o relacionamento com cada um dos stakeholders identificados. Por exemplo, passou a apoiar e patrocinar os grupos de RH para estar mais próximo dos formadores de opinião da área de RH, além de um novo programa de treinamento para o pessoal dos hospitais. Passados alguns meses, o time de projeto identificou um grupo de stakeholders que frequentemente dificultava as suas negociações com as empresas que já tinham um plano de assistência médica privada e queriam trocar: as grávidas. Figura 8 – Grávida e a sua médica 36 Vários desses potenciais novos clientes travaram as suas negociações em função das mulheres grávidas de empresas, especialmente as que estavam no fim da gestação e que se recusavam a trocar de médico e hospital depois de meses de acompanhamento. Diziam que haviam desenvolvido uma relação de muita confiança com o seu ginecologista e que não queriam trocar. Várias grávidas eram esposas de stakeholders poderosos e criavam dificuldades na troca do plano médico. A solução foi levantar a lista de médicos ginecologistas que atendiam no plano atual e buscar incluí-los como conveniados no novo plano, provocando, assim, o menor estresse possível para as grávidas. Antônio Ferreira aprendeu que não se deve menosprezar qualquer grupo de stakeholders, por menor que seja, pois pode ser barulhento e muito poderoso. Gerenciamento de stakeholders Gerenciar stakeholders é compreender as suas preocupações e necessidades, bem como buscar meios de alinhá-los aos interesses do projeto, ou fazer ajustes no projeto de modo que possa ficar mais atrativo para os stakeholders. O guia PMBOK (PMI, 2018) define o gerenciamento de stakeholders como sendo um processo de comunicação e interação com os stakeholders, para atender às suas expectativas e necessidades e solucionar questões à medida que ocorram. Isso envolve: gerenciar ativamente as expectativas dos stakeholders, para aumentar a sua probabilidade de aceitação; negociar e influenciar os desejos dos stakeholders, para alcançar e manter as metas do projeto, e esclarecer e solucionar questões identificadas junto aos stakeholders. É preciso salientar que um stakeholder ou um grupo de stakeholders define o escopo do projeto, por isso o gerenciamento dos stakeholders pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso de um projeto (VALLE et al., 2014). O bom gerenciamento de stakeholders está diretamente relacionado a uma boa identificação e categorização dos envolvidos no projeto. O gerenciamento de stakeholders trata fundamentalmente do relacionamento entre pessoas, por isso é importante que o gerente do projeto tenha clareza não só do cargo e do nome dos seus stakeholders, mas quem são e como se comportam as pessoas por trás desses crachás. Para saber motivar ou resolver problemas com os seus stakeholders, o gerente do projeto precisa saber os interesses superficiais e mais profundos, especialmente daqueles considerados relevantes para o projeto. 37 É claro, também, que não se consegue investir tempo e energia para se conhecer em profundidade todos os stakeholders de um projeto complexo, que podem ser dezenas ou centenas, por isso é preciso identificar aqueles que são especialmente importantes ou críticos para o sucesso do projeto. Algumas características que devem ser consideradas para a separação dos grupos críticos são: Poder e decisão – É um stakeholder que pode acelerar ou parar o desenvolvimento do projeto? Influência – Não tem poder formal, mas tem influência para facilitar ou dificultar o andamento do projeto? Tipicamente uma assistente de diretoria está neste caso: abre ou fecha portas. Relacionamento – Tanto de pessoas de dentro como de fora da empresa. Por vezes, o projeto emperra, ou pode emperrar, em função de algum órgão governamental que não conhece todas as variáveis do projeto. Ter alguém ao seu lado que consegue abrir portas pode ser uma salvação. Conhecimento – Por mais que haja muito conhecimento disponível na internet, por vezes, torna-se crítico saber escolher e usar um conhecimento rapidamente. Financeiro – O seu projeto depende de quais fontes de financiamento? Os recursos podem ser controlados por uma infinidade de interessados, como bancos, financiadores, entidades de fomento, associações, etc. Uma forma de avaliar a criticidade dos stakeholders é por meio da Matriz “Posicionamento X Influência”. Os níveis tanto de posicionamento quanto de influência podem ser avaliados em uma escala de 1 a 5, conforme indicado a seguir (VALLE et al., 2014). Posicionamento: 1. forte rejeição à atividade do projeto; 2. pequena rejeição à atividade do projeto; 3. apoio neutro em relação à atividade do projeto; 4. pouco apoio à atividade do projeto e 5. forte apoio à atividade do projeto. Influência: 1. nenhuma influência no projeto (pode ter ou tem); 2. influência pequena no projeto (pode ter ou tem); 3. influência média no projeto (pode ter ou tem); 4. influência importante no projeto (pode ter ou tem) e 5. influência muito grande no projeto (pode ter ou tem). 38 Figura 9 – Matriz de Posicionamento X Influência Fonte: Baseado em Nolan e Kolb (1987). Aliados: alta influência e posicionamento a favor São aliados por definição, por exemplo, sponsor. Planejar a sua participação. Manter comunicação permanente. Utilizar o seu apoio de forma inteligente. Membros da rede: baixa influência e posicionamento a favor Podem ser agentes de mudança ou interessados. Manter canal de comunicação aberto, podem trazer importantes “informações de campo”. Manter comprometimento. Desaceleradores: baixa influência e posicionamento contrário Só podem ser alvos de interesse. Mudar o seu interesse ou afastar. Buscar apoio dos membros da rede ou aliados, quando necessário. Bloqueadores: alta influência e posicionamento contrário Devem estar entre os alvos de interesse do projeto. Talvez sejam afetados negativamente pelo projeto. Mudar o seu interesse ou tirar o seu poder sobre o projeto. Buscar apoio de aliados para mudar esse posicionamento. Acompanhar de perto o comportamento deste grupo. 39 Abaixo, um exemplo de uma Matriz de Posicionamento X Influência para um projeto de construção de uma nova linha de produção em uma indústria: Figura 10 –Matriz de Posicionamento X Influência Uma vez classificados os stakeholders, o gerente de projeto deve incluir essa classificação nos registros sobre os stakeholders. Veja o quadro a seguir: 40 Quadro 1 – Registros sobre os stakeholders stakeholder contato posição envolvimento/ impacto qualificação (A, B, M, D) motivo (D, C, M) Joaquim cel.: 97354-0xx chefe da divisão X irá alterar a sua estrutura desacelerador medo pela perda de poder fornecedor de material Y cel.: 98544-xxx fornecedor de mat. os contratos deverão ser revistos desacelerador dúvidas quanto ao novo contrato Maria ramal: 453 supervisor de prod. irá assumir novos processos membro de rede antevê promoção sindicato 3755-xxxx representa os operários novas atribuições para os operários com novas tecnologias bloqueador certeza de que os operários irão trabalhar mais outros... A – aliado B – bloqueador M – membro de rede D – desacelerador D – dúvida C – certeza M – medo Planejando e controlando o engajamento dos stakeholders Trentim (2012) aponta que o engajamento dos stakeholders é um dos fatores críticos de sucesso dos projetos. Para que os stakeholders estejam engajados no projeto é fundamental que o projeto esteja caminhando na direção das suas expectativas, portanto, é preciso que estas tenham sido levantadas e confirmadas ao longo do projeto. 41 Já
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