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Lógica Kantiana e Hegeliana


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LÓGICA, LÓGICA TRANSCENDENTAL, LÓGICA ESPECULATIVA 
 
Arthur Nadú Rangel1 
 
 
 
“A oposição produz a concórdia. 
Da discórdia surge a mais bela 
harmonia”. - Heráclito 
 
 
 
 
APRESENTAÇÃO 
 
 O presente texto tem o objetivo de trazer em linhas gerais a Lógica kantiana, 
através do estudo da Lógica Geral e da Lógica Transcendental, tal estudo destas 
lógicas tem o objetivo de, em linhas gerais, nos capacitar para o entendimento da 
construção hegeliana da Lógica Especulativa. A construção hegeliana é, como iremos 
ver, a continuação espiritual da Lógica kantiana, avançando para a Lógica do 
Absoluto. Devemos ter em mente que Kant não tinha pretensão de avançar sobre um 
absoluto, desta forma a sua Lógica tratou de pensar apenas o pensar como a forma 
que o homem entende o mundo e entender este pensar através das categorias puras 
do conhecimento. Já Hegel busca construir uma lógica além destas categorias, com o 
objetivo de estudar o real em sua totalidade, buscando assim a unidade dentro de uma 
 
1 Mestre em Direito na UFMG, área de concentração 4 (Estado, Razão e História) no subtema - 
Estudos Estratégicos. Doutorando em teoria da Justiça na UFMG sob orientação do Prof. Dr. 
Joaquim Carlos Salgado. Especializado em ciências criminais pela faculdade Arnaldo, participante dos 
Seminários Hegelianos da Faculdade de Direito da UFMG; 
2 
 
unidade metafisica. Desta maneira, é de fundamental importância compreender Kant 
para que possamos compreender Hegel. 
 
 
LÓGICA KANTIANA 
 
A filosofia de Kant, como dito em Salgado, é uma filosofia baseada na 
interiorização, de maneira que o pensar começa no interior do sujeito e para o interior 
se encaminha, de maneira que não é possível conhecer os objetos externos, mas 
apenas os fenômenos destes, que são o que se dá na nossa sensibilidade2. 
 Após a apreensão destes conceitos básicos podemos seguir para o que é, de 
fato, o conhecer em Kant. Para ele, o conhecer só é possível graças à duas faculdades 
do homem: a nossa capacidade de receber representações, que ele chama de 
receptividade de impressões, e a nossa capacidade de conhecer um objeto por essas 
representações. Essas representações se tornam em intuições, e o que conhecemos a 
partir delas se torna em conceito; as faculdades que geram esses “produtos” são, 
respectivamente, a sensibilidade e o entendimento. Sendo a primeira a faculdade de 
receber representações, Kant descreve a segunda como a nossa capacidade de 
produzir representações, ou “espontaneidade do conhecimento”, que entendemos 
como a nossa capacidade de criar conhecimento, que se torna em si uma 
representação por não se tratar do noumenon, mas uma representação gerada no 
entendimento.3 
 Destacamos aqui, que apesar de ser tentador pôr o entendimento como uma 
faculdade superior à sensibilidade, por ter mais contato com a nossa ideia básica do 
que é o pensar, em Kant elas estão no mesmo nível, como faculdades equivalentes, 
ambas internas ao nosso pensar, dado que não podemos, de fato, conhecer o objeto 
 
2 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Kant: Sua fundamentação na Liberdade e na 
igualdade. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. Pág. 9; 
3 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução J. Rodrigues de Merege. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 2017, Pág. 63; 
3 
 
externo ao sujeito. Isso se dá porque, em Kant, elas precisarão se complementar para 
gerar o conhecimento sensível, necessariamente derivado da nossa sensibilidade. 
Como Kant diz, “Pode chamar-se à sensação, a matéria do conhecimento sensível4” 
e, além disso: “Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem certos conceitos, 
são cegos5”, logo é apenas no resultado da união das duas faculdades que se resulta 
conhecimento. 
 Kant inclui a informação, importante para o desenvolvimento da lógica, de que 
é possível ter intuições puras e conceitos puros, sendo chamados puros por não terem 
em si conteúdo. A intuição pura se trata da nossa capacidade pura de perceber um 
objeto e o conceito puro contém a forma geral do pensamento de um objeto. Ambos 
são dados à priori, ao contrário das intuições e conceitos com conteúdo sensível, que 
são dados a posteriori, ou seja, as formas existentes à priori são aplicadas 
posteriormente aos objetos sensíveis, gerando conhecimento sensível.6 
 Estas faculdades em Kant geram a Estética, ciência da sensibilidade, e a Lógica, 
ciência do entendimento, que estudam as faculdades em profundidade. Neste trabalho 
focaremos na Lógica. 
 
Em Aristóteles 
 
 Antes de tocar neste assunto, achamos preferível tocar da Lógica encontrada 
em Aristóteles, que contribuiu como base ao pensamento de Kant. Como é apenas 
uma menção, focamos na obra “Tópicos”, que tínhamos em mãos facilmente, de 
Aristóteles, que é, de acordo com o mesmo, focado na ideia de “raciocínio dialético” e 
que tinha por intenção “encontrar um método de investigação, graças ao qual 
possamos raciocinar [...]7”. 
 
4 Idem; 
5 Ibidem, Pág. 64; 
6 Ibidem, Pág. 63; 
7 ARISTÓTELES. Tópicos in Os Pensadores. Livro IV. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Pág. 11; 
4 
 
 Aristóteles cria um sistema de raciocínio, sua lógica, baseado em deduções, 
cuja validade depende da validade do conteúdo das proposições. Ele resume o 
raciocínio desta maneira: “Ora, o raciocínio é um argumento em que, estabelecidas 
certas coisas, outras coisas diferentes se deduzem necessariamente das primeiras”, e 
estabelece este conceito o dividindo de maneira que o raciocínio dialético aparenta 
ser, ao menos nesse contexto, algo com viés e fins sociais. Ele estabelece que, quando 
as premissas do raciocínio são “verdadeiras e primeiras”, o raciocínio é chamado de 
“demonstração”, sendo que são “verdadeiras e primeiras” as premissas que 
acreditamos que o são independentemente de qualquer outra coisa além delas 
mesmas. 
 O “raciocínio dialético” o é quando possui premissas aceitas, admitidas por 
todos ou pela maioria, ou pelos filósofos (“todos, ou a maioria, ou os mais notáveis e 
eminentes). Em Aristóteles, é possível sentir a impressão de que, ainda que não se 
aplique a tudo, não é possível realmente saber, ou declarar verdadeiros, alguns 
raciocínios formados por sua lógica, semelhante à forma que Kant vem a pensar o 
pensar em relação ao objeto. 
 É dito que toda proposição pode ser transformada em um problema8 ao 
acrescentar-se ao raciocínio a possibilidade da sua negação. Achamos importante 
ainda acrescentar que nesta obra, Aristóteles inicialmente fala de quatro elementos 
geradores de proposições e de problemas (definição, propriedade, gênero e acidente), 
que mais tarde são incluídos em classes de predicados, que em Aristóteles são dadas 
como dez: Essência, Quantidade, Qualidade, Relação, Lugar, Tempo, Posição, 
Estado, Ação, Paixão.9 
 Dadas essas informações, achamos adequado prosseguir para a Lógica de 
Kant. 
 
8 Ibidem, Pág. 13; 
9 Ibidem, Pág. 17; 
5 
 
 Kant divide inicialmente a Lógica em dois tipos, a aplicável em contextos 
particulares e a que trata diretamente das regras gerais do pensar, independente do 
objeto do pensar.10 
 A Lógica particular “estabelece as regras do uso do entendimento em 
condições subjetivas, empíricas, psicológicas11”, sendo mais aplicável às ciências 
particulares e não filosóficas. 
 Já a Lógica geral pode ser pura ou aplicada. A pura, como outras noções puras, 
abstrai de conteúdo empírico, incluindo “todos as causas verdadeiras ou supostas” de 
que se derivam conhecimentos que precisam necessariamente da experiência. Ela 
serve para buscar princípios a priori e “é um cânon do entendimento e da razão” em 
relação a sua parte formal, se tratando de uma espécie de forma a ser aplicada aos 
objetos do pensar.12 
 Kant ainda diz que é preciso separar completamente a Lógica Geral aplicada 
da Lógica Geral pura, pois a primeira se ocupa de utilizar as regras do entendimento 
sob condições empíricas e subjetivas,ou seja, possui princípios empíricos ainda que 
seja geral em relação a seu objeto, assim Kant a exclui do cânon do entendimento em 
geral e a define como um “purificador do entendimento comum”. As condições desta 
Lógica não são dadas a priori e podem ser favoráveis ou opostas a ela. Apenas a Lógica 
Geral pura é considerada ciência. 
 Para a Lógica Geral pura, Kant estabelece duas regras para sua compreensão: 
como lógica geral, ela só se ocupa da forma do pensar, abstraindo o conhecimento 
intelectual e seus objetos; como lógica pura, não deve ter princípios empíricos e tudo 
nela deve ser dado a priori. 13 
 Dados esses conceitos, a partir da comparação com a Estética transcendental, 
que dá o fato de que tanto a intuição empírica quanto a intuição pura existem, seria 
 
10 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução J. Rodrigues de Merege. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 2017, Pág. 64; 
11 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Kant: Sua fundamentação na Liberdade e na 
igualdade. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. Pág. 29; 
12 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução J. Rodrigues de Merege. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 2017, Pág. 64 - 65; 
13 Idem; 
6 
 
possível encontrar a diferença entre o pensar puro e o pensar empírico de um objeto. 
A partir disso, ele dá uma Lógica, que também é ciência, que não se abstém de 
conteúdo e ainda mais: “trata do conteúdo do conhecimento14”. A lógica geral não se 
preocupa com a origem do nosso conhecimento, apenas com a forma do pensamento: 
“Pouco lhe interessa que essas representações tenham sua origem a 
priori em nós outros ou que tenham sido dadas empiricamente; 
unicamente se ocupa da forma que o entendimento pode dar-lhes, 
quaisquer que sejam as suas fontes de proveniência”15. 
 
 Em Salgado, “A Lógica Transcendental é a ciência que determina a origem, a 
extensão e o valor dos conhecimentos a priori”. A Lógica transcendental pensa 
também sobre a origem do nosso conhecimento, mas aqui é importante esclarecer 
que “transcendental” não significa “a priori”. O transcendental é o conhecimento, 
não do a priori diretamente, mas da possibilidade do objeto a priori, ou pelo que 
sabemos ser alguma representação aplicada a priori, “transcendental quer dizer 
possibilidade, ou uso a priori do conhecimento”.16 
 A distinção da Lógica transcendental não entra no mesmo patamar das 
divergências entre Lógica pura e Lógica aplicada, porque enquanto se preocupa com 
as leis do pensar também se preocupa com objetos a priori, independentemente de 
serem parte de conhecimentos empíricos ou puros. 
 
Das separações internas da Lógica 
 
 
14 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Kant: Sua fundamentação na Liberdade e na 
igualdade. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. Pág. 29; 
15 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução J. Rodrigues de Merege. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 2017, Pág. 67; 
16 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Kant: Sua fundamentação na Liberdade e na 
igualdade. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. Pág. 29; 
7 
 
 Após explicar a Lógica, Kant a divide na Analítica e na Dialética. No capítulo 
em que é feita a divisão, ele começa um parágrafo com a pergunta “Que é a verdade?”17, 
a descreve como a “conformidade do conhecimento ao objeto”, e termina o mesmo 
com a frase: “mas o que se deseja conhecer é o critério geral e certo de todo o 
conhecimento”, ou seja, não a verdade conforme a um único objeto (tornando-o 
assim diferente de todos os outros), mas conforme a todo o conhecimento, um 
critério geral da verdade. Nesse caso, ele destaca que é importante fazer as perguntas 
certas, pois perguntas “ociosas” gerariam respostas de igual qualidade. 
 Criar um critério geral da verdade parece então impossível, já que não é 
possível separar a verdade do seu objeto de conhecimento, então é impossível criar 
um critério geral da matéria do conhecimento. No entanto, Kant explica que ainda 
assim é possível enxergar um critério lógico da verdade quanto à forma, mas que, 
ainda que o conhecimento concorde com a forma, o conteúdo pode não o fazer, 
contradizendo o conhecimento.18 
 Assim, ele assume que o critério geral de toda a verdade será um critério 
formal, condição negativa de toda a verdade, mas que, para ir mais longe, alcançando 
o conteúdo, falta à Lógica as ferramentas corretas. 
 Esta Lógica, que baseia seu critério da verdade puramente na forma do 
entendimento, é chamada Analítica, e através dela podemos examinar a forma do 
conhecimento e ver se existe alguma verdade positiva no objeto, mas não será possível 
utilizar a lógica para julgar a verdade material do conhecimento. 
 A Dialética é utilizada no sentido conferido pelos antigos, uma lógica de 
aparência, não de verdade. Assim, Kant chama de Dialética o abuso da lógica formal 
em relação a objetos, de maneira que não pode ser satisfatória sobre os conteúdos 
dos conhecimentos, preocupando-se com o que aparenta ser mais correto, sendo 
assim uma lógica de aparências: Dialética.19 
 
17 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução J. Rodrigues de Merege. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 2017. Pág. 68; 
18 Ibidem, Pág. 68-69; 
19 Ibidem, Pág. 70; 
8 
 
 Assim como na Lógica Geral, a Lógica transcendental se divide em dois 
conceitos: a Analítica transcendental e a Dialética transcendental. A Lógica 
Transcendental foca na parte elementar do conhecimento, incluindo apenas o que 
vem puramente do entendimento; a analítica transcendental é que expõe essa parte 
elementar do entendimento. Kant explica que essa lógica não pode ser usada para 
classificar o que está fora do empírico e do objeto, pois ao fazê-lo seriam indistintos 
os objetos não dados e poderiam não conter em si verdade. É preciso haver uma 
matéria onde se apliquem esses conceitos puros para que sejam válidos, é nessa falta 
de conteúdo que aparece a lógica de aparências transcendental, a Dialética, cuja crítica 
é chamada Dialética transcendental20. Sobre a Analítica transcendental, Kant dá as 
regras: 
“1) que os conceitos sejam puros e não empíricos; 2), que os 
mesmos não pertençam à intuição e à sensibilidade, mas ao 
pensamento e ao entendimento; 3), que sejam conceitos 
elementares diferentes dos derivados ou dos que são 
compostos; 4), que seu quadro seja completo e abarque todo 
o campo do entendimento puro21”. 
 
 De acordo com Salgado, é na Analítica Transcendental que se fundamentam 
os conceitos puros do entendimento. É dividida por Kant em Analítica dos conceitos 
e em Analítica dos princípios, que, como o nome indica, trata dos princípios a priori 
do entendimento, que são proposições básicas e fundamentais a priori. É importante 
lembrar que o conceito de transcendental não envolve diretamente o “a priori”, mas 
a possibilidade deste.22 
 Assim é com a Analítica dos conceitos, que não decompõe os conceitos para 
torná-los claros como o nome parece indicar, mas decompõe o próprio entendimento 
 
20 Ibidem, Pág. 71 – 72; 
21 Idem; 
22 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Kant: Sua fundamentação na Liberdade e na 
igualdade. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. Pág. 30; 
9 
 
(e somente ele) em busca de conceitos puros do entendimento que sejam possíveis a 
priori, de onde outros conceitos seriam derivados. 23 
 Kant explica que o entendimento, por não depender, nem se utilizar de 
intuições, é uma faculdade que depende de conceitos, que gera conhecimentos 
discursivos por ser assim; esses conceitos, como explicado no início do trabalho, são 
gerados na espontaneidade do pensamento e são utilizados para julgar. Esses 
conceitos supõe as chamadas funções, que são unidades em que as representações se 
reúnem sob uma que é comum a todas elas. 24 
 Assim como a intuição, o conceito só acessa o objeto através das 
representações, de maneira que o juízo é “um conhecimento mediato do objeto, por 
conseguinte, a representação de uma representação”25, pouco depois Kantexplica que 
o entendimento pode ser representado pela faculdade de julgar26. A partir da ideia de 
juízo, Kant explica que em todo juízo existem conceitos que são aplicáveis a uma 
diversidade de representações, como o conceito de divisível que pode ser dado a um 
objeto, assim como pode ser dado a muitos outros. 
Um conceito só é um conceito enquanto pode ser aplicado a objetos, daí as 
funções do entendimento são encontradas ao abstrair o conteúdo dos juízos. As 
funções encontradas por Kant são: Quantidade (Gerais, Particulares, Singulares), 
Qualidade (Afirmativos, Negativos, Indefinidos), Relação (Categóricos, Hipotéticos, 
Disjuntivos) e Modalidade (Problemáticos, Assertórios, Apodíticos)27. 
Kant segue a explicar todas as funções, mas para não estender muito este 
trabalho, falaremos dos que nos parecem menos claros: a função Modalidade. Os 
juízos problemáticos são os que tem como possibilidade a sua afirmação e a sua 
 
23 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução J. Rodrigues de Merege. Rio de Janeiro: 
Nova Fronteira, 2017. Pág. 73; 
24 Ibidem, Pág. 74; 
25 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Kant: Sua fundamentação na Liberdade e na 
igualdade. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. Pag. 31; 
26 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução J. Rodrigues de Merege. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 2017, Pág. 75; 
27 Ibidem, Pág. 76; 
10 
 
negação, os assertóricos são os considerados verdadeiros e os apodíticos são os que 
precisão ser afirmados ou negados28. 
Quanto aos conceitos puros do conhecimento, são encontrados pela lógica 
transcendental utilizando as intuições (da sensibilidade a priori) oferecidas pela 
Estética transcendental ciência da sensibilidade; as representações oferecidas pelas 
intuições são sintetizadas. Síntese é definida por Kant como “a operação de reunir a 
representações umas com as outras e resumir toda a sua diversidade em um só 
conhecimento”. A síntese de que tratamos é pura, por não ser empírica e utilizar-se 
de representações dadas a priori29. 
A síntese é descrita como um ato natural das nossas mentes, mas algo que é 
obra da imaginação e assim precisa de análise. Se queremos observar a origem dos 
nossos conhecimentos, devemos primeiro analisar o conteúdo dos conhecimentos 
dados pela síntese. 
Kant dá algumas regras para o conhecimento de objetos, que Salgado resume 
em: 
“1) o diverso das intuições puras, isto é, a pluralidade de 
representações oferecidas pela intuição; 
2) que esse diverso da intuição pura seja sintetizado pela 
imaginação, que é a síntese referente a função do 
entendimento englobada no conceito mais geral que se dá a 
síntese; 
3) representação da síntese operada na imaginação, por 
conceito, o que lhe dá unidade30” 
 
 
28 Ibidem, Pág. 77 - 80; 
29 Ibidem, Pág. 81; 
30 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Kant: Sua fundamentação na Liberdade e na 
igualdade. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. Pág. 32; 
11 
 
 Kant então explica que a função e a síntese, como uniões de representações 
para fins diferentes, têm o mesmo raciocínio originador, de maneira que os conceitos 
puros do entendimento têm o mesmo formato das categorias dos juízos, tendo por 
diferença apenas as suas subcategorias. Assim, as categorias são divididas desta 
maneira: Quantidade (unidade, pluralidade, totalidade), Qualidade (realidade, negação, 
limitação), Relação (da inerência e da subsistência - substância e acidente; da 
causalidade e da dependência – causa e efeito; da comunidade – ação reciproca – 
agente e paciente) e Modalidade (possibilidade – impossibilidade; existência – 
inexistência; necessidade – contingência)31. 
 Os conceitos são abertamente baseados em Aristóteles e sobre isso, diz Kant, 
“igual é o nosso fim, embora haja muita diferença na execução”. Ainda faz 
observações com relação a essas categorias, como por exemplo, como as duas 
primeiras tratam dos objetos da intuição, podendo ser pura ou empírica, e as outras 
tratam da relação do objeto com o sujeito e com o entendimento; também como as 
categorias tem sempre três subcategorias, sendo sempre a terceiro resultado da união 
das duas primeiras. Por fim, as categorias são, de acordo com Kant, necessidades 
lógicas e critério de todo conhecimento32. 
 
 
LÓGICA ESPECULATIVA 
 
 O primeiro ponto que devemos observar ao chegarmos à Lógica Hegeliana é 
que a mesma tem como base o ponto máximo da Lógica Transcendental. Entretanto, 
tal Lógica não fica apenas no movimento bidimensional, que Kant tende a favorecer, 
temos aqui um esforço de Hegel para que a mesma avance sobre o entendimento 
absoluto através de um terceiro movimento que traz a tridimensionalidade ao 
 
31 Ibidem. Pag. 33; KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução J. Rodrigues de Merege. Rio 
de Janeiro: Nova Fronteira, 2017, Pág. 83; 
32 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Kant: Sua fundamentação na Liberdade e na 
igualdade. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. Pag. 33; 
12 
 
movimento lógico de Kant, transformando esse movimento em verdadeiramente 
dialético. O momento em que Hegel nos coloca parte de uma crítica à doutrina 
kantiana da construção do conhecimento. Hegel critica a construção do 
conhecimento pelo âmbito da experiência, visto que Kant coloca a experiência como 
o ponto máximo da faculdade do conhecimento em limite com a Razão teórica. Hegel, 
com o objetivo de avançar sobre o ponto máximo kantiano, retorna à relação entre a 
Lógica Natural e a Lógica propriamente dita, observando assim não apenas o que 
pode ser construído pela experiência, mas também o que pode ser construído para a 
verdade do pensamento propriamente dito. Neste sentido, nos ensina Salgado que 
para Hegel o pensamento é a totalidade, o Absoluto, cuja estrutura é a estrutura do 
objeto pensável33. 
 Para que possa ser entendido este Absoluto, Hegel retorna a Lógica Natural, 
demonstrando que as formas do pensamento são primeiramente colocadas na 
linguagem humana, de forma que a própria linguagem será a representação da essência 
de tudo que o homem possui, contendo em si uma categoria34. Neste âmbito, será o 
trabalho da lógica explicar as categorias depositadas na linguagem natural humana, 
buscando assim o consciente humano, toda a matéria que se relaciona com o instinto 
lógico35. 
 Desta forma, Hegel nos coloca a necessidade de trazer o entendimento, que é 
exprimido na linguagem natural, através da ação do Espírito na passagem para o 
entendimento por meio de suas categorias, que se encontram assim fragmentadas em 
uma matéria infinitamente múltipla. Assim, deve-se trazer à consciência os conceitos 
que “são em e para si de sua essencialidade”36. 
 Por este motivo, o trabalho de purificação das categorias lógicas, que são, de 
maneira direta, inerentes à linguagem humana natural, não será apenas o trabalho de 
tornar a Lógica Natural em uma Lógica artificial, mas sim de avançar no entendimento 
 
33 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Hegel. São Paulo: Edições Loyola, 1996. Pág. 
83; 
34 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Ciência da Logica: 1. Doutrina do Ser. Petrópolis: Vozes, 2016, 
Pág. 29; 
35 Ibidem, Pág. 50-51; 
36 Idem 
13 
 
dessas categorias, tornando os objetos destas categorias isolados e puros (dentro das 
categorias que operam de forma instintiva a linguagem), e também de trazer à tona as 
categorias lógicas puras, isolando-as em seu movimento de articulação, possibilitando 
assim, ao Espírito, uma efetividade37. 
 Para que este movimento de purificação seja possível, Hegel considera o 
trabalho da Lógica formal como o momento de entendimento (em Platão e 
Aristóteles) da representação da autoconsciência que busca a representação desta 
universalidade. Seguindo desta maneira os passos de Kant, Hegel busca na reflexão 
sobre a Lógica Geral (nas formas lógicas) o seu ponto de partida, de forma que tal 
lógica não contraria à lógica tradicional, mas sim traz todo o seu conteúdocomo 
momento inicial em uma condittio sine qua non, na busca pela verdade das formas do 
pensamento38. 
 Hegel mostra então a fragilidade desta forma de pensar puramente formal das 
categorias lógicas, que se demonstram incapazes de atingir os objetos do 
conhecimento, neste sentido nos ensina Salgado: 
“Ora, se a lógica descreve a estrutura do pensar que é a mesma 
estrutura do ser, e se é o desdobramento do próprio conteúdo de 
pensar e não de sua abstrata forma, é ela a própria metafísica, isto é, 
a Filosofia especulativa, que se caracteriza como a filosofia da 
totalidade, na medida em que é a superação das separações ou 
diferenças, que une a diferença com a identidade no plano de uma 
identidade concreta, trazendo no seu conhecer o ser como conteúdo 
do pensar, e que coincide com o próprio pensar no processo de 
desdobramento desse conteúdo nas suas determinações39”. 
 
 
37 BORDIGNON, Michela. Lógica formal, Transcendental e Especulativa. Revista filosofia de 
Coimbra, N. 52, 2017, Pág. 19; 
38 A análise das categorias na Lógica formal deve ser encarada apenas como um ponto de partida 
comum, não como algo conhecido do movimento lógico hegeliano. HEGEL, Georg Wilhelm 
Friedrich. Ciência da Logica: 1. Doutrina do Ser. Petrópolis: Vozes, 2016, Pág. 46; 
39 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Hegel. São Paulo: Edições Loyola, 1996. Pág. 
87; 
14 
 
 Deste modo, devemos que considerar que o conteúdo e a forma da Lógica 
Especulativa são o conteúdo da unidade, contendo dentro desta unidade a metafísica, 
como indagação de todo o conteúdo universal, e a lógica, como o estudo das formas 
abstratas do pensamento40. 
 Neste momento, podemos ver uma grande cisão entre Hegel e Kant, na 
medida que a Lógica kantiana não possibilita o conhecimento Científico, negando 
assim a possibilidade de um conhecimento dos objetos, pela falta de uma dialética. Já 
Hegel busca recuperar a metafísica, que se encontrava agora na esfera da razão prática, 
que veio posteriormente a fundamentar a filosofia do ‘Eu’ colocada por Fichte41. 
Podemos assim dizer que a lógica em Kant é uma ciência do pensar, a lógica em Hegel 
é uma ciência do Real (echt). 
 O sistema que Hegel constrói, vai além do sistema kantiano, de forma que a 
Lógica Especulativa não se preocupa mais com as categorias dadas do conhecimento, 
mas se dá como um sistema de formas conceituais que são em si e para si, objetivas, 
formando assim as coisas em si mesmas. Neste sentido, Hegel diferencia coisas (Dinger) 
de a Coisa (die Sanche), observando que ao colocar o objeto neste sentido, Hegel busca 
construir a Lógica como um “sistema de razão pura”, ou seja, o reino do pensamento 
puro42. 
 Desta forma, podemos dizer que o conteúdo analisado pela Lógica hegeliana 
é a rede conceitual do pensamento objetivo. Tal rede, não estando à nossa disposição, 
é formada por uma rede dinâmica interna à própria realidade, de forma que tal rede, 
quando lançada, à luz do conhecimento, constitui assim a realidade objetiva43. Então, 
não podemos considerar o conhecimento hegeliano como um conhecimento 
ontológico simples, mas como uma realidade dinâmica onde se encontra a verdade, 
dentro assim do pensamento conceitual. 
 
40 Idem; 
41 Podemos concluir que, enquanto Kant, na busca pela compreensão do conhecimento, acabou por 
erradicar a metafísica, Hegel, na busca pela realidade, trouxe a sua recuperação. Ibidem, Pág. 88; 
42 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Ciência da Logica: 1. Doutrina do Ser. Petrópolis: Vozes, 2016, 
Pág. 50; 
43 BORDIGNON, Michela. Lógica formal, Transcendental e Especulativa. Revista filosofia de 
Coimbra, N. 52, 2017, Pág. 22; 
15 
 
 Então, Hegel busca construir uma nova rede conceitual, tendo como base a 
rede kantiana, entretanto, como teoria do conceito, a Lógica é a verdadeira metafísica, 
para Hegel: 
“Essa transformação da Lógica transcendental em Lógica 
especulativa supõe uma nova e absolutamente original acepção 
filosófica do termo Begriff (conceito) na qual convergem a Ideia 
platônica, a nóesis noéseos nóesis aristotélica, a causa sui spnoziana 
e o Ich denke de Kant, acepção que permite expor o Conceito 
como Sujeito que se autodetermina e apresentar o desenvolver-
se do conteúdo da Lógica como reino da Liberdade44” 
 
 A lógica então é o começo absoluto do sistema hegeliano, tendo dentro deste 
absoluto uma circularidade dialética, que Hegel coloca antes da fenomenologia como um 
pressuposto estrutural da lógica e a lógica como pressuposto genético da fenomenologia45. 
Neste caminho, podemos colocar a Lógica como a realização máxima de todo o 
conteúdo, pois dentro da lógica se encontra todo o movimento (tempo e história). 
Por este motivo, a lógica de Hegel estuda como base a própria estrutura do pensar, 
estando despojada de qualquer matéria, e assim a própria estrutura do pensar “tudo 
que é se dá”, tendo por plano de fundo o próprio real do sujeito e do objeto (ideia). 
Assim podemos entender que: 
[...] (a lógica hegeliana) é o momento de chegada de toda a filosofia 
ocidental, no qual se mostra a sua verdade especulativa, em virtude 
da qual se acham presentes os traços significativos dessa filosofia 
pela superação das oposições através da dialética nas diferenças e da 
unidade nas cisões46”. 
 
 
44 VAZ, Henrique Claudio de Lima. A Formação do pensamento de Hegel. São Paulo: Edições 
Loyola, 2014, Pág. 115; 
45 Ibidem, Pág. 116; 
46 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Hegel. São Paulo: Edições Loyola, 1996, Pág. 
74; 
16 
 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
ARISTÓTELES. Tópicos in Os Pensadores. Livro IV. São Paulo: Abril Cultural, 
1973; 
BORDIGNON, Michela. Lógica formal, Transcendental e Especulativa. 
Revista filosofia de Coimbra, N. 52, 2017, disponível em 
https://www.uc.pt/fluc/dfci/ public_/publicacoes/Textos_vol_26_n_52/michela, 
Acessado dia 15/10/2018; 
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Ciência da Logica: 1. Doutrina do Ser. 
Petrópolis: Vozes, 2016; 
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução J. Rodrigues de Merege. Rio 
de Janeiro: Nova Fronteira, 2017; 
SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Hegel. São Paulo: Edições 
Loyola, 1996; 
SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Kant: Sua fundamentação na 
Liberdade e na igualdade. Belo Horizonte: Del Rey, 2012; 
VAZ, Henrique Claudio de Lima. A Formação do pensamento de Hegel. São 
Paulo: Edições Loyola, 2014;

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