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Identificar o terrorismo separatista

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TERRORISMO SEPARATISTA
O terrorismo atual está cada vez mais presente nas relações internacionais, por conta, entre outros, das facilidades de obtenção de armamentos, mobilidade internacional de recursos, facilidade de comunicação e da crescente insatisfação de populações com seus governos ou com as políticas de outros países que afetam diretamente seu cotidiano (HOBSBAWM, 2007).
As mudanças e características existiram durante a Guerra Fria, mas permaneceram presentes na dinâmica internacional. Uma das mudanças significativas nesse sentido foi o processo de amadurecimento e transformação da dinâmica do Terrorismo. Por isso, iniciamos nosso olhar pelos movimentos que emergem nessa transição: o terrorismo separatista (COLOMBO, 2016, P. 50).
Segundo Souza Júnior (2015), o desenvolvimento de uma definição de terrorismo requer a identificação e a resolução de um número distinto de dilemas, que seriam, analisando o caso Kennedy:
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O propósito terrorista
O terrorismo é restrito à busca de certos objetivos, por exemplo, objetivos políticos? Se sim, qualquer objetivo político é suficiente para chegar a um objetivo terrorista? Existem objetivos não políticos suficientes para um propósito terrorista? Poderia haver atos terroristas que não tenham qualquer objetivo em particular?
O caso Kennedy é considerado um clássico de terrorismo.
A ação terrorista
Que tipo de ato conta como atos de terrorismo? Devem ser incluídos apenas atos que causem mortes ou sérios danos físicos, ou deve-se incluir danos à propriedade ou as ameaças de fazer qualquer um desses atos?
John Kennedy e Jacqueline momentos antes da tragédia que culminou na morte do ex-presidente dos Estados Unidos.
O alvo terrorista
Qualquer um pode ser alvo da ação de terrorismo? Os atos terroristas são restritos aos ataques a não combatentes? Se sim, o que pode ser definido como “combatentes”? Ou os combatentes podem ser alvos de terrorismo em conflitos armados?
O local do assassinato possui uma demarcação que indica o local em que Kennedy foi baleado.
O método terrorista
Os atos terroristas precisam se relacionar com a busca da finalidade terrorista de forma particular? O terror é central para o terrorismo, ou pode ocorrer um ato que nem aterrorize, nem intimide as pessoas, ser um ato de terrorismo?
A arma utilizada pelo suposto atirador.
O terrorista
Qualquer um pode cometer um ato de terrorismo? Os terroristas sempre agem em grupos ou atos individuais podem ser considerados também? Pode um Estado ou seus representantes cometerem atos de terrorismo?
(FRIZZERA; SOUZA JÚNIOR, 2015, p. 116)
Lee Harvey Oswald, suposto atirador.
Como observamos, houve uma significativa mudança na passagem da primeira para a segunda onda terrorista, seguindo os conceitos de Rapoport (2002). Os combatentes dessa fase justificam a luta sob a bandeira da libertação dos seus territórios contra a opressão daqueles que os dominam. São grupos que se identificam como nação por questões de costumes, língua, religião em comum, contra um oponente que “sufocou” essas características ao incorporar suas terras.
Resumo
Ou seja, eles querem sua autonomia e, por isso, foram denominados de separatistas. Os países que dominam esses combatentes consideram ter pleno direito de manter a propriedade de suas terras, e qualquer ato de oposição, sobretudo aqueles que causam vítimas, passam a ser rotulados como terrorismo. Esse é um claro exemplo do que aprendemos na parte dos conceitos, ou seja, Estados que são confrontados observam os questionadores como terroristas; os questionadores se identificam como libertadores.
SEPARATISMO IRLANDÊS – IRA
Citando Hans-Peter Gasser:
O direito internacional rege o comportamento das pessoas que atuam em nome de uma parte em um conflito armado internacional, ou seja, de um Estado. Legalmente, as entidades que não se encaixam neste perfil não poderiam fazer parte de conflitos, com exceção dos movimentos de libertação nacional se cumprirem as condições estipuladas no Protocolo Adicional I de 1977 das Convenções de Genebra de 1949. Todavia, delimitação entre a vida dentro e fora de uma comunidade política é confrontada ao se tratar do terrorismo internacional.
(GASSER, 2002, p. 94)
O fenômeno em forma de redes transnacionais utiliza a mobilidade para arrecadar fundos e recrutar membros, que permitem a manutenção de suas atividades. O poderio inglês e a tradição de domínio não permitiriam o reconhecimento de uma ruptura inglesa tão próxima de sua raiz histórica.
Para compreender melhor o que foi a luta do exército republicano irlandês, o IRA, precisamos realizar um grande recuo histórico:
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A região da Irlanda, durante a Antiguidade, permaneceu autônoma e politeísta até o processo de cristianização promovido no século IV.
O destaque à conversão é essencial visto que grande parte do alinhamento assumido pelo IRA passava pela identidade religiosa católica.
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Quando houve a consolidação do Império Britânico e o estabelecimento do domínio sobre a Irlanda, que marca toda a Era Moderna, em toda a Irlanda o ideal independentismo coexistia com essas movimentações.
Quando a Irlanda finalmente conseguiu o retorno de sua independência, a manutenção de parte da ilha como parte do Império Britânico foi considerada uma violência.
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Os levantes da Páscoa de 1916 (Easter Rising), quando os radicais nacionalistas irlandeses se colocaram contra os ingleses durante a Primeira Guerra Mundial, tinham sido uma possibilidade de separação, cuidadosamente esmagada posteriormente.
EM UM PRIMEIRO MOMENTO, AS AÇÕES NÃO ESTAVAM CONCENTRADAS NO EXÉRCITO REPUBLICANO IRLANDÊS (IRA), AINDA PARA NASCER, MAS EM UMA SÉRIE DE GRUPOS QUE LUTAVAM E NÃO ACEITAVAM O DOMÍNIO. COM UMA SOCIEDADE PROFUNDAMENTE DIVIDIDA EM CONFRONTOS POLÍTICOS E RELIGIOSOS, O ARGUMENTO ERA QUE O GOVERNO INGLÊS ERA O IRREPARÁVEL INIMIGO.
Nesse sentido, o IRA adotou modelos militares de treinamento e um protocolo ultranacionalista, com inspirações socialistas, de modo marcante. Em muitos períodos, atuou junto com o exército de liberação nacional irlandês, que obteve o êxito. O ideal de uma Irlanda única novamente era a marca de diferenciação em relação a outros movimentos.
Depois de ações políticas diversas, houve uma escalada de tensão, com as disputas em Belfast e Derry. As forças do IRA enfrentaram seus próprios confrades, defendendo os bairros católicos das formas legalistas. O IRA em sua forma de guerra por desgaste nasceu em 1969, após esses eventos relatados.
O envio de cinco mil soldados ingleses a fim de manter a Irlanda do Norte como um território inglês acionou anos de movimentação terrorista. O IRA entendia que a política legalista e as forças do exército britânico cometeram todo tipo de terrorismo e o combate a eles não deveria medir esforços.
Tentativa de implementar um espírito anticomunista em campanha política (“Não queremos vermelho aqui! Mantenha suas cores longe da nossa bandeira! Vote por Cumann Na N Gaedheal”).
Frame de um vídeo de propaganda da IRA.
Em 30 de janeiro de 1972, um grupo de soldados ingleses tentou dissipar uma manifestação em Derry, e abriu fogo contra as pessoas. Esse dia ficou conhecido como Domingo Sangrento e iniciou a fase crítica do conflito.
Resumo
Somente em 2001, depois de muitas negociações e mudanças do espaço e da forma política, observarmos uma transição: o IRA não deixa de existir, mas assume formas políticas e não reduz sua pressão, só que, em vez de bombas, o modelo passa a ser o de votos.
SEPARATISMO BASCO – ETA
Os processos separatistas, ainda que possuam datas relativamente recentes, precisam ser observados a partir de um momento mais remoto. Tal qual fizemos com a análise sobre o IRA, para compreender a origem do grupo basco, devemos conhecer o processo de formação da França e Espanha modernas.
No século XII, o que atualmente compreendemos como território espanhol e uma parte pequena do solo francês estava subdividido em três reinos: Navarra, Aragão e Castela.
Por volta de 1461, com a fusão dos dois últimos, o território de Navarrafoi consideravelmente reduzido e se movimentou entre a realeza espanhola e francesa, resguardando, no entanto, relativa autonomia administrativa, idiomática e de costumes.
O reino de Navarra abrigava um grupo étnico linguístico, os bascos, que a despeito das múltiplas influências assegurou essa identidade. A situação se manteve relativamente controlada até o século XX, com a emergência da ditadura franquista, a proibição e perseguição de qualquer manifestação regional, e o impedimento da utilização do euskara (idioma basco).
Com a crescente repressão, um grupo de estudantes insatisfeitos, inspirado pelos movimentos anticolonialistas que eclodiram nas décadas de 1950 e 1960, criou um grupo, cuja proposição inicial era a preservação da cultura local.
Esse grupo, após dissensões e a conquista de novos adeptos, mudou a diretriz de suas ações e passou a atuar como grupo paramilitar visando a preservar a memória da região e a criação de um Estado próprio.
Surgia, em 1959, o ETA (Pátria Basca e Liberdade). Embora não fosse o único grupo com essa aspiração, ganhou mais relevância pela adoção de métodos de guerrilha que, inspirados na ideologia marxista-leninista, causaram espanto e comoção mundiais.
Comentário
Esse grupo é identificado como pertencente à segunda onda do terrorismo, definida anteriormente; alguns pesquisadores associam esse grupo à terceira onda, por causa da influência de movimentos socialistas.
Grafite em apoio ao ETA em Durango, Espanha.
Parte da população, sentindo-se representada em seus anseios, concordava com as ações do ETA, sobretudo no momento mais severo da ditadura do general Francisco Franco. Os alvos das primeiras investidas do grupo eram militares e demais agentes das forças repressivas franquistas, o que, de certa forma, provocava simpatia em vítimas dos desmandos do Estado.
O ETA começou a perder força e apoio a partir de 1978, quando foi restabelecida a monarquia na Espanha, com a adoção do regime parlamentar e a promulgação de uma constituição que assegurava autonomia à região do País Basco. Para uma significativa parcela das pessoas, esse era um avanço monumental, mas não para os membros mais fundamentalistas do ETA.
Resumo
Na concepção deles, o grupo só deveria ser desmobilizado a partir de uma total independência da região e formação de um Estado nacional. Em razão disso, os atentados, sobretudo aqueles utilizando carros-bomba em lugares de grande circulação, continuaram. A desmobilização de fato só foi anunciada em 2006, quando o grupo abdicou das ações terroristas e concedeu um cessar fogo permanente. Dez anos mais tarde, assumindo publicamente os excessos de suas ações, o grupo foi dissolvido, solicitando antes o perdão daqueles que sofreram com suas atividades.
O SEPARATISMO DA CHECHÊNIA
Localizada em um território denominado Cáucaso, a Chechênia foi alvo de cobiça ao longo dos séculos em virtude de sua posição geográfica estratégica. Situada próxima a importantes rotas de comércio, foi disputada por persas, otomanos, mongóis e russos. Conseguiu manter-se autônoma por vários períodos; entretanto, após a Primeira Guerra Mundial, foi incorporada à recém-criada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Essa anexação nunca foi pacífica, o que ocasionou ações de grande violência e desconfiança mútua entre as autoridades chechenas e as lideranças soviéticas, ao longo de décadas. Um dos episódios mais emblemáticos foi a diáspora de quase meio milhão de chechenos em 1943, sob o argumento de que eles teriam colaborado com os exércitos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Como podemos observar, a tensão era uma constante nas relações russo-chechenas.
Em 1991, com o colapso da URSS, que não conseguiu manter a coesão de seu território, a busca pela autonomia do país mais uma vez tomou forma, agora sob a liderança de Djokhar Dudaiev, que declarou a separação do país com o estabelecimento de uma república sem ingerência externa. A reação dos russos (representados pelo então governador da Rússia, Vladimir Putin – retratado na colagem a seguir) foi severa, o que provocou uma série de conflitos chamados de Guerras da Chechênia.
Djokhar Dudaiev.
Esse caso não apresenta muitas distinções em relação aos separatismos irlandês e basco em sua essência – um território sempre resistente ao domínio externo e que jamais desistiu de buscar sua libertação.
O QUE TORNA O CASO CHECHENO TÃO ESPECIAL?
Um elemento que será mais bem retratado no módulo seguinte: o componente do fundamentalismo religioso.
Frame de um vídeo veiculado da Segunda Guerra da Chechênia.
A região da Chechênia, como outras pertencentes à extinta União Soviética, possui a maioria da população como seguidora do islamismo de vertente sunita. Em virtude disso, seu movimento separatista, que era ancestral e essencialmente étnico, foi ganhando propriedade e incorporando as formas de luta adotadas pelos grupos extremistas islâmicos.
A atuação do governo russo pouco ajudou no apaziguamento dos ânimos e denúncias de violações de direitos elementares dos separatistas, atos de tortura, estupros, massacres de civis eram recorrentes. Essa combinação de intolerância de parte a parte teve um resultado catastrófico, visto que vários atentados eclodiram em resposta à insistência da ingerência russa.
Dois deles ganharam atenção mundial:
A invasão de um teatro em Moscou, resultando na morte de aproximadamente cem reféns.
O incidente na Escola de Beslan, em que os terroristas mantiveram centenas de crianças, professores e funcionários retidos e, por fim, mataram pelo menos 300 pessoas.
Comentário
Para tornar ainda mais complexa a situação, rumores de ligação dos grupos terroristas separatistas com organizações como a Al-Qaeda, e supostos patrocínios de países como a Arábia Saudita e os Estados Unidos à causa libertária alimentam as tensões ainda latentes naquela porção do Cáucaso.
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