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Notas históricas das Teorias de RI

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Liberalismo e Racionalismo
Como campo organizado de conhecimento, pesquisadores apontam que as Relações Internacionais se organizaram formalmente no início do século XX, fortemente influenciadas por disputas coloniais e pelas duas grandes guerras mundiais (PECEQUILO, 2019). Os primeiros pensadores, como Hans Morgenthau, se dedicaram a explicar as razões dos conflitos armados e a maneira com a qual Estados decidiam ou não estabelecer práticas bélicas. É interessante apontar que, nesse momento, como forma de angariar prestígio para a nascente área das RI, diversos analistas argumentaram que pensadores clássicos já teriam feito reflexões sobre a realidade transnacional e a natureza dos Estados. Nesse sentido, filósofos como Thomas Hobbes (século XVII) e Immanuel Kant (XVIII) foram apresentados como pertencentes a diferentes escolas das Relações Internacionais, mesmo tendo vivido muito antes da criação formal da área.
Tradicionalmente, existem duas teorias centrais de RI, embora tenham sofrido uma série de críticas de outras teorias nos últimos anos, elas permanecem relevantes para a disciplina:
Realismo
Teoria que se baseia, entre outros pensadores, nas perspectivas de Thomas Hobbes.
Liberalismo
Teoria que se baseia, entre outros pensadores, nas perspectivas de Immanuel Kant.
No seu auge, o Liberalismo em RI foi referido como uma teoria “utópica”. Seus proponentes veem os seres humanos como inatamente bons e acreditam que a paz e a harmonia entre as nações não são apenas alcançáveis, mas também desejáveis. Ela se baseia, entre outros pensadores, nas perspectivas em que Immanuel Kant desenvolveu a ideia no final do século XVIII afirmando que os valores liberais compartilhados não deveriam ter razão para entrar em guerra uns contra os outros. Para Kant, quanto mais Estados liberais houvesse no mundo, mais pacífico ele se tornaria, pois, nações liberais são governadas por seus cidadãos que, raramente, estão dispostos a se arriscarem em uma guerra. Em contraste com monarquias e governos não eleitos, que têm desejos egoístas, fora de sintonia com os cidadãos.
As ideias de Kant perpetuaram-se com os liberais modernos, principalmente na teoria da paz democrática, que postula que as democracias não entram em guerra umas contra as outras.
Além disso, os liberais reforçam que a cessação permanente da guerra é uma meta alcançável. Colocando em prática as ideias liberais, o presidente dos EUA, Woodrow Wilson, dirigiu seus famosos “Quatorze Pontos” ao Congresso dos EUA em 1918. Ao apresentar suas ideias para um mundo reconstruído após a guerra, o último de seus pontos foi criar uma associação geral de nações.
Woodrow Wilson.
Datada de 1920, a Liga das Nações foi criada com o objetivo de supervisionar os assuntos entre os Estados e implementar, bem como manter, a paz internacional. No entanto, quando a Liga entrou em colapso devido à eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939, seu fracasso tornou-se difícil para os liberais compreenderem, pois os eventos pareciam contradizer suas teorias. Portanto, o Liberalismo não conseguiu manter uma força e uma nova teoria surgiu para explicar a presença contínua da guerra.
O Realismo ganhou força durante a Segunda Guerra Mundial, quando parecia oferecer um relato convincente de como e por que o pior conflito da história conhecida se originou após um período de suposta paz e otimismo. Embora tenha se originado de forma nomeada no século XX, muitos realistas traçaram suas origens em escritos anteriores. De fato, os realistas olharam para o mundo antigo, onde detectaram padrões semelhantes ao comportamento humano moderno. Como o próprio nome sugere, os defensores do Realismo pretendem que ele reflita a “realidade” do mundo e explique mais efetivamente as mudanças na política internacional.
As ideias de Thomas Hobbes são frequentemente mencionadas em discussões do Realismo, devido a sua descrição da brutalidade da vida durante a Guerra Civil Inglesa de 1642-1651, em que Hobbes mostrou os seres humanos como vivendo em um “estado de natureza” sem ordem, que ele percebia como uma guerra de todos contra todos. Para remediar isso, ele propôs que um “contrato social” fosse necessário entre um governante e o povo de um Estado para manter a ordem relativa.
Primeira vez em que a frase “guerra de todos contra todos” é publicada, no prefácio de De Cive, Thomas Hobbes, 1642.
Cada líder, ou “soberano” estabelece as regras e um sistema de punições para quem as descumprir. Aceitamos isso em nossos respectivos Estados para que nossas vidas possam funcionar com uma sensação de segurança e ordem. Mesmo não sendo o ideal, é melhor do que o “estado de natureza”, no qual não existe tal contrato internacionalmente e não há soberano no comando e a desordem e o medo governam as relações. É por essa razão que a guerra parece mais comum do que a paz para os realistas, muitas vezes articulada como inevitável. Quando examinam a história, veem um mundo que pode mudar de forma, mas é sempre caracterizado por um sistema que eles chamam de “anarquia internacional”, pois o mundo não tem soberano para lhe ordenar.
Uma área central que diferencia Realismo e Liberalismo é como eles veem a natureza humana. Os realistas normalmente não acreditam que os seres humanos são inerentemente bons, ou que têm potencial para o bem. Em vez disso, eles afirmam que os indivíduos agem em seus próprios interesses. Para os realistas, as pessoas são egoístas e se comportam de acordo com suas próprias necessidades, sem necessariamente levar em conta as necessidades dos outros. Os realistas acreditam que o conflito é inevitável e perpétuo e, portanto, a guerra é comum e inerente à humanidade.
Hans Morgenthau é conhecido por sua famosa afirmação “toda política é uma luta pelo poder” (Morgenthau, 1948). Isso demonstra a visão realista típica de que a política é principalmente sobre dominação em oposição à cooperação entre os Estados. Aqui, é útil relembrar brevemente a ideia de teorias serem lentes.
Hans Morgenthau.
Realistas e liberais olham para o mesmo mundo, mas ao ver esse cenário através das lentes realistas, as relações entre os atores relevantes estão centralizadas em práticas de dominação. A lente realista amplia instâncias de guerra e conflito e busca analisar certa imagem do mundo. Os liberais ajustam suas lentes para desfocar áreas de dominação e, em vez disso, focalizam áreas de cooperação.
É importante entender que não existe uma única teoria liberal ou realista. Estudiosos dos dois grupos raramente concordam totalmente um com o outro, mesmo aqueles que compartilham a mesma abordagem. E tanto o Realismo quanto o Liberalismo foram atualizados para versões mais modernas (Neoliberalismo e Neorrealismo), que representam uma mudança na ênfase de suas raízes tradicionais. No entanto, essas perspectivas ainda podem ser agrupadas em tradições teóricas. Nesse sentido, é necessário entender as premissas centrais de cada abordagem.
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Exemplo
Se pensarmos no simples contraste de otimismo e pessimismo, podemos ver uma relação familiar em todos os ramos do Realismo e do Liberalismo. Os liberais compartilham uma visão otimista das RI, acreditando que a ordem mundial pode ser melhorada, com a paz e o progresso substituindo a guerra. A visão otimista geralmente os une. Por outro lado, os realistas tendem a descartar o otimismo como uma forma de idealismo equivocado e chegam a uma visão mais pessimista. Isso se deve ao foco na centralidade do Estado e sua necessidade de segurança e sobrevivência em um sistema anárquico, no qual ele só pode realmente confiar em si mesmo. Como resultado, os realistas chegam a uma série de relatos que descrevem as RI como um sistema em que guerra e conflito são comuns e períodos de paz são apenas momentos em que os Estados estão se preparando para conflitos futuros.
Outro ponto a se ter em mente é que cada uma das abordagens abrangentes em RI possui uma perspectiva diferente sobre a natureza do Estado. Tanto o Liberalismo quanto o Realismo consideram o Estado como sendo ator dominante nas RI,embora o Liberalismo adicione um papel para atores não estatais, como organizações internacionais. No entanto, dentro dessas teorias, os próprios Estados são tipicamente considerados como possuidores de poder supremo. Isso inclui a capacidade de fazer cumprir decisões, como declarar guerra a outra nação ou, inversamente, tratados e acordos. Em termos de Liberalismo, seus proponentes argumentam que as organizações são valiosas para auxiliar os Estados na formulação de decisões e na formalização da cooperação a resultados pacíficos. Os realistas, por outro lado, acreditam que os Estados participam de organizações internacionais quando é de seu interesse. Muitos estudiosos começaram a rejeitar essas teorias tradicionais nas últimas décadas por seu foco no Estado e o status quo.
Teoria de Relações Internacionais
O que é teoria de Relações Internacionais e qual a sua relevância?
Cada campo de estudo tem suas teorias ou paradigmas básicos. Essas teorias fornecem a estrutura que nos permite simplificar a realidade para que possamos lidar melhor com as complexidades do mundo. Esse conjunto vinculado de proposições ou ideias simplificam a realidade complexa para que possamos explicar por que determinados eventos aconteceram e para que possamos tentar projetar o futuro. No campo das Relações Internacionais, é muito difícil prever com certeza, pois são inúmeras as variáveis que podem afetar o desfecho dos acontecimentos.
Diferentemente das ciências “duras”, nas quais é possível trabalhar em laboratório e controlar o meio ambiente, nas ciências sociais é praticamente impossível controlar variáveis isoladamente e suas interações. Isso significa que as perspectivas teóricas são dinâmicas e evoluem à medida que as situações mudam. No entanto, as principais teorias que surgiram nos permitem identificar padrões gerais que ajudam a entender o que aconteceu e alguns indicadores do que pode acontecer no futuro sob conjunturas semelhantes.
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Exemplo
O uso dessas teorias ou paradigmas pode nos ajudar a responder algumas das questões fundamentais no campo. Como trata-se de uma área preocupada com questões globais, os pontos levantados tendem a ser em ampla escala: por exemplo, o que é a guerra e por que os países vão à guerra? Por que determinado Estado respondeu aos eventos de uma maneira específica? Como um país pode influenciar outro a adotar determinado padrão de comportamento ou impedi-lo de se comportar de determinada maneira? Por que alguns Estados parecem ser cooperativos e outros parecem ser belicosos?
Nas abordagens tradicionais de RI, os indivíduos isolados não são relevantes. Nesse sentido, as teorias das RI são um campo em que também devemos levar em consideração aspectos estruturais. Dessa forma, um próximo elemento que devemos incluir em nossas análises é sobre quem toma as decisões dentro do campo internacional. Os Estados são entidades monolíticas que operam por conta própria? Ou que papéis os indivíduos desempenham na direção de um Estado?
Isso nos leva a outro componente de nossa estrutura básica: as suposições que temos sobre os Estados-nação e seus comportamentos para chegar a generalizações sobre eles. De fato, fazer certas suposições nos permite generalizar, o que, por sua vez, nos permite identificar padrões, bem como ocorre de formular conclusões baseadas, em parte, no estudo de casos que não se encaixam nos padrões. Essas generalizações e padrões, ao determinar onde há desvios, contribuem para maiores informações e conhecimento sobre o comportamento do sistema internacional.
Para começar, assumimos que os Estados se comportam como atores monolíticos (ou seja, eles se comportam como se fossem uma única entidade, em vez de serem compostos de muitos indivíduos e grupos) e que agirão de maneira racional (ou seja, eles tomarão decisões com base em um processo que lhes permita promover seus próprios interesses). Os Estados podem tanto agir de determinada maneira para maximizar seu poder (a partir da perspectiva teórica realista), ou porque sentem que alcançarão melhor seus interesses cooperando com outros Estados (a abordagem liberal), mas isso também sugere que os Estados têm uma maneira de identificar o que é de seu interesse e que eles agirão de acordo com ele. No entanto, especialmente para os realistas, é importante assumir que o interesse nacional pode ser identificado e que os Estados irão buscar políticas que os ajudem a alcançar esse interesse.
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