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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

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PSICOLOGIA E RELIGIÃO 
 
 
 
 
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Sumário 
PSICOLOGIA E RELIGIÃO ..................................................................... 3 
A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO EM PSICOLOGIA E EM 
RELIGIÃO .......................................................................................................... 5 
A EXEGESE BÍBLICA.............................................................................. 8 
O MÉTODO FENOMENOLÓGICO ........................................................ 10 
PROXIMIDADES E DISTANCIAMENTOS ............................................. 13 
Psicologia do Desenvolvimento ............................................................. 36 
Psicologia Social .................................................................................... 40 
Revisões críticas .................................................................................... 42 
Experiência ............................................................................................ 45 
Psicologia da Personalidade .................................................................. 47 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 51 
 
 
 
 
 
 
 
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NOSSA HISTÓRIA 
 
 
A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de 
empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de 
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como 
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. 
A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de 
conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a 
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua 
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, 
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o 
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. 
A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma 
confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base 
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições 
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, 
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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PSICOLOGIA E RELIGIÃO 
 
INTRODUÇÃO 
A Psicologia da Religião estuda os fenômenos religiosos como fenômenos 
da cultura, constituintes do ser humano. Nesse sentido examina, entre outros 
temas, as práticas, crenças e experiências religiosas. 
Um de seus desafios metodológicos é perseguir o conhecimento traçando 
formas de trabalho que respeitem a especificidade do saber psicológico e a 
singularidade das tradições religiosas. Manter "um pé em cada campo", 
buscando o equilíbrio entre as duas áreas e evitando aproximações redutivas, é 
o desafio que o pesquisador enfrenta. 
A redução nos trabalhos de Psicologia da Religião apresenta-se de duas 
maneiras. Quando o investigador se apropria de um tema religioso para explicá-
lo a partir de uma teoria psicológica, ele reduz a religião a psicologia. 
Considera que os fenômenos religiosos são expressões de processos 
humanos iguais a quaisquer outros e os descreve sem nenhuma referência aos 
termos da cultura religiosa que os identifica, desacreditando, implicitamente, 
seus significados específicos (Paloutzian, 1996). 
Este reducionismo rejeita a noção de que as religiões estão presentes na 
sociedade como corpos de conhecimentos, crenças e valores que incidem na 
subjetividade humana. 
Radicaliza o princípio da exclusão da transcendência que diz que os 
psicólogos da religião não devem nem afirmar nem negar a existência 
independente do objeto religioso, assunto que escapa à sua competência 
(Wulff,1997). Além disso, parte do princípio de que é possível excluir os 
componentes subjetivos do fazer científico. 
 
 
 
 
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Quando, pelo contrário, o investigador submete as explicações 
psicológicas às crenças e afirmações religiosas, ele reduz a psicologia a religião. 
Não se ocupa mais em construir uma psicologia da religião, mas sim em fazer 
uma psicologia religiosa, isto é, inclui a transcendência em seus trabalhos de 
modo radical, organizando os fenômenos e experiências em termos e valores 
decorrentes da fé. 
Entre essas duas posições extremadas, que inevitavelmente levam a uma 
distorção do objeto de estudo por ignorar suas múltiplas dimensões, a visão 
interdisciplinar procura caminhos que permitam construir pontes entre as áreas 
sem negar as diferenças entre elas. 
Hardy (2001) discute a possibilidade de uma metodologia interdisciplinar 
em Psicologia da Religião, partindo de quatro pressupostos: 
1. toda linguagem é metafórica e organiza a experiência de modo a 
salientar ou diminuir alguns de seus aspectos; 
2. a ciência é um empreendimento humano e, portanto, submetido a 
influências culturais, sociais e históricas e aos valores nelas implícitos; 
3. qualquer estudo defronta-se com as aderências dos investigadores a 
crenças e pressupostos, sendo impossível uma total neutralidade e uma 
separação entre sujeito e objeto de estudo; 
4. toda ciência, conseqüentemente, é limitada e implica em alguma forma 
de redução, portanto os trabalhos científicos precisam envolver autocrítica e 
expor publicamente suas limitações. 
Nesta perspectiva, aponta Hardy (2001), a Psicologia da Religião que não 
se quer redutiva, precisa se afastar dos radicalismos e procurar modelos para a 
compreensão da dimensão religiosa que sejam compatíveis com as duas áreas. 
Não se trata de afirmar ou negar uma realidade transcendente, mas de 
reconhecer a especificidade das experiências consideradas transcendentes e 
 
 
 
 
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estudá-la seriamente nas suas particularidades. Em outras palavras, o objeto de 
estudo informa a metodologia e a torna específica. 
Concordo com o autor quando diz que uma atuação não radical, nem 
redutiva, em Psicologia da Religião exige uma aproximação ao objeto de estudo 
esperando algo qualitativamente diferente, se comparado a outros objetos de 
estudo da psicologia, mesmo que haja igualdades e sobreposições significativas. 
Considero, também, que é necessária, simultaneamente, uma 
aproximação ao fenômeno que alterne pontos de vista, isto é, o pesquisador 
precisa se movimentar entre as perspectivas psicológicas e religiosas mostrando 
competência em ambas (Ancona-Lopez, 2001). 
São estas condições que permitirão discutir em profundidade crescente 
as aproximações e diferenças entre Psicologia e Religião em interessantes 
percursos de ida e vinda entre as duas áreas. 
 
A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO EM PSICOLOGIA E EM 
RELIGIÃO 
A análise crítica comparativa, nesse caso, permite salientar a 
possibilidade de apreender e compreender as experiências humanas, utilizando 
outros recursos que não apenas os exclusivamente racionais. 
Em outras palavras, o processo de comparação do método exegético 
utilizado na religião cristã com o método fenomenológico usado em psicologia 
possibilita olhar para o processo de meditação, esclarecendo a sua 
configuração. 
O método científico clássico aponta a racionalidade como o único 
instrumento para a produção de conhecimento, baseada na observação e 
experimentação realizadas com o máximo de neutralidade, ou seja, sem a 
interferência da subjetividade do sujeito-investigador. 
 
 
 
 
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Os vários recortes necessários para a produção científica assim 
concebida obrigam o experimentador a construir sebes ao redor dos inúmeros 
modos de estar no mundo e compreendê-lo, restringindo seu próprio potencial 
para experienciar, apreender e conheceros fenômenos que o rodeiam. 
Criam-se espaços proibidos, considerados irracionais, inadequados ao 
desenvolvimento da ciência, e as religiões, com toda a sua riqueza simbólica e 
cultural, são colocadas nesse espaço. 
Como em qualquer processo repressivo, aquilo que foi reprimido começa 
a vazar, a manifestar-se pelas bordas, a desenhar um espaço fora da fala oficial. 
Assim é que abundam na área da Psicologia as formas alternativas de 
aproximação aos fenômenos. 
Entre as várias práticas oriundas de campos que não o da Psicologia, mas 
que aparecem aliadas a ela, encontra-se a da meditação. 
O número de psicólogos que pratica a meditação, que se interessa pela 
mesma e que a considera um instrumento que produz um certo modo de 
conhecer, é significativo. 
Tanto em relatos de pesquisas sobre temas religiosos, quanto em autores 
clássicos que se dedicaram a estudos de vivências alteradas de consciência, 
como na literatura das abordagens emergentes da Psicologia, como a Psicologia 
Transpessoal ou a Psicossíntese, encontram-se textos que se referem ao uso 
da meditação em Psicologia como forma de transformação e aumento de 
compreensão. 
Já em 1978, Rogers afirmava a existência de um novo e recente interesse 
por sonhos, o uso de vários tipos de meditação (pág. 256). 
Tabone (1995), em seu livro Psicologia Transpessoal, diz: uma tendência, 
atualmente, se expande na prática da psicoterapia transpessoal, o emprego da 
meditação. 
 
 
 
 
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Este emprego se dá na relação terapeuta/cliente ou no uso individual do 
terapeuta, ou mesmo do cliente (pág.119). E na obra de Arcand (1997), 
encontram-se referências a 61 trabalhos de pesquisas sobre os efeitos da 
meditação em Psicologia. Apesar desses trabalhos, no entanto, o tema ainda é 
pouco explorado e talvez por essa razão os psicólogos que praticam a meditação 
e consideram seus benefícios evitam falar desse recurso em ambientes 
profissionais. 
Boainin (1998) diz que temas tabus despertam a curiosidade científica em 
psicólogos inovadores. 
E ao estudar Rogers aponta que este autor, em vez de se escandalizar 
com o que observava, procurava se aproximar dos fenômenos e compreendê-
los. 
Acredito que essa é a atitude necessária para empreender estudos nas 
áreas menos exploradas pela psicologia. Já em 1994 afirmei: a observação do 
volume de práticas extra-oficiais em nossa época exige essa problematização 
(Ancona-Lopez, 1994, pág 57). 
Tanto o termo meditação quanto a sua prática pertencem a tradições 
religiosas. O esforço inicial de estabelecer uma relação entre esse conceito e a 
área da Psicologia parte do reconhecimento de uma similaridade entre o que é 
chamado meditação nas religiões cristãs e os movimentos propostos pelo 
método fenomenológico, como apresentado inicialmente por Hüsserl e 
assimilado posteriormente pelas ciências humanas, entre elas a Psicologia. 
Similaridade que encontra uma justificativa inicial na história de Hüsserl e 
torna viável pensar que este pensador, filho de um pastor protestante, lançou 
mão, no desenvolvimento de seu trabalho científico, de conhecimentos e 
experiências assimilados em sua formação religiosa. 
Reconhecer as aproximações não implica em transferir conceitos e 
práticas de um campo disciplinar para outro, mas em analisar criticamente as 
 
 
 
 
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propostas nos dois âmbitos em diferentes níveis de profundidade e assim 
produzir conhecimento em Psicologia da Religião. 
Este modo de trabalhar possibilita, ainda, integrar de modo sistematizado 
conhecimentos científicos e compreensões presentes nas tradições que nos 
rodeiam. 
 
A EXEGESE BÍBLICA 
Os monges de Camaldoli, na Itália, dedicam-se à exegese bíblica e sua 
competência nessa área é reconhecida no meio religioso cristão. Periodicamente 
ministram cursos para formação de novos exegetas. Em um desses cursos, em 
1986, Gargano fala dos movimentos necessários para a interpretação dos textos 
bíblicos. O primeiro deles é o da meditação. 
Para ensinar aos novos exegetas o que é a meditação, Gargano 
apresenta a seguinte metáfora, que pertence à tradição secular rabínica. 
A Torá (sagrada escritura) assemelha-se a uma linda mulher que vive 
escondida em um aposento do seu palácio. Ela tem um amor secreto. 
O homem que ela ama, e que a ama também, passa horas diante do 
palácio observando atentamente todos os movimentos, procurando vê-la. Ela 
sabe que ele está lá e por isso, às vezes, abre a janela de seu quarto, só um 
pouquinho. 
Por alguns instantes deixa entrever o seu vulto, mas logo se esconde de 
novo. Se houver outras pessoas diante do palácio, dificilmente conseguirão vê-
la, mas ele a vê e se sente cada vez mais atraído por ela e tem a certeza, em 
seu coração, em sua alma e em todo o seu ser, que é por amor a ele que ela se 
mostra por uns momentos. Assim é a palavra da Torá, ela se revela apenas aos 
seus amantes. 
 
 
 
 
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De início, ela deixa apenas vislumbrar sua beleza, mas, depois que ele a 
enxerga, ela começa a chamá-lo sutilmente. E, quando sabe que ele é capaz de 
ouvi-la, ela envia mensageiros para dizer: se você ouviu o meu murmúrio, venha 
para que eu possa lhe falar. 
Quando, finalmente, ele se aproxima dela, ela começa a falar de forma 
mais clara, por detrás de seus véus, acostumando-o com sua linguagem. Ela 
transmite palavras alegóricas, envoltas em luz. São palavras que introduzem o 
amado nos mistérios divinos e é somente quando ele se familiariza com essa 
linguagem que ela se revela face a face. Esse homem torna-se então um mestre, 
ou seja, o esposo da Torá, para quem ela não esconde nada, mostra todos os 
segredos e para quem diz: veja quanta coisa havia por detrás daquele simples 
sinal que eu lhe dei quando entreabri a janela. E ele compreende, então, o 
significado das palavras da Torá como se elas estivessem todas juntas diante 
dele. Palavras às quais ele não pode acrescentar ou subtrair uma única letra. 
É apenas nessa relação de amor que se pode compreender a Torá, diz 
Gargano. O sentido que se extrai dela depende da capacidade de amá-la e o 
caminho que permite estabelecer essa relação de amor é o da meditação. Ela 
se compõe de três movimentos. 
O primeiro movimento é de escuta. É no silêncio e na solidão que se pode 
entrever algum sentido, ou seja, perceber o murmúrio ao qual a metáfora da Torá 
se refere. Isto significa buscar um local exterior e interior que permita escutar as 
palavras e colocá-las dentro de si, mesmo sem ainda compreendê-las. 
É um movimento de recolhimento que permite ouvir murmúrios e guardar 
as palavras em seu coração para, em seguida, deixar-se abraçar pelo silêncio. 
É um trabalho de formiga que guarda e armazena. 
O segundo movimento assemelha-se à atividade da abelha. Trata-se de 
retirar mel das palavras. 
Elas precisam ser trabalhadas, reviradas de todas as formas possíveis e 
com todas as técnicas ao dispor até que algumas luzes surjam. Uma palavra faz 
 
 
 
 
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lembrar uma imagem, um personagem, um sentido etimológico, associa-se a um 
ou outro texto, e esse trabalho começa a dar fruto. 
Nessa fase da meditação é preciso deixar-se atingir pelas palavras e 
estabelecer com elas um encontro pessoal. Elas começam a se amalgamar entre 
si e a formar um sentido, para além do conhecimento pessoal, e começa a 
mostrar uma possibilidade de interpretação. 
A terceira fase realiza o trabalho da peneira. É um trabalho de 
esclarecimento, em que há um confronto e um ajuste de interpretações que 
estabelece um contorno e desenha uma compreensão. 
A luz dela resultante invade a pessoa como uma espada luminosa que a 
atravessa totalmente. Nesse momento, para Gargano, a meditação pode 
transformar-se em oração assumindo diferentes formas. 
Assim, na meditação, o primeiro momentoé o da colheita, o segundo o do 
amadurecimento e o terceiro o da iluminação que tem um efeito transformador. 
 
O MÉTODO FENOMENOLÓGICO 
Hüsserl procurou estabelecer a Filosofia como uma ciência de rigor e 
partiu do conceito de intencionalidade mostrando a indisso-ciabilidade da 
consciência e do objeto intencionais e a sua constituição unívoca. 
Esta unicidade resulta na participação da subjetividade do pesquisador na 
produção de conhecimento. 
Apesar de a proposta de Hüsserl incluir a afetividade nesta participação, 
ela se caracteriza por um racionalismo, isto é, um incessante movimento de 
elucidação que procura, através de uma seqüência de reduções, atingir a 
essência da constituição intencional. 
Essência que não é anterior à existência, mas constituída no campo 
intencional (Hüsserl, 1935). 
 
 
 
 
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A afirmação da intencionalidade como limite de conhecimento, que 
impede a aceitação de um mundo "em si" e substitui "real" por "fenômeno", 
colocou em pauta a questão dos sentidos e da interpretação. 
Consequentemente, o desenvolvimento da fenomenologia, 
principalmente com as contribuições de Heidegger, desembocou na discussão 
da hermenêutica e envolveu autores, entre os quais Bultman e Ricoeur, que 
consideravam em seus trabalhos as posições exegéticas e religiosas. A 
influência do judaísmo é evidente em Hüsserl, de tal modo que os primeiros 
escritos da fenomenologia são eivados de termos religiosos. 
Ele associa, entre outros, os efeitos da redução à conversão religiosa e a 
busca das essências à meditação infinita (Hüsserl, 1935). 
Essa influência, aliada aos questionamentos privilegiados pela 
fenomenologia - possibilidade de afirmar ou negar o transcendente, abertura do 
campo intencional, universalidade da essência, existência de um sentido, 
condições de interpretação -, formou um tecido propício ao diálogo da 
Fenomenologia com a Religião. 
Em outro interessante movimento interdisciplinar, os discursos 
fenomenológicos desenvolvidos no âmbito da Filosofia tiveram seus efeitos na 
Psicologia. 
Embora a passagem dos conceitos de uma área para a outra nunca tenha 
sido claramente resolvida, é inegável a apropriação das discussões da 
hermenêutica pelas psicanálises e do método husserliano pelas pesquisas 
fenomenológicas em psicologia. 
O método fenomenológico, amplamente utilizado pelas correntes 
humanistas, pela gestalt e pelas psicologias fenomenológico-existenciais 
passou a ser entendido como um conjunto de movimentos que permite 
compreender as experiências psicológicas e construir os seus significados. É 
assim que o tratamos neste artigo. 
 
 
 
 
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As pesquisas fenomenológicas em psicologia trabalham a maior parte das 
vezes com relatos de experiências, orais ou escritas. 
A descrição da análise desses relatos pelos pesquisadores mostra 
procedimentos comuns. 
Trata-se, em primeiro lugar, de ler e reler os textos, tantas quantas forem 
necessárias para mergulhar nos mesmos, conhecer suas nuances, explorar as 
relações, os termos usados, deixar-se atingir por ele. É possível, em seguida, 
trabalhar o texto separando unidades de significado, agrupando-as, organizando 
categorias, estabelecendo um relato descritivo de seu conteúdo ou expressando-
o através de uma narrativa. Atividade que, amadurecendo, permite que se 
organize uma figura, uma gestalt na qual os vários significados se organizam 
entrelaçando-se e formando um desenho que revela um dos modos possíveis de 
compreensão do fenômeno. 
Forghieri (1993) descreve esses movimentos quando relata o seu próprio 
modo de trabalhar em uma de suas pesquisas: inicialmente li o relato inteiro de 
cada sujeito, procurando me envolver e penetrar na sua vivência, dele sentindo-
me próxima... 
Depois de uma releitura de cada um dos tipos de vivência, 
separadamente, de acordo com a seqüência na qual foram descritos pelo sujeito 
e me detive em cada parte do relato...Ao me deter, procurei envolver-me na 
vivência do sujeito ou nela penetrar para captar, intuitivamente, o seu significado 
para ele (pág. 65). 
Ela afirma que o pesquisador precisa abrir-se à vivência que quer 
conhecer, estabelecendo com ela uma profunda sintonia, ou seja, nela se 
envolvendo. Apenas então poderá trabalhar sobre o relato mantendo um 
distanciamento reflexivo. Nesse movimento, para compreendê-lo, relaciona-o à 
sua própria vivência e à de outras pessoas, reflete sobre tudo isto . 
A mesma atitude é expressa por Day e Naedts (1994): quando 
encontramos uma pessoa em uma entrevista de pesquisa, ou temos que lidar 
 
 
 
 
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com o texto que foi gravado nesse encontro estamos engajados em um processo 
de conversação com o texto, que é dialógico (...) Achamos melhor considerar 
que os textos são lidos apropriadamente quando eles são lidos 
responsavelmente; quando eles são lidos e relidos.. 
 
 
PROXIMIDADES E DISTANCIAMENTOS 
Em uma primeira análise, a metáfora da Torá é muito similar às propostas 
fenomenológicas. Dizer que o amado fica às grades do palácio observando todos 
os movimentos, guarda em si as palavras da Torá para depois trabalhá-las e 
deixar que se revelem é semelhante a dizer que o pesquisador deve ler e reler o 
texto atentamente, confrontá-lo com a própria vivência e trabalhá-lo 
reflexivamente até que ele se organize e possa ser expresso em uma narrativa. 
Os dois discursos, enfim, propõem um mergulho no texto, um envolvimento com 
o mesmo, o estabelecimento de uma relação laboriosa, dedicada e íntima. 
As similaridades, no entanto, não podem ser confundidas com identidade. 
Diferenças fundamentais podem ser observadas. A fenomenologia coloca 
o conhecimento em uma esfera intencional e afirma a impossibilidade de 
transcender esse espaço. 
O exegeta cristão fala de uma palavra que tem origem divina. Se a 
fenomenologia busca o conhecimento de um sentido construído na existência, 
para Gargano o conhecimento é o alcance de um sentido último, que é a própria 
razão da existência. 
Trata-se, portanto, de colocações originadas em diferentes contextos, 
escritas com objetivos diversos e que assumem pontos de partida divergentes 
no que diz respeito aos conceitos de mundo, de homem e de conhecimento. Os 
fenomenólogos ouvem um texto buscando a constituição de um fenômeno, os 
exegetas cristãos ouvem o texto buscando a voz de Deus. 
 
 
 
 
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Fenomenólogos e exegetas seguem caminhos paralelos e podem obter 
resultados semelhantes em suas investigações, mas a diferença incidirá na 
interpretação e no valor atribuído aos resultados. 
A análise das proximidades e diferenças entre as duas propostas permite 
outras considerações sobre o tema da meditação. 
O caminho da meditação, como proposto por Gargano, explicita um 
conjunto de habilidades a serem desenvolvidas e descreve os modos de fazê-lo. 
Meditar significa buscar o silêncio interior, desenvolver a escuta, a atenção, o 
cuidado. Essas habilidades são consideradas pela psicologia, mas esta não 
propõe uma prática que as abarque e desenvolva. 
Assim, se alguns psicólogos meditam no sentido religioso, é possível que 
outros meditem no sentido laico, isto é, realizem uma prática que busca 
desenvolver recursos próprios úteis ao trabalho psicológico. Esta observação 
mostra a necessidade de desenvolver pesquisas que trabalhem a distinção 
semântica entre as áreas, facilitando a cada um delimitar com clareza o lugar de 
sua ação e nomear adequadamente a sua prática. 
A análise comparativa possibilita, ainda, dar visibilidade aos aspectos 
afetivos presentes na produção do conhecimento. 
Gargano, coerentemente com a sua tradição cristã, anuncia a importância 
do amor na produção do conhecimento e, de forma poética, explicita o aspecto 
afetivo emocional presente na relação do exegetacom a Torá. 
Amor expresso na dedicação do tempo, da atenção, do interesse, da 
procura e que concretiza uma relação que ultrapassa aspectos meramente 
intelectuais. Estas qualidades estão implícitas na descrição da investigação 
fenomenológica, mas são menos valorizadas, já que o trabalho se desenvolve 
em um contexto que enfatiza, acima de tudo, a racionalidade. 
No entanto, o movimento de amor apontado por Gargano pode ser 
reconhecido nas relações propostas para o desenvolvimento do conhecimento 
 
 
 
 
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fenomenológico: dedicar-se ao objeto de estudo, ouvi-lo, escutá-lo, entregar a 
ele o seu tempo, esvaziar-se diante do mesmo, deixar-se afetar são termos 
freqüentes nos discursos sobre as práticas e pesquisas psicológicas e implicam 
em mobilizações de sentimentos, abertura e acolhimento do que queremos 
conhecer. 
A análise comparativa salienta a importância de acrescentar calor e afeto 
como componentes do trabalho de produção de conhecimento e lembra que os 
atos de apreender e aprender envolvem também o coração. 
Afinal, Hüsserl sempre afirmou a impossibilidade de separação entre 
sujeito e objeto e o sujeito não pode ser pensado apenas como racionalidade. 
A unicidade do pesquisador com o seu objeto de estudo envolve o 
investigador em toda a sua subjetividade: sua razão, seu corpo e seu afeto e a 
"meditação" surge como possibilidade de trabalho sobre todos esses aspectos. 
O que seu uso nos sugere é que, talvez seja importante, em termos 
metodológicos, dedicar maior cuidado ao modo como nossas disposições 
afetivas, para não dizer "como o amor", facilitam ou dificultam, cerceiam ou 
potencializam nosso modo de conhecer. 
É nessa mobilização de afetos que podemos encontrar a forma única de 
compreender o mundo e contribuir de forma pessoal para o aumento do 
conhecimento psicológico. 
O contexto sociocultural da pós-modernidade coloca o ser humano diante 
de uma crise de identidade. 
Apesar do alto grau de independência e domínio, possibilitado pela 
ciência e a técnica, os indivíduos vivem numa situação de desamparo e 
ansiedade existencial (Giddens 2002). Como reação a essa sensação de 
desamparo, constata-se o surgimento de uma forte tendência de busca de 
valores sobrenaturais do mundo da religiosidade, fenômeno denominado por 
Berger (1997) um rumor de anjos. 
 
 
 
 
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Essa tendência leva a um crescente interesse acadêmico por pesquisar 
esse fenômeno devido a suas implicações para o bem estar e a qualidade de 
vida das pessoas. Essa relação entre saúde e religiosidade/espiritualidade torna-
se um campo de estudo promissor, ao mesmo tempo controverso e desafiador 
(MoreiraAlmeida, 2007). 
Nos últimos tempos, a psicologia tem se voltado ao estudo da 
espiritualidade/religiosidade e sua relação com a saúde mental, o bem estar 
psicológico e a integração bio-psicosocio-espiritual do ser humano. 
Segundo Lancetti e Amarante (2006), pode-se identificar a saúde mental 
como uma “mente saudável”. Esta mente saudável seria o movimento contínuo 
do sujeito em busca de um bem estar, de modos de vida que o sustentem diante 
das adversidades do cotidiano e que o ajudem num processo de mudança e 
produção da subjetividade e não como mera ausência de doenças. 
Essa visão está próxima da noção de “qualidade de vida”, seguindo a 
perspectiva de Minayo, Hartz e Buss (2000) e abrindo, assim, espaço para se 
pensar também o papel da espiritualidade na saúde mental. 
Em 1988, a Organização Mundial de Saúde (OMS), incluiu a dimensão 
espiritual no conceito multidimensional de saúde, remetendo a questões como 
significado e sentido da vida, e não se limitando a qualquer tipo específico de 
crença ou prática religiosa. 
Para ela, a espiritualidade é o conjunto de todas as emoções e convicções 
Estudos de Psicologia, de natureza não material, com a suposição de que há 
mais no viver do que pode ser percebido ou plenamente compreendido (Volcan, 
Sousa, Mari, & Lessa, 2003). 
Para entender bem o termo espiritualidade, é necessário distingui-lo de 
religião. O conceito de religião refere-se ao aspecto institucional e doutrinário de 
determinada forma de vivência religiosa. 
 
 
 
 
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Define-se por determinadas crenças e ritos referidos ao transcendente e 
entendidos como meios que oferecem salvação. (Boff, 2006; Libanio, 2002). No 
início do século XX, Otto (1915/1985) inaugurou um novo modo de estudar o 
fenômeno religioso, continuado depois por Eliade (1992). 
Eles se apartaram das análises tradicionais que enfatizavam a 
comparação entre as diferentes religiões para apontar as diferenças. 
Esse novo enfoque punha o acento na experiência religiosa que teria 
elementos semelhantes em todas as religiões. Todas as religiões têm como base 
a experiência com uma realidade misteriosa e fascinante que se apodera do ser 
humano, manifestando a presença de algo transcendente que é sentido no 
cotidiano da existência humana e com grande capacidade de transformar a vida. 
A espiritualidade refere-se a essa experiência de contato com algo que 
transcende as realidades normais da vida. Significa experimentar uma força 
interior que supera as próprias capacidades (Boff, 2006). 
A espiritualidade manifesta-se como religiosa, quando essa 
transcendência repercute de tal forma na transformação da vida da pessoa que 
o experimentado não se explica apenas por forças contidas na interioridade da 
pessoa, mas é sentido como a presença de um absoluto, identificado como 
Deus. 
Essa forma de espiritualidade foi também chamada de mística 
(Vasconcelos, 2006). Portanto, a espiritualidade e a religiosidade caracterizamse 
pela dimensão essencialmente experiencial, enquanto que a religião está 
calcada no aspecto institucional e doutrinário. 
A influência da religiosidade sobre a saúde mental é um fenômeno 
resultante de vários fatores como: estilo de vida, suporte social, um sistema de 
crenças, práticas religiosas, formas de expressar estresse, direção e orientação 
espiritual (MoreiraAlmeida, Lotufo Neto, & Koenig, 2006). 
 
 
 
 
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Stroppa e MoreiraAlmeida (2008) demonstram que muitos estudos 
apontam, em seus resultados, que maiores níveis de envolvimento religioso 
estão associados positivamente a indicadores de bem-estar psicológico, como 
satisfação com a vida, afeto positivo e moral elevado, felicidade, melhor saúde 
física e mental. 
Dalgalarrondo (2007) afirma que a presença do elemento religioso no 
modo de construir, enfrentar e vivenciar o sofrimento mental foi observado por 
muitos pesquisadores. Esse é o caso tanto de estudos com contornos mais 
qualitativos e etnográficos, como com os mais bem quantitativos e 
epidemiológicos. Isso também é constatável tanto para os transtornos mentais 
mais leves, como ansiedade e depressão, como para os quadros graves, como 
nas psicoses. 
Lukoff (2003) mostra que muitas pesquisas revelam boas correlações 
entre saúde e espiritualidade. Portanto, existe a necessidade de incluir a 
espiritualidade como um recurso de saúde e a inclusão desta temática já na 
formação acadêmica, provocando reflexão e questionamento sobre a dimensão 
espiritual do ser humano. 
Panzini e Bandeira (2005) dizem que vários estudos de saúde pública 
demonstram que pessoas que apresentam envolvimento religioso têm menor 
probabilidade de apresentar comportamentos de risco, como violência, 
delinquência e crime, o uso e abuso de substâncias que criam dependência 
como álcool e droga. 
Além disso, a grande maioria dos usuários de serviços de saúde, 
avaliados em 350 estudos científicos, quer ser perguntada sobre sua 
espiritualidade e/ou suas crenças religiosas no contexto do cuidado à saúde 
(Connelly & Light, 2003). 
O universo empírico foi composto por dois grupos de profissionais 
graduadosem Psicologia. 
 
 
 
 
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19 
O 1o grupo formado por cinco psicólogos contratados pela Prefeitura 
Municipal de São Leopoldo (RS) com mais tempo de atuação no Centro de 
Atenção Psicossocial (CAPS) Capilé, que atende portadores de sofrimento 
psíquico grave que estejam em crise, a partir dos 16 anos. 
O 2o grupo, composto por cinco psicólogos que atuam exclusivamente em 
clínicas particulares. Esses últimos participantes foram selecionados segundo o 
método da “bola de neve”, pelo qual o primeiro é escolhido por conveniência e 
este indica outro, que por sua vez indica outro, e assim por diante até alcançar 
cinco profissionais. 
Os dados foram coletados através de entrevista semiestruturada, 
seguindo um roteiro com as seguintes questões: Conceito de 
espiritualidade/religiosidade; Relação entre espiritualidade/religiosidade e saúde 
mental; Espiritualidade/ religiosidade na prática clínica do psicólogo; 
Espiritualidade/ religiosidade no processo terapêutico do usuário; 
Espiritualidade/ religiosidade na atividade do psicólogo. 
As entrevistas foram gravadas e depois transcritas. As falas transcritas 
foram codificadas em categorias para responder aos objetivos específicos do 
estudo e interpretadas segundo a análise de conteúdo (Minayo, 2000). 
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Unisinos com 
a resolução CEP 09/065. Para salvaguardar a confidencialidade, a identidade 
dos entrevistados será preservada, usando nomes fictícios. Resultados No 
estudo, a religião aparece interligada com o tema, contudo, é importante salientar 
que a pesquisa não teve como foco a religião, mas a espiritualidade/religiosidade 
em sua relação com a saúde mental. 
Embora a pesquisa tenha partido da hipótese de que haveria diferença 
quanto à concepção de espiritualidade/religiosidade entre os psicólogos dos 
CAPS e das clínicas particulares, os resultados não evidenciaram essa hipótese, 
como aparecerá na citação das falas dos dois grupos. 
 
 
 
 
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A partir da análise de conteúdo das entrevistas, foram identificadas três 
categorias: 
1) Saúde mental como equilíbrio e sentido da vida; 
2) Espiritualidade/Religiosidade como experiência; 
3) Clínica como autoconhecimento e como autonomia. 
 
 
 
Saúde mental como equilíbrio e sentido da vida 
De acordo com todos os entrevistados, saúde mental é o equilíbrio entre 
todas as dimensões da vida e a capacidade de se abrir às mudanças e às novas 
experiências que a vida proporciona. 
Foi salientado por alguns entrevistados que a espiritualidade/religiosidade 
exerce uma função fundamental para a harmonia e o equilíbrio entre as 
dimensões do ser humano. 
Ricardo expressou: Acredito que a saúde mental é um estágio em que o 
sujeito se encontra em equilíbrio, dentro de todos esses fatores que a gente 
falou, fator comportamental, fator cognitivo, fator afetivo, fator familiar, fator 
biológico, espiritual também. (...) A espiritualidade está a favor da mudança e 
promove mudança. 
A busca pelo sentido da vida foi relatada em todas as entrevistas, em 
algumas de forma direta e em outras através de reflexões, apontando para a 
espiritualidade como aquela que auxilia no processo de busca de sentido e 
saúde mental. Fernando disse: “A questão de achar um sentido para a vida 
passa muito pela questão da espiritualidade”. 
 
 
 
 
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Ficou bastante expressivo no relato dos entrevistados que a busca por um 
sentido de viver está relacionada à experiência do vazio existencial e da posição 
de desamparo do sujeito, bem como a busca por respostas às questões 
existenciais do ser humano. 
Fernando falou: “Dar alguma explicação para algumas questões que afinal 
a gente não consegue entender bem: De onde eu venho? Porque estou aqui? 
Qual a razão da minha existência?”. 
A queda das instituições, entre elas as religiões, que antes davam conta 
de responder aos anseios do ser humano e hoje não exercem mais esse papel, 
foi apontada por grande parte dos participantes, como um fator importante que 
contribui para o sentimento de vazio e desamparo do sujeito, motivando para 
essa busca de espiritualidade e sentido do viver. 
Vera disse: O vazio de que eu falei vem com a queda das instituições que 
organizavam a sociedade, a partir disso nada está garantido. (...) Justamente o 
ser humano se depara com o seu desamparo que é constituinte. 
No que se refere à saúde mental e sua relação com a 
espiritualidade/religiosidade, foi evidenciado que a experiência do sujeito e a 
forma como ele a sente e a interpreta é de suma importância para manter ou 
desenvolver comportamentos saudáveis ou desordenados, tanto no que se 
refere à espiritualidade/religiosidade como em outras dimensões da vida: “Vai 
depender da importância que a pessoa vai dar para estas questões” (Denise). 
Conforme os entrevistados, a inter-relação provoca o sujeito a um 
constante movimento de busca, encontro e sentido: “Tudo vai depender sempre 
de cada situação, de cada pessoa e da relação que faz com essa instituição ou 
com alguma coisa pra buscar sua espiritualidade” (Fernando). 
 
Espiritualidade/religiosidade como experiência 
 
 
 
 
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Todos os entrevistados partiram da definição de que todo o ser humano 
possui uma dimensão espiritual. Para Vera: “É algo intrínseco às relações 
humanas”. 
A espiritualidade/ religiosidade foi definida como uma energia vital, uma 
força relacionada com a forma como o sujeito acredita na vida e com a 
capacidade de direcionar essa força ao seu favor: “quando eu aposto que a vida 
tem força” (Irene). 
A palavra “experiência”, para definir espiritualidade, esteve presente em 
todos os relatos, sendo entendida como encontro e sentimento de ligação com 
todas as coisas: “Relação com o mundo” (Adriana). 
Também foi lembrado que a espiritualidade é um fator de proteção que 
coopera para a mudança de vida e para a reabilitação: “É uma proteção” 
(Ricardo). 
O conceito de imanência foi relacionado com a espiritualidade, 
englobando a ideia de Deus, não como algo que vem depois ou que está além, 
mas algo imanente. Adriana afirmou: “Deus está em todo o lugar porque ele faz 
parte dessa vida”. 
Nesse sentido Deus é apresentado como sendo a própria natureza, as 
forças que operam no mundo: “Essas múltiplas forças que nos atravessam o 
tempo inteiro, que nos constituem” (Adriana). 
A espiritualidade se concretizaria no encontro com essas forças: “Essa 
relação com o mundo, com a vida” (Adriana). Ainda como definição de Deus 
surgiu que: “Deus é mistério” (Fernando). 
Em síntese, a religiosidade, para a maioria dos entrevistados, seria a 
expressão da própria espiritualidade, enquanto que a religião foi definida pelo 
grupo entrevistado como um conjunto de dogmas e normas organizacionais: 
“Uma determinada religião, instituição religiosa, no sentido de terem uma sede, 
mas também de saberem uma doutrina toda que a envolve” (Salete). 
 
 
 
 
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Em todos os relatos há um fator comum de entendimento da 
espiritualidade/religiosidade como experiência singular de encontro com as 
outras pessoas, com o cosmos, com o transcendente e consigo mesmo. Adriana 
afirmou: “Porque é nessa relação do sujeito com o mundo que vai se construindo, 
é uma reciprocidade. (...) Deixar-se afetar por outras pessoas e pelos 
acontecimentos”. 
A capacidade de desenvolver e de cultivar valores foi apontada em alguns 
relatos como uma característica do sujeito que busca e cultiva, no seu cotidiano, 
a espiritualidade/ religiosidade. Como exemplo de alguns valores Salete citou: 
Respeito pelas diferenças, reconhecimento do outro (outras pessoas, opiniões 
etc.), cuidado com a própria vida e a dos outros no sentido amoroso, não no 
sentido de obrigaçãode amar, na relação com o planeta, com outras formas de 
vida, no respeito pela vida de um modo geral. 
O racionalismo foi destacado em quase todas as entrevistas como um dos 
aspectos centrais que interrompem o fluxo da experiência afetivo/espiritual. 
Fernando declarou: “A Psicologia e Espiritualidade racionalidade pura não é 
suficiente. Hoje em dia as pessoas sentem necessidade de afeto, de ligação com 
outras pessoas”. 
Para os entrevistados, a experiência significativa da espiritualidade/ 
religiosidade acontece a partir do momento em que o sujeito se deixa afetar pelas 
diversas formas em que o encontro acontece. Adriana relatou: “Poder deixar-se 
afetar um com o outro, poder olhar nos olhos, ouvir o que o outro está dizendo”. 
Em todas as entrevistas a prática religiosa foi apresentada sob dois 
aspectos: 
1) Positiva, quando potencializa o sujeito, oferecendo-lhe um espaço 
coletivo que favorece e ajuda na sua organização, no sentir-se pertencente a 
algum lugar, a um grupo, a estar integrado com outras pessoas e a partilhar de 
suas experiências. De acordo com Adriana: “Nesse sentido potencializa e muitas 
 
 
 
 
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vezes até dá um chão para o sujeito que está muito fragilizado, e porque se sente 
muito fragilizado, ajuda bastante”. 
2) Negativa, quando explora, manipula e atrapalha o processo de 
autonomia e o cultivo da própria espiritualidade, centrado mais em dogmas e 
cumprimentos de normas institucionais que culpabilizam. Nessa perspectiva, 
Adriana afirma: “Quando aprisiona o sujeito eu penso que seria um mau encontro 
porque despontecializa”. 
 
Clínica como autoconhecimento e como autonomia 
A clínica foi apresentada por todos os entrevistados como espaço 
privilegiado de produção de sentido e promoção da saúde mental, tanto 
individual como coletivamente. 
O desafio está em como pensar essa clínica como produção de saúde 
mental em quem está fragilizado pelo sofrimento. Adriana falou: “Como a clínica 
pode ser um operador de transformação, de cuidado, para potencializar saúde e 
vida?”. 
A clínica tem um papel fundamental para promover um encontro para além 
dos sintomas, possibilitando ao sujeito perceber o que causa sofrimento e 
desenvolvendo suas potencialidades. “Para que terapeuta e paciente, 
coordenador e grupo possam transformar isso em bom encontro ou trabalhar 
algum mau encontro” (Adriana). 
Alguns entrevistados relataram que muitas pessoas com mal-estar 
procuram primeiro o espaço de alguma religião ou seguem a via da 
espiritualidade para encontrar uma resposta para o seu sofrimento. 
Todos estes movimentos denotam um desejo de sentido, de bem-estar 
espiritual e de saúde mental. Juliana afirmou: “É um primeiro sinal de que algo 
não vai bem e que ele precisa de uma coisa pra melhorar a vida, nem que ele 
coloque isso completamente fora dele, mas é uma ida, uma busca”. 
 
 
 
 
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No processo terapêutico, todos entrevistados ressaltaram a importância 
da acolhida, da escuta e do respeito por parte do psicólogo. Ouvir significa 
respeitar a diferença do outro. 
Adriana afirmou: “Quando isso vem coletivamente a gente pode aprender 
a respeitar as diferenças ali no grupo”. Alguns comentaram que a escuta 
psicológica, no processo terapêutico, assume um caráter de intervenção, quando 
se abre a possibilidade para que o sujeito repense a sua vida, suas práticas e 
como tudo chega afetá-lo. 
disse: “Acolher e escutar, porque faz parte da singularidade da pessoa”. 
A acolhida e o respeito pela experiência de cada um foram apontados como 
facilitadores para estabelecer um vínculo de confiança na terapia. Para isso, é 
preciso tempo para que cada um faça o próprio processo. “Vai ter mil nomes que 
a gente vai poder dar pra isso, transferência, vínculos, confiança, um bom 
encontro e depois sim, construir junto com o sujeito” (Adriana). 
A espiritualidade/religiosidade do usuário foi apontada como importante 
para a busca de autoconhecimento que promove a saúde integral do sujeito. 
Juliana afirmou que: “A busca por espiritualidade é uma busca por saúde 
mental”. 
O autoconhecimento é imprescindível tanto para o psicólogo quanto para 
o usuário/paciente. 
Fernando declarou: “A religiosidade ou a espiritualidade é uma busca de 
autoconhecimento”. Outros participantes citaram como algo importante para o 
autoconhecimento o processo de autonomia. Vera disse: “Esse conceito é um 
operador que pode ajudar a pensar a clínica. (...) Entra a religiosidade, a cultura, 
a escolaridade, o trabalho, enfim, tudo nesse sentido”. 
O sujeito mais autônomo reflete mais sobre a vida, sobre como pratica a 
sua religiosidade, se é apenas por tradição. Juliana afirmou: “As pessoas 
passam a ser mais autônomas e passam a pensar se aquilo é uma coisa que 
elas querem continuar”. 
 
 
 
 
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Na terapia, segundo os entrevistados, é necessário passar por esse 
processo de se questionar e se conhecer, não apenas resolver os sintomas. 
Fernando comentou: “Uma coisa é uma terapia voltada apenas para a 
resolução de sintomas, mas passado esse sintoma a pessoa vai começar a se 
tocar com outras questões maiores”. 
Muitos participantes fizeram referência às psicopatologias, afirmando que 
percebem uma estreita relação entre quadros de sofrimento psíquicos e 
expressões religiosas. Eles relataram exemplos de quadros psicóticos onde 
aparecem delírios com conteúdo religioso ou ligados a alguma forma de 
religiosidade. 
Fabiana exemplificou: Um paciente, ...no surto dele, achou que ele era 
Jesus: deixou crescer a barba, o cabelo e foi pra outra cidade. Fez tatuar 
mensagens em todo o corpo: “eu sou enviado de Deus” e outros símbolos 
místicos. 
Ele tem esses símbolos até hoje. Saiu pregando com a Bíblia debaixo do 
braço. 
Os entrevistados que relataram algum tipo de surto psicótico de seus 
pacientes afirmaram que estes sujeitos não conseguem localizar sua doença no 
corpo; depois de inúmeros exames sem resultados partem para algo relacionado 
com o espírito, colocando a doença no sobrenatural. 
Fabiana afirmou: “É uma necessidade deles, colocar numa coisa concreta 
algo que não tem explicação”. Foi refletido que o corpo dá sinais de que algo não 
está bem e esses sinais vão se intensificando cada vez mais se o sujeito não dá 
atenção. 
Assim, o mal-estar, na opinião de alguns entrevistados, além de causar 
sofrimento, pode servir de alerta para a necessidade do cuidado da sua saúde, 
embora a pessoa não se dê conta desses sinais. Fernando afirmou: “A coisa vai 
 
 
 
 
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cada vez tendo que ter sinais mais fortes e mais fortes e que podem chegar até 
a um surto ou a uma depressão grave”. 
Saúde mental é um conceito abrangente e complexo, exigindo um olhar 
que integre as dimensões bio-psico-socioespiritual do ser humano, como foi 
constatado nas entrevistas. 
Na análise dos dados pode-se observar que a visão dos psicólogos 
entrevistados é afirmativa frente à relação entre saúde mental e 
espiritualidade/religiosidade. 
Embora tenha surgido definição de saúde mental, como equilíbrio entre 
as dimensões do ser humano, ela é pouco evidente na prática dos profissionais, 
sendo que a dimensão espiritual nem sempre é levada em consideração ou 
compreendida num contexto amplo da vida da pessoa. 
Partindo do fato da queda das instituições, entre elas, as religiões, como 
um dos fatores que contribuem para o sentimento de vazio, pode-se perceber 
que, nesse contexto, a espiritualidade vem encontrando seu lugar como resposta 
aos anseios mais profundos do ser humano. 
Ao mesmo tempo, não se pode reduzir essa busca a uma mera satisfação 
de consumo social que não preencheria o vazio constituinte do ser humano. 
Este sentimento de “vazio existencial” que vem crescendo, colocando o 
sujeitonuma posição de desamparo, na sintomatologia de Frankl (1989) é 
chamado de tríade da neurose de massa: a depressão, a agressão e a 
toxicodependência. 
Essa tríade estaria ligada ao sentimento de falta de sentido da vida. Para 
este autor, todos os seres humanos, além das suas necessidades comuns, 
sentem o desejo de sentido, em maior ou menor grau, como uma necessidade 
específica. 
Esse desejo é um “valor de sobrevivência”. Coelho e Mahfoud (2001), 
estudando as dimensões espiritual e religiosa da experiência humana na obra 
 
 
 
 
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de Viktor Frankl, chegam à mesma conclusão de que a experiência religiosa faz 
parte da caminhada de uma vida plena de sentido. 
Nela o ser humano explora a força de sua dimensão espiritual, permitindo 
ser conduzido por uma realidade que o supera, e captando essa dinâmica na 
própria consciência. 
Na inter-relação entre saúde mental e espiritualidade/ religiosidade, é 
importante perceber o quanto a segunda oferece recursos para enfrentar 
situações estressantes inevitáveis na vida, mantendo um bom nível de saúde 
(Pargament et al., 1998). 
A pesquisa mostrou que esses recursos vão surgir na medida em que o 
sujeito se abre e se deixa afetar pelos diversos encontros e experiências que a 
vida lhe proporciona: encontro com as demais pessoas, com o cosmos, com o 
transcendente e consigo mesmo. Toda experiência é singular e pode apresentar 
aspectos positivos e negativos. 
Segundo Pargament et al. (1998), a eficácia no enfrentamento a 
determinados estressores pode estar correlacionada com a integração de 
crenças, emoções, relacionamentos e valores, na resposta da pessoa a esses 
estressores. 
Os resultados negativos do enfrentamento são aqueles que apontam para 
uma quebra da integração interna, perda de valores religiosos, fortes 
sentimentos de raiva de Deus, dúvida ou confusão no seu sistema de crenças. 
Por outro lado, para que essa inter-relação seja positiva e favoreça a saúde 
mental e intensifique a vivência espiritual do sujeito, vai depender do “sentido” e 
da forma como ele recebe e interpreta em seu contexto de vida essa experiência. 
A racionalização pode obstruir o fluxo da experiência afetiva espiritual, 
podendo ser um mecanismo de defesa que levaria o sujeito a um comportamento 
de justificar e explicar, de forma superficial a própria experiência, como foi 
apontado pelos psicólogos entrevistados. 
 
 
 
 
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Com esses resultados, pode-se pensar a clínica como espaço em que o 
psicólogo, enquanto facilitador do processo terapêutico, reconhece a dimensão 
da espiritualidade como parte inerente da relação estabelecida entre ele e o 
paciente, considerado um ser bio-psico-socio-espiritual. 
O psicólogo ocupa um importante lugar na fundamentação das diversas 
abordagens que reconhecem e trabalham com a dimensão espiritual no setting 
terapêutico (Saldanha, 1999). 
Pacientes que estabelecem uma relação de empatia e confiança com 
seus psicólogos/médicos se beneficiam mais do que outros que não a 
estabelecem. 
A confiança depositada no terapeuta desempenha um papel central na 
efetividade do tratamento e, por isso, deve ser cultivada eticamente (Peres, 
Moreira-Almeida, Nasello, & Koenig, 2007). 
É importante que os profissionais psicólogos saibam lidar 
adequadamente, na prática clínica, com sentimentos espirituais e 
comportamentos religiosos das pessoas atendidas. 
Para Moreira-Almeida et al (2006) e Tavares, Beria e Lima (2004) quatro 
questões sobre o papel da religiosidade na saúde mental do paciente são 
importantes investigar na prática clínica: 
1) O paciente tem alguma forma de espiritualidade/religiosidade? 
2) Pertence a uma comunidade religiosa? 
3) Tem alguma crença espiritual que possa influenciar nos cuidados 
médicos? Qual a importância que o paciente atribui a estes aspectos da vida? 
4) O paciente usa a religião ou a espiritualidade para ajudá-lo a lidar com 
sua doença, seu sofrimento, ou essas são fontes de estresse? 
Caso afirmativo, esta tem sido fonte de apoio ou de conflitos? Apresenta 
algum conflito ou questão espiritual que o preocupa? Tem alguém com quem 
 
 
 
 
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conversar sobre estes tópicos? Também a Associação Psiquiátrica Americana 
(American Psychiatric Association, 2006) recomenda alguns procedimentos para 
psicoterapeutas ao abordarem os temas espiritualidade e religiosidade: utilizar 
procedimento de entrevista para acessar o histórico e envolvimento com a 
religião e a espiritualidade; pesquisar o papel da religião e da espiritualidade no 
sistema de crenças; identificar se as idealizações religiosas e as representações 
de Deus são relevantes, e abordar clinicamente essa idealização; identificar se 
as variáveis religiosas e espirituais são características clínicas relevantes às 
queixas e aos sintomas apresentados; demonstrar o uso de recursos religiosos 
e espirituais no tratamento psicológico; treinar intervenções apropriadas sobre 
assuntos religiosos e espirituais e atualizar-se a respeito da ética sobre temas 
religiosos e espirituais na prática clínica. 
Para Farris (2005), a psicologia/psicoterapia e a espiritualidade podem ser 
entendidas, apesar das diferenças fundamentais, como dois universos 
simbólicos que usam conceitos diferentes para descrever um processo 
semelhante de construção, percepção ou criação de significado, não sendo, 
portanto, incompatíveis. 
Porém, ele assinala pertinentemente, que é a orientação e abertura do 
psicólogo que determinará ou não o alcance da relação terapêutica, 
possibilitando ou impedindo o alcance da dimensão espiritual em psicologia. 
A espiritualidade/ religiosidade tanto pode expressar um processo maduro 
e bem integrado na busca de compreensão ou de significado para a vida, como 
também pode funcionar de maneira neurótica, defensiva ou adaptativa. 
Cabe ao psicólogo, com a devida abertura e capacitação, diferenciar e 
permitir a plena manifestação dessa estrutura humana no setting terapêutico. 
Os resultados da pesquisa sugerem que o processo terapêutico que 
auxilia o sujeito a ir além dos sintomas é aquele que, além de trabalhar os 
sofrimentos, propicia um espaço vital de autoconhecimento, entendido aqui 
como espiritualidade. 
 
 
 
 
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Para Fong (2009), o autoconhecimento é um processo que leva o sujeito 
a um encontro profundo consigo mesmo na sua interioridade, fazendo-o 
compreender por que reage a uma determinada situação, tornando-o capaz de 
fazer uma escolha mais consciente e, consequentemente, possibilitando saúde 
mental e um maior sentido de vida. 
A viabilidade desse processo depende basicamente, segundo os 
entrevistados, da autonomia do sujeito. Essa pode ser definida como uma 
construção individual que perpassa a história de vida e, ao mesmo tempo, o 
contexto no qual o sujeito está inserido, mas não se reduz a ele. 
O cotidiano é uma possibilidade que o sujeito encontra de enfrentar o 
mundo, de forma que possa interferir nele e não se manter refém de 
determinações únicas, mas ser capaz de estabelecer relações pessoais e sociais 
em diversas instâncias. 
A autonomia diz também do quanto o sujeito consegue nesses encontros, 
nessa relação com o cotidiano, encontrar estratégias que permitam construir 
soluções para as dificuldades e os problemas que se apresentam, gerando suas 
próprias normas. 
Nesse processo de construção da autonomia o sujeito passaria a se 
relacionar e interagir com a sua comunidade, necessitando menos de 
dispositivos assistenciais (Moreira & Andrade, 2003). 
Com base nessa definição, pode-se concluir que o sujeito autônomo 
passaria a pensar sobre o sentido da sua vida e sobre a forma como a sua prática 
religiosa ou a sua espiritualidade o afetam, percebendo se elas são uma questão 
de escolha e comocontribuem ou não para a sua saúde mental. Nesse sentido 
pode-se usar a reflexão de Jung (1987) sobre a relação da liberdade com a 
espiritualidade, quando ele diz que não se trata da liberdade de condições 
biológicas, psicológicas e sociais, pois a elas todo ser humano está submetido, 
mas da liberdade para uma tomada de posição diante das circunstâncias 
cotidianas ou excepcionais. 
 
 
 
 
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Espiritualidade, segundo ele, é fazer a experiência fundadora dessa nova 
percepção da realidade e passar a cultivá-la. 
A partir da experiência dos psicólogos do CAPS, o grupo psicoterapêutico 
tem um papel fundamental no processo de autonomia dos seus usuários e na 
construção do vínculo, favorecendo a troca de experiências, onde muitas vezes 
são trabalhados temas sobre religião e espiritualidade, partindo dos relatos dos 
próprios componentes do grupo. 
Segundo Cardoso e Seminotti (2006), esses grupos demonstraram ser um 
instrumento importante de estímulo à ampliação dos sujeitos que dele participam 
e devendo ser problematizados em sua complexidade e interdependência com 
a instituição e a realidade social em que se inserem. 
Essa ampliação implica múltiplas inclusões de sujeitos que, além de 
escolherem as suas maneiras de pertencer, também promovem a ampliação da 
pertença daqueles a quem se vinculam. 
No grupo, os usuários apresentam-se em cada sessão e ensaiam novas 
maneiras de pertencer, entendendo que, assim como o grupo apresenta 
inúmeras composições, eles também são múltiplos e podem ocupar seus lugares 
nos múltiplos vínculos em que participam (Cardoso & Seminotti, 2006). 
Um dos aspectos apontados na pesquisa foi de que muitas pessoas antes 
de chegarem para um atendimento psicológico já haviam passado por vários 
serviços, incluindo Igrejas, práticas religiosas e certas formas de espiritualidade, 
na tentativa de buscar alívio para seus sofrimentos. 
O desejo de compreender o que se passa consigo mesmo e encontrar 
uma solução para os sintomas são evidentes nas buscas desses sujeitos. Nesse 
contexto, os entrevistados colocaram que o respeito e a escuta por parte do 
psicólogo são condições básicas para que ocorra uma verdadeira acolhida e 
compreensão desse sujeito fragilizado, evitando o pré-conceito em relação às 
suas vivências religiosas ou espirituais. 
 
 
 
 
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Corroborando essa ideia, Valle (2005) refere que, quando o terapeuta 
abre mão do papel de juiz da validade objetiva das crenças e vivências pessoais 
de quem ele acompanha psicologicamente, ele consegue tomar a sério a 
transcendência, enquanto dimensão humana. 
Para o autor, o ser humano nunca pode ser interpretado desde categorias 
redutivas, sejam elas psicológicas ou religiosas, mas sempre compreendido em 
sua complexidade. 
Também Peres, Simão e Nasello (2007) afirmam que a psicoterapia para 
reduzir sintomas e dificuldades do âmbito da saúde mental procura reconhecer 
e utilizar as crenças religiosas dos clientes em seus tratamentos. Por outro lado, 
Dalgalarrondo (2008) explicita que vários autores evidenciam uma estreita 
relação entre psicopatologia e religião. 
Baseado em Schneider, ele afirma que, embora se diga que na base dos 
transtornos mentais estão causas físicas (demência, estados confusionais e 
psicose), como também causas psicológicas e sociais (neuroses, reações de 
adaptação e transtornos da personalidade), constata-se uma forte, recorrente e 
intensa presença do religioso na experiência dos pacientes, sejam eles 
acometidos por doenças mentais de base ou psicogênicas. 
O desafio em questão é avaliar a que tipo de experiência se refere e que 
consequências elas acarretam para o sujeito. 
Dalgalarrondo (2008), citando Sanctis, explica que os transtornos mentais 
estão relacionados a conteúdos religiosos e espirituais como sendo um 
movimento, um deslocamento de energia psíquica vital de áreas afetivas 
importantes que se transfere, num jogo de forças particulares de um objeto para 
outro, para construir os novos objetos religiosos, o que ele chama de “conversão 
religiosa” ou como definiu Freud “sublimação”. Para o autor, essa conversão é 
produzida por processos psíquicos e sociais, podendo ser considerados como 
fenômenos normais ou patológicos, como no caso de delírios e alucinações em 
 
 
 
 
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doentes mais graves. Na conversão, o objeto de fé receberia toda a 
concentração da força afetiva. 
Dando continuidade, Dalgalarrondo (2008) apresenta aspectos 
importantes para distinguir entre uma experiência mística espiritual e uma 
conversão patológica. 
Enquanto as verdadeiras alucinações dos psicóticos são preenchidas por 
conteúdos religiosos, as experiências de vida religiosa cotidiana, mesmo as 
arrebatadoras, são estados normais de consciência. Conclui dizendo que a 
psicologia deveria ater-se à presença do religioso na verdadeira doença mental, 
algo qualitativamente bem diferente da experiência positiva de religiosidade. 
Ampliando a reflexão, Dalgalarrondo (2008), citando Sims, diz que as 
crenças religiosas, mesmo as excessivas e radicais, não são as causas dos 
delírios religiosos. 
Os delírios religiosos verdadeiros provêm de um adoecimento mental de 
base como a esquizofrenia, os quadros maníacos e depressivos psicóticos e 
outras psicoses, e sua manifestação vai depender do background social do 
paciente, de seus interesses e dos de seu grupo sociofamiliar. Assim, o 
adoecimento mental teria como base algo “endógeno” e não “sociocultural”, que 
apenas ajuda para sua expressão, refletindo as preocupações, os valores e os 
interesses do seu meio cultural, que não podem ser apontados como fatores 
causais. 
Todos os psicólogos entrevistados foram unânimes quanto à importância 
para a saúde mental de se reconhecer e valorizar as experiências espirituais, 
independente da prática religiosa. 
Embora exista certa dificuldade entre os profissionais de psicologia em 
compreender e definir de forma distinta espiritualidade/religiosidade e religião, 
bem como articular esses temas com a prática clínica, foi verificado que a 
espiritualidade está presente nas atividades dos psicólogos e nos processos 
terapêuticos dos usuários. 
 
 
 
 
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Como a Antropologia e a Sociologia, também a Psicologia começou 
vinculada à Religião. Basta lembrar que Wilhelm Wundt, ao lado das pesquisas 
de laboratório sobre os processos de consciência, empreendeu vasta 
investigação acerca das leis de desenvolvimento da linguagem, do mito e dos 
costumes, nos dez volumes de sua Psicologia dos povos. 
Na Alemanha, contudo, os estudos psicológicos da Religião se integraram 
muito mais numa Religionswissenschaft do que se constituíram em área 
autônoma. (WULFF, 1985). 
Foi nos Estados Unidos que a Psicologia da Religião fugiu à órbita da 
Teologia ou da Filosofia e se caracterizou como empreendimento científico. Já 
no início da década de 1880, por exemplo, Stanley Hall escrevia sobre o 
"treinamento moral e religioso de crianças e adolescentes", inaugurando uma 
linha de estudos que veio a dar na Clark School of Religious Psychology, na qual 
se destacaram Leuba e Starbuck, este também influenciado por William James, 
de Harvard (BEIT-HALLAHMI, 1974). 
À Psicologia, como ciência sucessora da Filosofia, supunha-se reservada 
a tarefa de conquistar campos cada vez mais complexos, culminando com o da 
religião, para cujo progresso devia, aliás, contribuir. 
Entre 1880 e 1910 tornaram-se muito freqüentes os estudes relativos ao 
crescimento religioso normal, ao sentimento religioso, à conversão, aos 
movimentos revivalistas, sendo comuns os títulos 
ambiciosos: A Psicologia da Religião, de Starbuck; A Psicologia da Conversão 
Repentina, de Prince; A Psicologia da Crença Religiosa, de 
Pratt; A Psicologia da ExperiênciaReligiosa, de Ames (BEIT-HALLAHMI, 1974). 
Nesse contexto, The varieties of religious experience: a study in human 
nature, de WILLIAM JAMES (1902), se destacou não só pelo impacto duradouro 
que exerceu no campo da Psicologia da Religião, mas sobretudo pela 
sensibilidade ao polimorfismo do psicológico e do religioso. Com a experiência 
das "ascensões, quedas e ressurreições" (BEITH-HALLAHMI, 1974; LANS, 
 
 
 
 
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1986) da Psicologia da Religião, hoje em dia sentimos perplexidade face a 
intitulações muito amplas e preferimos perguntar: de que Psicologia se trata? 
que Religião se considera? que tipo de relação entre uma e outra se quer 
investigar? Assim, hesita-se entre Psicologia e Psicologias, Religião e Religiões, 
Psicologia e Religião e Psicologia da Religião. Esta última expressão, quando 
utilizada, o é como atalho verbal, que supõe a discussão prévia. 
Ressalvando que nesse campo nunca se revela a extensão total da 
atividade, porquanto muita pesquisa não é relatada em inglês, francês ou 
alemão, o autor classificou um total de 2.827 estudos propriamente psicológicos 
nas seguintes oito áreas, por ordem decrescente de freqüência: 
Psicologia do Desenvolvimento (religioso/ideológico; moral): 716 estudos 
(25,3%); Psicologia Social (atitudes; pessoal religioso; socialização, psico-
biografias): 701 estudos (24,8%); Revisões críticas (história; teoria científica; 
pesquisas realizadas): 497 estudos (17,5%); Experiência religiosa (misticismo; 
conversão, glossolalia; outros): 331 estudos (11,7%); Medidas psicológicas: 186 
estudos (6,6%); Psicologia Educacional: 144 estudos (5,0%); Personalidade e 
Religião: 138 estudos (4,9%); Psicoterapia e Religião: 114 estudos (4,0%) 
(BERGLING, 1986). 
A discussão de alguns exemplos de pesquisa, localizados nas principais 
categorias, permitirá identificar algumas relações entre Psicologia e Religião. 
 
Psicologia do Desenvolvimento 
HUTSEBAUT & VERHOEVEN (1989), da Universidade de Leuven, 
chamam a atenção para o caráter quase exclusivamente transversal dos estudos 
da representação de Deus no adolescente. Tais estudos indicam algumas 
distinções nítidas entre as fases da adolescência, mas não permitem captar a 
própria transição de uma fase para outra. 
 
 
 
 
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Relatam, então, uma pesquisa longitudinal, iniciada em 1984, com 
escolares pré-adolescentes (12 e 13 anos), aos quais solicitaram informações 
sobre a prática e a crença religiosas e o completamento da sentença "Para mim, 
Deus significa...", apresentada quatro vezes. 
O mesmo instrumento foi reapresentado aos mesmos sujeitos em 1986 e 
1988. Os resultados (excluídos os de 1988, com a pesquisa em andamento) 
foram comparados não só entre si, mas também com os de duas pesquisas 
independentes com pré-adolescentes e adolescentes nos anos de 1970 e 1981. 
A prática religiosa regular, i.e., semanal, diminuiu pela metade entre 1970 
e 1981, mantendo-se mais ou menos estável daí por diante. O que mais chama 
a atenção é a queda da freqüência nos adolescentes e nos pré-adolescentes dos 
anos citados. 
Os autores pensam que a diminuição tende a continuar, uma vez que os 
fatores que a iniciaram se mantêm ativos: a secularização, a mudança nos 
padrões de autoridade familiar e a influência do grupo etário. 
A crença religiosa, igualmente, apresentou drástica redução no que se 
refere à "crença absoluta". Essa redução foi de aproximadamente 50% nos pré-
adolescentes de 1970 e 1981, e de mais de 60% nos adolescentes dos mesmos 
períodos. 
Quanto aos sujeitos de 1984 e 1986, não se verificou grande alteração 
nos dados da prática religiosa, mas o mesmo não se pode dizer de suas crenças. 
Em 1984, 28,4% dos pré-adolescentes declaravam crença absoluta; 38,9% 
crença com questionamentos; 27,5% principalmente dúvidas; 5,0% descrença e 
0,2% descrença absoluta. 
Em 1986, as proporções foram, respectivamente, 7,9%, 32,5%, 43,2%, 
10,3% e 6,1%. 
 
 
 
 
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Conceito de Deus: as respostas que os pré-adolescentes de 1970 e 1984 
e os adolescentes de 1970 e 1986 deram ao completar a sentença "Para mim, 
Deus significa...", foram agrupadas em 15 dimensões. 
A grande maioria dos estudantes expressaram um conceito multi-
dimensional. O que chama a atenção é o declínio de certas dimensões, de 1970 
para 1984, entre os pré-adolescentes: a existência de Deus, seu atributo de 
Criador, sua transcendência, sua relação com a experiência cristã e eclesial e 
sua função de doador de sentido declinaram ostensivamente. 
Entre os adolescentes, de 1970 para 1986, o padrão de declínio é o 
mesmo, com maior dramaticidade nas dimensões relacionadas com a 
experiência cristã e eclesial e com a redução em cerca de 50% da conceituação 
de Deus como princípio ético. 
Os autores relacionaram essas mudanças com mudanças mais amplas 
na Igreja e na Sociedade. 
De modo geral, observaram o gradativo desaparecimento da imagem 
poderosa de um Deus transcendente e o fortalecimento de uma representação 
de Deus mais individual e pessoal. Através da análise de conglomerados os 
autores tentaram identificar os padrões de interrelação das várias dimensões. 
A interpretação teórica, em função da qual foram realizadas análises, é o 
modelo de desenvolvimento religioso proposto por Deconchy que distingue três 
estágios de desenvolvimento: 
1) um estágio de atribuição (9/10 anos), no qual as crianças atribuem a 
Deus toda sorte de qualificativos, desde a onipotência até as qualidades morais; 
2) um estágio de personalização (12/13 anos), no qual Deus é 
considerado amigo ou pai; 
3) um estágio de interiorização (15/16 anos), no qual se atinge um nível 
cognitivo mais elevado e decresce a importância de uma representação de Deus 
 
 
 
 
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como pessoa concreta, em favor de tipificações voltadas para o interior e 
abstratas. 
Entre os pré-adolescentes emergiram da análise conglomerados. Em 
vários deles Deus é descrito como auxílio, conforto ou companheiro, o que 
corresponde ao estágio de personalização. 
Há alguns conglomerados que contêm a transcendência, a ética e a 
criação, o que indica sujeitos em transição do estágio atributivo para o da 
personalização. Descobriu-se também um conglomerado que contêm a 
dimensão de presença idêntica ao mundo, apontando para a transição do estágio 
personalizado para o de interiorização. 
Os adolescentes, igualmente, revelaram situar-se principalmente no 
estágio de personalização, embora o conglomerado singular mais numeroso seja 
o que junta dúvidas, negação da existência e atributos negativos. Na 
adolescência quase não se encontraram dimensões atributivas, expressas pelas 
categorias de experiência cristã e eclesial. 
Os autores são de opinião que os limites etários estabelecidos por 
Deconchy em 1964 retrocederam, uma vez que quase não se descobriram 
componentes de interiorização. Como o interesse dos autores é o 
desenvolvimento do mesmo indivíduo ao longo dos vários estágios, eles se 
perguntaram acerca da adequação do modelo de Deconchy para o entendimento 
e a predição desse desenvolvimento. 
Na análise que fazem das mudanças no conceito de Deus, reconhecem 
que as previsões do modelo se confirmaram no nível das amostras. O 
desenvolvimento religioso individual, contudo, não pôde ser discutido no mesmo 
quadro de referência, uma vez que os testes de significância estatística da 
relação entre os conglomerados não resultaram em nenhum valor significante. 
Os autores concluem, então, que o modelo de Deconchy não tem utilidade 
para predizer o conceito que uma determinada pessoa terá de Deus num certo 
estágio de seu desenvolvimento, a partir do conceito que tinha no estágio 
 
 
 
 
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anterior. Invocam, por isso, outros elementos de explicaçãoe ressaltam, dentre 
esses, o papel multi-dimensional do professor: suas atitudes, seus métodos 
didáticos, seu comportamento pessoal e sua relação com os alunos, exercem, 
provavelmente, decisiva influência no conceito de Deus que o estudante adotará 
na realidade, dentro de seu estágio de desenvolvimento. 
E o que propõem fazer na continuação da pesquisa. 
 
Psicologia Social 
O fenômeno religioso pode ser estudado sob o enfoque de alguma teoria 
de Psicologia Social. Vejam-se, por exemplo, os estudos de J.-P. Deconchy 
sobre a ortodoxia das crenças à luz da teoria do open and closed mind, de 
Rokeach (DECONCHY, 1977, 1982) ou a proposta de SPILKA et al. (1985) de 
um enfoque atributivo para toda a Psicologia da Religião. 
Um estudo de SANADA & NORBECK (1975) procurou verificar os 
achados de FESTINGER et al. compilados no famoso When Prophecy 
Fails (1956). Nesse estudo, Festinger et al. foram capazes de estabelecer o fato, 
o modo e as seqüelas da redução da dissonância cognitiva num episódio de 
cunho religioso. 
Como se sabe, um grupo de pessoas, nos Estados Unidos, que 
esperavam o fim do mundo para um dia determinado, reduziram a dissonância 
ante a frustração de sua expectativa acrescentando uma nova cognição: a de 
que vozes do além teriam garantido que o mundo fora poupado pela fé do 
pequeno grupo. 
Além disso, o grupo, que anteriormente se mostrara indiferente ao 
proselitismo, passou a angariar adeptos, inclusive através dos meios de 
comunicação de massa. 
Festinger et al. interpretaram essa seqüela comunicativa como um esforço 
para estabelecer uma realidade social, e predisseram que quando falha a 
 
 
 
 
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profecia o profeta e seus seguidores reduzem a dissonância procurando apoio 
social. Tentando verificar as predições do estudo por ocasião de um movimento 
escatológico surgido no Japão em 1974, Sanada & Norbeck encontraram 
confirmação apenas parcial do esperado. 
Em resumo, a situação japonesa foi a seguinte: o Fundador de Ichigen-
no-Miya (Santuário da Verdade Fundamental), uma das muitas novas religiões 
japonesas, profetizara violento terremoto a ocorrer no dia 18 de junho de 1974, 
em Osaka. Cem mil folhetos foram distribuídos entre a população para alertá-la 
e indicar-lhe aonde se refugiar. No dia aprazado nada aconteceu. 
O profeta tentou o suicídio no interior do templo, mas sobreviveu. Os 
adeptos procuraram diversas explicações para a não ocorrência do terremoto, 
desde a diferença entre o calendário oficial do Japão (o gregoriano) e o 
calendário tradicional (lunar), até a aceitação do sacrifício da vida do profeta. 
Como anteriormente à data aprazada o profeta se tinha comprometido a 
dissolver o grupo caso não se cumprisse a profecia e como uma onda de ridículo 
coletivo ameaçava os adeptos, o profeta realmente honrou o compromisso, 
renunciando à chefia do grupo (que é precisamente um modo de suicídio 
profissional ou social) e dissolvendo o grupo, com a destinação dos bens 
materiais à prefeitura do município. 
Sanada & Norbeck fazem notar que foi falha a predição da teoria por 
deixar de levar em conta as variáveis culturais relevantes do grupo a que se 
aplicou. Assim, os valores de sanção social do ridículo, status hierárquico, honra 
ao compromisso assumido e intensa dependência afetiva do grupo, diferentes 
que são dos valores fundamentais da cultura americana, levaram a um desfecho 
diferente do previsto: em lugar da confirmação do profeta, seu suicídio físico 
(como tentativa) e profissional; em lugar do proselitismo, a dissolução do grupo. 
A pesquisa de Sanada & Norbeck exemplifica uma vertente muito 
prestigiada na pesquisa psicológica da religião: a que preconiza que os 
fenômenos religiosos sejam inseridos na linha mestra da teoria psicológica. No 
 
 
 
 
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caso, uma conceituada teoria de Psicologia Social, a da dissonância cognitiva, 
foi o gabarito com o qual se mediu o fato religioso. 
A verificação apenas parcial da teoria levantou o problema da 
transposição entre culturas de um modelo ou paradigma conceitual (PAIVA, 
1978). 
O sistema de valores da cultura japonesa surpreendeu, com efeito, as 
predições da teoria. Talvez não lhe tenha retirado o alcance transcultural, mas 
certamente terá revelado a insuficiência da formulação original. 
A influência que variáveis culturais concretas podem exercer sobre 
esquemas explicativos originados em contextos restritos não é assunto 
levantado apenas em metodologia de pesquisa intercultural: em Psicologia da 
Religião chega-se a discutir se a tarefa da Psicologia não é, "ao invés de encaixar 
as experiências religiosas nos escaninhos de Freud e Jung, ou nas categorias 
da Gestalt, da Teoria S-R ou em outras quaisquer, ver o que os próprios dados 
dessas experiências indicam por si mesmos" (GOODENOUGH, 1965, p. xi). 
Parece claro que a opção pelo caráter comum ou pelo caráter singular do 
fenômeno religioso decorre da epistemologia predominante da pesquisa: o 
contexto psicológico tenderá a encaixar o fenômeno religioso entre os muitos 
fenômenos psicológicos, o contexto religioso tenderá a destacá-lo dentre os 
demais. 
 
Revisões críticas 
Dentre os muitos temas incluídos em "teoria científica", como, por 
exemplo, descrição ou explicação, excepcional idade ou trivialidade dos 
fenômenos, modelos da psicologia acadêmica ou modelos (psic)analíticos, 
crença e descrença como complementares ou opostos, destaca-se o da 
definição de Religião em Psicologia. 
 
 
 
 
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No 3º Simpósio de Psicólogos Europeus da Religião, realizado em 
Nijmegen, em 1985, esse debate constituiu o centro das discussões em plenário. 
As posições antagônicas clássicas foram apresentadas por Vergote, de 
Louvam, e por Lans, de Nijmegen. 
Vergote de há muito é partidário de uma definição de Religião que inclua 
explícita referência ao sobrenatural, isto é, a uma instância que não faz parte do 
mundo da natureza e dos homens. 
Essa instância será, as mais das vezes, pessoal, mas o sobrenatural 
poderá ser conceituado ou sentido como força (VERGOTE, 1983). 
As razões de sua posição são de ordem metodológica: no emaranhado 
das manifestações religiosas deve-se dar crédito ao valor discriminativo da 
linguagem, que denomina certos fenômenos como religiosos e outros não; a 
linguagem é capaz de fornecer uma definição substantiva do religioso, que 
indique o que ele é e o distinga do que ele não é (ou do que não é ele); definições 
não substantivas, muito comuns nos estudos das ciências da religião, são, 
possivelmente, pontos de chegada, mas não servem como balizadores iniciais 
do campo. 
De outro lado, uma vez que as ciências da religião, incluindo nelas a 
Psicologia, não mais se ocupam da origem absoluta do fenômeno religioso, 
cabe-lhes levar em conta, na definição do fenômeno, não só a dimensão do 
comportamento individual ou a dimensão social, mas também a dimensão 
cultural, A religião é, pois, um sistema de símbolos (mitos, ritos, objetos, 
pessoas) que tem como referência o sobrenatural. 
Com essa definição, Vergote exclui quaisquer "preocupações 
supremas" (ultimate concerns) do campo da religião propriamente dita. Para ele, 
a Psicologia da Religião teria de estudar, de um lado, as condições psicológicas 
de possibilidade de um sistema simbólico com referencial sobrenatural e, de 
outro, as determinações concretas que as estruturas e dinâmicas psicológicas 
passam a ter em virtude desse sistema. 
 
 
 
 
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Dado que a Religião é um elemento do universo cultural, sua aceitação, 
que torna o homem religioso, ou sua rejeição, que o caracteriza como irreligioso, 
são duas faces da mesma moeda (VERGOTE, 1983, 1985, 1986). 
A argumentação de LANS é muito sensível ao que contemporaneamente 
se denomina processo de secularização.

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