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Interacionismo e Aquisição de Linguagem Conteudista Prof. Dr. Carlos Eduardo Borges Dias Revisão Textual Esp. Pérola Damasceno 2 OBJETIVO DA UNIDADE Atenção, estudante! Aqui, reforçamos o acesso ao conteúdo on-line para que você assista à videoaula. Será muito importante para o entendimento do conteúdo. Este arquivo PDF contém o mesmo conteúdo visto on-line. Sua dis- ponibilização é para consulta off-line e possibilidade de impressão. No entanto, recomendamos que acesse o conteúdo on-line para melhor aproveitamento. • Compreender a história do interacionismo, a constituição das principais concepções a respeito da interação no campo da aquisição da lingua- gem e as principais problemáticas do campo. 3 Introdução Na literatura sobre a teoria da aquisição de linguagem alguns autores postulam que as teorias podem ser divididas entre aquelas que consideram um conheci- mento prévio, inato, da linguagem e dos mecanismos de desenvolvimento es- pecificamente linguísticos (teorias inside-out), e, por outro lado, as teorias que postulam um ponto de partida social ou cognitivo dos mecanismos gerais e dos processos de aprendizagem (teorias outside-in). A teoria gerativa, vista na em outra Unidade, se situa no primeiro conjunto, enquanto os autores que podem ser agrupados no segundo conjunto são aqueles vinculados ao construtivismo e ao interacionismo social. Muitos autores no campo da aquisição da linguagem consideraram que os tra- balhos relativos a esse segundo conjunto não teriam conseguido responder ao argumento da pobreza de estímulo formulado por Chomsky, nem a dar conta da maneira pela qual as crianças passam das primeiras produções aos enun- ciados bem formados. Considerou-se frequentemente que essas abordagens pressupunham, implicitamente, categorias pré-existentes nas crianças. A con- clusão parecia, então, que seria necessária uma adesão ao princípio da existên- cia de conhecimentos linguísticos inatos, os quais guiariam a descoberta, pelas crianças, das estruturas sintáticas. No entanto, de forma bastante paradoxal, o caminho tomado pela teorização desse segundo conjunto de trabalhos nos últimos trinta anos foi o inverso. As abordagens outside-in, longe de terem desaparecido, enriqueceram em número e em alcance explicativo. Elas evoluíram de tal modo que têm tra- zido, de modos diversos, respostas empíricas às questões que estavam em suspenso e têm proposto teorizações complexas do processo de aquisição. Dessa forma, se desenvolve um conjunto de estudos que alguns agrupam sob o termo de “interacionismo” e, outros, sob os vários termos complexos, tais como: “construtivistas”, “emergentistas”, “sociopragmáticos”, “funcionalistas” e “baseados no uso”. O conjunto dessas pesquisas se inscrevem em uma concepção funcionalista da língua e de acordo com a qual a vocação comunicacional condiciona a organiza- ção formal da língua. Essa vertente considera a língua não como um sistema de regras, mas como um conjunto de correspondências entre formas e funções. Pode-se delinear um continuum entre abordagens que se focam no papel do meio social da criança e as abordagens que, pelo contrário, se centram mais nas modalidades de apropriação pela criança da língua a ser adquirida, consi- derando a dimensão interacional, ou as características da linguagem endereça- da a crianças como princípio. 4 Emergentismo, Construtivismo e Abordagens Baseadas no Uso Nos últimos trinta anos, foi possível observar uma reconfiguração dos obje- tos de estudo do domínio da aquisição de linguagem. Enquanto que, durante muito tempo, o interacionismo social baseou-se em aspectos externos da lín- gua, tal como a linguagem endereçada à criança, ou como o desenvolvimento pragmático, sem necessariamente abordar o núcleo duro da língua, que per- manecia abordado apenas pelos formalistas e inatistas, as abordagens mais recentes tomaram para si a tarefa de responder aos argumentos inatistas em seu próprio campo de trabalho. Frequentemente inspiradas pelo cons- trutivismo piagetiano, elas se focaram na atividade da criança na relação com a língua que ela aprende. Diversos modelos foram, dessa forma, propostos buscando responder aos mecanismos pelos quais a criança adquire a língua e constrói sua gramática. Mecanismos Cognitivo-Linguístico e Diversidade das Línguas A diversidade das línguas e a diversidade dos modos de aquisição relacio- nados a cada língua foi um dos primeiros e principais desafios aos quais os pesquisadores desse grupo foram confrontados. Desde os anos 1960, Dan Slobin se opôs ao gerativismo considerando que a criança não nasce com um conjunto de categorias linguísticas universais, mas com mecanismos de tra- tamento, o que ele chamou de princípios operacionais, que a criança aplica à língua do seu meio para identificar as unidades e as formas da língua. Ele considerou que se existem universais, eles são resultado de uma competên- cia cognitiva inata. 5 Figura 1 – Dan Slobin Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: fotografia de Dan Slobin de camisa, blazer e óculos, em 1997. Fim da descrição. Entretanto, a série de estudos conduzidas em relação a línguas muito diferen- tes, confrontou os pesquisadores às implicações da diversidade tipológica dos processos aquisicionais. Por exemplo, se, do ponto de vista cognitivo, pode-se privilegiar a equivalência semântica em relação a diferença formal entre a produ- ção de uma preposição e da flexão casual para exprimir uma mesma informação (por exemplo uma localização), parece que as crianças que falam línguas como turco, ou russo, são mais precoces para marcar sintaticamente certos comple- mentos que as crianças que falam inglês ou francês. A diversidade interlíngua coloca, assim, em questão não somente o princípio da universalidade linguística do gerativismo, mas também o dos universais cogniti- vos. Assim, Slobin evoluiu de uma concepção segundo a qual poderíamos identi- ficar regras comuns constituindo uma gramática de base da criança à constata- ção de que a diversidade das línguas é importante demais para se definir regras gramaticais universais. Essa evolução se cristalizou na hipótese segundo a qual tornar-se um falante competente de uma língua dada implica em adotar pontos de vistas específicos sobre a realidade, que permitem mobilizar essa língua. Ele chamou essa relação de dupla implicação, “pensar para falar”, o que posterior- mente foi frequentemente considerado como uma variante da famosa hipótese 6 Sapir-Worf. Essa reflexão que começou a respeito das primeiras aquisições de- pois foi estendida às aquisições tardias no quadro de um projeto ambicioso de estudos sobre a diversidade das línguas. As Abordagens Emergentistas Desde os anos 1990 foi constituído, progressivamente, um novo conjunto de abordagens que se reconhecem sob o título de emergentistas. Esse conjunto se caracteriza pela ideia de que diferentes fenômenos de linguagem (e, portanto, o sistema linguístico em nascimento) não são nem pré-existentes, nem dados, mas eles são emergentes a partir de fatores fisiológicos, biológicos, cognitivos, so- ciais, ambientais etc. De uma forma coerente em relação com as teorias linguís- ticas funcionais, as teorias emergentistas insistem no fato de que a comunicação está no centro da natureza, da estrutura, da evolução e do uso das línguas. De forma contrária em relação ao gerativismo, para o qual o modo sintático cons- titui o centro de toda língua, os emergentistas consideram os diferentes aspectos da linguagem, desde a fonética até as trocas conversacionais, assim como elemen- tos constitutivos de um sistema fortemente imbricado. Em relação às concepções modulares, próprias ao gerativismo, as concepções emergentistas opõem-se aos modelos conexionistas. Enfim, o caráter central da comunicação não é dissociável das dimensões biológicas, neurológicas e fisiológicas que a subentendem. Assim, as abordagens emergentistas consideram a questão do inatismo com algumas reser-vas, rejeitando a ideia de uma mudança genética específica e integrando, entre os fatores relacionados à aquisição e ao uso da linguagem, a influência das capacida- des precoces da criança e das pré-determinações de tipo neurológico ou fisiológico. De modo geral, essas abordagens se focam na complexidade inerente desses fenômenos que não se deixam explicar por um único fator. A ideia de interação entre os fatores é o que prevalece para dar conta ao mesmo tempo da aquisição e do funcionamento das línguas e da linguagem. O emergentismo, mesmo sem constituir uma teoria unificada da aquisição e do funcionamento da linguagem, tem a ambição de constituir atualmente a respos- ta à teoria da gramática universal e também procura englobar uma grande diver- sidade de abordagens e modelos, indo desde os desenvolvimentos que estão à margem do gerativismo, relativamente formalistas, até as abordagens de inspi- ração sociopragmática, passando por trabalhos que consideram a interação dos fatores, como os efeitos do input, sob o modo no qual as crianças segmentam a fala percebida, constroem/reconstroem o ritmo da sua língua, evidenciando, de uma outra perspectiva, o papel central da interação social e a dimensão funcio- nal dos enunciados endereçados às crianças. 7 Entre esse rico conjunto de abordagens apresentaremos os dois modelos princi- pais: o emergentismo de competição e o emergentismo de coalizão. A esses dois modelos, adicionamos o modelo baseado no uso, mesmo que, em algumas de suas versões, ele pode ser considerado como interacionismo social. Modelo de Competição Na mesma linha dos estudos interlíngua iniciados e desenvolvidos por Slobin e também do funcionalismo linguístico, nos anos 1980 foi proposto o modelo de competição. O paradigma desse modelo evoluiu em uma versão unificada que propõe uma concepção comum dos processos de aprendizagem da primeira e segunda língua, integrando as contribuições das neurociências e dos processos sociais. Assim como as outras abordagens emergentistas, da qual ele se coloca como um protótipo, o modelo de competição não rejeita a importância da deter- minação biológica, mas considera que os mecanismos inatos são específicos ao ser humano, mas não específicos à linguagem. O modelo de competição deu origem a um modelo de tratamento da linguagem que permite dar conta da diversidade dos modelos de aquisição das línguas, do modo pelo qual cada língua faz uso diferenciados dos mecanismos de base para tratamento perceptivo, da codificação e decodificação, da memória de trabalho e do planejamento de enunciados. As línguas se distinguem qualitativamente (pela presença ou ausência de alguns traços linguísticos), mas também quantitativa- mente (pelo peso das estruturas equivalentes). Essas diferenças se refletem no plano da aquisição: os autores citam frequentemente o conjunto de construções passivas tardias nas línguas indo-europeias, como inglês e francês, mas adquiri- das em Sesotho (língua Bantoue). O Modelo Emergentista de Coalizão O modelo emergentista de coalizão teoriza, mais especificamente, a aquisição do léxico. Os autores consideram que as diferentes teorias já existentes para a aqui- sição do léxico consideram frequentemente fatores únicos. O modelo de coalizão propõe, ao contrário, considerar o modo como os fatores perceptivos, sociais e linguísticos interagem. Os autores consideram que as crianças são sensíveis a di- ferentes índices no curso do seu desenvolvimento. Assim, as primeiras palavras são provavelmente adquiridas graças ao peso dos índices perceptivos, particular- mente ao fato da ênfase dada pelo adulto aos objetos nomeados. Dessa forma, de modo bastante rápido, as crianças tornar-se-ão sensíveis aos índices sociais, como os olhares e o apontar do adulto na direção de um objeto, ou a sua implicação no diálogo, por exemplo, no caso do par pergunta-resposta. 8 Esses índices podem, por sua vez, interagir com índices linguísticos, tal como a segmentação da cadeia falada, as características prosódicas da linguagem en- dereçada à criança, ou ainda índices gramaticais como a presença de um pro- nome diante de um verbo ou de um determinante diante de um substantivo. O peso e o impacto desses índices variam conforme o nível do desenvolvimento da criança: os mais jovens são sensíveis à ênfase perceptual dos objetos, mas desde que se instala a atenção conjunta, os índices sociais dominam. Esses mesmos índices sociais têm, num dado momento, um peso mais forte do que os índices linguísticos, mas esses últimos poderão se mostrar mais confiáveis mais tardiamente. Vemos, portanto, que, assim como no modelo de competi- ção, se coloca a questão da confiabilidade dos índices. As crianças mais jovens precisam, assim, de um suporte importante para aprender as palavras: a con- vergência dos índices perceptivos, sociais e linguísticos e a reiteração da expe- riência facilitarão suas aquisições. As Abordagens Baseadas no Uso Um outro conjunto de trabalhos, cuja amplitude e ambição dominam para muitos o panorama aquisicionista atual, é constituído pelas abordagens ba- seadas no uso. Nessa denominação podem ser agrupados os estudos que se inscrevem em uma concepção socio-pragmática do desenvolvimento da lin- guagem e que destacam o uso da linguagem e interação, assim como as abor- dagens que consideram o uso unicamente do ponto de vista da frequência. Esses estudos visam um triplo objetivo num debate direto com o gerativismo: a) demonstrar que a criança pode adquirir sua língua sem conhecimentos linguísticos prévios, a partir unicamente de sua experiência comunicativa e de suas competências cognitivas gerais; b) mostrar que, ao contrário do argu- mento chomskiano da pobreza do estímulo, os dados do input permitem que a criança faça o trabalho de construção da sua língua; c) propor a modelização desses processos. Essas abordagens mantêm uma relação com o emergentismo em relação ao qual alguns sustentam que há uma convergência. Contudo, as abordagens baseadas no uso têm o ponto de partida e como principal ponto de debate com o gerativismo a ideia de que as crianças não possuem nenhum conhe- cimento linguístico prévio. Opostamente, eles consideram que as crianças possuem habilidades perceptivas e cognitivas que permitem a elas adquirir a linguagem, de modo particular sua capacidade de perceber padrões e de generalizá-los. 9 Eles consideram igualmente que a aquisição da linguagem não é a atividade pri- meira da criança, mas que ela emerge do seu uso na comunicação. Nesse sentido, as abordagens baseadas no uso têm um fundamento funcionalista. Essas abor- dagens se definem, mais frequentemente, como construtivistas em um duplo sentido do termo: elas são construtivistas porque, assim como para o modelo de competição, evidenciam o papel ativo da criança na construção da sua língua; elas podem, também, ser construtivistas porque se apoiam na teoria linguística das construções, segundo a qual uma língua é um inventário de construções, e não um conjunto de regras. A proposição central das abordagens baseadas no uso é a de que as crianças aprendem uma língua a partir das ocorrências particulares de formas que elas captam no input. Essas formas constituem, em um primeiro momento, um in- ventário de formas simbólicas isoladas. Essas ocorrências, que correspondem a objetivos comunicacionais específicos e a perspectiva que a criança adota em relação à experiencia, podem equivaler, num primeiro momento, a palavras isoladas, a expressões cristalizadas, mas também a padrões graças aos quais frequentemente a criança faz as primeiras combinações. As abordagens baseadas no uso conferem um lugar fundamental ao input, que é a fonte desse repertório de formas. O modelo repousa inicialmente em colocar em evidência as características estatísticas e distribucionais do input que tornam possível a aquisição. Ele mostra, de modo particular, que a criança não é confrontada à língua (como sustentam alguns gerativistas)em toda a sua complexidade, mas que, ao contrário, a criança é exposta a um pequeno número de padrões recorrentes que ela vai mais facilmente tomar como base de sua construção linguística. Esses trabalhos também mostram que se existem regras e gramática, elas aparecem relativamente tardiamen- te, quando a criança reproduz as formas e as combinações que ela capta da língua do adulto. Esses estudos têm trazido respostas às questões relativas à aquisição da sinta- xe. Eles têm promovido de modo particular o debate com as teorias gerativistas (com dados provenientes de corpus densos e de dados obtidos graças a dispo- sitivos experimentais). Eles permitem retraçar um outro caminho de aquisição de linguagem que vai da retomada da construção até a generalização e, por- tanto, eventualmente, até as estruturas da língua. Entretanto, enquanto eles se inscrevem frequentemente em uma perspectiva que se define como socio- -pragmática, as necessidades do debate no plano sintático parecem ter levado alguns desses estudos a deixar de lado o fundamento comunicacional dos usos linguísticos para privilegiar uma concepção de frequências das noções de uso e de experiência comunicativa. 10 O Interacionismo Social O papel do meio social e da interação na aquisição da linguagem constitui um organizador importante do campo dos estudos sobre a aquisição da linguagem. Assim, se alguns trabalhos se apresentam como fundamentalmente interacionis- tas, na maioria dos casos, a questão da inscrição social do processo de aquisição constitui um dos principais componentes do modelo. Os estudos não consideram as mesmas facetas da dimensão social e intera- cional. As diferentes abordagens apresentam entre elas diferenças sem que seja possível agrupá-las em conjuntos bem definidos. A apresentação a seguir está organizada, portanto, em torno de questões transversais que organizam o campo, começando por alguns fundamentos teóricos do interacionismo social, para depois abordar diversas facetas da dimensão social e interativa que podem ter um papel na aquisição da linguagem, tais como a dimensão comunicacional, a experiência comunicativa e a linguagem endereçada à criança. A Constituição do Campo: Influência e Fundamentos Teóricos Mesmo que tenha sido erroneamente associado ao behaviorismo, o interacionis- mo social se inscreve, pelo contrário, nas tradições filosóficas e psicológicas que colocam as questões do sentido, da consciência e da intenção no centro da sua reflexão. Nos anos 1970, a preocupação em relação à dimensão social e à intera- ção, no domínio da aquisição da linguagem, foi beneficiada por contribuições te- óricas diversas. Inicialmente pelo desenvolvimento da pragmática, que foi igual- mente alimentada pela reflexão sobre o papel central do uso da linguagem nas construções do sentido e em particular pela noção wittgensteiniana de jogo de linguagem. Nesse mesmo sentido, podemos mencionar a influência, mais pon- tual, do dialogismo bakhtiniano. Nessa perspectiva, considera-se que a relação com a língua não é somente mediada pelo discurso do outro que é a fonte dele, mas também pelos gêneros do discurso, que estruturam os recursos linguísticos que estão ligados às atividades e constituem as instâncias intermediárias entre o discurso individual e a abstração do sistema da língua. Em continuidade com essas abordagens, os estudos sobre a comunicação na criança pequena também foram beneficiados pelo clima de debate e discussão no domínio dos estudos sobre as interações verbais e a comunicação social que foram desenvolvidos nos anos 1970 pela etnografia da comunicação e pela análise conversacional. Esses trabalhos contribuíram para deslocar o ponto de vista do que é dado previamente pelas estruturas linguísticas ao que se cons- trói na interação. 11 Figura 2 – Lev Vygotski Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Pintura de Lev Vygotski em preto e branco. Fim da descrição. Esses diferentes desenvolvimentos na Filosofia, na linguística e na sociolin- guística, convergiram com um interesse renovado pelos trabalhos de Lev Vygotski, cuja influência marcou o conjunto de abordagens que se chamam de interacionismo social. Para Vygotski, a criança está inscrita desde o nasci- mento em um mundo social e em práticas culturais. A cognição e a ação do ser humano são possíveis graças à mediação de ferramentas culturais, de ferramentas técnicas, e, sobretudo, de ferramentas psicológicas: a língua e a linguagem. A língua tem, desse modo, um papel de mediação entre os sujei- tos, mas também para o próprio sujeito. Ela é mediadora do pensamento e da consciência. 12 Desde então, o desenvolvimento cognitivo é relacionado ao mundo social, por um lado porque essas ferramentas, e em particular o sistema de signos, têm raízes sociais, e, por outro lado, porque é a interação que guia as crianças na apropriação e no uso das ferramentas. Esse processo se desdobra em dois mo- mentos: no primeiro, a linguagem, como função a se adquirir, se desdobra sobre o plano social, entre as pessoas, em uma díade ou em um grupo (interpsíquico), antes de ser internalizada pela criança como categoria intra-psíquica. Nesse processo, o apoio colaborativo do adulto se desdobra em uma zona de de- senvolvimento proximal, que, para Vygostski, é a distância entre o nível de desen- volvimento atual, tal qual pode-se determinar através do modo pelo qual a criança resolve problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, tal qual pode-se deter- minar através do modo pelo qual a criança resolve problemas quando ela é assis- tida pelo adulto, ou quando é colaborada por outras crianças mais velhas. Uma vez que a unidade a ser considerada é a díade, e não dois indivíduos face a face, a inscrição na zona de desenvolvimento proximal implica uma dinâmica interativa e não somente um ajuste unilateral do adulto em relação à criança. Além disso, essa colaboração se inscreve no âmbito das situações que têm um sentido, das atividades socialmente e culturalmente determinadas. Mais especifi- camente, a apropriação da linguagem se efetua nas e através das práticas sociais e culturais que determinam as modalidades de interação pessoal. Figura 3 – Henri Wallon Fonte: Reprodução #ParaTodosVerem: fotografia de Henri Wallon de terno, gravata e óculos, em preto e branco. Fim da descrição. 13 A influência vygotskiana convergiu com as proposições de um contemporâneo de Vygotski e de Piaget, o francês Henri Wallon, que tinha igualmente evidenciado o caráter fundamentalmente social da criança que se orienta desde o nascimento em direção ao outro. Essa orientação pode ser explicada pela prematuridade da criança recém-nascida. Por causa desse inacabamento biológico, o recém-nascido depende do outro para sobreviver, o que será determinante, ao mesmo tempo, para que ele se torne um ser humano e para desenvolver a linguagem. Da depen- dência social do recém-nascido decorrem as modalidades de interação da cons- trução do sentido, o papel das rotinas e o caráter central da expressividade na construção do signo. Desse modo, ao contrário de Piaget (que tem uma concepção representacional do desenvolvimento do signo), Wallon considera que as primei- ras manifestações semióticas são fundamentalmente expressivas, ancoradas no corpo, como a dimensão postural. Mas essas manifestações se inscrevem na inte- ração, e elas serão retomadas pelo adulto que dará sentido e responderá a elas. Figura 4 – Jerome Bruner Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: fotografia de Jerome Bruner mais jovem, em preto e branco, ele está utilizando terno e gravata. Fim da descrição. 14 No entanto, foi Jerome Bruner que sintetizou essas diferentes abordagens no domínio do desenvolvimento cognitivo e de linguagem da criança, se inscre- vendo, assim, como uma referência incontornável para as abordagens socio- -pragmáticas e interacionistas. Em diálogo com Piaget, partindo da tradição de Vygotski e integrando as abordagens de Wallon ea pragmática, o autor colocou em evidência a continuidade que existe entre a comunicação verbal e a não verbal, assim como a importância dos conceitos interacionais para a aquisição da linguagem. Em relação ao argumento inatista e à ideia da existência de um dispositivo inato de aquisição de linguagem, Bruner opõe o “dispositivo de suporte à aquisição de linguagem” que é por definição interacional. Esse dispositivo compreende três aspectos: o fato de que as aquisições são realizadas desde o início em contextos interacionais e rotineiros ritualizados, que ele chama de “formatos”, que fornecem à criança os aspectos que facilitam para ela a compreensão das produções dos adultos, a interpretação das novidades e a introdução das va- riantes. Os formatos constituem, assim, a base a partir da qual a criança poderá generalizar as relações entre as formas e as funções, partindo das significações construídas localmente (por exemplo, os pedidos de nomeação) que serão, em seguida, integrados progressivamente em rotinas mais complexas, alcançando, por generalização e abstração, a elaboração por um lado dos tipos de ativida- des; por outro lado, do tipo de trocas e tipos de atos de linguagem, como a “pergunta”, por exemplo. Vinculado aos formatos, como parte do sistema de suporte à aquisição da lingua- gem, a “interação de tutela” constitui provavelmente o suporte que encontrou mais eco no domínio aquisicional. Baseado na definição de zona de desenvolvi- mento proximal de Vygotski, Bruner e seus colaboradores definem a tutela como o processo graças ao qual um adulto ou um especialista ajuda alguém que é menos adulto ou menos especialista. No plano da linguagem, isso pode se apli- car à aquisição do sistema linguístico, ao nível do fonema, da palavra, do enun- ciado, mas também às atividades discursivas e dialógicas. Como essas influências se cristalizam na reflexão sobre a aquisição da linguagem? Abordaremos a seguir as questões da continuidade entre o verbal e o não verbal, a experiencia comunicativa, a questão da linguagem endereçada à criança. As Raízes não Verbais da Comunicação Verbal Se, na argumentação gerativista, evoca-se frequentemente a velocidade com a qual a criança aprende a falar, situando o início desse processo no momento das primeiras palavras, no fim do primeiro ano, por outro lado, as abordagens 15 interacionistas situam esse início desde o nascimento, com a emergência da co- municação não verbal como condição da comunicação verbal e das dimensões mais estritamente linguísticas. Ou, para dizer de outro modo, as abordagens in- teracionistas têm uma concepção multimodal da linguagem. No quadro do interacionismo, após Wallon e Bruner, a inscrição do recém-nas- cido em uma troca comunicacional constitui ao mesmo tempo o contexto e a condição da aquisição da linguagem. Essa inscrição é compreendida como a par- ticipação em um espaço intersubjetivo que se inicia desde o nascimento e se de- senvolve ao longo do primeiro ano, culminando na possibilidade para a criança de trocar as primeiras palavras. Nesse sentido, o bebê realiza não apenas a ex- periência de troca interlocutiva, mas também a troca do sentido que é comparti- lhado intersubjetivamente. Esse desenvolvimento pode ser descrito em duas fases principais: 1) o momento da intersubjetividade primária, que se manifesta próximo aos dois meses e que corresponde a verdadeiros diálogos pré-linguísticos nos quais o adulto e a crian- ça trocam vocalizações, sorrisos e mímicas de modo sincronizado. Essas relações de intersubjetividade primária evoluem e se alternam com o crescente interesse do bebê pelos objetos para chegar então às 2) relações de intersubjetividade secundária, por volta de nove meses, quando a comunicação supõe uma coorde- nação mútua entre a criança e o adulto a respeito de um terceiro objeto, o que Bruner chama de “atenção conjunta”. A natureza e as implicações dessas trocas precoces foram objeto de vários debates teóricos. Em particular, é colocada a questão da natureza inata ou adquirida do caráter social ou intersubjetivo das primeiras emissões vocais e mímicas do bebê. As primeiras trocas pré-linguisticas têm sua origem na capacidade do recém-nascido de imitar os movimentos da face, ou mais parti- cularmente, da boca. Essas capacidades precoces de imitação se baseiam em um mecanismo de correspondência transmodal entre o que o recém-nascido percebe em seu interlocutor e o que ele sente de modo proprioceptivo. Além disso, essa sensibilidade também permite ao bebê reconhecer os movimen- tos do interlocutor quando ele, por sua vez, o imita. Esse loop de imitação re- cíproca constitui a base da comunicação precoce e da compreensão do outro como um alter-ego. Para alguns autores, é essa intersubjetividade primária que é inata. 16 Figura 5 – Michael Tomasello Fonte: pnas.org #ParaTodosVerem: fotografia de Michael Tomasello, de óculos e camisa branca. Fim da descrição. Entretanto, para Michael Tomasello, é principalmente o surgimento da intersub- jetividade secundária e, em particular, da atenção conjunta, que será a condição do desenvolvimento da linguagem. Para ele, a linguagem não é nada além do que outro tipo de habilidade de atenção conjunta, uma vez que as pessoas utili- zam a linguagem para influenciar e manipular a atenção de alguém. Três aspectos dessa nova experiência são fundamentais para o desenvolvi- mento da linguagem. Em primeiro lugar, a atenção conjunta corresponde ao surgimento de uma relação triádica (com o outro e focalizada em um objeto comum), cuja característica principal é a consciência mútua da orientação e da atenção, do interesse, da intenção ou do afeto de cada um – o que será um pré- -requisito para a referência, função central da linguagem. Em segundo lugar, o fato de que esses episódios de atenção conjunta acontecem no conjunto de ati- vidades que têm um sentido para os participantes (os “formatos”). Em terceiro lugar, a compreensão para a criança da intenção do adulto. Com efeito, é nesse momento que a criança começa a perceber o adulto como um agente dotado 17 de intencionalidade como ele próprio. Isso permite que a criança não somente compreenda a intenção comunicativa do adulto, mas também que ela possa agir sobre essa intenção, relacionando os estados intencionais do adulto com os seus próprios. Por exemplo, para a criança, pedir algo significa fazer com que o adulto tenha a intenção de dar esse algo a ela. Desse modo, a comunicação se estabelece em um espaço intersubjetivo no inte- rior, do qual as produções do adulto tomam sentido. Por isso, a apropriação pela criança das formas simbólicas (gestos, palavras, estruturas) que servem para co- municar se faz, de acordo com Tomasello, através de um movimento duplo, é inicialmente de imitação, mas também de inversão de papéis. Essa imitação com inversão de papéis manifesta a compreensão da intencionalidade por trás do uso das formas pelo adulto, mas principalmente é ela que vai se transformar em apreensão dos signos linguísticos que devem, por definição, ser intersubjetiva- mente compartilhados. Outra contribuição das abordagens interacionistas foi ter evidenciado uma con- tinuidade forte entre as significações não verbais e verbais. O bebê evolui da produção de manifestações não intencionais de seu estado – que são interpre- tadas pelos adultos como verdadeiras mensagens e inscritas no circuito da co- municação – à produção de sinais. Os primeiros sinais, como as vocalizações ou o olhar, cumprem essencialmente funções interativas (engajamento ou falta de engajamento na interação). Esses sinais evoluem de uma função puramente in- terativa para funções regulatórias e representativas. Os primeiros trabalhos que se interessaram pelo modo pelo qual as significações elocutórias ou proto-elo- cutórias são vinculadas inicialmente pelos gestos antes de ser veiculadas pelos enunciados verbais foram fundadores das abordagens interacionistas. Assim, o apontar seráo sinal por excelência dos primeiros pedidos antes de servir como funções declarativas ou assertivas. No início do segundo ano, vemos surgir os primeiros gestos representacionais e gestos convencionais que manifestam o início da função simbólica e abrem a via à aquisição das primeiras palavras. Se, durante muito tempo, a continuidade entre o não verbal e o verbal foi considerada em termos de sucessão, a modalidade não verbal aparecendo como um precursor, nos planos pragmático e semiótico da modalidade ver- bal, o desenvolvimento dos trabalhos na abordagem sociopragmática, e, por outro lado, a emergência do paradigma de uma concepção multimodal da lin- guagem convergiram para considerar o modo pelo qual as diferentes moda- lidades contribuem juntas à elaboração do enunciado. Essa multimodalidade pode ser observada desde o aparecimento das primeiras mensagens verbais até os desenvolvimentos tardios, com o desenvolvimento gestual acompa- nhando o desenvolvimento discursivo. 18 De modo semelhante, os trabalhos sobre as crianças pequenas tornaram evi- dente que as competências pragmáticas precoces, a comunicação não verbal e o uso dos gestos de apontar constituem uma consideração precoce da perspectiva do interlocutor. As crianças jovens usam os gestos igualmente para informar o interlocutor, ou até mesmo para cooperar com ele. Duas questões são atualmente levantadas sobre as competências precoces. De onde e como emergem essas competências sociais cognitivas e motivacionais an- teriores (e independentes da linguagem)? O debate sobre o inatismo se encontra assim deslocado: se o não verbal prepara o verbal, não há mais a necessidade de se colocar a questão do inatismo do sistema linguístico; por outro lado, pode-se colocar a questão do caráter geneticamente ou socialmente determinado dessas competências sociocognitivas. Seriam elas próprias à espécie? Encontramos elas nos primatas? Ou elas são, pelo contrário, determinadas culturalmente e/ou na experiência comunicativa de cada indivíduo? A Experiência Comunicativa Um dos termos-chave nas abordagens interacionistas, em particular no intera- cionismo social, é a experiência comunicativa que evidencia a importância dos contextos nos quais a criança realiza a experiência das unidades linguísticas e dos usos da linguagem. Essa noção (ou conjunto de noções) também é mobiliza- da para compreender o fenômeno da aquisição da linguagem enquanto inscrita nos contextos sociais. Para alguns autores, a noção de experiência comunicativa se confunde com a ideia de input, tratando-se da linguagem endereçada à crian- ça e/ou da linguagem que ela escuta. É o caso das abordagens baseadas no uso, que veem no input familiar ou maternal a fonte da construção pela criança de sua língua. Entretanto o estudo da experiência comunicativa permitiu também de considerar as diferenças de desenvolvimento, quer elas digam respeito a fatores sociais ou individuais, em relação com a diversidade de usos da linguagem aos quais a criança será confrontada em suas experiências de socialização, no seu meio familiar, entre outras crianças, na creche, na escola etc. Assim, os estudos de orientação sociolinguística se interessaram pelos efeitos da quantidade e da diversidade da linguagem escutada, estabelecendo, assim, correlações entre variáveis sociais e o desenvolvimento da linguagem das crian- ças. Essa mesma questão pode ser aplicada aos casos em que outros determi- nantes, como as diferenças entre os irmãos, o modo de cuidado dos pais ou contextos clínicos modificam o contexto social do desenvolvimento da criança. Nesses casos, as diferenças sobre os planos lexical, sintático ou pragmático não dependem unicamente da quantidade de linguagem escutada pela criança, mas também das modalidades interacionais nas quais as crianças estão implicadas. 19 A noção de experiência comunicativa implica também um olhar sobre o modo pelo qual o contexto interacional influencia as modalidades de aquisição. Assim, o desenvolvimento linguístico está intimamente ligado à dimensão pragmática e, ao mesmo tempo, em uma escala individual e social. Diversos trabalhos mostra- ram o impacto do modo pelo qual as crianças interagem sobre o seu desenvolvi- mento gramatical. Alguns mostraram como o surgimento dos pronomes pesso- ais está fortemente ligado ao posicionamento da criança nas trocas interacionais. Essa implicação no diálogo não poderia ser considerada de modo unilateral, pois trata-se frequentemente do resultado de uma dinâmica dialógica. Em uma escala social, os trabalhos que se interessam em sociedades não oci- dentais permitiram evidenciar melhor a ancoragem da aquisição da linguagem no âmbito dos processos de socialização. As pesquisas mostram que a aquisição das unidades e das estruturas não é independente da apropriação pela criança dos aspectos culturais e dos tipos de interação nos quais as palavras e as estrutu- ras fazem sentido. Mais do que isso, adquirir linguagem corresponde a tornar-se um locutor em uma cultura dada. Essa concepção converge com a perspectiva vygotskiana conforme a qual a expe- riência comunicativa da criança se inscreve no âmbito das atividades socialmente e culturalmente determinadas. Essas atividades influenciam por sua vez os usos da linguagem ao mesmo tempo nos planos estrutural, pragmático e discursivo. Para o bebê e para a criança pequena, essas atividades socialmente e cultural- mente determinadas correspondem ao conjunto de rotinas práticas e lúdicas de seu cotidiano, formatos que correspondem progressivamente aos cenários ou scripts culturalmente determinados. Essa inscrição em atividades socialmen- te e culturalmente determinadas tem implicações teóricas fundamentais. Com efeito, não somente pode-se dizer que a aquisição da linguagem é um efeito da interação na qual a criança está implicada, mas também que sua relação com a língua é mediada pelas atividades e sua manifestação linguística pelos gêneros discursivos. Assim, diversos trabalhos têm mostrado que as atividades e os gê- neros discursivos determinam as produções linguísticas das crianças nos planos sintático, lexical, pragmático e até multimodal. A Linguagem Endereçada à Criança e a Inscrição no Diálogo Uma das temáticas centrais das abordagens interacionistas desde o fim dos anos 1960 é a das características e propriedades dos enunciados dos adultos quando eles falam com uma criança. Essa problemática responde a vários desafios teóri- cos lançados pelo argumento chomskyano da pobreza de estímulo. Inicialmente, 20 o argumento do caráter imperfeito das produções linguísticas dos adultos, con- sistindo em grande parte, de acordo com Chomsky, de fragmentos e expressões desviantes de variadas espécies; depois, a ideia de que o fluxo da fala do adulto seria indecifrável para uma criança que não dispõe de categorias linguísticas pre- estabelecidas, uma vez que o bebê se encontra na impossibilidade de identificar as palavras e as estruturas de sua língua; por fim, um último aspecto em debate é o postulado de que os adultos não corrigem (ou corrigem pouco) as crianças no plano linguístico e sobretudo que as crianças são insensíveis a suas correções. Tendo em mente esse contexto teórico, o primeiro desafio foi de descrever as características do discurso que os pais endereçam às crianças e de considerar seu impacto nos processos de aquisição da linguagem. Os primeiros trabalhos tornaram evidente a existência efetiva de modificações e até de um registro específico usado pelos adultos quando eles falam com crian- ças. Através deles, foi demonstrado que os pais modificam suas produções lin- guísticas propondo às crianças um discurso claro e simplificado que cria condi- ções para a aquisição da linguagem e da língua. Essas características formais se inscrevem, sobretudo, no estilo conversacional particular das mães: nota-se a tendência de retomar elementos produzidos pela criança, focalizando-os, e fa- zendo expansões e extensõesdeles. Os pais surgem, assim, como verdadeiros mediadores na relação da criança com a língua. Não somente porque, através deles, são fornecidos os aspectos em re- lação aos quais a criança poderá se apropriar do sistema do adulto, mas também porque eles endereçam às crianças um discurso modulado e adaptado a suas capacidades crescentes de compreensão e de produção. Entretanto, as questões que concernem o grau de modulação em função do nível de desenvolvimento da criança, o papel possível dessas modulações no processo de aquisição ou a sensibilidade da criança às caraterísticas da linguagem ende- reçada a ela ainda não tiveram explicações consistentes. Os resultados são vari- áveis em função dos níveis linguísticos considerados, do tipo de análise realizada e das modalidades interacionais em questão. Assim, pode-se evidenciar que as características prosódicas da linguagem endereçada ao bebê facilitam para ele a segmentação da fala adulta e, portanto, uma apreensão das unidades da língua. Contudo, alguns trabalhos mostram que é difícil de estabelecer uma correlação clara entre a linguagem endereçada à criança e o desenvolvimento sintático. Em relação aos trabalhos sobre a linguagem endereçada às crianças em outras culturas, e até mesmo em certos grupos sociais em países ocidentais, foi demons- trado que os adultos não necessariamente modulam seu discurso em função do nível de desenvolvimento da criança, o que constituiu um contra-argumento de 21 peso em relação ao valor explicativo desses usos. Entretanto, se há resultados controversos, isso se deve provavelmente à pesquisa de correlações simples e estatísticas entre as características linguísticas dos adultos e o desenvolvimen- to linguístico, que não consideram o contexto específico no qual os enunciados são produzidos. Mas os resultados parecem mais robustos quando eles consideram a relação no âmbito do diálogo, e mais particularmente a relação entre a produção das mães e as produções das crianças. Como mostram diversos trabalhos, diferentes culturas resolvem de modos variáveis a maneira na qual o grupo social media a entrada da criança na linguagem. A adoção e a eficácia da linguagem endereçada à criança devem assim ser consideradas: como o âmago dos eventos discursivos construídos juntamente. Mais especificamente, desse ponto de vista, é a conver- gência da linguagem endereçada à criança com a compreensão pela criança das características das situações de comunicação que poderiam dar conta da teori- zação sobre a aquisição da linguagem. MATERIAL COMPLEMENTAR Vídeo Aquisição da Linguagem: Oralidade e Escrita – O Interacionismo Social https://youtu.be/yUIDpviE-Qo Leituras Interacionismo e Aquisição de Linguagem https://bit.ly/3QJdYHJ Interacionismo Sócio-Discursivo: Uma Entrevista com Jean Paul Bronckart https://bit.ly/44f9A6l Aquisição da Linguagem Segundo a Psicologia Interacionista: Três Abordagens https://bit.ly/45v0m6U https://youtu.be/yUIDpviE-Qo https://bit.ly/3QJdYHJ https://bit.ly/44f9A6l https://bit.ly/45v0m6U REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRUNER, J. S. Comment les enfants apprennent à parler. Paris: Retz, 1987 SLOBIN, D. I. Pré-requisitos cognitivos para o desenvolvimento da gramática. In: Es- tudos do desenvolvimento da linguagem infantil. Holt, Rinehart & Winston, 1973. p. 175-208. TOMASELLO, M. Constructing a language: a usage-based theory of language acquisition. Harvard University Press, 2003. VIGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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