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Decoro, engenho e maravilha nos largos e igrejas de Santa Bárbara e Catas Altas


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BASTOS, R. A.. Decoro, engenho e maravilha nos largos e igrejas... Per Musi, Belo Horizonte, n.24, 2011, p.67-78.
Recebido em: 11/12/2010 - Aprovado em: 02/02/2011
Decoro, engenho e maravilha nos largos e 
igrejas de Santa Bárbara e Catas Altas
Rodrigo Almeida Bastos (UFMG, Belo Horizonte, MG)
rodrigobastos.arq@gmail.com
Resumo: O texto é a base da palestra itinerante que encerrou a II Semana de Música Antiga da UFMG (entre 27/10 e 
02/11/2009). A palestra se realizou em visita comentada aos povoados, largos e igrejas de Santa Bárbara e Catas Altas, 
onde foram analisados aspectos como a implantação no sítio, planta, frontispícios e ornamentação, que conformaram 
sua formosura, seu engenho e sua maravilha. 
Palavras-chave: maravilha; engenho; arquitetura brasileira (séc. XVIII); Santa Bárbara; Catas Altas.
Decorum, wit and wonder on villages, squares and churches of Santa Bárbara and Catas Altas 
(Brazil)
Abstract: The text is the basis of the speech that closed the Second Week of Early Music of UFMG. The lecture took place 
in the shape of commented visits to squares and churches of Santa Barbara and Catas Altas (Brazil), analyzing issues such 
as eployment of the site, blueprint, façades and ornamentation, which shaped their beauty, their wit and their wonder.
Keywords: wonder; wit; Brazilian architecture (18th C.); Santa Bárbara; Catas Altas.
Este texto difere de outros dedicados a congressos por-
que não será apresentado numa sala ou auditório. Tem 
o objetivo de expor sucintamente o que será dito em 
visita a cidades, lugares e obras comentados in loco, no 
melhor dos modos em que se poderia fazer uma pales-
tra sobre arquitetura ou urbanismo. Geralmente, o au-
tor de textos conta com o auxílio de descrições para 
tentar fazer o leitor imaginar as percepções do corpo 
e dos sentidos; ou então se vale de slides para ativar a 
mesma sensação numa audiência. Desta vez, o privilégio 
do lugar inverte os papéis e coloca o texto como quase 
secundário, pois que sua ação é destinada aos lugares 
mesmos donde partirão a sua fala. 
Conforme tópicas antigas da retórica que defendiam 
serem musicadas as mais eficazes eloquências, deverí-
amos deixar falar (ou cantar) os edifícios e as cidades 
de Santa Bárbara e Catas Altas. Mas no silêncio da ar-
quitetura antiga, a eloquência esbarra não apenas na 
mudez material das pedras, como também no vazio dei-
xado pela crítica romântica que obliterou e alijou dos 
discursos uma série de categorias, qualidades e concei-
tos com os quais compreenderíamos melhor essas artes 
antigas. De forma literalmente “admirável”, a comissão 
organizadora da II Semana de Música Antiga escolheu o 
conceito da maravilha para concentrar nossas atenções, 
então será por meio dela que tentaremos fazer re-soar 
PER MUSI – Revista Acadêmica de Música – n.24, 184 p., jul. - dez., 2011
as proporções e afeições musicais de arquiteturas hoje 
silenciosas tanto pela essência da matéria que lhes deu 
forma como pela história romântica e moderna que nos 
fez esquecer tantas categorias adequadas ao tratamen-
to das artes ditas “barrocas”. 
Aproveito então para dizer que há alguns anos venho 
pesquisando a arquitetura e o urbanismo em Minas Ge-
rais no século XVIII à luz dos preceitos exatamente con-
temporâneos ao tempo de suas formações. Além de pro-
curar reconstituir a história dos conjuntos arquitetônicos 
e urbanos, tenho tentado também reconstituir, na medida 
do possível, os preceitos e mais categorias que naquele 
tempo foram considerados para a conformação dessas 
obras; categorias como a formosura, a decência, o decoro, 
o engenho, a agudeza, o asseio, a maravilha etc. 
Agradeço a oportunidade de fazer mais uma vez a pales-
tra itinerante da II Semana de Música Antiga. Durante o 
encontro, vimos como a maravilha é uma finalidade pri-
mordial para as artes antigas. É uma das categorias mais 
importantes desse tempo – uma sorte de efeitos capazes 
de encantar os sentidos pela admiração proporcionada na 
recepção daquelas artes –, como agudamente enunciou, 
em meados do século XVII, Giambattista Marino, através 
da máxima que encerra o mote deste encontro: “é do ar-
tista o fim a maravilha”. 
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BASTOS, R. A.. Decoro, engenho e maravilha nos largos e igrejas... Per Musi, Belo Horizonte, n.24, 2011, p.67-78.
É importante perseguirmos a maravilha também em outros 
autores coevos. Como condensou agudamente Emanuele 
Tesauro, no importante tratado de 1670, Il canocchiale 
aristotelico, “a novidade gera a maravilha, a maravilha o 
deleite, o deleite o aplauso” (SNYDER, 2005, p.113). Sem 
novidade, não há maravilha, sem maravilha, não há pra-
zer, sem prazer, não há aplauso. A novidade, então, é pres-
suposto da maravilha. Mas o que seria, naquele tempo, a 
“novidade”? Ela não era, torna-se imperioso advertir, a no-
vidade como a entendemos desde o romantismo até hoje: 
uma originalidade inédita. Naquele tempo, a novidade, e, 
portanto, a maravilha, se engendrava no seio do que era 
habitual, autorizado e costumeiro. A novidade era o efeito 
resultado da aplicação do engenho que inventava metá-
foras, conceitos, formas e imagens imitando tópicas ou 
lugares habituais do gênero de cada arte. Mas a imitação 
aguda não era meramente uma cópia, pois implicava uma 
espécie de variação, ou até mesmo a superação do modelo, 
reeditando-o em novas sutilezas de forma e efeitos.
Tesauro desenvolve a “novidade” justamente no tratamen-
to da “imitação”, o “último exercício” do engenho. A imi-
tação engenhosa seria uma “sagacidade” (fusão de perspi-
cácia e versatilidade, a “solércia” da Escolástica) capaz de 
criar, a partir de uma metáfora dada (forma ou conceito), 
uma metáfora nova, que surpreendesse pela nova aparên-
cia embora deixasse rastro – luminoso e admirável – da 
metáfora imitada. Para essa novidade, o artista poderia se 
valer das 10 categorias aristotélicas: substância, quantida-
de, qualidade, relação, lugar, hábito, tempo, estado, ação, 
afeto, que proporcionariam novas aparências para uma 
forma ou conceito usual. Valendo-se da imagem da flor, 
Tesauro explica que a novidade seria inventar, dentro de 
uma mesma espécie de flor, um “indivíduo” diferente. 
Com essas definições da “novidade”, já se pôde compre-
ender por alto o que se entendia por engenho. O que é 
o engenho? Estamos acostumados a ouvir dizer que ar-
quitetos, poetas, pintores, compositores e mais artistas 
daquele tempo eram “geniais”. Seria melhor dizer, para 
sermos justos com as circunstâncias da época, que eles 
eram engenhosos. Os dois termos possuem a mesma raiz 
etimológica, o termo latino ingenium, mas implicam en-
tendimentos radicalmente diferentes, sobretudo após o 
século XIX. A genialidade, como a entendemos hoje, deve 
mais ao romantismo das nossas histórias da arte dos úl-
timos duzentos anos, mitificadas pela psicanálise e pelo 
idealismo alemão: o artista romântico genial cria a origi-
nalidade inédita ao entrar em contato com a força poéti-
ca de seu espírito criador ou com as potências cósmicas 
da natureza. Já o engenho (do gênio antigo) corresponde 
ao regime retórico/mimético que caracterizava a inven-
ção e a recepção das artes antigas. O engenho é, então, 
uma faculdade mental que inventa formas, metáforas, 
conceitos e imagens agudas, e maravilhosas. Ainda con-
forme Tesauro, há três tipos de engenho, o “natural”, o 
“furioso” e o “exercitado”. O engenho natural é, ele mes-
mo, “uma maravilhosa força do intelecto”; “partícula da 
mente divina”, “dom enviado por Deus aos seus predile-
tos”. O engenho furioso advém de um estado alterado da 
razão, como aqueles causados pelo vinho, pelo amor, pelo 
sono de vigília ou pela insanidade mesma, condições que 
“afiam o gume do engenho”. O terceiro e último tipo é o 
engenho “exercitado”, alcançado pela repetição da imita-
ção que faz aprender aqueles não privilegiados pelo dom 
divino. Mas adverte que os prediletos de Deus, cativados 
pela graça do engenho natural, devem também manter o 
costume do exercício da imitação (TESAURO,1997). 
De um modo geral, o engenho era uma capacidade do ar-
tífice em, primeiramente, penetrar com perspicácia as ma-
térias da invenção, para depois, com versatilidade, aliá-las 
decorosamente na produção, criando efeitos convenientes 
de agudeza e maravilha. Quanto mais surpreendente a 
relação entre as matérias, quanto mais distantes os con-
ceitos aproximados, quanto mais difícil o desempenho em 
desvelar as correspondências da forma, mais aguda a obra 
e engenhoso o seu artífice. Na arquitetura, além de auxiliar 
na invenção ou escolha das tópicas mais apropriadas da 
arte, o engenho do arquiteto, mestre ou artífice, deveria 
analisar com perspicácia as circunstâncias relativas ao edi-
fício: o sítio de implantação, os materiais e costumes cons-
trutivos, o caráter requerido, os usos e destinações etc., 
para proporcionar, então, com versatilidade, os aspectos da 
fábrica, planta, elevação, disposição de cômodos e ornatos, 
com todas as virtudes capazes de satisfazer às finalidades 
da obra. O engenho poderia ainda variar ou emular essas 
tópicas ou lugares já autorizados pelo costume, propor-
cionando efeitos de novidade e maravilha à discrição da 
recepção que os reconhecia.1 É essa “agudeza do engenho” 
que o frei Ignácio da Piedade Vasconcelos afirmava existir 
nos portugueses, não inferior à que adornava os artífices 
das demais “nações”. A excelência legitimou a redação 
sistemática do tratado, como se vê no Prólogo de seus 
Artefactos Symmetríacos – tratado dedicado em 1734 à 
Sereníssima Rainha D. Marianna de Austria, esposa de D. 
João V (VASCONCELLOS, 1733).
A faculdade é elogiada também por Tesauro. Se nos interes-
sa aqui a maravilha como efeito do engenho, vale lembrar 
que Tesauro considera, ele mesmo, o engenho, uma “maravi-
lhosa força do intelecto”. Perseguindo a arquitetura, convém 
citar então o trecho em que Tesauro se vale dela, da pintura 
e da escultura, para definir o conceito em sua generalidade. 
“Engenheiros” não eram aqueles formados nas escolas po-
litécnicas do século XIX, estas ainda não existiam no antigo 
regime, mas sim os arquitetos que possuem engenho:
Isso transparece muito claramente na pintura e na escultura: pois 
os que sabem imitar perfeitamente a simetria dos corpos naturais 
são chamados peritos artesãos; mas somente aqueles que pintam 
agudamente são chamados engenhosos. [...] Nenhuma pintura, 
portanto nenhuma escultura merece o glorioso título de engenho-
sa se não for aguda e o mesmo digo eu da arquitetura, cujos es-
tudiosos são chamados engenheiros por causa da sutileza de suas 
engenhosas obras. Isso aparece em tantos caprichos [bizzarrie] de 
ornatos vagamente gracejantes nas fachadas de suntuosos edi-
fícios: capitéis folheados, arabescos de frisos, tríglifos, métopas, 
mascarões, cariátides, modilhões, todos ele metáforas de pedra e 
símbolos mudos que acrescentam delicadeza à obra e mistério à 
delicadeza (TESAURO, 1997, p.4). 
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A maravilha que veremos nesses lugares, nessas arquite-
turas, nessas povoações, é principalmente resultado da 
aplicação do engenho que usava artifícios do costume 
artístico para produzir efeitos visuais eficazes, capazes de 
atrair, aguçar e deleitar os sentidos. São as acomodações 
das povoações em sítios surpreendentes ou inesperados, 
as relações das povoações com as circunstâncias natu-
rais, as engenhosas implantações de edifícios tirando 
sempre partido de circunstâncias pré-existentes ou natu-
rais, como os arruamentos e largos, as estradas, os rios e 
as serras, os efeitos vistosos e teatrais construídos nessas 
implantações, sobretudo de igrejas, a imitação e a emu-
lação de plantas e fachadas consagradas pelo costume, a 
variação e a surpresa em algumas disposições de partes 
e ornatos da arquitetura, o engenho técnico-geométrico 
aplicado na construção de partes e ornatos da arquite-
tura, como a talha da madeira e da pedra de cantaria e 
pedra-sabão, as cúpulas e forros pintados em perspectiva 
maravilhosa e triunfal, a novidade alcançada no arran-
jo surpreendente de partes e elementos já conhecidos 
da arquitetura, e principalmente o caráter majestoso, 
aparatoso e admirável da ornamentação. Poderia ainda 
acrescentar que a maravilha nesse tempo é também pro-
porcionada pelo caráter das representações sagradas, em 
que a glória e o esplendor correspondem à dignidade da 
Igreja Triunfante – a Santíssima Trindade, Nossa Senhora, 
os santos, apóstolos e mártires da Igreja – representada 
em tantos aparatos cenográficos e arquitetônicos. 
Conforme a legislação canônica, havia recomendações 
de se implantar os templos com o altar mor orientado 
para o nascente, uma nítida referência ao Sol que seria 
o Cristo, Luz do Mundo (Lux Mundi). A recomendação se 
encontra nos tratados de arquitetura eclesiástica, como 
no de São Carlos Borromeu, ou nas Constituições primei-
ras do Arcebispado da Bahia (1707), que, além disso, reco-
mendavam implantarem-se as igrejas em locais elevados, 
decentes e cômodos, aspectos do decoro na implantação 
de edifícios. Todavia, percebemos que em Minas Gerais 
a regra é suplantada pelo engenho costumeiro do urba-
nismo conveniente luso-brasileiro (BASTOS, 2003), que, 
quando pudesse, observava a regra, mas quando hou-
vesse circunstâncias de comodidade ou “melhor vista” 
na cenografia urbana ou natural, esta era a eleição mais 
conveniente. Assim é que de fato vemos uma quantidade 
inumerável de capelas e igrejas que não se orienta com a 
capela-mor virada ao nascente, mas prioritariamente de-
fronte a largos e arruamentos que tornavam mais vistosa, 
formosa ou maravilhosa, a perspectiva desses edifícios. A 
vista maravilhosa dessas perspectivas urbanas contribuía 
bastante para a evidenciação dos valores religiosos da 
política portuguesa naquele tempo. A encenação desses 
valores sacros da igreja interessava muito também aos 
colonos, que estavam organizados hierarquicamente em 
confrarias e ordens leigas, como partícipes do corpo mís-
tico da Igreja e do Reino português. Ou seja, o simbolismo 
existia, referendar o Sol do Mundo pela situação cósmica 
Ex.1 - Frontispício da Matriz de Santo Antônio, Santa Bárbara
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do altar, mas o cânon simbólico poderia ser preterido se 
houvesse circunstâncias maravilhosas na conformação de 
cenografias arquitetônicas e urbanas, em relação tanto 
ao longe do olhar como ao circunstante próximo de arru-
amentos, largos e praças.
Catas Altas e Santa Bárbara nasceram no início do sé-
culo XVIII, ambas oriundas da mineração aurífera, sendo 
que a freguesia de Catas Altas estava sediada no distrito 
da segunda. As duas povoações observaram o esplen-
dor da cata ao ouro e tiveram processos de formação 
e crescimento semelhantes, corroborando um lugar-
comum da urbanização luso-brasileira. As povoações 
se acomodaram em sítios próximos aos locais de lavra, 
mas, ainda que conquistadas por uma causa eminente-
mente extrativista, era a religião cristã que sustentava 
a espiritualidade dos habitantes. Assim, à medida que 
se assegurava a permanência de moradores no lugar, 
ou seja, a transitoriedade da mineração era suplantada 
(ou caracterizada também) por uma condição de fixação 
humana e urbana, uma das capelas era reformada em 
capacidade e ornato para se tornar condignamente uma 
matriz. Para tanto, congregava em si bastantes esforços 
de construção e ornamentação.
Foi o que aconteceu às duas matrizes, embora apresen-
tem aparências tão distintas. Numa delas, Santa Bár-
bara, o frontispício da igreja é extremamente habitual, 
pois repete praticamente todos os lugares-comuns da 
arquitetura de matrizes da primeira metade do século 
XVIII: proporções comedidas no corpo central, torres si-
neiras laterais, frontão e elementos ornamentais (Ex.1). 
Na outra, Catas Altas, o frontispício traz novidadese 
elementos surpreendentes, correspondentes às propor-
ções do sítio natural, da praça que a acomodou e da 
serra que a circundava (Ex.2). 
Ex.2 - Frontispício da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, Catas Altas
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As orientações de ambos os edifícios não obedecem à re-
gra canônica, ou seja, não têm o altar-mor dirigido ao 
leste. Em Santa Bárbara, ele se dirige aproximadamente 
para o norte; em Catas Altas, efetivamente a nordeste. 
Como se pode perceber nas imagens, a maravilha dos 
cenários urbanos constituídos é que foi o mote princi-
pal a gerar suas colocações no terreno, em orientações 
que privilegiam: uma, a rua que liga cenograficamente 
a matriz à Igreja do Rosário dos Pretos (lugar-comum da 
urbanização luso-brasileira) (Ex.3).
A outra, defronte á magnífica Serra do Caraça, servindo-
se de contraponto e diálogo com ela (Ex.4).
Quando visitamos os distritos de Vilas mineiras, princi-
palmente em Mariana, próxima a Santa Bárbara, obser-
vamos igrejas da primeira metade do século XVIII com 
o frontispício bastante semelhante: fachada que deveria 
caracterizar – é uma hipótese – a maioria das matrizes 
desta região. Muitas delas – lembro principalmente as 
duas de Ouro Preto e também a Sé de Mariana – tiveram 
suas fachadas modificadas no século XIX, fazendo per-
der o desenho que guarda, ainda hoje, a Matriz de Santa 
Bárbara. As características principais são: paredes caia-
das contrastantes com elementos estruturais e ornamen-
tais em madeira pintada, proporções comedidas, frontão 
triangular coroado com uma linha de telhas e cruz, pilas-
tras e cunhais de madeira, com bases, capitéis e ressaltos 
bem simples, torres sineiras arrematadas com cobertura 
em quatro águas e duas inclinações, cimalha real também 
de madeira, com acabamento em telhas; portada ornada 
com detalhes em talha de madeira, concheados e volutas. 
A fachada ou frontispício da Matriz de Catas Altas impli-
ca comentários mais, dada a sua novidade. As proporções 
são generosas, e a fachada se ressalta grandiosa e solene 
também por sua dominância e distinção no cenário ur-
bano. Mas é bem comedida em ornatos, talvez porque a 
eloquência, aqui, devesse repousar mesmo na majestade 
da fachada. O corpo central é alargado para conter as 
três arcadas da galilé – esta espécie de alpendre coberto 
que antecede a entrada no interior da igreja – correspon-
dentes cada uma delas aos três grandes janelões do coro, 
responsáveis estes pela iluminação da nave; frontão su-
avemente sinuoso e bem simples, arrematado em pedra, 
cimalha e outros elementos estruturais e ornamentais 
também em pedra, belíssimas torres sineiras, arrematadas 
não por abóbodas, como seria habitual, mas sim por pi-
náculos bulbosos de refinada elegância, elementos esses, 
argumento, muito importantes pela admiração que causa 
a apreciação da Igreja.2 
Acredito que os inventores da Igreja procuraram harmo-
nizar suas dimensões com o sítio de sua implantação, com 
grandezas e proporções análogas a toda a grandiosidade 
do sítio: a imensidade da praça onde a igreja se acomo-
Ex.3 - Rua que liga a Matriz de Santa Bárbara à Capela do Rosário
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Ex.4 - Vista das torres e parte posterior da Matriz de Catas Altas
da e também a solenidade altaneira da Serra do Caraça 
defronte. Ostenta-se, aqui, um preceito muito importante 
naquele tempo para as artes – a correspondência. A fa-
chada observa a justa medida não apenas em termos de 
proporção, mas também de ornatos, que deixam cantar 
a gravidade da arquitetura em si, e não a eloquência de 
ornatos que seriam muito sutis em discurso arquitetônico 
tão monumental. A sutileza, aqui, foi em si a agudeza que 
proporcionou a maravilha das correspondências.
No interior dos templos, o teatro da arquitetura se dá 
a revelar por evidências tão ou mais dramáticas. Se, no 
exterior, operavam a justeza das medidas, o decoro, o 
costume, a novidade e a magnificência, no interior dos 
templos o teatro sacro encenava com maior intensida-
de os valores da fé. Conforme tópicas muito antigas, 
pelo menos da partir do século XVI, assimiladas junto ao 
neoplatonismo, o interior dos templos poderia ou deve-
ria ser mais ornamentado que o exterior, porque assim 
como o corpo é transitório, a alma (o seu interior) é mais 
rica e permanece. A máxima foi consagrada pelo arqui-
teto Pietro Cataneo, 1554, na edição princeps dos seus 
Quatro primeiros livros de Arquitetura, ao escrever que 
até mesmo naquele “mais perfeito homem então vivido” 
– Jesus Cristo – a alma deveria ser superior e mais rica 
do que o corpo, corruptível
A pompa e o aparato dos templos chamados “barrocos” 
confirma a necessidade e o gosto, a partir do século XVI, 
do cultus externus. O esplendor e a maravilha da arqui-
tetura nos estados católicos se justificavam na batalha 
contra as heresias protestantes, que criticavam o luxo e 
o aparato na arquitetura cristã. Assim, o interior daque-
las igrejas matrizes se fez com o que de melhor, no tem-
po, encenasse a glória, o triunfo e a maravilha da Igreja 
Triunfante. As iconografias são bastante habituais, ade-
quadas às circunstâncias da povoação e do orago que as 
patrocinava; muito decorosas e eficazes, portanto, para 
proporcionar os afetos e as maravilhas capazes de con-
duzir os povos à adequada concórdia pela fé, à submissão 
e à manutenção da ordem e da hierarquia da monárquica 
católica portuguesa. 
Assim, em Santa Bárbara, Matriz de Santo Antônio, ob-
servamos a igreja na disposição habitual da arquitetura: 
nártex de entrada com pinturas no teto referentes ao ba-
tismo de Cristo e ao pecado original, nave com pintura 
de forro retratando a assunção de Nossa Senhora, e a 
belíssima capela-mor com a Ascensão de Cristo, esta uma 
magnífica pintura do Mestre Ataíde no início do séc. XIX 
(Ex.5 e Ex.6). Em várias de suas partes, a Igreja apresenta 
temporalidades diferentes. Há os retábulos laterais dou-
rados, correspondentes ao gosto da primeira metade do 
século XVIII, em que a fantasia se equilibra ou ultrapassa 
a prudência do juízo. Já no retábulo da capela-mor, por 
exemplo, há clarezas na ornamentação que nos indicam 
estarmos diante de uma fatura inventada ou terminada 
na segunda metade do século XVIII. A historiografia con-
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Ex.5 - Nave da Matriz de Santa Bárbara
Ex.6 - Pintura do forro da nave da Matriz de Santa Bárbara
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sagrada a chamaria de “rococó”, mas na época se pon-
derava em outros termos: justamente no predomínio do 
juízo sobre a fantasia, causando efeitos de “distinção” e 
“clareza” na ornamentação. 
Chamo a atenção também para a formosura e o asseio no 
desenho e acabamento dos elementos ornamentais que 
decoram as cornijas, os umbrais de portas, janelas e tri-
bunas, a preciosidade de festões e florões espalhados por 
todas as partes da ornamentação, arquitetura e pintura; 
aspectos que enriquecem e distinguem a Igreja paroquial 
de Santa Bárbara com um dos interiores mais belos de 
Minas Gerais (Ex.7).
Na Igreja de Catas Altas, a correspondência das par-
tes também deveria ser observada em seu interior. Se 
os corpos da igreja e da fachada se harmonizam com 
todas as circunstâncias de sítio, no interior, guardar a 
correspondência também era um preceito a ser obser-
vado. Há documentos que nos contam de um episódio 
muito interessante que se passou aqui nos idos de 1747. 
O retábulo de São Miguel e Almas, à esquerda do arco-
cruzeiro, não consonava com a igreja, e havia ainda ou-
tros problemas de decoro e hierarquia. Chegou a haver 
um litígio entre a irmandade do Santíssimo Sacramento, 
geralmente responsávelpela fábrica das matrizes, e a 
irmandade de São Miguel e Almas. O problema mais sé-
rio apontado pelos irmãos do Santíssimo era o fato do 
brasão de São Miguel estar em local mais alto do que o 
escudo do arco-cruzeiro, com Nossa Senhora da Concei-
ção ao centro, padroeira (Ex.8). 
Curiosamente, os artífices chamados a fazer o exame das 
obras – entre eles Manuel Francisco Lisboa – terminaram 
acedendo à Irmandade de São Miguel, e felizmente se 
pode ver, então, aquele que é um dos retábulos mais in-
teressantes da arquitetura do século XVIII em Minas Ge-
rais (Ex.9). No coroamento, há uma alegoria da Fé cega, 
com fingimentos em mármore preciosos, asseados como 
os encontramos também em Santa Bárbara, sobretudo na 
cimalha real. Acima do entablamento direito, uma ale-
goria da Esperança carrega um pássaro na mão esquer-
da; no esquerdo, a Caridade acolhe e acomoda crianças, 
como na representação habitual da virtude amorosa. 
Todo o interior da Igreja parece ter sido pensado em fun-
ção de sua inserção na grande caixa arquitetônica que 
compreende a talha interna da Igreja. Tudo se insere nes-
sa comedida trama arquitetural, muito simétrica e bem 
proporcionada em suas dimensões, conferindo integrida-
de e decoro a todo o corpo da arquitetura. 
Os retábulos laterais são todos correspondentes entre si, 
guardando elocução muito comum à primeira metade do 
século XVIII. O retábulo principal, todavia, apresenta as-
pecto semelhante ao apontado em Santa Bárbara, clareza 
e distinção de ornatos que aliviam o aparato em detri-
mento da fantasia; conclusão de talha a cargo de Fran-
cisco Vieira Servas e Martinho Gonçalves Ferreira (Ex.10). 
Quatro belos painéis pintados na empena do arco-cruzeiro 
encenam doutores importantes da Igreja Católica: São 
Ex.7 - Detalhe da Tribuna da capela-mor da Matriz de Santa Bárbara
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Ex.8 - Arco-cruzeiro da Matriz de Catas Altas
Ex.9 - Retábulo de São Miguel e Almas, Matriz de Catas Altas
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Gregório e Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São 
Jerônimo. Em Minas Gerais, eles habitualmente aparecem 
em forros de tetos pintados na nave. Sua disposição, 
aqui, é também verossímil, conquanto vejamos mais 
naturalmente representados os quatro evangelistas, 
tópica das capelas-mores. 
Se o interior da Igreja houvesse sido, todo ele, dourado e 
policromado, teríamos uma perfeição de decoração tão 
maravilhosa quanto a que apresenta a Igreja Matriz de 
Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto. Vale reparar na 
cimalha real que é bastante destacada, evidenciando a 
eloquência representativa da arquitetura nesse teatro 
eficaz da religião. Mas circunstâncias várias fizeram com 
que a Igreja chegasse até nós inacabada, apresentando, 
didaticamente, três fases distintas da fábrica ornamental. 
Há a base em madeira talhada e esculpida, a preparação 
em gesso para douramento e policromia, e a decoração 
final propriamente dita (Ex.11). Lugar-comum da nossa 
historiografia é compreender a “imperfeição” dessa 
fábrica (e uso aqui a acepção antiga do termo perfectum, 
assim como também usado em Minas Gerais no século 
XVIII, ou seja, “inacabado”) como um privilégio histórico, 
a oportunidade de podermos conhecer um pouco mais, e 
Ex.10 - Retábulo-mor da Matriz de Catas Altas
vivamente, sobre os processos históricos de construção. 
Acima dos púlpitos, elegantes anjos tocam a trombeta 
da Fama, outra alegoria virtuosa por demais utilizada 
no século XVIII em Portugal e colônias; enquanto 
outros anjos mais, pueris, sustentam elementos da 
ardência da Fé, como o coração em chamas e a seta do 
cupido amoroso (Ex.12). Chinesices aparecem em vários 
retábulos como uma bizzaria fantasiosa, ornamento a 
conferir mais admiração ainda à recepção, pelo seu 
aspecto curioso e exótico. 
O conjunto urbanístico, arquitetônico e ornamental de 
Minas Gerais está muito bem representado por essas 
povoações e igrejas – repertórios privilegiados de todo 
o século XVIII com seus gostos, aparências, costumes e 
preceitos. Em todos eles, conservava-se e destinava-se 
a meraviglia. É certo que também ela – a maravilha – 
poderia se evidenciar de vários modos, como procurei 
salientar nesta exposição, aspectos da arquitetura, 
dos costumes e engenhos com que se implantarem e 
comedirem decorosamente os edifícios, no aparato da 
decoração, na preciosidade e asseio dos ornamentos, na 
conjunção especiosa de todo o teatro que habitualmente 
chamamos “barroco”. 
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BASTOS, R. A.. Decoro, engenho e maravilha nos largos e igrejas... Per Musi, Belo Horizonte, n.24, 2011, p.67-78.
Ex.11 - Nave da Igreja Matriz de Catas Altas
Ex.12 - Coroamento de um dos púlpitos da Igreja Matriz de Catas Altas
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BASTOS, R. A.. Decoro, engenho e maravilha nos largos e igrejas... Per Musi, Belo Horizonte, n.24, 2011, p.67-78.
Referências:
BASTOS, Rodrigo Almeida. A Arte do Urbanismo Conveniente: o decoro na implantação de 
novas povoações em Minas Gerais na primeira metade do século XVIII. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – UFMG, 
Escola de Arquitetura. Belo Horizonte, 2003. 
______. A Maravilhosa Fábrica de Virtudes: o decoro na arquitetura religiosa de Vila Rica, 
Minas Gerais (1711-1822). Tese (Doutorado em Arquitetura)-FAU-USP. São Paulo, 2009.
SNYDER, John. L’estetica del barocco. Bologna: Il Mulino, 2005. 
TESAURO, Emanuele. Argúcias Humanas. (Excerto de Il Cannocchiale aristotelico, 1670). 
Tradução de Gabriella Cipollini e João Adolfo Hansen. Revista do IFAC. Ouro Preto: IFAC/UFOP, n. 4, p.3-10, dez. 1997. 
_____. Il cannocchiale aristotelico o sai dell’arguta, et ingeniosa Elocutione, Che serve à tutta 
l’Arte Oratoria, Lapidaria, et Simbólica. Esaminata co’ principii Del divino Aristotelte. Dal Conte D. Emanuele Tesauro, 
Cavalier Gran Croce de’ Santi Mauritio & Lazaro. 5 ed. Torino, Zavatta.
VASCONCELLOS, Ignacio da Piedade. Artefactos Symmetriacos, e Geometricos, advertidos, e descobertos pela industriosa 
perfeiçaõ das Artes, Esculturaria, Architectonica, e da Pintura. Com certos fundamentos, e regras infalliveis para a Sym-
metria dos corpos humanos, Escultura, e Pintura dos Deoses fabulosos, e noticia de suas propriedades, para as cinco 
ordens de Architectura, e suas figuras geometricas, e para alguns novos, e curiosissimos Artefactos de grandes utilidades. 
Offerecidos á Serenissima Senhora D. Marianna de Austria, Rainha de Portugal, Repartidos neste volume em quatro 
livros, pelo Padre Ignacio da Piedade Vasconcellos, Conego secular de S. Joam Euangelista, neste Reyno de Portugal, e 
Prégador nesta Congregação, natural de Santarem. Dados Á estampa pelo Reverendissimo Padre Antonio da Anunciaçam 
da Costa, Conego da mesma Congegaçaõ. Lisboa Occidental, na officina de Joseph Antonio da Sylva, Impressor da Aca-
demia Real. MDCCXXXIII (1733). Com todas as licenças necessaria. (BNP cota BA 237v. Microfilme F. 1945). 
Notas
1 Desenvolvi esses aspectos do engenho arquitetônico na tese de Doutorado. Cf. BASTOS, Rodrigo Almeida. A ma-
ravilhosa fábrica de virtudes: o decoro na arquitetura religiosa de Vila Rica, Minas Gerais (1711-1822). Tese de 
Doutorado em Arquitetura. São Paulo, FAU-USP, 2009.
2 Esses mesmos elementos ornam a torre sineira da Igreja de Santo Antônio de Ponte de Lima, Norte de Portugal, região 
de onde vieram vários portugueses que se instalaram em Minas Gerais
Rodrigo Almeida Bastos é engenheiro, arquiteto e escritor; mestre em arquitetura pela Universidade Federal de Minas 
Gerais e doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (2009), onde defendeu tese 
intitulada A maravilhosa fábrica de virtudes: o decoro na arquitetura religiosa de Vila Rica, Minas Gerais (1711-1822) – 
reconhecida em junho de 2010 com o Prêmio Marta Rossetti Batista de História da Arte. Em 2008, realizou estágio de 
doutorado em Históriada Arte pela Universidade Nova de Lisboa. É professor adjunto da Escola de Arquitetura da UFMG, 
e desde 2006 integra o corpo de professores do Curso de Especialização Lato Sensu em Cultura e Arte Barroca do Instituto 
de Filosofia, Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto. Como pesquisador, investiga a arte e a arquitetura de 
Minas Gerais no período colonial à luz dos preceitos coevos, temática da qual possui dezenas de artigos publicados em 
revistas especializadas e anais de encontros científicos nacionais e internacionais. Foi vencedor do prêmio nacional de 
melhor ensaio crítico de arquitetura e urbanismo no ano de 2007, Prêmio Jovens arquitetos, com o texto Regularidade e 
ordem das povoações mineiras no século XVIII. Entre 2004 e 2010, foi cantor do Coro Madrigale, de Belo Horizonte.