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Daniele Borges Bezerra; Juliane Conceição Primon Serres | 23 em São Paulo, onde faria uma cirurgia reparatória de nervos e tendões dos seus pés. Ao defrontar-se com uma situação de discriminação dentro do próprio hospital, planejou a criação de um movimento que tivesse como principal a redução do preconceito. Na década de 1980, Bacurau expõe a carta “O ponto de vista do hanseniano sobre sua reintegração” que iria basear o estatuto do Movimento de Reintegração das Pessoas atingidas pela Hanseníase (MOHRAN). O fragmento que segue foi extraído dessa carta, digitalizada e disponível no Acervo da casa de Bacurau, O preconceito, o medo que as pessoas tem dos que adoeceram de hanseníase, medo esse observado por um grande número de médicos e profissionais de saúde, agravados pelo uso de uma terminologia associada à ideia de maldição, de coisa nojenta, de personagens sombrios e perigosos, que a imprensa de um modo geral, o cinema, a literatura, as igrejas e a televisão cultivam e transmitem para o povo, que por sua vez tem arraigadas em suas mentes as mesmas ideias por várias gerações, são um entrave muito grande, um dos maiores também, na reintegração social do hanseniano, e até mesmo no controle da própria doença. Todos fogem da identificação de leproso, porque sabem que a mesma irá lhe trazer problemas sérios em sua vida. [...] (NUNES, 1983, p.3, grifos nossos). Bacurau tornou-se um ícone da luta contra o preconceito, entre as pessoas acometidas pela hanseníase, uma fonte de inspiração para a militância que começara a se constituir naquele período. No site “Casa de Bacurau” é possível encontrar uma série de manuscritos, documentos e imagens, organizados com o objetivo de preservar a história de vida desse homem, marcada pela militância social, mas que também sofreu e quis registrar através da escrita o modo como era afetado pela experiência do adoecimento e do preconceito. No livro A margem da vida: Num leprosário do Acre (NUNES, 1978) Bacurau relata a sua experiência, ainda criança, na qual deixa claro que ser identificado como um portador da doença já representava um estar “fora do mundo” (idem, p.37) que 24 | Saúde e Doenças no Brasil: Perspectivas entre a História e a Literatura começara a ser sentido na pele, antes do isolamento na colônia. Durante a internação Bacurau percebe “uma espécie de conformidade coletiva”, sendo “poucos os que reclamavam por serem doentes ou por viverem separados de seus familiares. Esta conformidade ia como que envolvendo os que iam chegando [...]” (idem, p.50). Além disso, após a experiência de internação e alta o autor percebe que “[...] o único caminho que o levaria a um mundo menos hostil era o do leprosário [...]” (idem, p.82). A experiência do preconceito tanto antes, quanto depois do isolamento reforçou em Bacurau sentimentos em relação ao lugar de isolamento: [...] lá, pelo menos, era tratado como um igual e ninguém tinha medo dele. Lá também existia mais sinceridade e menos hipocrisia; mais amizades sinceras e menos pessoas ‘bondosas’ que ‘gostariam muito de ajudar’ [...] Tudo era mais sincero, realmente. Até as lágrimas, quando apareciam, não eram ‘de mentira’. Pedrinho sabia que encontraria no leprosário o que não encontraria fora dele (idem, p.82-83, grifos nossos). O autor, que faz uso do pseudônimo Pedrinho, informa muito sobre a própria experiência no trecho destacado. Sua narrativa afirma a existência de uma comunidade afetiva gerada no interior dos lugares, transformando o lugar de isolamento numa oportunidade de exílio protetivo, diante do preconceito ativo em sociedade. Assim, a forte vinculação afetiva com o lugar não era apenas negativa, mesmo que o sofrimento estivesse presente. Tratava-se de um terreno familiar, seguro do ponto de vista emocional, e uma alternativa prática de subsistência diante de um meio social hostil. No trecho a seguir, extraído do texto “Leproso, uma identidade perversa” o autor evidencia a existência de um constructo social que funda o estatuto social da doença pautado na marginalização, e que interfere diretamente sobre as identidades provocando um sofrimento mais significativo e menos controlável do que a própria doença. Tais proposições carregam consigo a força