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Boletim da 
Academia Galega 
da Língua Portuguesa 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Boletim da 
Academia Galega 
da Língua Portuguesa 
 
 
 
 
 n.º 4 / 2011 
 
 
 
Diretor
 
António Gil Hernández 
 
Subdiretor 
 
José-Martinho Montero Santalha 
 
Secretário 
 
Ângelo Cristóvão Angueira 
Edição 
 
Iolanda Mato Creo e Joám Evans Pim 
 
Conselho de Redação Isaac Alonso Estraviz; Ângelo Cristóvão; Joám 
Evans Pim (Editor); António Gil Hernández 
(Diretor); Luís Gonçales Blasco; José-Mar-
tinho Montero Santalha; Isabel Rei Samar-
tim; Rudesindo Soutelo; Concha Rousia. 
 
Conselho Científico 
 
Celso Álvarez Cáccamo (UdC); Carlos Assunção 
(UTAD); J. Malaca Casteleiro (ACL); Evanildo 
Bechara (ABL); Zélia Borges (Mackenzie); Pau-
lo Borges (FLUL); Anabela Brito (ULP); Regi-
na Brito (Mackenzie); Luís G. Soto (USC); Car-
los Garrido (UVigo); Mª Henríquez (UVigo); 
Álvaro Iriarte (UMinho); Cristina de Mello 
(UCoimbra); Cilha Módia (UdC); Isabel Moran 
(USC); José Paz (UVigo); Carlos Reis (UAb); 
Ricardo Reis (UVA); José L. Rodríguez (USC); 
Augusto S. da Silva (UCP Braga); Jurjo Torres 
(UdC); Álvaro Vidal (UNottingham); Xavier 
Vilhar (USC); Beatriz Weigert (UÉvora). 
Conselho Asessor 
 
Artur Alonso Novelhe; José Manuel Barbosa; 
Ângelo Brea Hernández; Margarida Castro; 
Henrique Correia; Chrys Chrystello; Marcos 
Crespo; Renato Epifânio; Carlos Durão Ro-
drigues; Vítor Lourenço Peres; Higino Mar-
tins Estevez; Anabela Mimoso; Mário Afon-
so Nozeda Ruitinha; Henrique Salles da Oli-
veira; Francisco Paradelo Rodríguez; Ramom 
Reimunde Norenha; Valentim Rodrigues Fa-
gim; José R. Rodrigues Fernandez; Cathryn 
Teasley Severino; Joám Trilho; Fernando 
Vazques Corredoira; Xavier Vásquez Freire; 
Ernesto Vasques; Crisanto Veiguela Martins. 
 
Impressão 
 
Tórculo Artes Gráficas
Depósito Legal C-2345/08
ISSN 1888-8763
Edita 
 
Academia Galega da Língua Portuguesa 
Rua de Castelão n.º 27 
15900 Padrão, Galiza 
 
http://www.aglp.net | pro@aglp.net 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Conteúdos 
 
 
 
ESTUDOS
 
 
 
 
 
A defesa da língua ou a língua como defesa 
 
11
Carlos Reis 
O repto dos 
vocabulários ortográficos 
 
25
Álvaro Iriarte Sanromán 
Sinonímia, conceptualização 
e variação social 
 
35 
Augusto Soares da Silva 
Dicionário Priberam 
da Língua Portuguesa 
 
55
Helena Figueira, et al. 
O Grande Dicionário da 
Língua Portuguesa 
 
69
Mª Margarida Gomes Faria da Costa 
A multiplicidade léxica 
de Moçambique 
 
83
Cláudia Bergamini 
O nome de lugar 
Vila-daelhe ou Vila-delhe 
 
91
Crisanto Veiguela Martins 
 
Os nossos nomes de família 
 
99
José-Mª Monterroso Devesa 
 
 
Do big-bang aos planetas extrassolares 
111
Manuel Andrade Valinho 
 
 
O marcador discursivo mas 
127
Luís Magarinhos 
 
 
As palavras de Robindronath Tagore 
137 
José Paz Rodrigues 
 
 
Linguagem na obra do 
genio do samba paulistano 
147
Maria Zélia Borges 
 
 
Apontamentos para uma galeguística 
167
António Gil Hernández 
 
 
Revisitação d’Os Eidos 
 
185
Manuel Castelão 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nos 15 anos da CPLP 
 
201
Renato Epifânio 
 
Identidade nacional 
e transnacional 
211
Dina Maria Martins Ferreira 
INSTITUIÇÃO
 
 
Memória do ano 2010 
 
229
Ângelo Cristóvão 
 
Crónicas do Brasil 
 
235 
Concha Rousia e Isabel Rei 
 
Unindo passado e futuro 
 
251
Concha Rousia 
 
II Seminário de Lexicologia 
 
255
Ângelo Cristóvão 
 
Portulano de recursos em linha 
 
263 
Ernesto Vasques Souza 
 
Galiza na América do Sul 
 
265
Higino Martins Esteves 
PUBLICAÇÕES
 
 
Cantares galegos 
 
273 
Maria Seoane Dovigo 
 
Ayes de mi País 
 
277
Joám Trilho 
 
Traditional Marking Systems 
 
281
Carlos Durão 
 
O Mariscal 
 
285
Isabel Rei Samartim 
 
Português em contato 
 
289
Álvaro J. Vidal Bouzon 
 
O Sempre em Galiza para Portugal 
 
297
Carlos C. Varela 
 
 
Fernando Pessoa em concreto 
 
303 
Carlos Quiroga 
 
Miscelânea de reflexões 
e estudos em torno da lingua 
307 
Maria Isabel Morán Cabanas 
 
 
 
 
 
 
 
7 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
 
 
Editorial
 
 
 
 
om o presente volume, o Boletim da Academia Galega da Língua 
Portuguesa prossegue o seu caminho regular em saídas anuais e 
alcança o número 4. 
De maneira similar ao que acontecia com o número anterior, dedicado 
especialmente ao nosso mestre e amigo brasileiro Professor Evanildo Becha-
ra, nesta edição do seu Boletim, a Academia Galega da Língua Portuguesa 
quer render homenagem ao Professor português João Malaca Casteleiro: 
homenagem de admiração, de agradecimento e de amizade. 
De admiração ao sábio filólogo e linguista, investigador e docente, mestre 
de todos nós, autor de trabalhos fundamentais no estudo do nosso idioma e 
na unificação da língua escrita, e impulsor e diretor de iniciativas de realiza-
ção coletiva, como os dicionários da língua. 
De agradecimento, como Academia, pelo conselho nos momentos opor-
tunos e pelo constante apoio desinteressado e entusiasta que outorgou à 
nossa instituição já desde os momentos prévios à sua constituição oficial, e 
desde então em todos os nossos trabalhos e projetos. 
De amizade e carinho à pessoa cordial e encantadora, que se situa entre 
nós com a cativante humildade do sábio que ama a verdade e a ciência por 
cima de qualquer fútil consideração social. 
A nossa língua, e a cultura galega, e a Galiza toda, estarão sempre em dí-
vida com o Professor Malaca Casteleiro, que continua a linha de outras gran-
des figuras da cultura portuguesa (entre as quais não podemos deixar de 
lembrar o nome do Professor Rodrigues Lapa). Por isso, esta humilde home-
nagem da AGLP, modesta como é, sabemos que leva dentro de si o sentimen-
to agradecido de muitos outros galegos que nos acompanham ex toto corde. 
C 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Em conclusão, e de uma forma muito breve, integrar o Galego 
como variante da língua portuguesa ao lado das outras variantes 
(o português lusitano, o português do Brasil, o português angola-
no, o português moçambicano, etc.) contribuirá para reatar os 
fios da história do Galego-Português, fios que se quebraram em 
fins do século XV e que era urgente reatar e revalorizar, intensifi-
car os laços culturais entre a Galiza, Portugal e todo o mundo 
lusófono, e com isto nós podemos continuar a defender o bilin-
guismo, felizes dos países, das regiões, que são bilingues, que 
desde o nascimento, por ventura, dominam duas línguas, ou mais 
línguas, e que a variante galega do português e o espanhol conti-
nuarão a conviver harmoniosamente, e continuaremos a defen-
der uma cada vez maior intercompreensão entre falantes de 
português e falantes de espanhol no sentido da promoção das 
nossas duas línguas comuns não só da Ibéria mas também do 
mundo hispanófono e do mundo lusófono continuaremos a bata-
lhar por que estas línguas se afirmem no mundo porque elas as 
duas em conjunto constituirão, com certeza, um bloco tão ou mais 
importante que o bloco anglístico. 
 
João Malaca Casteleiro 
(Intervenção na Sessão Inaugural da AGLP, outubro de 2008). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Estudos
 
4(2011): 11-23 
 
 
 
 
11 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
 
 
A defesa da língua ou a 
língua como defesa*
 
 
 
Carlos Reis 
 
 
 
Resumo 
 
 O autor, partindo de uma boutade queirosana sobre a língua portuguesa, sustém que numa 
conceção moderna, politicamente responsável e historicamente situada, o português não 
pode ser só património individual, mas sobretudo coletivo não de um país, mas de vários. A 
língua, em definitivo, bem simbólico e parte do património imaterial de um povo certo, 
abrange dois sentidos: o jurídico-económico, que sublinha o princípio da riqueza ou do 
ativo a preservar e a valorizar, e ético-axiológico,que acentua a condição de fator de enri-
quecimento humano, comunitário e identitário (de certa forma e em resumo: fator de 
felicidade). A dimensão simbólica do idioma faz reconhecer nele a capacidade para afirmar 
e legitimar significações, para funcionar como instrumento de integração social, de manu-
tenção e de reprodução de uma ordem estabelecida. 
 
Palavras-chave 
 
 Língua portuguesa, património imaterial, indivíduo, bem simbólico, integração social. 
 
Abstract 
 
 The author, starting from a boutade in Queiroz style about the Portuguese language, 
maintains that, in a modern understanding, politically responsible and historically 
situated, Portuguese cannot be only an individual heritage, but above all a collective 
one, not of one country, but of several. All in all, language, a symbolic good and part of 
the immaterial heritage of a certain people, encompasses two senses: the legal eco-
nomic, which underlines the principle of wealth or of the assets to be preserved and 
valued, and the ethical axiological, which emphasizes the condition of a factor increas-
ing wealth in human, community and identity terms (in a certain way and in short: a 
factor of happiness). The symbolic dimension of language makes us recognize in it the 
ability to assert and legitimize meanings, to function as a tool of social integration, of 
the maintenance and reproduction of an established order. 
 
Key words 
 
Portuguese language, immaterial heritage, individual, symbolic good, social integration. 
 
* Texto exposto no I Congresso Nacional de Segurança e Defesa. Lisboa, 24 e 25 de Junho de 2010. 
 
 
Carlos Reis 
 
 
 
Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
12 
 
1.
 
Num texto prefacial de 1886, texto em boa parte consagrado à receção do 
naturalismo em Portugal, escreveu Eça de Queirós (2009: 194): 
 
Desde que nós, portugueses, laboriosamente conseguimos arranjar uma ideia 
dentro do crânio – a nossa preguiça intelectual, o nosso desleixo, este fundo de 
desdenhosa indiferença que todos os meridionais têm pelas ideias e pelas mu-
lheres, impede-nos de lhe mexer, de a tirar do seu canto, onde ela fica ganhan-
do bolor em tranquilidade e para sempre. Em Literatura, em Costumes, em 
Política e no Fabrico do chinelo de ourelo, nós estamos vivendo e estamos 
morrendo deste obtuso, viscoso aferro ao vago das primeiras impressões. 
 
Como em tantos outros casos, as palavras do nosso mais talentoso ro-
mancista permanecem atuais. Se pensarmos nalgumas ideias feitas que entre 
nós têm circulado acerca da língua portuguesa e da sua condição de grande 
idioma de cultura, confirmaremos a pertinência daquela espécie de boutade 
queirosiana. Um exemplo que tenho como o mais evidente, lamentável e 
mesmo irritante: ouve-se dizer (e citar) que, como afirmou Fernando Pessoa, 
“a minha pátria é a língua portuguesa”. Quase todos os nossos políticos, no 
ativo ou na reforma, alguma vez terão caído na tentação de adornar o seu 
discurso com uma citação literária, sendo sabido que a seara pessoana tem 
sido campo de farta colheita em matéria de vistosas e altissonantes máximas. 
E assim, por preguiça intelectual, por desleixo e por desdenhosa indiferença, 
parece confortavelmente instalada dentro de muitos crânios a crença de que 
Pessoa disse: “a minha pátria é a língua portuguesa”. 
O problema desta citação é que ela está triplamente errada: está errada 
no texto, está errada na autoria e está errada até, em certo sentido, no propó-
sito que comummente a motiva, sempre que ele quer traduzir uma afirmação 
de acrisolada dedicação e estremado afeto pela língua portuguesa. Ou pela 
língua de Camões, outro comodíssimo lugar-comum usado e abusado por 
quem ignora que a língua de Camões não era exatamente a que falamos hoje 
e que o genial poeta também recorreu ao espanhol como língua literária. 
 
2.
 
A citação está errada porque aquilo que o texto diz é “minha pátria é a língua 
portuguesa”, sendo óbvio para mim que quem assim escreveu não dispensou o 
artigo por descuido: a omissão incute na expressão uma tonalidade fortemente 
assertiva e (suave ironia!) confere-lhe até uma certa coloração “brasileira”. A 
citação está mal atribuída porque não é Fernando Pessoa quem a assina, mas 
sim o seu semi-heterónimo Bernardo Soares, num passo do Livro do Desas-
sossego. Só mesmo por preguiça ou por desleixo (retomo as palavras de Eça) 
poderá alguém pensar que é indiferente deduzir de Pessoa ou de Soares o 
impulso falaciosamente patriótico daquelas palavras; fazê-lo seria o mesmo 
 
 
A defesa da língua ou a língua como defesa 
 
 
13 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
que pensar que Álvaro de Campos subscreveria estilística e ideologicamente a 
Mensagem, que Ricardo Reis alguma vez poderia aderir ao ethos modernista 
da “Ode triunfal” ou que Caeiro e Bernardo Soares se referem a Cesário Verde 
pelas mesmas razões. Por fim, a citação induz no equívoco de atribuir a Pessoa 
(ou a Bernardo Soares, como se viu) uma motivação patriótica que, no caso, 
não existe. Bem pelo contrário. O melhor mesmo é citar o texto, com o fôlego 
que lhe é transmitido pelo contexto em que ele se encontra: 
 
Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, 
um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me 
pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodas-
sem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sin-
to, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem es-
creve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa pró-
pria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, 
como o escarro direto que me enoja independentemente de quem o cuspisse. 
 
Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvi-
da. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto ré-
gio, pelo qual é senhora e rainha (Soares, 2001: 255). 
 
Breve comentário: a língua aqui entendida como pátria reduz ao mínimo (um 
mínimo de imaterialidade e transcendência) um conceito de patriotismo em que 
não se inclui a pátria como Estado, com fronteiras e com potenciais invasores. 
Quase como quem diz: a língua enquanto elemento identitário não implica o 
espaço físico e simbólico de uma nação; e este “patriotismo do idioma” nada tem 
que ver com o sentido trivial, nacionalista e territorialista de um patriotismo 
político que Bernardo Soares enjeita. Sob o signo de uma visão emotiva e subjeti-
vista da língua, Bernardo Soares postula uma conceção do idioma “como pessoa 
própria”, que tem muito de intolerante individualismo, de redutor formalismo e 
de imobilismo histórico. Como se a defesa da língua (é disso que aqui se trata) se 
cingisse à afirmação de um status quo linguístico, fora da História e ignorando 
displicentemente a comunidade, ou seja, toda a gente que fala e escreve e não 
apenas um ajudante de guarda-livros chamado Bernardo Soares. E assim, se a 
língua é pátria, não o é (ou não o é nestes termos) para Fernando Pessoa; e a 
pátria-língua de que fala Bernardo Soares encontra-se, em meu entender, nos 
antípodas de uma conceção moderna, politicamente responsável e historicamen-
te situada de uma língua que não é património individual, mas sim coletivo e que 
hoje não o é de um país, mas de vários. Vários países com a sua gente própria, 
recorde-se, coisa que Bernardo Soares não sabia quando escreveu aquelas pala-
vras afinal detestáveis, mas que deviam saber quantos, embalados pela música 
de uma citação falsamente pessoana, se arriscam a reduzir a defesa da língua à 
reivindicação de um idioma estático, fora da diversificada gente concreta que o 
fala e escreve e mumificado numa ortografia arcaizante. 
 
 
Carlos Reis 
 
 
 
Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
14 
 
Nãoirei ao ponto de sugerir um comportamento cívico drástico: não vo-
tar em quem insistir em repetir que, “como afirmou Fernando Pessoa, „a 
minha pátria é a língua portuguesa"”. Lembrarei apenas que nada disto é 
novo. Aliás, em Fernando Pessoa há várias coisas que são menos inovadoras 
do que normalmente se pensa; as ponderações de Bernardo Soares, linguista 
de ocasião, são disso mesmo um exemplo flagrante. 
Num texto bem diferente daquele que até agora comentei, já o queirosia-
no Fradique Mendes formulava uma reflexão em que está prenunciado o 
estreito patriotismo de que tenho falado, com o rosto de um nacionalismo 
linguístico a que não falta o toque da usual provocação fradiquista. É numa 
carta a Madame S. e a propósito da aprendizagem de línguas estrangeiras, 
que um Fradique déguisé de pedagogo afirma: 
 
Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua 
terra: – todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele 
acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro. Na língua verdadeira-
mente reside a nacionalidade; – e quem for possuindo com crescente perfei-
ção os idiomas da Europa vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização 
(Queirós, s.d.: 130). 
 
Em Fradique Mendes, o temor da “desnacionalização” vai mais longe, ao 
ponto de se defender que o sujeito não deve abdicar do “exclusivo encanto da 
fala materna com as suas influências afetivas, que o envolvem, o isolam das 
outras raças”. O que, levando às últimas consequências a vocação isolacionista 
aqui insinuada, permite ainda outras afirmações, marcadas por uma agressivi-
dade linguístico-cultural quase insuportável. E assim (diz Fradique), “o poliglo-
ta nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila, introduzem-se-lhe no 
organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir.” Proposta 
final: “Falemos nobremente mal, patrioticamente mal, as línguas dos outros!” 
O que aqui se encontra é mais do que uma provocação: é uma verdadeira 
ainda que pouco elaborada proclamação da língua como visão do mundo e 
fator determinante do pensamento do sujeito e da sua relação com o conhe-
cimento e com os outros, na linha da filosofia da linguagem de Humboldt e 
na sequência da noção (que vem de Giambattista Vico) de que pela língua se 
identificam os povos e as nações. O que isto significa em termos de condicio-
namento ideológico das línguas e até de determinação eurocêntrica da sua 
difusão parece claro; e só o relativismo linguístico da chamada hipótese de 
Sapir-Whorf (postulando que as peculiaridades formais de cada língua con-
dicionam as categorias culturais e cognitivas que regem os modos de pensar 
e de representar o mundo), só esse relativismo linguístico pode talvez ameni-
zar os riscos nacionalistas que a blague fradiquista e o individualismo de 
Bernardo Soares induzem. 
 
 
 
A defesa da língua ou a língua como defesa 
 
 
15 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
3.
 
Derivo destas considerações quase preambulares para outras questões dire-
tamente relacionadas com o tema que aqui trago. O que me levará a realçar a 
dimensão patrimonial da língua portuguesa, a sua afirmação como elemento 
axial da afirmação dos Estados que lhe conferem o estatuto de língua oficial, 
os atos e as iniciativas que defluem de um entendimento político da língua e 
ainda a minha convicção de que o idioma pode ser encarado como singular 
instrumento de defesa, no quadro de um mais vasto conceito estratégico 
nacional que outros, que não eu, tratarão de definir e caracterizar. 
Afirmo que a língua é um bem simbólico e parte do património imaterial 
de um povo certo de que a noção de bem se desdobra em dois sentidos: um 
sentido jurídico-económico, que sublinha o princípio da riqueza ou do ativo a 
preservar e a valorizar; um sentido ético-axiológico, que acentua no bem a 
sua condição de fator de enriquecimento humano, comunitário e identitário 
(de certa forma e em resumo: fator de felicidade). Para além disso, referir a 
dimensão simbólica do idioma, numa aceção muito próxima do pensamento 
de Pierre Bourdieu, é reconhecer nele a capacidade para afirmar e legitimar 
significações, para funcionar como instrumento de integração social, de 
manutenção e de reprodução de uma ordem estabelecida. Por isso falamos 
frequentemente no poder da língua e sem exagero reconhecemos que quem a 
domina pode chegar a dominar o mundo. A História ensina que isso mesmo 
tem acontecido, às vezes sob o signo do excesso e da opressão política; e 
disciplinas como a retórica e sobretudo a oratória intervêm, com frequência e 
reconhecida eficácia instrumental, em processos e em propósitos de apropri-
ação do poder. Os mesmos propósitos de apropriação que, para que conste, 
hoje vão muito além do uso da língua só por si, pois que a integram (ia a 
dizer: dissolvem) nas sofisticadas linguagens da comunicação social, dos 
media da imagem e das redes em linha. 
Antes ainda de indagar o que leva a que se diga de uma língua que ela é lín-
gua de poder (e não só língua do poder), recordo muito brevemente que, ao 
longo dos tempos e sob diversas roupagens, os dois poderes que têm conduzi-
do os destinos da Humanidade – o poder político e o poder religioso, às vezes 
em regime de cumplicidade estreita ou mesmo de fusão – têm recorrido ao 
poder da palavra como instrumento de representação e de persuasão. Uma 
disciplina dos estudos literários e dos estudos linguísticos como a pragmática 
trata de analisar, na esteira de um legado metodológico provindo da retórica, o 
potencial de transformação do mundo e de condicionamento dos comporta-
mentos humanos que os atos discursivos encerram. E é com a consciência 
disso mesmo que os sistemas de ensino cuidam (ou dizem que cuidam…) do 
ensino da língua como etapa e componente estruturante da formação do sujei-
to, incluindo-se nessa formação a aquisição de instrumentos linguísticos e 
 
 
Carlos Reis 
 
 
 
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Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
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translinguísticos de conhecimento do mundo. Por fim, é ainda o poder da 
palavra que se impõe quando outros discursos que não o discurso crítico ou o 
discurso académico incorporam a palavra literária como emblema de legitima-
ção cultural e política. E assim, citar um escritor renomado dá ou parece dar 
vigor e densidade ao discurso que acolhe a citação – mesmo que ela seja tão 
estafada e deturpada como a famosa “a minha pátria é a língua portuguesa”. 
 
4.
 
Não entrarei aqui na evocação minuciosa do que é sabido e está por demais 
estudado, ou seja, que a constituição, o alargamento e a defesa de espaços 
políticos amplos não se decide apenas em função de instâncias militares, 
económicas ou jurídico-administrativas. Basta lembrar que a expansão do 
latim na Europa está associada a uma dinâmica imperial que dá consistência 
à bem conhecida asserção segundo a qual uma língua é um dialeto apoiado 
por um exército. Noutros termos mas não com outra lógica, é aquela dinâmi-
ca que responde a uma pergunta formulada pelo Prof. Vítor Aguiar e Silva: 
“O que explica que línguas europeias como o espanhol, o português, o inglês 
e o francês, se tivessem tornado línguas transnacionais e transcontinentais? 
Não foram fatores de ordem intrinsecamente linguística, foram fatores de 
ordem política: a construção de impérios coloniais, com as suas vertentes 
militares, religiosas, económicas e civilizacionais. A língua do poder imperial 
foi um fator de coesão e de regulação das esferas administrativa, judicial e 
escolar, foi um instrumento de evangelização, de aculturação e de intercâm-
bio de bens económicos” (Aguiar e Silva, 2010: 311). 
Na história das línguas europeias (e em particular na das línguas novila-
tinas) manifesta-se, do século XIV em diante, uma tendência vernaculizante 
que tem em Dante e em Petrarca protagonistas ilustres, antes ainda de se 
chegar à explícita associação da ilustração da língua ao poder do Estado. 
QuandoAntónio de Nebrija escreve a sua famosa e pioneira Gramática de la 
lengua castellana, publicada no ano crucial de 1492, fica clara a convicção, 
declarada pelo autor à rainha Isabel a Católica em tom programático, de que 
sempre “a língua foi companheira do império”1; menos de meio século de-
pois, em 1536, o nosso Fernão de Oliveira (2000, Cap. IV) relacionava dire-
tamente duas expansões: a marítima (e também político-económica) e a da 
língua portuguesa a ensinar nos lugares descobertos; noutro tom, que não 
com muito diferente intuito, o doutrinador da Pléiade, Joachim Du Bellay, 
declarava, em 1549, que a defesa e ilustração da língua francesa era empresa 
à qual “rien ne m'a induit que l'affection naturelle envers ma patrie”.2 
 
1 Prólogo a Grammatica disponível em: <http://www.antoniodenebrija.org/prologo.html>. 
2 “Épître à Monseigneur le révérendissime cardinal du Bellay S.”, Défense et illustration de la 
langue française, em <http://www.tlfq.ulaval.ca/axl/francophonie/Du_Bellay.htm>. 
 
 
A defesa da língua ou a língua como defesa 
 
 
17 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
Relaciona-se com esta doutrina – uma doutrina que é indissociável de 
uma poética e de uma prática literária fortemente ancoradas nos valores 
humanistas da época – a configuração de um tipo de poeta consciente da sua 
responsabilidade de esteio difusor da língua. É o caso de António Ferreira, ao 
proclamar um novo canto e uma lira nova, num texto dos seus Poemas Lusi-
tanos; mesmo publicados postumamente em 1598, já em tempo de união das 
coroas ibéricas (e até com dedicatória do editor “ao Príncipe D. Filipe, nosso 
senhor”), os Poemas Lusitanos incentivam a que se cantem “portuguesas 
conquistas, e vitórias”, com recurso ao potencial glorificador e de evocação 
memorial da língua: “Renova mil memórias/Língua aos teus esquecida, / […] 
Sê para sempre lida / Nas Portuguesas glórias / Qu’em ti a Apolo honra da-
rão, e a Marte” (Ode primeira). Foi Camões quem o fez, nos termos geniais 
da sua grande epopeia, mas não sem estabelecer um paralelo em que está 
plasmado um conceito de poeta para quem o empenhamento na guerra pa-
triótica e a devoção à língua (a língua como poesia) apontavam, afinal, para 
uma espécie de poder bifronte: “Pera servir-vos, braço às armas feito, / Pera 
cantar-vos, mente às Musas dada”, diz o poeta. Um poder que, para o ser, 
carecia, todavia, da legitimação política que a dedicatória ao monarca atesta-
va e que os versos que vêm depois confirmam: “Só me falece ser a vós acei-
to/de quem virtude deve ser prezada” (Camões, 1972: 285 [Canto X, 155]). 
 
5. 
 
Os fundamentos e os componentes estruturantes de uma política de língua 
conjugam, pelo menos, quatro noções basilares. Em primeiro lugar, a noção 
de que a língua é um fator de afirmação e de congraçamento comunitário, 
tenha este último uma feição nacional ou uma dimensão transnacional – 
lusófona, no que ao caso do português diz respeito. Em segundo lugar, a 
noção de que a defesa do idioma envolve, da parte do Estado, uma responsa-
bilidade formativa, não apenas visando os nativos, mas também os que, fora 
das fronteiras nacionais, o não são, o que leva a que se fale, neste último 
caso, de política de internacionalização. Em terceiro lugar, a noção de que a 
língua constitui um tema de análise, de descrição e de sistematização, que é 
sustentáculo daquela responsabilidade formativa, pela via dos instrumentos 
(dicionários, gramáticas, monografias académicas, etc.) produzidos num 
campo de investigação (ou a partir dele) hoje com claro reconhecimento 
institucional e que é o dos estudos linguísticos. Em quarto lugar, a noção de 
que a defesa da língua é parte de uma mais ampla estratégia de defesa nacio-
nal, contribuindo para ela com os componentes de agregação comunitária e 
de racionalidade científica que ficaram referidos. É neste último sentido que 
digo que a defesa da língua conduz à postulação da língua como defesa. 
Por razões históricas e também ideológicas que agora não aprofundarei, o 
século XIX foi um tempo decisivo para a institucionalização e para a progres-
 
 
Carlos Reis 
 
 
 
Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
18 
 
siva democratização do estudo da língua, bem como para a consciencializa-
ção da sua relevância cultural, política e social, para além da pedagógica, já 
então efetiva. Pode mesmo falar-se, conforme recentemente foi feito, no 
desenvolvimento oitocentista das ideias linguísticas, um desenvolvimento 
ilustrado pelo labor de gramáticos, de lexicógrafos e de pedagogos como 
António de Moraes Silva, Jerónimo Soares Barbosa, Caldas Aulete, Epifânio 
da Silva Dias ou Adolfo Coelho (Cf. Santos, 2010: parte I). E uma parte im-
portante do ardoroso labor intelectual de uma figura com mais méritos do 
que aqueles que a geração de 70 lhe reconheceu – refiro-me a António Felici-
ano de Castilho – centra-se na língua portuguesa e no método de a ensinar3. 
Num plano distinto, os dois nomes capitais da nossa história literária oi-
tocentista e da renovação da língua literária que a partir do romantismo se 
vai processando – refiro-me a Garrett e a Eça – colocam a defesa do idioma 
em relação direta com a questão da contaminação linguística, equacionada 
enquanto aspeto saliente da sua vitalidade. Contra o policiamento de uma 
língua entrincheirada numa rígida vernaculidade, Garrett (2010: 383) critica 
os “ilustres puritanos que […] têm conseguido levar a língua à decrepitude 
para a curar de suas enfermidades francesas”; e Eça, tantas vezes acoimado 
de afrancesado, confia a Fradique Mendes a tarefa de elaborar um devasta-
dor retrato satírico do purista, ao mesmo tempo que aponta nos seus críticos 
marcas do mesmo estrangeiramento linguístico de que o acusavam (Cf. 
Queirós, 1929: 41 e ss.; s.d., 403-406). Como quem diz: defender o idioma 
não é fechá-lo sobre si mesmo; defender o idioma é aceitar a sua interativa 
coexistência com outras línguas de cultura e com os influxos que essa coexis-
tência inspira; e defender o idioma é também entender a sua constante evo-
lução, sem prejuízo da legítima função reguladora desempenhada por ins-
trumentos e por agentes que são responsáveis, em última instância, pela 
manutenção do rosto identificador da língua e pela sua condição de veículo 
de expressão dos afetos e de representação das coisas e das ideias. 
É também essa função reguladora, enquanto garante da capacidade de 
modelização do mundo e de comunicação interpessoal que são próprias da 
língua, que o sistema de ensino procura (ou deve procurar) assegurar. Mas 
não só ela. O sistema de ensino só contribuirá ativamente para a defesa da 
língua (e também para a sua consolidação como língua de defesa, no sentido 
que já aqui aflorei) se contemplar quatro eixos de atuação, que são também 
quatro facetas da existência social do idioma, eixos que não podem, eviden-
temente, ser equacionados de forma isolada. 
 
3 Um título emblemático e, na época, controverso: Método Castilho para o ensino rápido e aprazí-
vel do ler impresso, manuscrito, e numeração e do escrever (Castilho, 1859). Sobre Castilho e a sua 
relevância como doutrinador, veja-se Venâncio (1998). 
 
 
A defesa da língua ou a língua como defesa 
 
 
19 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
Em primeiro lugar, o eixo da experiência humana, onde se situa a tensão 
entre a individualidade e a comunidade, com os correspondentes procedi-
mentos de integração; a correlação do sujeito linguístico com uma identidade 
nacional configurada em várias instâncias e em múltiplos discursos insere-se 
neste eixo de atuação, o mesmo acontecendo com a relação que ele estabele-
ce com variações socioletais, dialetais ou nacionais (p. ex., o português do 
Brasil), bem como com minorias linguísticas. Em segundo lugar, o eixo da 
comunicaçãolinguística, dominado pela interação do sujeito linguístico com 
os outros, seja pela prática da oralidade, seja pela prática da escrita; os pro-
cessos de ajustamento dos atos comunicativos a contextos específicos e a 
ponderação dos fins que esses atos têm em vista são aspetos particulares 
daquela interação. Em terceiro lugar, o eixo do conhecimento linguístico, de 
um modo geral centrado na progressiva capacidade de descrição sistémica da 
língua e na sua utilização proficiente e continuada; é aqui que se encontra o 
domínio de regras gramaticais que conferem ao sujeito linguístico um índice 
elevado de consciência do funcionamento da língua, em direta conexão com 
a observação do erro como derrogação da norma. Em quarto lugar, o eixo do 
conhecimento translinguístico, remetendo para a relação da língua com a 
aquisição de outros saberes a que ela dá acesso e que por seu intermédio são 
representados; nesse sentido, a aprendizagem da língua conduz à estrutura-
ção de um pensamento próprio por parte do sujeito linguístico e à configura-
ção de todo o conhecimento em geral, incluindo o acesso a práticas e a bens 
culturais que pelo idioma e no idioma se afirmam e sedimentam. 
Uma estratégia de defesa da língua envolve necessariamente o empe-
nhamento de um sistema de ensino e de um desenho curricular que atente, 
pelo menos, naqueles quatro vetores, considerados de forma articulada. Mas 
ela requer também a ponderação de outros planos de intervenção que defi-
nem quem e como nessa estratégia está implicado. Um desses planos (aquele 
que agora desejo contemplar) é o que se refere à dimensão comunitária da 
língua, uma dimensão que, no caso do português, se decide em dois níveis: 
no nível da nação individualizada, entendida como comunidade política e 
social servida pela língua, na condição de idioma oficial ou apenas veicular, 
em todo o caso interferindo diretamente em procedimentos de autognose e 
de identificação coletiva às vezes controversos e mesmo traumáticos; deste 
ponto de vista, um falante de português numa cidade de Portugal vive a lín-
gua oficial e de escolarização e reconhece-se nela, em termos inevitavelmente 
distintos de um angolano ou de um moçambicano para quem o português, 
sendo embora língua oficial do Estado, é também língua veicular em cenários 
dialetais muito diversificados. Num segundo nível, o português é idioma 
coletivo de uma comunidade de países, alargando-se os movimentos de iden-
tificação que na língua se resolvem ao amplo universo da chama lusofonia; 
 
 
Carlos Reis 
 
 
 
Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
20 
 
nesse universo, o que está em causa é não só o conhecimento do outro em 
português, mas também o reconhecimento do português do outro. 
 
6. 
 
Sou, deste modo, conduzido a reflexões quase finais que convocam a questão 
do poder da língua, em conjugação com a da internacionalização do portu-
guês e com o problemático conceito de lusofonia, um conceito cuja pertinên-
cia operativa e cuja agudeza heurística devem ser submetidas a uma indaga-
ção desapaixonada. Sendo assim e tendo em atenção a questão da interna-
cionalização, bem como a correlata questão do poder da língua, formulo 
desde já três asserções. Primeira asserção: a língua portuguesa constitui um 
instrumento de afirmação estratégica que transcende a estrita dimensão da 
esfera linguística. Segunda: a projeção internacional da língua portuguesa 
não corresponde, neste momento, à dimensão do seu universo de falantes. 
Terceira: uma política de língua exige esforços de diversos protagonistas em 
Portugal, bem como a intervenção de outros países, no quadro da Comuni-
dade dos Países de Língua Portuguesa. 
A noção de internacionalização da língua portuguesa reporta-se aqui a um 
processo político de afirmação, de consolidação e de diversificação funcional 
da língua na cena internacional, em confronto e disputa, não o esqueçamos, 
com outras línguas. Utilizado em países estrangeiros e não lusófonos, o portu-
guês não deve encerrar-se em funções convencionalmente culturais e académi-
cas, estendendo-se às utilizações que garantem o prestígio de uma grande 
língua de cultura: ciência, Internet, tradução e interpretação, negócios, etc. Um 
tal processo convoca, para além dos agentes políticos que o Estado define para 
esse efeito, muitos outros atores e entidades e exige um trabalho persistente e 
com ponderação estratégica; nele intervêm iniciativas e instrumentos muito 
distintos, indo do ensino da língua à formação de professores, da diplomacia às 
intervenções em comunidades portuguesas e de luso-descendentes, das atua-
ções em áreas geolinguísticas de crescimento da língua portuguesa às que 
visam áreas geolinguísticas onde o nosso idioma está em regressão. 
Em meu entender, a noção de internacionalização da língua portuguesa 
implica ainda a ínsita articulação da língua e da cultura, sendo esta última 
entendida como instância de afirmação de valores, de imagens e de sentidos 
de identificação nacional. É nessa instância que se modela uma herança 
histórica plasmada em diversos campos com multissecular vitalidade (litera-
tura, teatro, pensamento, música, etc.); mas é também nela que se inscreve 
um vasto leque de práticas e agentes do nosso tempo (desporto e desportis-
tas, agentes económicos, comunicação social, moda, design, artes plásticas, 
arquitetura, cinema, etc.), umas e outros portadores de uma imagem de 
dinâmica modernidade que deve ser valorizada. 
 
 
A defesa da língua ou a língua como defesa 
 
 
21 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
Ao que fica dito acrescento que já por várias vezes tive oportunidade de 
me referir ao destino internacional do português como grande idioma de 
cultura, através da seguinte expressão: o poder da língua, particularmente 
no quadro alargado da sua dimensão plurinacional e pluricontinental, só 
será efetivo quando o português conseguir ser uma língua de poder. Digo 
isto a pensar, por exemplo, no que é a (e no que faz a) hegemonia global e 
planetária do inglês; e assim, é bem sabido que o esmagador poder linguísti-
co do inglês é sobretudo um efeito de outros poderes que impulsionam e 
ampliam aquele poder linguístico: o poder político, o poder económico, o 
poder tecnológico, o poder cultural, etc. Numa palavra: o poder. 
A este propósito, ainda há não muito tempo pude ouvir uma reflexão so-
bre a língua portuguesa, a sua afirmação internacional, os caminhos que ela 
deve seguir e os aliados que há de atrair, em particular no conjunto de países 
que se acham religados pelo comum e estratégico desígnio de uma tal afir-
mação internacional. Refiro-me a palavras proferidas pelo Prof. Adriano 
Moreira, num colóquio que teve lugar em Santiago de Compostela*, palavras 
próximas daquela minha expressão: o poder da língua depende também 
daquilo que a língua do poder quiser (e puder) fazer. 
Sem essa instância – que é a da consciência política e também a das deci-
sões que a acompanham –, torna-se difícil que o português alguma vez 
transcenda as fronteiras diáfanas do espaço de desejo em que a política de 
língua tantas vezes tem estado confinada. Ou seja, o cenário em que escuta-
mos bem ponderadas e não raro elegantes declarações de intenções que, 
todavia, carecem de medidas concretas, com alcance estratégico e com arti-
culação inter-pares. Digo inter-pares porque é assim mesmo que os países 
africanos de língua oficial portuguesa, o Brasil e Timor-Leste devem ser 
encarados por Portugal. Que é como quem diz, o espaço da chamada lusofo-
nia, termo que utilizo com alguma reserva. 
Afirmo-o de forma clara: o termo e o conceito de lusofonia juntam à co-
modidade de uma designação englobante os riscos de uma valoração “con-
taminada” por uma espécie de excesso semântico de ressonância portuguesa. 
O timbre conotativo da palavra (associável a Luso, a Lusitânia, a lusíada e 
mesmo a Os Lusíadas) fala por si e permite aludir, como fez Eduardo Lou-renço, a uma “ressaca imperial” que a nossa História recente explicaria (Cf. 
Lourenço, 1983: 15-22). 
 
* Nota da direção do Boletim: O Prof. Carlos Reis talvez se refira à intervenção no I Seminário de 
Lexicologia, que a Academia Galega da Língua Portuguesa realizou em Compostela no dia 5 de 
outubro de 2009. Pode ver-se no vol. 3 do Boletim da AGLP, pp. 236-238, as opiniões expressadas 
pelo Prof. Adriano Moreira na entrevista que lhe foi feita naquela ocasião. 
 
 
Carlos Reis 
 
 
 
Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
22 
 
Significa isto que a demarcação de um universo designado como da luso-
fonia comporta, por força de uma tal designação, limites operativos relacio-
nados com os preconceitos insinuados naquele vocábulo; daqui ao reconhe-
cimento de crispações ainda em aberto vai um curto passo, conduzindo a 
uma dialética pluralidade/singularidade (ou seja: uma comunidade plural 
feita de países singulares) que remete para a questão da identidade. Não a da 
lusofonia, mas a dos seus diferentes componentes, cada um por si e cada um 
deles reivindicando uma identidade que sempre será inegociável e afirmada 
sob o signo de sedutoras práticas culturais e literárias. Por estas e também 
por práticas linguísticas em deriva rumo a uma diferença que para alguns 
prenuncia mesmo a fragmentação, a prazo, do amplo e já diversificado uni-
verso pluricontinetal da língua portuguesa. 
É pensando nisso mesmo – ou seja: na irremediável tensão instalada por 
aquela dialética pluralidade/singularidade – que evoco, para terminar, os 
testemunhos complementares de um ensaísta e de um escritor. Diz Eduardo 
Lourenço (1995: 1-2): “O imaginário lusófono tornou-se, definitivamente, o 
imaginário da pluralidade e da diferença e é através desta evidência que nos 
cabe, ou nos cumpre, descobrir a comunidade e a confraternidade inerentes 
a um espaço cultural fragmentado, cuja unidade utópica, no sentido de parti-
lha em comum, só pode existir pelo conhecimento cada vez mais sério e 
profundo, assumido como tal, dessa pluralidade e dessa diferença”. E Mia 
Couto, falando do impulso de diferença que o universo da lusofonia atual-
mente vive, pôde fazer algumas “perguntas à língua portuguesa”, notando 
antes: “Uns nos acalentam: que nós estamos a sustentar maiores territórios 
da lusofonia. Nós estamos simplesmente ocupados a sermos. Outros nos 
acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de 
técnica.” Nem uma coisa nem outra: trata-se de ir “ajeitando o pé a um novo 
chão. […] Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e 
linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir 
um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão 
o ovo das galinhas de ouro?” (Couto, 2008). 
 
Referências 
 
Camões, L. de (1972). Os Lusíadas. Leitura, prefácio e notas de Álvaro Júlio da Costa Pimpão. 
Lisboa: Instituto de Alta Cultura. 
Castilho, António Feliciano de (1859). Método Castilho para o ensino rápido e aprazível do ler 
impresso, manuscrito, e numeração e do escrever. 2ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional. 
Couto, Mia (2008). “Mia Couto: perguntas à língua portuguesa”, em O português não ta cansado, 
<http://tacansado.wordpress.com/2008/10/31/mia-couto-perguntas-a-lingua-portuguesa/>. 
Ferreira, António ( 1598). Poemas Lusitanos. (…). Lisboa: por Pedro Crasbeeck (…). 
Garrett, A. (2010). Viagens na Minha Terra. Edição de Ofélia Paiva Monteiro. Lisboa: Imprensa 
Nacional-Casa da Moeda. 
 
 
A defesa da língua ou a língua como defesa 
 
 
23 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
Lourenço, E. (1995). Errância e Busca num Imaginário Lusófono, separ. de Gilda Santos et alii 
eds., Cleonice. Clara em sua Geração. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 
Lourenço, Eduardo (1983). Crise de identidade ou ressaca „imperial"?”, Prelo, 8, pp. 15-22. 
Oliveira, Fernão de (2000). Gramática da Linguagem Portuguesa (1536). Edição de Amadeu 
Torres e Carlos Assunção. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa. 
Pessoa, Fernando (2001). Livro do desassossego composto por Bernardo Soares, ajudante de 
guarda-livros na cidade de Lisboa. Edição: Richard Zenith. Lisboa: Assírio & Alvim. 
Queirós, Eça de (1929). Carta a E…, Cartas Inéditas de Fradique Mendes e mais Páginas Esqueci-
das. Porto: Liv. Chardron de Lello & Irmão, pp. 41 e ss. e Notas Contemporâneas. Lisboa: Livros 
do Brasil, s.d., pp. 403-406 (carta a Fialho de Almeida). 
Queirós, Eça de (2009). Cartas Públicas. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 
Queirós, Eça de (s.d.). A Correspondência de Fradique Mendes. Lisboa: Livros do Brasil. 
Santos, Maria Helena Pessoa (2010). Ideias Linguísticas Portuguesas na Centúria de Oitocentos. 
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a Ciência e Tecnologia. 
Silva, Vítor Aguiar e (2010). As Humanidades, os Estudos Culturais, o Ensino da Literatura e a 
Política da Língua Portuguesa. Coimbra: Almedina. 
Venâncio, Fernando (1998). Estilo e Preconceito. A Língua Literária em Portugal na Época de 
Castilho. Lisboa: Ed. Cosmos. 
 
CARLOS REIS 
 
Carlos Reis é um dos professores mais reconhecidos em Portugal e um firme defensor do 
Acordo Ortográfico. Grande amigo da Galiza, já em 1983 apoiou a proposta de integração 
do nosso País na Lusofonia, quando apresentada por uma delegação galega no contexto 
do I Congresso da Língua Portuguesa. Foi reitor da Universidade Aberta (da qual foi 
fundador) e Catedrático da Universidade de Coimbra, no seu amplo currículo pode-se 
salientar que dirigiu a Biblioteca Nacional de Lisboa e o Instituto de Estudos Espanhóis 
de Coimbra, e presidiu a Associação Internacional de Lusitanistas. Grande estudioso do 
Eça de Queirós, tem coordenado a edição crítica da obra queirosana na sequência do 
saudoso Professor galego Guerra da Cal. 
 
 
 
4(2011): 25-33 
 
 
 
 
25 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
 
 
O repto dos 
vocabulários ortográficos 
 
O Dicionário de Espanhol-Português 
como ferramenta para a codificação 
do português da Galiza*
 
 
 
Álvaro Iriarte Sanromán 
 
 
 
Resumo 
 
 Falar não é um ato puramente criativo (ou é menos criativo do que imaginamos), no sentido 
de que cada vez que utilizamos a linguagem combinamos livremente (utilizando as regras do 
sistema) e de maneira inovadora os signos, as unidades, as palavras de que dispomos. Re-
produzimos de uma maneira muito mais frequente do que parece conjuntos de palavras ou 
estruturas lexicais pré-fabricadas, fazendo, pois, um uso limitado das possibilidades combi-
natórias da língua teoricamente ilimitadas, poderíamos pensar. Em casos de línguas afins 
como o espanhol e o português, com um vocabulário muito semelhante, e até com regras 
gramaticais também muito próximas, a diferença entre ambas está, muitas vezes, na combi-
natória lexical e no uso pragmático-contextual que se faz deste vocabulário “quase” comum. 
 
Palavras-chave 
 
 Vocabulário, combinatória lexical, espanhol-português, codificação, português da Galiza. 
 
Abstract 
 
 Speaking is not a purely creative act (or it is less creative than we imagine), in the sense that 
every time we use language we freely and innovatively combine (using the rules of the sys-
tem) the signs, the units, the words at our disposal. We reproduce, more often than it seems, 
sets of words or prefabricated lexical structures, therefore making limited use of the combi-
natory possibilities of language, theoretically unlimited as we might think. In the case of 
languages with such affinity as Spanish and Portuguese, with very similar vocabulary, and 
even with very close grammatical rules, the difference between them is quite often in the 
lexical combination and pragmatic contextual use made of this “almost common” vocabulary. 
Key words 
 
 Vocabulary, lexical combination, Spanish, Portuguese, codification, Portuguese ofGaliza. 
 
* Comunicação apresentada ao Seminário de Lexicologia da AGLP, Compostela, 5 de outubro de 
2009 Fundação Caixa Galicia. Rua do Vilar, 17 – Santiago de Compostela. 
 
 
Álvaro Iriarte Sanromán 
 
 
 
Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
26 
 
Ao João Malaca Casteleiro, Lexicógrafo 
 
Os dicionários de língua, em geral, e particularmente os dicionários bilin-
gues, os dicionários de sinónimos e de antónimos, os dicionários terminológicos 
(especialmente os plurilingues) e os dicionários ideológicos tradicionais apresen-
tam uma visão redutora dos significados das palavras que recolhem ao não to-
mar em conta, na descrição das aceções das mesmas, as relações sintagmáticas 
que umas palavras estabelecem com outras para atualizar os diferentes sentidos. 
Com efeito, muito frequentemente, os dicionários apresentam como aceção 
de uma palavra o que, em rigor, é o significado dessa palavra combinada com 
outras palavras (“ter bom ouvido”, como aceção de ouvido, por exemplo). Tais 
aceções são, de facto, combinações lexicais que deveriam ser registadas, em 
forma de subentradas, na parte sintagmática ou combinatória do dicionário. 
Estas combinações pluriverbais deverão ser recolhidas (por ordem alfa-
bética) no fim do artigo lexicográfico, porque nem sempre é possível associar 
uma expressão pluriverbal a uma determinada aceção do lema. Isto é eviden-
te no caso das expressões idiomáticas: sob que aceção de deitar, foguete ou 
festa recolhemos a expressão “deitar foguetes antes da festa” (= regozijar-se 
prematuramente)? 
Insisto: a prática de associar combinações lexicais a uma determinada 
aceção assenta muitas vezes no facto de o dicionário atribuir um determina-
do sentido a uma aceção de uma palavra que, em rigor, é o sentido dessa 
palavra combinada com outra ou outras palavras. 
Analisemos o caso que acabei de referir, em que se considera como sendo 
uma aceção da palavra ouvido (Calderón Campos, 1994: 58) o que, num 
contexto real, se exprime em combinações como “ter bom ouvido” ou “ter 
mau ouvido”, nos seguintes dicionários portugueses (Porto Editora, Auré-
lio e Caldas Aulete): 
ouvido, s. m. audição; aparelho de audição; acto ou efeito de ouvir; 
facilidade em fixar de memória peças musicais, ou em distinguir faltas de 
afinação; … (Porto Editora). 
ouvido, [Part. de ouvir] S. m. 1. […] 2. […]. 3. Aptidão para captar com 
relativa precisão sons musicais ou não, e de reproduzir aqueles sem o auxílio 
de partitura: ter bom ouvido. … 4. […] • […] Ter bom ouvido. Ter fácil 
percepção de sons, especialmente musicais. (Aurélio). 
ouvido, s. m. um dos cinco sentidos […]. || […] Ter bom ouvido, ter boa 
disposição do órgão do ouvido para perceber os sons, e especialmente os 
musicais. […]. (Caldas Aulete). 
 
No Porto Editora considera-se como sendo uma aceção da palavra “ouvido” 
o que, num contexto real é exprimido pela locução “ter bom ouvido”. 
 
 
O repto dos vocabulários ortográficos 
 
 
27 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
No caso do Aurélio regista-se uma contradição, pois o mesmo significado 
('aptidão para captar com relativa precisão sons musicais') é atribuído tanto à 
palavra “ouvido” como à expressão “ter bom ouvido”, que aparece como locução 
no fim do artigo. O mesmo acontece no Dicionário da Academia e no Houaiss. 
Não é este o caso do Caldas Aulete, que regista este valor unicamente 
como locução. Como já indicava Rodrigues Lapa (Lapa, 19841), é um 
excelente dicionário quanto ao tratamento da combinatória lexical. 
Os dicionários, ao excluir as possibilidades combinatórias das palavras, 
estão, implicitamente, a pressupor a existência de um paralelismo na 
organização léxico-semântica e sintática das duas línguas. Isto, como 
adiantávamos, apesar do princípio de arbitrariedade do signo linguístico 
estabelecido por Saussure no seu Curso de Linguística Geral. Com efeito, 
Saussure (1992) entende este carácter arbitrário do signo não só como 
oposto à motivação onomatopéica, no sentido óbvio de que não há uma 
relação direta entre o significante e o significado (Saussure, 1992: 126-127) 
[todos se lembram dos famosos exemplos de equus/cavalo/horse, etc.], mas 
também, e muito mais importante, esta conceção de arbitrariedade leva 
Saussure a contestar a ideia de língua como uma nomenclatura em que as 
unidades se justapõem, e a concebê-la antes como uma estrutura em que se 
estabelecem relações: 
 
A primeira coisa que se destaca nesta organização são as solidariedades 
sintagmáticas: quase todas as unidades da língua dependem quer do que as 
enquadra na cadeia falada, quer das partes sucessivas de que elas se compõem. 
(Saussure, 1992: 214). 
 
Será esta arbitrariedade a que levará a combinar em português e em 
espanhol: 
 
português espanhol
lâmpada fosca bombilla mate 
fotografia mate fotografia mate 
 
português espanhol
prótese dentária prótesis dental 
fio dental hilo (seda) dental 
 
 
1 «É precisamente neste capítulo da fraseologia, muito importante, que os dicionários correntes deixam 
mais a desejar. O mais celebrado de entre eles e o mais moderno dos grandes dicionários, o de Cândido de 
Figueiredo, é muito pobre em grupos fraseológicos, o que constitui um grave defeito, porque é nessas 
locuções que se imprime o chamado génio da língua. Como repositório de fraseologia, nada há que possa 
substituir entre nós o Dicionário Contemporâneo de Caldas Aulete.» (Lapa, 1984: 83). 
 
 
Álvaro Iriarte Sanromán 
 
 
 
Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
28 
 
É esse “paralelismo” na organização léxico-semântica e sintática que, na 
Galiza, encontramos em tantos decalques do castelhano. Estamos aqui 
perante uma conceção das línguas como nomenclaturas em que as palavras 
são etiquetas que se aplicam às coisas previamente existentes. 
É a língua concebida apenas como um conjunto de etiquetas (palavras) 
que se combinam por meio de regras gramaticais: 
� + � / � + � 
 � � � � 
�' + �' / �' + �' 
Vejamos alguns desses decalques do castelhano: 
 
el alto el fuego 
� � � � 
o alto o fogo (o cessar-fogo) 
celebrar una reunión 
� � � 
 celebrar uma reunião 
 (realizar/efetuar uma reunião) 
 
entablar una conversación 
entabuar uma conversa 
(encetar uma conversa) 
espantapájaros 
espanta-pássaros2 (espantalho) 
 
 
fecha de caducidad 
data de caducidade 
(prazo de validade) 
 
 
hacer la puñeta 
fazer a punheta (encher a cabeça) 
 
 
2 A questão das unidades pluriverbais pouco tem a ver com a tradição ortográfica —cf., por 
exemplo, primeiro ministro (Vilela, s.v. salário) vs. primeiro-ministro (Vilela, s.v. reunir), 
caminho-de-ferro (Porto Editora) vs. caminho de ferro (Cândido) vs. estrada de ferro (Porto 
Editora e Aurélio), co-opositor vs. coocupante (Aurélio) vs. co-ocupante (Porto Editora); etc. De 
facto, a prática de grafar com hífen algumas formas compostas não passa de uma convenção 
puramente gráfica que parece não visar senão uma solução para o problema da lematização destes 
compostos (um caso evidente é a entrada bilhete-de-identidade, no Dicionário da Academia). 
Sobre o assunto, vd. Mathieu-Colas (1994), Catach (1981), Herculano de Carvalho (1979: 506-507, 
nota 9). À partida, a minha posição sobre o uso do hífen nos compostos resume-se a isto: 
 
� tendencialmente aglutinados….......................................................... tendencialmente disjuntos � 
prefix. e c. morfológicos -------------- compostos morfossintáticos ------------- compostos sintáticos* 
(contraindicação, extraescolar) (camião cisterna, amarelo canário) (primeiro ministro, castanho claro) 
 
*(salvo com adv. e prep.)Evitando, sempre que possível, o uso do hífen. Mas, lamentavelmente, o AO afasta-nos claramente 
de uma proposta como esta. 
 
 
 
O repto dos vocabulários ortográficos 
 
 
29 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
hacer la vista gorda 
fazer a vista gorda 
(fazer vista grossa) 
 
hacer tiempo que... 
fazer tempo que 
(haver tempo que) 
fallo del juez 
falho do juiz 
(sentença do juiz) 
 
ingresar dinero 
ingressar dinheiro 
(depositar dinheiro) 
 
intereses bancarios 
interesses bancários 
(juros bancários) 
 
levantar la sesión 
levantar a sessão 
(encerrar a sessão) 
en la cuerda floja 
na corda frouxa 
(na corda bamba) 
 
el abajo firmante 
o abaixo assinante 
(o abaixo assinado) 
ostentar el cargo 
ostentar o cargo 
(ocupar um cargo) 
 
pagar dietas 
pagar dietas 
(pagar ajudas de custo) 
 
Qualquer dicionário bilingue, e de maneira especial o dicionário de 
espanhol-português não poderá limitar-se a fornecer apenas uma simples 
listagem das palavras existentes numa língua e o seu eventual equivalente na 
outra (ficando assim reduzidas as diferenças entre uma e outra língua apenas 
a questões de tipo gráfico ou pouco mais): 
 
alto = alto ingresar = ingressar 
fuego = fogo dinero = dinheiro 
celebrar = celebrar interés = interesse 
reunión = reunião bancario = bancário 
entablar = entabuar levantar = levantar 
conversación = conversação sesión = sessão 
espantar = espantar cuerda = corda 
pájaro = pássaro floja = frouxa 
fecha = data abajo = abaixo 
caducidad = caducidade firmante = assinante 
hacer = fazer ostentar = ostentar 
puñeta = punheta cargo = cargo 
vista = vista pagar = pagar 
gordo = gordo dietas = dietas 
tiempo = tempo venta = venda 
fallo = falho detalhe = detalhe 
juez = juiz menor = menor 
 
 
 
Álvaro Iriarte Sanromán 
 
 
 
Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
30 
 
O problema coloca-se de maneira especial ao situarmo-nos na direção de 
síntese, codificação ou produção textual, atendendo a que os possibilidades 
combinatórias (usos léxico-sintático-semânticos) e os usos pragmáticos 
variam de língua para língua. Não é especialmente difícil descobrir que o 
sintagma português encerrar a sessão quer dizer em espanhol levantar la 
sesión. Da mesma maneira, ao procurarmos o significado do adjetivo bambo, 
que ocorre colocação3 , ou combinação, corda bamba, descobriremos 
facilmente que se trata do sintagma espanhol cuerda floja. Mas o que é que 
acontece quando um utilizador do dicionário espanhol-português quer 
produzir um texto em português e desconhece estas construções? A maior 
parte dos atuais dicionários pouco ou nada ajudarão. E não porque não 
forneçam informação sobre essa aceção concreta do lema bambo, mas 
porque normalmente essa informação é recolhida no artigo lexicográfico 
bambo, justamente o termo que o utilizador desconhece. Quer dizer, o 
utilizador desconhece qual é a palavra que se combina com corda para dizer 
em português “en la cuerda floja”. 
Não há regras na gramática do português que impeçam a construção de 
sintagmas como os decalques apresentados. É impossível estabelecer regras de 
comportamento sintático gerais para todos os frasemas ou para todas as 
colocações justamente porque estamos perante fenómenos que não são 
regulares. Estamos, pois, perante casos evidentes de combinatória léxica 
restrita. Do ponto de vista semântico e sintático, nada impediria construir um 
sintagma como “*na corda frouxa”, “#data de caducidade”4 ou “*ingressar 
dinheiro”, mas o uso consagrou as combinações na corda bamba, prazo de 
validade e depositar dinheiro. Aliás, incorporei propositadamente o exemplo 
“data de validade” por se tratar de uma combinação livre perfeitamente 
gramatical em português e usada noutros contextos. 
 
3 O termo e o conceito de "colocação" é utilizado, a partir de meados de século, por diferentes 
correntes teóricas linguísticas assim como pela metalexicografia com dois sentidos diferentes: a) 
combinações frequentes, prováveis o usuais de palavras (nomeadamente substantivo + adjetivo e 
verbo + substantivo) e b) combinações de palavras aparentemente livres, geradas a partir das regras 
da língua, mas onde atua qualquer tipo de restrição lexical determinadas pela norma. Utilizamos aqui 
o termo e o conceito colocação tal como se entende na Teoria Sentido -Texto: numa colocação AB, 
pensemos por exemplo em ódio mortal, um dos seus elementos constituintes, A (ódio), é selecionado 
pelo falante por causa do seu significado, que é conservado intacto; mas o segundo elemento 
constituinte, B (mortal), não é selecionado livremente pelo falante, e significa ‘C’ (‘intenso’), diferente 
de ‘B’ (‘que causa ou pode causar a morte’). Fora da colocação AB, B (mortal) não não seria usado para 
exprimir ‘C’ (‘intenso’) (vd. Mel’cuk (1992) e Alonso Ramos (1993). 
4 Com o cardinal (#) queremos indicar impropriedade pragmática. Outros exemplos de impropriedade 
pragmática: #A fruta está cheia de pisaduras (cf. La fruta está llena de magulladuras); #Cheio (verbo) [o 
depósito, numa bomba de gasolina] (Lleno (adjetivo); #Productos lácteos (por lacticínios); #Industrias 
lácteas (por Indústrias de lacticínios); #leite desnatado (por leite magro) 
 
 
O repto dos vocabulários ortográficos 
 
 
31 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
Um bom tratamento lexicográfico destas palavras passa pela recolha das dife 
rentes possibilidades combinatórias de um vocábulo, ou, em palavras de um 
teórico da lexicografia, «las combinaciones específicas, relevantes, cotidianas que 
regularmente son empleadas para enunciar los acontecimientos típicos alrededor 
del vocábulo» (Irsula, 1992: 166). 
Assim, no caso da listagem anterior, o dicionário bilingue de espanhol-
português deverá recolher, para além dos lexemas de (a), entre outras, as 
seguintes combinações: 
 
el alto el fuego o cessar-fogo 
celebrar una reunión realizar, efetuar, uma reunião 
entablar una conversación encetar uma conversa 
fecha de caducidad data de caducidade, prazo de validade 
hacer la puñeta encher a cabeça 
hacer la vista gorda fazer vista grossa 
hacer tiempo que... haver tempo que... 
fallo del juez sentença do juiz 
ingresar dinero depositar dinheiro 
intereses bancarios encerrar a sessão 
levantar la sesión juros bancários 
en la cuerda floja na corda bamba 
el abajo firmante o abaixo assinado 
ostentar el cargo ocupar um cargo 
pagar dietas pagar ajudas de custo 
venta al detalhe, venta al por menor venda a retalho, venda por miúdo 
 
Conclusão 
 
A unidade lexicográfica virá determinada tanto co-textualmente (quer dizer, 
pelo contexto linguístico) como pragmática e contextualmente. O sentido de 
uma palavra ou grupo de palavras poderá ser aclarado ou delimitado pelo 
universo do discurso ou marco de referência, pelo contexto ou pelas restantes 
unidades léxicas que, juntamente com o ela, conformam o sintagma. 
Em casos de línguas tão afins como o espanhol e o português, com um 
vocabulário muito semelhante, e até com regras gramaticais também muito 
próximas, a diferença entre ambas está justamente na combinatória léxica e 
no uso pragmático-contextual que se faz deste vocabulário “quase” comum. 
A informação sobre combinatória lexical é uma mais-valia importante em 
qualquer dicionário. Apresentaremos a seguir dois gráfico que, de alguma 
maneira, tentam quantificar o tratamento que alguns dicionários 
(monolingues e bilingues espanhol-português) dão à importante questão da 
combinatória lexical e que se pode resumir dizendo que o valor (aceção) da 
palavra vem dado também pela combinação da mesma com outras palavras. 
 
 
 
Álvaro Iriarte Sanromán 
 
 
 
Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
32 
 
 
Porto Editora 90 Sopena 90 Arco/Livros 03 Everest 05 Porto Editora 08 
 
Gráfico 1. Dicionários bilingues espanhol-português:combinatória lexical. 
 
 
891
241
57
551
346
117
374
733
381
107
78
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
Aca
de
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S
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al
 
Gráfico 2. Dicionários monolingues: sub-entradas. 
 
Como podemos observar, no gráfico destaca-se um dicionário, o Dicioná-
rio da Academia, um dos melhores dicionários portugueses no que se refere à 
combinatória lexical, fraseologia, exemplos e abonações. Isto, apesar de al-
guém ter dito no seu dia que merecia ir directamente para o caixote do lixo. 
O Dicionário da Academia é uma excelente ferramenta para a codifica-
ção em português. Para ler os clássicos, temos outras. 
 
 
O repto dos vocabulários ortográficos 
 
 
33 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
Referências 
 
Dicionários 
 
Casteleiro, J. Malaca (coord.) (2001) Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Aca-
demia das Ciências de Lisboa. [aqui: Academia]. 
Costa J. Almeida e A. Melo, A. Sampaio e (1998) Dicionário da Língua Portuguesa da Porto 
Editora. 8ª edição, revista e atualizada pelo Departamento de Dicionários da Porto Editora. Porto: 
Porto Editora. [aqui: Porto Editora]. 
Ferreira, A. Buarque de Holanda (1986): Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição, 
revista e aumentada, 20ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. [aqui: Aurélio]. 
Aulete, F. J. Caldas (1987): Dicionário da Língua Portuguesa Caldas Aulete. 5ª edição brasileira, 
revista, atualizada e aumentada por Hamílcar de Garcia e Antenor Nascentes. Rio de Janeiro: 
Editora Delta. [aqui: Caldas Aulete]. 
Vilela, M. (1991) Dicionário do Português Básico. Porto: Edições Asa. [aqui: Vilela]. 
 
Bibliografia geral 
 
Alonso Ramos, M. (1993) Las Funciones Léxicas en el modelo lexicográfico de I. Mel’�uk (tese de 
doutoramento). Madrid: UNED. 
Calderón Campos, M, (1994) Sobre la elaboración de diccionarios monolingües de producción. 
Las definiciones, los ejemplos y las colocaciones léxicas. Granada: Universidad de Granada. 
Carvalho, J. Herculano de (1979) Teoria da Linguagem. Natureza do Fenómeno Linguístico e a 
Análise das Línguas. Vols. 1 e 2. Coimbra: Atlântida. 
Catach, N. (1981) Orthographie et lexicographie. Les mots composés. Paris: Nathan. 
Irsula, J. (1992) «Colocaciones sustantivo-verbo», em Wotjak (ed.) (1992), 159-167. 
Lapa, M. Rodrigues (1984) Estilística da Língua Portuguesa. Coimbra: Coimbra Editora. 
Mathieu-Colas, M. (1994) Les mots à traits d'union. Problemes de lexicographie informatique. 
Paris: Didier. 
Mel’�uk, I. A. (1992) «Paraphrase et lexique: la Théorie Sens-Texte et le Dictionnaire explicatif et 
combinatoire», em Mel’chuk et al. (1992), 9-58. 
Mel’�uk, I. A., N. Arbatchewsky-Jumarie, L. Iordanskaja & S. Mantha (1992) Dictionnaire explica-
tif et combinatoire du français contemporain. Recherches lexico-sémantiques III, Montréal: Les 
Presses de l'Université de Montreál. 
Saussure, F. de (1992) Curso de Linguística Geral: Lisboa: Dom Quixote [Publicado por Ch. Bally e 
A. Sechehaye em 1916, versão definitiva em 1922]. 
Woyjak, G. (ed.) (1992) Estudios de lexicología y metalexicografía del español actual. Lexicogra-
phica. Series Maior, 47. Tübingen: Max Niemeyer Verlag. 
 
 
ÁLVARO IRIARTE SANROMÁN 
 
É membro da AGLP. Vid. Síntese curricular no Vol. 2 (2008) deste Boletim. 
 
 
 
 
 
 
 
 
4(2011): 35-53 
 
 
 
 
 35 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
 
 
Sinonímia, conceptualização 
e variação social 
(Ou como os sinónimos revelam 
diferenças conceptuais 
e distâncias letais) 
 
 
 
Augusto Soares da Silva 
 
 
 
Resumo 
 
 Este estudo procura evidenciar a natureza flexível da sinonímia e examinar o papel de 
fatores conceptuais e fatores sociais e suas correlações no aparecimento e na competi-
ção de sinónimos. Na perspetiva da Linguística Cognitiva, argumenta-se que a emer-
gência e a competição de sinónimos resultam quer de fatores de saliência conceptual 
quer de fatores de saliência social. Argumentar-se-á também que a competição entre 
sinónimos lança luz sobre a variação e a mudança linguísticas, incluindo processos de 
convergência e divergência entre variedades letais. Depois de revisitarmos a noção de 
sinonímia, ilustraremos estas duas hipóteses com dois estudos de caso. 
 
Palavras-chave 
 
 Linguística Cognitiva, onomasiologia, prototipicidade, semântica lexical, sinonímia. 
 
Abstract 
 
 This study tries to show the flexible nature of synonymy and to examine the role of 
conceptual factors and social factors and their correlation in the emergence and com-
petition of synonyms. In the perspective of Cognitive Linguistics, it is argued that the 
emergence and competition of synonyms result either from factors of conceptual 
relevance or from factors of social relevance. It will also be argued that competition 
between synonyms throws light on linguistic variation and change, including processes 
of convergence and divergence between lectal varieties. After revisiting the idea of 
synonymy we shall illustrate these two hypotheses with two case studies. 
 
Key words 
 
 Cognitive Linguistics, onomasiology, prototypicality, lexical semantics, synonymy. 
 
 
 
 
 
Sinonímia, conceptualização [...] 
 
 
Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
36 
 
 
Ao Prof. Malaca Casteleiro, com afeto 
 
Introdução 
 
O objetivo deste estudo é evidenciar a natureza flexível da sinonímia, em 
conformidade com a própria flexibilidade do significado linguístico, e exami-
nar o papel de fatores conceptuais e de fatores sociais e suas correlações no 
aparecimento e na competição de sinónimos em geral e da sinonímia entre 
variedades linguísticas letais em particular. Na perspetiva da Linguística 
Cognitiva (Geeraerts; Cuyckens, eds. 2007, para a visão de conjunto mais 
completa e autorizada) e, em particular, da teoria do protótipo (Geeraerts, 
1985, 1997; Taylor, 1995) e da semântica lexical cognitiva (Cuyckens, Dirven; 
Taylor, 2003, para uma visão de conjunto), ocupamo-nos da contrapartida 
onomasiológica da polissemia, depois de termos estudado este último fenó-
meno semasiológico igualmente nesta perspetiva (ver Silva, 2006a). 
Argumentaremos sobre duas hipóteses específicas acerca da sinonímia. Por 
um lado, a emergência e a competição de sinónimos resultam quer de fatores de 
saliência conceptual (saliência semasiológica ou prototipicidade e saliência ono-
masiológica) quer de fatores de saliência social (prevalência sociolinguística, 
estilística ou pragmática). Crucialmente, a prototipicidade dos conceitos pode 
diferenciar conceptualmente sinónimos e pode também dar origem a sinónimos 
entre variedades letais. Por outro lado, a competição entre sinónimos lança luz 
sobre a variação e a mudança linguísticas, incluindo processos de convergência e 
divergência entre variedades letais e processos de estandardização. 
Ilustraremos estas duas hipóteses com dois estudos de caso: o desenvol-
vimento diacrónico do verbo deixar e dos seus mais competidores sinónimos 
abandonar e permitir – uma extensão do nosso estudo sobre a semântica do 
verbo deixar (Silva, 1999, 2003) – e o desenvolvimento diacrónico de sinó-
nimos denotacionais do vocabulário do futebol e do vocabulário do vestuário 
no português europeu e no português brasileiro nos últimos 60 anos – uma 
extensão do nosso estudo sobre convergência e divergência lexical entre as 
duas variedades nacionais do português (Silva, 2010a). 
Depois desta introdução, a segunda secção serve para examinar aspetos 
essenciais da noção de sinonímia. Ainda como revisitação, a terceira secção 
trata da distinção entre sinónimos e quase sinónimos. Na quarta secção, 
mostraremos como a prototipicidade pode funcionar como fator diferencia-
dor de sinónimos. Na quinta secção, ocupar-nos-emos da sinonímia letal e 
mostraremos como os sinónimos podemrevelar processos de convergência e 
divergência entre variedades linguísticas nacionais. Finalizaremos o estudo 
com algumas conclusões e implicações. 
 
 
 
Augusto Soares da Silva 
 
 
 
37 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
Revisitando a sinonímia 
 
A sinonímia é tradicionalmente entendida como o fenómeno segundo o qual 
duas ou mais formas linguísticas (tipicamente, dois ou mais itens lexicais) 
exprimem o mesmo significado. É um fenómeno frequente nas línguas e facil-
mente reconhecido, como o comprovam os dicionários de sinónimos e os 
tesauros. Todavia, a afirmação ou a negação de um caso de sinonímia depende 
da própria definição de sinonímia. Se entendermos por sinonímia similaridade 
semântica ou identidade referencial, facilmente encontramos sinónimos em 
qualquer língua. Mas se entendermos por sinonímia, não somente identidade 
referencial, mas também identidade sociolinguística, estilística e contextual, 
isto é, identidade total, então dificilmente encontraremos sinónimos. 
A sinonímia não é apenas um fenómeno lexical, embora a sinonímia lexical 
seja o caso prototípico de equivalência semântica. Entendida como equivalên-
cia semântica, a sinonímia é relevante também noutros domínios para além do 
léxico: na teoria gramatical, como base da alternância de construções; na 
sociolinguística, para a noção de ‘variável sociolinguística’; na tipologia, como 
base da comparação interlinguística; em linguística aplicada, como base da 
equivalência de tradução. Importa, pois, tomar o conceito de sinonímia a partir 
de uma perspetiva mais ampla do que a perspetiva tradicional e entendê-lo 
como equivalência semântica tanto de formas como de funções. 
A perspetiva tradicional da noção de sinonímia em semântica lexical é a do 
modelo estruturalista das relações lexicais, segundo o qual o significado de 
uma unidade linguística se define como o conjunto de relações paradigmáticas 
que essa unidade estabelece com outras unidades do sistema da língua (Lyons, 
1963: 59; 1977). A sinonímia é assim entendida como uma relação de equiva-
lência semântica entre itens lexicais do plano do sistema, sem ter em conta os 
planos referencial, pragmático e contextual. Ora, é necessário substituir esta 
noção tradicional tipicamente estruturalista da sinonímia por uma noção que 
não identifique a equivalência semântica a relações sistémicas de sentido, mas 
tenha em conta os aspetos enciclopédicos, referenciais e contextuais do signifi-
cado, determinantes no estabelecimento de uma relação de equivalência 
semântica e na identificação da sinonímia. Abandonando o modelo das rela-
ções lexicais e, particularmente, as suas assunções de uma estrutura sistémica 
estável de relações de sentido, então a noção de sinonímia torna-se mais flexí-
vel e fluida, em conformidade com a flexibilidade do próprio significado (ver 
Silva, 2006b). É esta a perspetiva da abordagem cognitivo-funcional do signifi-
cado, exemplarmente representada pela Semântica Cognitiva (ver Geeraerts; 
Cuyckens, eds., 2007; Geeraerts, 2010; Silva, 2006a). 
A sinonímia é a contrapartida onomasiológica da polissemia. Isto signifi-
ca que vários dos aspetos típicos do fenómeno da polissemia, tal como tem 
sido estudada em Semântica Cognitiva (ver Silva, 1999; 2006a), podem ser 
 
 
 
 
 
Sinonímia, conceptualização [...] 
 
 
Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
38 
 
extrapolados para o estudo da sinonímia. Assim, o nível referencial tem que 
ser incluído na identificação da sinonímia, ao contrário do modelo estrutura-
lista das relações lexicais. Com efeito, itens semanticamente equivalentes 
podem diferir no seu campo referencial de aplicação, em termos de diferen-
ças contextuais, diferenças sintagmáticas ou até, como veremos adiante, 
diferenças de prototipicidade. Por outro lado, os vários critérios de sinonímia 
(intuitivos, referenciais e distribucionais) podem, tal como os diversos crité-
rios de polissemia (também intuitivos, referenciais e distribucionais) (ver 
Geeraerts, 1993 e Silva, 2006a), não convergir e conduzir a resultados con-
traditórios. Aquilo que é sinonímia intuitivamente e através de métodos 
experimentais pode não o ser referencial e/ou distribucionalmente. Na ver-
dade, o que os falantes pensam que fazem com as palavras não coincide 
necessariamente com o que efetivamente fazem com elas. Um terceiro aspeto 
tem a ver com o facto de que equivalências e diferenciações de sentido que 
são relevantes num contexto podem deixar de o ser noutro contexto. Mais 
especificamente, uma equivalência de sentidos (sinonímia) pode ser estabe-
lecida num nível semântico mais abstrato e deixar de o ser num nível mais 
específico, assim como uma diferenciação de sentidos (polissemia) pode ser 
estabelecida num nível semântico mais específico e deixar de o ser num nível 
mais abstrato. Na verdade, o significado toma a forma de uma ‘rede esque-
mática’ (Langacker, 1987; Tuggy, 2003; Silva, 2006a), em que os sentidos 
podem ser construídos em termos mais esquemáticos e vagos no nível supe-
rior da rede e em termos mais específicos no nível inferior da rede. Tal como 
a polissemia pode operar em diferentes níveis de esquematicidade, sendo 
para isso necessário puxar o significado tanto ‘para cima’ como ‘para baixo’ 
(Silva 2006a, 2010b), também a sinonímia pode funcionar em diferentes 
níveis de esquematicidade e também é necessário para a sua identificação 
puxar o significado tanto ‘para cima’ como ‘para baixo’. 
Segue-se destas observações que a sinonímia é um fenómeno mais flexível 
e contextual do que aparenta na conceção tradicional; que não há um padrão 
para a identificação da sinonímia, mas vários; que existem vários tipos de 
sinonímia, determinados por efeitos contextuais e por níveis gradativos das 
redes esquemáticas de significado; que a identificação da sinonímia deve ter 
sempre em conta o efeito do contexto, a flexibilidade do significado e a correla-
ção entre vários métodos de observação da equivalência semântica. 
Obviamente que há questões em aberto na compreensão da sinonímia. 
Tal como para o fenómeno da polissemia (ver Silva, 2006a), como tratar a 
questão da equivalência de sentidos (correspondente à questão da diferen-
ciação de sentidos na polissemia) e em que nível ou níveis se pode encontrar 
a sinonímia (tal como em que nível ou níveis se pode encontrar a polisse-
mia)? Uma outra questão é saber se a uma diferença de forma corresponde 
 
 
Augusto Soares da Silva 
 
 
 
39 Boletim da Academia Galega da 
Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 
 
 
sempre uma diferença de sentido ou função. Teorias cognitivas e funcionais 
da gramática, como a Gramática Cognitiva (Langacker, 1987, 1991, 2008) e a 
Gramática de Construções (Goldberg, 1995, 2006; Croft, 2001), assumem 
que a uma diferença de forma corresponde necessariamente uma diferença de 
significado, parecendo não reconhecer a sinonímia. No entanto, estas teorias 
gramaticais têm prestado uma atenção muito especial às diferentes perspetiva-
ções conceptuais de uma mesma situação (ver Silva, 2008 a), gramaticalmente 
codificadas em construções alternativas necessariamente em relação a um 
ponto de equivalência semântica. Uma terceira questão é como identificar a 
sinonímia funcional ou sinonímia de construções (diferente da sinonímia lexi-
cal) e como distinguir a sinonímia (mais a construcional do que a lexical, 
porque mais difícil de identificar aquela do que esta) determinada por fato-
res sociais daquela que é determinada por fatores conceptuais1. 
 
Sinónimos e quase sinónimos 
 
Há dois tipos de variação onomasiológica que estão na base de dois tipos de 
sinónimos. De um lado, temos a variação onomasiológica que envolve dife-
renças conceptuais, e a esta variação podem estar ligadas as relações de 
sinonímia, hiponímia ou outras. Neste caso, a sinonímia ocorre nos contextos 
em que conceitos semanticamente muito próximos designam a

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