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Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa n.º 4 / 2011 Diretor António Gil Hernández Subdiretor José-Martinho Montero Santalha Secretário Ângelo Cristóvão Angueira Edição Iolanda Mato Creo e Joám Evans Pim Conselho de Redação Isaac Alonso Estraviz; Ângelo Cristóvão; Joám Evans Pim (Editor); António Gil Hernández (Diretor); Luís Gonçales Blasco; José-Mar- tinho Montero Santalha; Isabel Rei Samar- tim; Rudesindo Soutelo; Concha Rousia. Conselho Científico Celso Álvarez Cáccamo (UdC); Carlos Assunção (UTAD); J. Malaca Casteleiro (ACL); Evanildo Bechara (ABL); Zélia Borges (Mackenzie); Pau- lo Borges (FLUL); Anabela Brito (ULP); Regi- na Brito (Mackenzie); Luís G. Soto (USC); Car- los Garrido (UVigo); Mª Henríquez (UVigo); Álvaro Iriarte (UMinho); Cristina de Mello (UCoimbra); Cilha Módia (UdC); Isabel Moran (USC); José Paz (UVigo); Carlos Reis (UAb); Ricardo Reis (UVA); José L. Rodríguez (USC); Augusto S. da Silva (UCP Braga); Jurjo Torres (UdC); Álvaro Vidal (UNottingham); Xavier Vilhar (USC); Beatriz Weigert (UÉvora). Conselho Asessor Artur Alonso Novelhe; José Manuel Barbosa; Ângelo Brea Hernández; Margarida Castro; Henrique Correia; Chrys Chrystello; Marcos Crespo; Renato Epifânio; Carlos Durão Ro- drigues; Vítor Lourenço Peres; Higino Mar- tins Estevez; Anabela Mimoso; Mário Afon- so Nozeda Ruitinha; Henrique Salles da Oli- veira; Francisco Paradelo Rodríguez; Ramom Reimunde Norenha; Valentim Rodrigues Fa- gim; José R. Rodrigues Fernandez; Cathryn Teasley Severino; Joám Trilho; Fernando Vazques Corredoira; Xavier Vásquez Freire; Ernesto Vasques; Crisanto Veiguela Martins. Impressão Tórculo Artes Gráficas Depósito Legal C-2345/08 ISSN 1888-8763 Edita Academia Galega da Língua Portuguesa Rua de Castelão n.º 27 15900 Padrão, Galiza http://www.aglp.net | pro@aglp.net Conteúdos ESTUDOS A defesa da língua ou a língua como defesa 11 Carlos Reis O repto dos vocabulários ortográficos 25 Álvaro Iriarte Sanromán Sinonímia, conceptualização e variação social 35 Augusto Soares da Silva Dicionário Priberam da Língua Portuguesa 55 Helena Figueira, et al. O Grande Dicionário da Língua Portuguesa 69 Mª Margarida Gomes Faria da Costa A multiplicidade léxica de Moçambique 83 Cláudia Bergamini O nome de lugar Vila-daelhe ou Vila-delhe 91 Crisanto Veiguela Martins Os nossos nomes de família 99 José-Mª Monterroso Devesa Do big-bang aos planetas extrassolares 111 Manuel Andrade Valinho O marcador discursivo mas 127 Luís Magarinhos As palavras de Robindronath Tagore 137 José Paz Rodrigues Linguagem na obra do genio do samba paulistano 147 Maria Zélia Borges Apontamentos para uma galeguística 167 António Gil Hernández Revisitação d’Os Eidos 185 Manuel Castelão Nos 15 anos da CPLP 201 Renato Epifânio Identidade nacional e transnacional 211 Dina Maria Martins Ferreira INSTITUIÇÃO Memória do ano 2010 229 Ângelo Cristóvão Crónicas do Brasil 235 Concha Rousia e Isabel Rei Unindo passado e futuro 251 Concha Rousia II Seminário de Lexicologia 255 Ângelo Cristóvão Portulano de recursos em linha 263 Ernesto Vasques Souza Galiza na América do Sul 265 Higino Martins Esteves PUBLICAÇÕES Cantares galegos 273 Maria Seoane Dovigo Ayes de mi País 277 Joám Trilho Traditional Marking Systems 281 Carlos Durão O Mariscal 285 Isabel Rei Samartim Português em contato 289 Álvaro J. Vidal Bouzon O Sempre em Galiza para Portugal 297 Carlos C. Varela Fernando Pessoa em concreto 303 Carlos Quiroga Miscelânea de reflexões e estudos em torno da lingua 307 Maria Isabel Morán Cabanas 7 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) Editorial om o presente volume, o Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa prossegue o seu caminho regular em saídas anuais e alcança o número 4. De maneira similar ao que acontecia com o número anterior, dedicado especialmente ao nosso mestre e amigo brasileiro Professor Evanildo Becha- ra, nesta edição do seu Boletim, a Academia Galega da Língua Portuguesa quer render homenagem ao Professor português João Malaca Casteleiro: homenagem de admiração, de agradecimento e de amizade. De admiração ao sábio filólogo e linguista, investigador e docente, mestre de todos nós, autor de trabalhos fundamentais no estudo do nosso idioma e na unificação da língua escrita, e impulsor e diretor de iniciativas de realiza- ção coletiva, como os dicionários da língua. De agradecimento, como Academia, pelo conselho nos momentos opor- tunos e pelo constante apoio desinteressado e entusiasta que outorgou à nossa instituição já desde os momentos prévios à sua constituição oficial, e desde então em todos os nossos trabalhos e projetos. De amizade e carinho à pessoa cordial e encantadora, que se situa entre nós com a cativante humildade do sábio que ama a verdade e a ciência por cima de qualquer fútil consideração social. A nossa língua, e a cultura galega, e a Galiza toda, estarão sempre em dí- vida com o Professor Malaca Casteleiro, que continua a linha de outras gran- des figuras da cultura portuguesa (entre as quais não podemos deixar de lembrar o nome do Professor Rodrigues Lapa). Por isso, esta humilde home- nagem da AGLP, modesta como é, sabemos que leva dentro de si o sentimen- to agradecido de muitos outros galegos que nos acompanham ex toto corde. C Em conclusão, e de uma forma muito breve, integrar o Galego como variante da língua portuguesa ao lado das outras variantes (o português lusitano, o português do Brasil, o português angola- no, o português moçambicano, etc.) contribuirá para reatar os fios da história do Galego-Português, fios que se quebraram em fins do século XV e que era urgente reatar e revalorizar, intensifi- car os laços culturais entre a Galiza, Portugal e todo o mundo lusófono, e com isto nós podemos continuar a defender o bilin- guismo, felizes dos países, das regiões, que são bilingues, que desde o nascimento, por ventura, dominam duas línguas, ou mais línguas, e que a variante galega do português e o espanhol conti- nuarão a conviver harmoniosamente, e continuaremos a defen- der uma cada vez maior intercompreensão entre falantes de português e falantes de espanhol no sentido da promoção das nossas duas línguas comuns não só da Ibéria mas também do mundo hispanófono e do mundo lusófono continuaremos a bata- lhar por que estas línguas se afirmem no mundo porque elas as duas em conjunto constituirão, com certeza, um bloco tão ou mais importante que o bloco anglístico. João Malaca Casteleiro (Intervenção na Sessão Inaugural da AGLP, outubro de 2008). Estudos 4(2011): 11-23 11 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) A defesa da língua ou a língua como defesa* Carlos Reis Resumo O autor, partindo de uma boutade queirosana sobre a língua portuguesa, sustém que numa conceção moderna, politicamente responsável e historicamente situada, o português não pode ser só património individual, mas sobretudo coletivo não de um país, mas de vários. A língua, em definitivo, bem simbólico e parte do património imaterial de um povo certo, abrange dois sentidos: o jurídico-económico, que sublinha o princípio da riqueza ou do ativo a preservar e a valorizar, e ético-axiológico,que acentua a condição de fator de enri- quecimento humano, comunitário e identitário (de certa forma e em resumo: fator de felicidade). A dimensão simbólica do idioma faz reconhecer nele a capacidade para afirmar e legitimar significações, para funcionar como instrumento de integração social, de manu- tenção e de reprodução de uma ordem estabelecida. Palavras-chave Língua portuguesa, património imaterial, indivíduo, bem simbólico, integração social. Abstract The author, starting from a boutade in Queiroz style about the Portuguese language, maintains that, in a modern understanding, politically responsible and historically situated, Portuguese cannot be only an individual heritage, but above all a collective one, not of one country, but of several. All in all, language, a symbolic good and part of the immaterial heritage of a certain people, encompasses two senses: the legal eco- nomic, which underlines the principle of wealth or of the assets to be preserved and valued, and the ethical axiological, which emphasizes the condition of a factor increas- ing wealth in human, community and identity terms (in a certain way and in short: a factor of happiness). The symbolic dimension of language makes us recognize in it the ability to assert and legitimize meanings, to function as a tool of social integration, of the maintenance and reproduction of an established order. Key words Portuguese language, immaterial heritage, individual, symbolic good, social integration. * Texto exposto no I Congresso Nacional de Segurança e Defesa. Lisboa, 24 e 25 de Junho de 2010. Carlos Reis Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 12 1. Num texto prefacial de 1886, texto em boa parte consagrado à receção do naturalismo em Portugal, escreveu Eça de Queirós (2009: 194): Desde que nós, portugueses, laboriosamente conseguimos arranjar uma ideia dentro do crânio – a nossa preguiça intelectual, o nosso desleixo, este fundo de desdenhosa indiferença que todos os meridionais têm pelas ideias e pelas mu- lheres, impede-nos de lhe mexer, de a tirar do seu canto, onde ela fica ganhan- do bolor em tranquilidade e para sempre. Em Literatura, em Costumes, em Política e no Fabrico do chinelo de ourelo, nós estamos vivendo e estamos morrendo deste obtuso, viscoso aferro ao vago das primeiras impressões. Como em tantos outros casos, as palavras do nosso mais talentoso ro- mancista permanecem atuais. Se pensarmos nalgumas ideias feitas que entre nós têm circulado acerca da língua portuguesa e da sua condição de grande idioma de cultura, confirmaremos a pertinência daquela espécie de boutade queirosiana. Um exemplo que tenho como o mais evidente, lamentável e mesmo irritante: ouve-se dizer (e citar) que, como afirmou Fernando Pessoa, “a minha pátria é a língua portuguesa”. Quase todos os nossos políticos, no ativo ou na reforma, alguma vez terão caído na tentação de adornar o seu discurso com uma citação literária, sendo sabido que a seara pessoana tem sido campo de farta colheita em matéria de vistosas e altissonantes máximas. E assim, por preguiça intelectual, por desleixo e por desdenhosa indiferença, parece confortavelmente instalada dentro de muitos crânios a crença de que Pessoa disse: “a minha pátria é a língua portuguesa”. O problema desta citação é que ela está triplamente errada: está errada no texto, está errada na autoria e está errada até, em certo sentido, no propó- sito que comummente a motiva, sempre que ele quer traduzir uma afirmação de acrisolada dedicação e estremado afeto pela língua portuguesa. Ou pela língua de Camões, outro comodíssimo lugar-comum usado e abusado por quem ignora que a língua de Camões não era exatamente a que falamos hoje e que o genial poeta também recorreu ao espanhol como língua literária. 2. A citação está errada porque aquilo que o texto diz é “minha pátria é a língua portuguesa”, sendo óbvio para mim que quem assim escreveu não dispensou o artigo por descuido: a omissão incute na expressão uma tonalidade fortemente assertiva e (suave ironia!) confere-lhe até uma certa coloração “brasileira”. A citação está mal atribuída porque não é Fernando Pessoa quem a assina, mas sim o seu semi-heterónimo Bernardo Soares, num passo do Livro do Desas- sossego. Só mesmo por preguiça ou por desleixo (retomo as palavras de Eça) poderá alguém pensar que é indiferente deduzir de Pessoa ou de Soares o impulso falaciosamente patriótico daquelas palavras; fazê-lo seria o mesmo A defesa da língua ou a língua como defesa 13 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) que pensar que Álvaro de Campos subscreveria estilística e ideologicamente a Mensagem, que Ricardo Reis alguma vez poderia aderir ao ethos modernista da “Ode triunfal” ou que Caeiro e Bernardo Soares se referem a Cesário Verde pelas mesmas razões. Por fim, a citação induz no equívoco de atribuir a Pessoa (ou a Bernardo Soares, como se viu) uma motivação patriótica que, no caso, não existe. Bem pelo contrário. O melhor mesmo é citar o texto, com o fôlego que lhe é transmitido pelo contexto em que ele se encontra: Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodas- sem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sin- to, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem es- creve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa pró- pria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro direto que me enoja independentemente de quem o cuspisse. Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvi- da. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto ré- gio, pelo qual é senhora e rainha (Soares, 2001: 255). Breve comentário: a língua aqui entendida como pátria reduz ao mínimo (um mínimo de imaterialidade e transcendência) um conceito de patriotismo em que não se inclui a pátria como Estado, com fronteiras e com potenciais invasores. Quase como quem diz: a língua enquanto elemento identitário não implica o espaço físico e simbólico de uma nação; e este “patriotismo do idioma” nada tem que ver com o sentido trivial, nacionalista e territorialista de um patriotismo político que Bernardo Soares enjeita. Sob o signo de uma visão emotiva e subjeti- vista da língua, Bernardo Soares postula uma conceção do idioma “como pessoa própria”, que tem muito de intolerante individualismo, de redutor formalismo e de imobilismo histórico. Como se a defesa da língua (é disso que aqui se trata) se cingisse à afirmação de um status quo linguístico, fora da História e ignorando displicentemente a comunidade, ou seja, toda a gente que fala e escreve e não apenas um ajudante de guarda-livros chamado Bernardo Soares. E assim, se a língua é pátria, não o é (ou não o é nestes termos) para Fernando Pessoa; e a pátria-língua de que fala Bernardo Soares encontra-se, em meu entender, nos antípodas de uma conceção moderna, politicamente responsável e historicamen- te situada de uma língua que não é património individual, mas sim coletivo e que hoje não o é de um país, mas de vários. Vários países com a sua gente própria, recorde-se, coisa que Bernardo Soares não sabia quando escreveu aquelas pala- vras afinal detestáveis, mas que deviam saber quantos, embalados pela música de uma citação falsamente pessoana, se arriscam a reduzir a defesa da língua à reivindicação de um idioma estático, fora da diversificada gente concreta que o fala e escreve e mumificado numa ortografia arcaizante. Carlos Reis Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 14 Nãoirei ao ponto de sugerir um comportamento cívico drástico: não vo- tar em quem insistir em repetir que, “como afirmou Fernando Pessoa, „a minha pátria é a língua portuguesa"”. Lembrarei apenas que nada disto é novo. Aliás, em Fernando Pessoa há várias coisas que são menos inovadoras do que normalmente se pensa; as ponderações de Bernardo Soares, linguista de ocasião, são disso mesmo um exemplo flagrante. Num texto bem diferente daquele que até agora comentei, já o queirosia- no Fradique Mendes formulava uma reflexão em que está prenunciado o estreito patriotismo de que tenho falado, com o rosto de um nacionalismo linguístico a que não falta o toque da usual provocação fradiquista. É numa carta a Madame S. e a propósito da aprendizagem de línguas estrangeiras, que um Fradique déguisé de pedagogo afirma: Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra: – todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro. Na língua verdadeira- mente reside a nacionalidade; – e quem for possuindo com crescente perfei- ção os idiomas da Europa vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização (Queirós, s.d.: 130). Em Fradique Mendes, o temor da “desnacionalização” vai mais longe, ao ponto de se defender que o sujeito não deve abdicar do “exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afetivas, que o envolvem, o isolam das outras raças”. O que, levando às últimas consequências a vocação isolacionista aqui insinuada, permite ainda outras afirmações, marcadas por uma agressivi- dade linguístico-cultural quase insuportável. E assim (diz Fradique), “o poliglo- ta nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila, introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir.” Proposta final: “Falemos nobremente mal, patrioticamente mal, as línguas dos outros!” O que aqui se encontra é mais do que uma provocação: é uma verdadeira ainda que pouco elaborada proclamação da língua como visão do mundo e fator determinante do pensamento do sujeito e da sua relação com o conhe- cimento e com os outros, na linha da filosofia da linguagem de Humboldt e na sequência da noção (que vem de Giambattista Vico) de que pela língua se identificam os povos e as nações. O que isto significa em termos de condicio- namento ideológico das línguas e até de determinação eurocêntrica da sua difusão parece claro; e só o relativismo linguístico da chamada hipótese de Sapir-Whorf (postulando que as peculiaridades formais de cada língua con- dicionam as categorias culturais e cognitivas que regem os modos de pensar e de representar o mundo), só esse relativismo linguístico pode talvez ameni- zar os riscos nacionalistas que a blague fradiquista e o individualismo de Bernardo Soares induzem. A defesa da língua ou a língua como defesa 15 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 3. Derivo destas considerações quase preambulares para outras questões dire- tamente relacionadas com o tema que aqui trago. O que me levará a realçar a dimensão patrimonial da língua portuguesa, a sua afirmação como elemento axial da afirmação dos Estados que lhe conferem o estatuto de língua oficial, os atos e as iniciativas que defluem de um entendimento político da língua e ainda a minha convicção de que o idioma pode ser encarado como singular instrumento de defesa, no quadro de um mais vasto conceito estratégico nacional que outros, que não eu, tratarão de definir e caracterizar. Afirmo que a língua é um bem simbólico e parte do património imaterial de um povo certo de que a noção de bem se desdobra em dois sentidos: um sentido jurídico-económico, que sublinha o princípio da riqueza ou do ativo a preservar e a valorizar; um sentido ético-axiológico, que acentua no bem a sua condição de fator de enriquecimento humano, comunitário e identitário (de certa forma e em resumo: fator de felicidade). Para além disso, referir a dimensão simbólica do idioma, numa aceção muito próxima do pensamento de Pierre Bourdieu, é reconhecer nele a capacidade para afirmar e legitimar significações, para funcionar como instrumento de integração social, de manutenção e de reprodução de uma ordem estabelecida. Por isso falamos frequentemente no poder da língua e sem exagero reconhecemos que quem a domina pode chegar a dominar o mundo. A História ensina que isso mesmo tem acontecido, às vezes sob o signo do excesso e da opressão política; e disciplinas como a retórica e sobretudo a oratória intervêm, com frequência e reconhecida eficácia instrumental, em processos e em propósitos de apropri- ação do poder. Os mesmos propósitos de apropriação que, para que conste, hoje vão muito além do uso da língua só por si, pois que a integram (ia a dizer: dissolvem) nas sofisticadas linguagens da comunicação social, dos media da imagem e das redes em linha. Antes ainda de indagar o que leva a que se diga de uma língua que ela é lín- gua de poder (e não só língua do poder), recordo muito brevemente que, ao longo dos tempos e sob diversas roupagens, os dois poderes que têm conduzi- do os destinos da Humanidade – o poder político e o poder religioso, às vezes em regime de cumplicidade estreita ou mesmo de fusão – têm recorrido ao poder da palavra como instrumento de representação e de persuasão. Uma disciplina dos estudos literários e dos estudos linguísticos como a pragmática trata de analisar, na esteira de um legado metodológico provindo da retórica, o potencial de transformação do mundo e de condicionamento dos comporta- mentos humanos que os atos discursivos encerram. E é com a consciência disso mesmo que os sistemas de ensino cuidam (ou dizem que cuidam…) do ensino da língua como etapa e componente estruturante da formação do sujei- to, incluindo-se nessa formação a aquisição de instrumentos linguísticos e Carlos Reis Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 16 translinguísticos de conhecimento do mundo. Por fim, é ainda o poder da palavra que se impõe quando outros discursos que não o discurso crítico ou o discurso académico incorporam a palavra literária como emblema de legitima- ção cultural e política. E assim, citar um escritor renomado dá ou parece dar vigor e densidade ao discurso que acolhe a citação – mesmo que ela seja tão estafada e deturpada como a famosa “a minha pátria é a língua portuguesa”. 4. Não entrarei aqui na evocação minuciosa do que é sabido e está por demais estudado, ou seja, que a constituição, o alargamento e a defesa de espaços políticos amplos não se decide apenas em função de instâncias militares, económicas ou jurídico-administrativas. Basta lembrar que a expansão do latim na Europa está associada a uma dinâmica imperial que dá consistência à bem conhecida asserção segundo a qual uma língua é um dialeto apoiado por um exército. Noutros termos mas não com outra lógica, é aquela dinâmi- ca que responde a uma pergunta formulada pelo Prof. Vítor Aguiar e Silva: “O que explica que línguas europeias como o espanhol, o português, o inglês e o francês, se tivessem tornado línguas transnacionais e transcontinentais? Não foram fatores de ordem intrinsecamente linguística, foram fatores de ordem política: a construção de impérios coloniais, com as suas vertentes militares, religiosas, económicas e civilizacionais. A língua do poder imperial foi um fator de coesão e de regulação das esferas administrativa, judicial e escolar, foi um instrumento de evangelização, de aculturação e de intercâm- bio de bens económicos” (Aguiar e Silva, 2010: 311). Na história das línguas europeias (e em particular na das línguas novila- tinas) manifesta-se, do século XIV em diante, uma tendência vernaculizante que tem em Dante e em Petrarca protagonistas ilustres, antes ainda de se chegar à explícita associação da ilustração da língua ao poder do Estado. QuandoAntónio de Nebrija escreve a sua famosa e pioneira Gramática de la lengua castellana, publicada no ano crucial de 1492, fica clara a convicção, declarada pelo autor à rainha Isabel a Católica em tom programático, de que sempre “a língua foi companheira do império”1; menos de meio século de- pois, em 1536, o nosso Fernão de Oliveira (2000, Cap. IV) relacionava dire- tamente duas expansões: a marítima (e também político-económica) e a da língua portuguesa a ensinar nos lugares descobertos; noutro tom, que não com muito diferente intuito, o doutrinador da Pléiade, Joachim Du Bellay, declarava, em 1549, que a defesa e ilustração da língua francesa era empresa à qual “rien ne m'a induit que l'affection naturelle envers ma patrie”.2 1 Prólogo a Grammatica disponível em: <http://www.antoniodenebrija.org/prologo.html>. 2 “Épître à Monseigneur le révérendissime cardinal du Bellay S.”, Défense et illustration de la langue française, em <http://www.tlfq.ulaval.ca/axl/francophonie/Du_Bellay.htm>. A defesa da língua ou a língua como defesa 17 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) Relaciona-se com esta doutrina – uma doutrina que é indissociável de uma poética e de uma prática literária fortemente ancoradas nos valores humanistas da época – a configuração de um tipo de poeta consciente da sua responsabilidade de esteio difusor da língua. É o caso de António Ferreira, ao proclamar um novo canto e uma lira nova, num texto dos seus Poemas Lusi- tanos; mesmo publicados postumamente em 1598, já em tempo de união das coroas ibéricas (e até com dedicatória do editor “ao Príncipe D. Filipe, nosso senhor”), os Poemas Lusitanos incentivam a que se cantem “portuguesas conquistas, e vitórias”, com recurso ao potencial glorificador e de evocação memorial da língua: “Renova mil memórias/Língua aos teus esquecida, / […] Sê para sempre lida / Nas Portuguesas glórias / Qu’em ti a Apolo honra da- rão, e a Marte” (Ode primeira). Foi Camões quem o fez, nos termos geniais da sua grande epopeia, mas não sem estabelecer um paralelo em que está plasmado um conceito de poeta para quem o empenhamento na guerra pa- triótica e a devoção à língua (a língua como poesia) apontavam, afinal, para uma espécie de poder bifronte: “Pera servir-vos, braço às armas feito, / Pera cantar-vos, mente às Musas dada”, diz o poeta. Um poder que, para o ser, carecia, todavia, da legitimação política que a dedicatória ao monarca atesta- va e que os versos que vêm depois confirmam: “Só me falece ser a vós acei- to/de quem virtude deve ser prezada” (Camões, 1972: 285 [Canto X, 155]). 5. Os fundamentos e os componentes estruturantes de uma política de língua conjugam, pelo menos, quatro noções basilares. Em primeiro lugar, a noção de que a língua é um fator de afirmação e de congraçamento comunitário, tenha este último uma feição nacional ou uma dimensão transnacional – lusófona, no que ao caso do português diz respeito. Em segundo lugar, a noção de que a defesa do idioma envolve, da parte do Estado, uma responsa- bilidade formativa, não apenas visando os nativos, mas também os que, fora das fronteiras nacionais, o não são, o que leva a que se fale, neste último caso, de política de internacionalização. Em terceiro lugar, a noção de que a língua constitui um tema de análise, de descrição e de sistematização, que é sustentáculo daquela responsabilidade formativa, pela via dos instrumentos (dicionários, gramáticas, monografias académicas, etc.) produzidos num campo de investigação (ou a partir dele) hoje com claro reconhecimento institucional e que é o dos estudos linguísticos. Em quarto lugar, a noção de que a defesa da língua é parte de uma mais ampla estratégia de defesa nacio- nal, contribuindo para ela com os componentes de agregação comunitária e de racionalidade científica que ficaram referidos. É neste último sentido que digo que a defesa da língua conduz à postulação da língua como defesa. Por razões históricas e também ideológicas que agora não aprofundarei, o século XIX foi um tempo decisivo para a institucionalização e para a progres- Carlos Reis Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 18 siva democratização do estudo da língua, bem como para a consciencializa- ção da sua relevância cultural, política e social, para além da pedagógica, já então efetiva. Pode mesmo falar-se, conforme recentemente foi feito, no desenvolvimento oitocentista das ideias linguísticas, um desenvolvimento ilustrado pelo labor de gramáticos, de lexicógrafos e de pedagogos como António de Moraes Silva, Jerónimo Soares Barbosa, Caldas Aulete, Epifânio da Silva Dias ou Adolfo Coelho (Cf. Santos, 2010: parte I). E uma parte im- portante do ardoroso labor intelectual de uma figura com mais méritos do que aqueles que a geração de 70 lhe reconheceu – refiro-me a António Felici- ano de Castilho – centra-se na língua portuguesa e no método de a ensinar3. Num plano distinto, os dois nomes capitais da nossa história literária oi- tocentista e da renovação da língua literária que a partir do romantismo se vai processando – refiro-me a Garrett e a Eça – colocam a defesa do idioma em relação direta com a questão da contaminação linguística, equacionada enquanto aspeto saliente da sua vitalidade. Contra o policiamento de uma língua entrincheirada numa rígida vernaculidade, Garrett (2010: 383) critica os “ilustres puritanos que […] têm conseguido levar a língua à decrepitude para a curar de suas enfermidades francesas”; e Eça, tantas vezes acoimado de afrancesado, confia a Fradique Mendes a tarefa de elaborar um devasta- dor retrato satírico do purista, ao mesmo tempo que aponta nos seus críticos marcas do mesmo estrangeiramento linguístico de que o acusavam (Cf. Queirós, 1929: 41 e ss.; s.d., 403-406). Como quem diz: defender o idioma não é fechá-lo sobre si mesmo; defender o idioma é aceitar a sua interativa coexistência com outras línguas de cultura e com os influxos que essa coexis- tência inspira; e defender o idioma é também entender a sua constante evo- lução, sem prejuízo da legítima função reguladora desempenhada por ins- trumentos e por agentes que são responsáveis, em última instância, pela manutenção do rosto identificador da língua e pela sua condição de veículo de expressão dos afetos e de representação das coisas e das ideias. É também essa função reguladora, enquanto garante da capacidade de modelização do mundo e de comunicação interpessoal que são próprias da língua, que o sistema de ensino procura (ou deve procurar) assegurar. Mas não só ela. O sistema de ensino só contribuirá ativamente para a defesa da língua (e também para a sua consolidação como língua de defesa, no sentido que já aqui aflorei) se contemplar quatro eixos de atuação, que são também quatro facetas da existência social do idioma, eixos que não podem, eviden- temente, ser equacionados de forma isolada. 3 Um título emblemático e, na época, controverso: Método Castilho para o ensino rápido e aprazí- vel do ler impresso, manuscrito, e numeração e do escrever (Castilho, 1859). Sobre Castilho e a sua relevância como doutrinador, veja-se Venâncio (1998). A defesa da língua ou a língua como defesa 19 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) Em primeiro lugar, o eixo da experiência humana, onde se situa a tensão entre a individualidade e a comunidade, com os correspondentes procedi- mentos de integração; a correlação do sujeito linguístico com uma identidade nacional configurada em várias instâncias e em múltiplos discursos insere-se neste eixo de atuação, o mesmo acontecendo com a relação que ele estabele- ce com variações socioletais, dialetais ou nacionais (p. ex., o português do Brasil), bem como com minorias linguísticas. Em segundo lugar, o eixo da comunicaçãolinguística, dominado pela interação do sujeito linguístico com os outros, seja pela prática da oralidade, seja pela prática da escrita; os pro- cessos de ajustamento dos atos comunicativos a contextos específicos e a ponderação dos fins que esses atos têm em vista são aspetos particulares daquela interação. Em terceiro lugar, o eixo do conhecimento linguístico, de um modo geral centrado na progressiva capacidade de descrição sistémica da língua e na sua utilização proficiente e continuada; é aqui que se encontra o domínio de regras gramaticais que conferem ao sujeito linguístico um índice elevado de consciência do funcionamento da língua, em direta conexão com a observação do erro como derrogação da norma. Em quarto lugar, o eixo do conhecimento translinguístico, remetendo para a relação da língua com a aquisição de outros saberes a que ela dá acesso e que por seu intermédio são representados; nesse sentido, a aprendizagem da língua conduz à estrutura- ção de um pensamento próprio por parte do sujeito linguístico e à configura- ção de todo o conhecimento em geral, incluindo o acesso a práticas e a bens culturais que pelo idioma e no idioma se afirmam e sedimentam. Uma estratégia de defesa da língua envolve necessariamente o empe- nhamento de um sistema de ensino e de um desenho curricular que atente, pelo menos, naqueles quatro vetores, considerados de forma articulada. Mas ela requer também a ponderação de outros planos de intervenção que defi- nem quem e como nessa estratégia está implicado. Um desses planos (aquele que agora desejo contemplar) é o que se refere à dimensão comunitária da língua, uma dimensão que, no caso do português, se decide em dois níveis: no nível da nação individualizada, entendida como comunidade política e social servida pela língua, na condição de idioma oficial ou apenas veicular, em todo o caso interferindo diretamente em procedimentos de autognose e de identificação coletiva às vezes controversos e mesmo traumáticos; deste ponto de vista, um falante de português numa cidade de Portugal vive a lín- gua oficial e de escolarização e reconhece-se nela, em termos inevitavelmente distintos de um angolano ou de um moçambicano para quem o português, sendo embora língua oficial do Estado, é também língua veicular em cenários dialetais muito diversificados. Num segundo nível, o português é idioma coletivo de uma comunidade de países, alargando-se os movimentos de iden- tificação que na língua se resolvem ao amplo universo da chama lusofonia; Carlos Reis Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 20 nesse universo, o que está em causa é não só o conhecimento do outro em português, mas também o reconhecimento do português do outro. 6. Sou, deste modo, conduzido a reflexões quase finais que convocam a questão do poder da língua, em conjugação com a da internacionalização do portu- guês e com o problemático conceito de lusofonia, um conceito cuja pertinên- cia operativa e cuja agudeza heurística devem ser submetidas a uma indaga- ção desapaixonada. Sendo assim e tendo em atenção a questão da interna- cionalização, bem como a correlata questão do poder da língua, formulo desde já três asserções. Primeira asserção: a língua portuguesa constitui um instrumento de afirmação estratégica que transcende a estrita dimensão da esfera linguística. Segunda: a projeção internacional da língua portuguesa não corresponde, neste momento, à dimensão do seu universo de falantes. Terceira: uma política de língua exige esforços de diversos protagonistas em Portugal, bem como a intervenção de outros países, no quadro da Comuni- dade dos Países de Língua Portuguesa. A noção de internacionalização da língua portuguesa reporta-se aqui a um processo político de afirmação, de consolidação e de diversificação funcional da língua na cena internacional, em confronto e disputa, não o esqueçamos, com outras línguas. Utilizado em países estrangeiros e não lusófonos, o portu- guês não deve encerrar-se em funções convencionalmente culturais e académi- cas, estendendo-se às utilizações que garantem o prestígio de uma grande língua de cultura: ciência, Internet, tradução e interpretação, negócios, etc. Um tal processo convoca, para além dos agentes políticos que o Estado define para esse efeito, muitos outros atores e entidades e exige um trabalho persistente e com ponderação estratégica; nele intervêm iniciativas e instrumentos muito distintos, indo do ensino da língua à formação de professores, da diplomacia às intervenções em comunidades portuguesas e de luso-descendentes, das atua- ções em áreas geolinguísticas de crescimento da língua portuguesa às que visam áreas geolinguísticas onde o nosso idioma está em regressão. Em meu entender, a noção de internacionalização da língua portuguesa implica ainda a ínsita articulação da língua e da cultura, sendo esta última entendida como instância de afirmação de valores, de imagens e de sentidos de identificação nacional. É nessa instância que se modela uma herança histórica plasmada em diversos campos com multissecular vitalidade (litera- tura, teatro, pensamento, música, etc.); mas é também nela que se inscreve um vasto leque de práticas e agentes do nosso tempo (desporto e desportis- tas, agentes económicos, comunicação social, moda, design, artes plásticas, arquitetura, cinema, etc.), umas e outros portadores de uma imagem de dinâmica modernidade que deve ser valorizada. A defesa da língua ou a língua como defesa 21 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) Ao que fica dito acrescento que já por várias vezes tive oportunidade de me referir ao destino internacional do português como grande idioma de cultura, através da seguinte expressão: o poder da língua, particularmente no quadro alargado da sua dimensão plurinacional e pluricontinental, só será efetivo quando o português conseguir ser uma língua de poder. Digo isto a pensar, por exemplo, no que é a (e no que faz a) hegemonia global e planetária do inglês; e assim, é bem sabido que o esmagador poder linguísti- co do inglês é sobretudo um efeito de outros poderes que impulsionam e ampliam aquele poder linguístico: o poder político, o poder económico, o poder tecnológico, o poder cultural, etc. Numa palavra: o poder. A este propósito, ainda há não muito tempo pude ouvir uma reflexão so- bre a língua portuguesa, a sua afirmação internacional, os caminhos que ela deve seguir e os aliados que há de atrair, em particular no conjunto de países que se acham religados pelo comum e estratégico desígnio de uma tal afir- mação internacional. Refiro-me a palavras proferidas pelo Prof. Adriano Moreira, num colóquio que teve lugar em Santiago de Compostela*, palavras próximas daquela minha expressão: o poder da língua depende também daquilo que a língua do poder quiser (e puder) fazer. Sem essa instância – que é a da consciência política e também a das deci- sões que a acompanham –, torna-se difícil que o português alguma vez transcenda as fronteiras diáfanas do espaço de desejo em que a política de língua tantas vezes tem estado confinada. Ou seja, o cenário em que escuta- mos bem ponderadas e não raro elegantes declarações de intenções que, todavia, carecem de medidas concretas, com alcance estratégico e com arti- culação inter-pares. Digo inter-pares porque é assim mesmo que os países africanos de língua oficial portuguesa, o Brasil e Timor-Leste devem ser encarados por Portugal. Que é como quem diz, o espaço da chamada lusofo- nia, termo que utilizo com alguma reserva. Afirmo-o de forma clara: o termo e o conceito de lusofonia juntam à co- modidade de uma designação englobante os riscos de uma valoração “con- taminada” por uma espécie de excesso semântico de ressonância portuguesa. O timbre conotativo da palavra (associável a Luso, a Lusitânia, a lusíada e mesmo a Os Lusíadas) fala por si e permite aludir, como fez Eduardo Lou-renço, a uma “ressaca imperial” que a nossa História recente explicaria (Cf. Lourenço, 1983: 15-22). * Nota da direção do Boletim: O Prof. Carlos Reis talvez se refira à intervenção no I Seminário de Lexicologia, que a Academia Galega da Língua Portuguesa realizou em Compostela no dia 5 de outubro de 2009. Pode ver-se no vol. 3 do Boletim da AGLP, pp. 236-238, as opiniões expressadas pelo Prof. Adriano Moreira na entrevista que lhe foi feita naquela ocasião. Carlos Reis Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 22 Significa isto que a demarcação de um universo designado como da luso- fonia comporta, por força de uma tal designação, limites operativos relacio- nados com os preconceitos insinuados naquele vocábulo; daqui ao reconhe- cimento de crispações ainda em aberto vai um curto passo, conduzindo a uma dialética pluralidade/singularidade (ou seja: uma comunidade plural feita de países singulares) que remete para a questão da identidade. Não a da lusofonia, mas a dos seus diferentes componentes, cada um por si e cada um deles reivindicando uma identidade que sempre será inegociável e afirmada sob o signo de sedutoras práticas culturais e literárias. Por estas e também por práticas linguísticas em deriva rumo a uma diferença que para alguns prenuncia mesmo a fragmentação, a prazo, do amplo e já diversificado uni- verso pluricontinetal da língua portuguesa. É pensando nisso mesmo – ou seja: na irremediável tensão instalada por aquela dialética pluralidade/singularidade – que evoco, para terminar, os testemunhos complementares de um ensaísta e de um escritor. Diz Eduardo Lourenço (1995: 1-2): “O imaginário lusófono tornou-se, definitivamente, o imaginário da pluralidade e da diferença e é através desta evidência que nos cabe, ou nos cumpre, descobrir a comunidade e a confraternidade inerentes a um espaço cultural fragmentado, cuja unidade utópica, no sentido de parti- lha em comum, só pode existir pelo conhecimento cada vez mais sério e profundo, assumido como tal, dessa pluralidade e dessa diferença”. E Mia Couto, falando do impulso de diferença que o universo da lusofonia atual- mente vive, pôde fazer algumas “perguntas à língua portuguesa”, notando antes: “Uns nos acalentam: que nós estamos a sustentar maiores territórios da lusofonia. Nós estamos simplesmente ocupados a sermos. Outros nos acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de técnica.” Nem uma coisa nem outra: trata-se de ir “ajeitando o pé a um novo chão. […] Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?” (Couto, 2008). Referências Camões, L. de (1972). Os Lusíadas. Leitura, prefácio e notas de Álvaro Júlio da Costa Pimpão. Lisboa: Instituto de Alta Cultura. Castilho, António Feliciano de (1859). Método Castilho para o ensino rápido e aprazível do ler impresso, manuscrito, e numeração e do escrever. 2ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional. Couto, Mia (2008). “Mia Couto: perguntas à língua portuguesa”, em O português não ta cansado, <http://tacansado.wordpress.com/2008/10/31/mia-couto-perguntas-a-lingua-portuguesa/>. Ferreira, António ( 1598). Poemas Lusitanos. (…). Lisboa: por Pedro Crasbeeck (…). Garrett, A. (2010). Viagens na Minha Terra. Edição de Ofélia Paiva Monteiro. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. A defesa da língua ou a língua como defesa 23 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) Lourenço, E. (1995). Errância e Busca num Imaginário Lusófono, separ. de Gilda Santos et alii eds., Cleonice. Clara em sua Geração. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. Lourenço, Eduardo (1983). Crise de identidade ou ressaca „imperial"?”, Prelo, 8, pp. 15-22. Oliveira, Fernão de (2000). Gramática da Linguagem Portuguesa (1536). Edição de Amadeu Torres e Carlos Assunção. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa. Pessoa, Fernando (2001). Livro do desassossego composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. Edição: Richard Zenith. Lisboa: Assírio & Alvim. Queirós, Eça de (1929). Carta a E…, Cartas Inéditas de Fradique Mendes e mais Páginas Esqueci- das. Porto: Liv. Chardron de Lello & Irmão, pp. 41 e ss. e Notas Contemporâneas. Lisboa: Livros do Brasil, s.d., pp. 403-406 (carta a Fialho de Almeida). Queirós, Eça de (2009). Cartas Públicas. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Queirós, Eça de (s.d.). A Correspondência de Fradique Mendes. Lisboa: Livros do Brasil. Santos, Maria Helena Pessoa (2010). Ideias Linguísticas Portuguesas na Centúria de Oitocentos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a Ciência e Tecnologia. Silva, Vítor Aguiar e (2010). As Humanidades, os Estudos Culturais, o Ensino da Literatura e a Política da Língua Portuguesa. Coimbra: Almedina. Venâncio, Fernando (1998). Estilo e Preconceito. A Língua Literária em Portugal na Época de Castilho. Lisboa: Ed. Cosmos. CARLOS REIS Carlos Reis é um dos professores mais reconhecidos em Portugal e um firme defensor do Acordo Ortográfico. Grande amigo da Galiza, já em 1983 apoiou a proposta de integração do nosso País na Lusofonia, quando apresentada por uma delegação galega no contexto do I Congresso da Língua Portuguesa. Foi reitor da Universidade Aberta (da qual foi fundador) e Catedrático da Universidade de Coimbra, no seu amplo currículo pode-se salientar que dirigiu a Biblioteca Nacional de Lisboa e o Instituto de Estudos Espanhóis de Coimbra, e presidiu a Associação Internacional de Lusitanistas. Grande estudioso do Eça de Queirós, tem coordenado a edição crítica da obra queirosana na sequência do saudoso Professor galego Guerra da Cal. 4(2011): 25-33 25 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) O repto dos vocabulários ortográficos O Dicionário de Espanhol-Português como ferramenta para a codificação do português da Galiza* Álvaro Iriarte Sanromán Resumo Falar não é um ato puramente criativo (ou é menos criativo do que imaginamos), no sentido de que cada vez que utilizamos a linguagem combinamos livremente (utilizando as regras do sistema) e de maneira inovadora os signos, as unidades, as palavras de que dispomos. Re- produzimos de uma maneira muito mais frequente do que parece conjuntos de palavras ou estruturas lexicais pré-fabricadas, fazendo, pois, um uso limitado das possibilidades combi- natórias da língua teoricamente ilimitadas, poderíamos pensar. Em casos de línguas afins como o espanhol e o português, com um vocabulário muito semelhante, e até com regras gramaticais também muito próximas, a diferença entre ambas está, muitas vezes, na combi- natória lexical e no uso pragmático-contextual que se faz deste vocabulário “quase” comum. Palavras-chave Vocabulário, combinatória lexical, espanhol-português, codificação, português da Galiza. Abstract Speaking is not a purely creative act (or it is less creative than we imagine), in the sense that every time we use language we freely and innovatively combine (using the rules of the sys- tem) the signs, the units, the words at our disposal. We reproduce, more often than it seems, sets of words or prefabricated lexical structures, therefore making limited use of the combi- natory possibilities of language, theoretically unlimited as we might think. In the case of languages with such affinity as Spanish and Portuguese, with very similar vocabulary, and even with very close grammatical rules, the difference between them is quite often in the lexical combination and pragmatic contextual use made of this “almost common” vocabulary. Key words Vocabulary, lexical combination, Spanish, Portuguese, codification, Portuguese ofGaliza. * Comunicação apresentada ao Seminário de Lexicologia da AGLP, Compostela, 5 de outubro de 2009 Fundação Caixa Galicia. Rua do Vilar, 17 – Santiago de Compostela. Álvaro Iriarte Sanromán Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 26 Ao João Malaca Casteleiro, Lexicógrafo Os dicionários de língua, em geral, e particularmente os dicionários bilin- gues, os dicionários de sinónimos e de antónimos, os dicionários terminológicos (especialmente os plurilingues) e os dicionários ideológicos tradicionais apresen- tam uma visão redutora dos significados das palavras que recolhem ao não to- mar em conta, na descrição das aceções das mesmas, as relações sintagmáticas que umas palavras estabelecem com outras para atualizar os diferentes sentidos. Com efeito, muito frequentemente, os dicionários apresentam como aceção de uma palavra o que, em rigor, é o significado dessa palavra combinada com outras palavras (“ter bom ouvido”, como aceção de ouvido, por exemplo). Tais aceções são, de facto, combinações lexicais que deveriam ser registadas, em forma de subentradas, na parte sintagmática ou combinatória do dicionário. Estas combinações pluriverbais deverão ser recolhidas (por ordem alfa- bética) no fim do artigo lexicográfico, porque nem sempre é possível associar uma expressão pluriverbal a uma determinada aceção do lema. Isto é eviden- te no caso das expressões idiomáticas: sob que aceção de deitar, foguete ou festa recolhemos a expressão “deitar foguetes antes da festa” (= regozijar-se prematuramente)? Insisto: a prática de associar combinações lexicais a uma determinada aceção assenta muitas vezes no facto de o dicionário atribuir um determina- do sentido a uma aceção de uma palavra que, em rigor, é o sentido dessa palavra combinada com outra ou outras palavras. Analisemos o caso que acabei de referir, em que se considera como sendo uma aceção da palavra ouvido (Calderón Campos, 1994: 58) o que, num contexto real, se exprime em combinações como “ter bom ouvido” ou “ter mau ouvido”, nos seguintes dicionários portugueses (Porto Editora, Auré- lio e Caldas Aulete): ouvido, s. m. audição; aparelho de audição; acto ou efeito de ouvir; facilidade em fixar de memória peças musicais, ou em distinguir faltas de afinação; … (Porto Editora). ouvido, [Part. de ouvir] S. m. 1. […] 2. […]. 3. Aptidão para captar com relativa precisão sons musicais ou não, e de reproduzir aqueles sem o auxílio de partitura: ter bom ouvido. … 4. […] • […] Ter bom ouvido. Ter fácil percepção de sons, especialmente musicais. (Aurélio). ouvido, s. m. um dos cinco sentidos […]. || […] Ter bom ouvido, ter boa disposição do órgão do ouvido para perceber os sons, e especialmente os musicais. […]. (Caldas Aulete). No Porto Editora considera-se como sendo uma aceção da palavra “ouvido” o que, num contexto real é exprimido pela locução “ter bom ouvido”. O repto dos vocabulários ortográficos 27 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) No caso do Aurélio regista-se uma contradição, pois o mesmo significado ('aptidão para captar com relativa precisão sons musicais') é atribuído tanto à palavra “ouvido” como à expressão “ter bom ouvido”, que aparece como locução no fim do artigo. O mesmo acontece no Dicionário da Academia e no Houaiss. Não é este o caso do Caldas Aulete, que regista este valor unicamente como locução. Como já indicava Rodrigues Lapa (Lapa, 19841), é um excelente dicionário quanto ao tratamento da combinatória lexical. Os dicionários, ao excluir as possibilidades combinatórias das palavras, estão, implicitamente, a pressupor a existência de um paralelismo na organização léxico-semântica e sintática das duas línguas. Isto, como adiantávamos, apesar do princípio de arbitrariedade do signo linguístico estabelecido por Saussure no seu Curso de Linguística Geral. Com efeito, Saussure (1992) entende este carácter arbitrário do signo não só como oposto à motivação onomatopéica, no sentido óbvio de que não há uma relação direta entre o significante e o significado (Saussure, 1992: 126-127) [todos se lembram dos famosos exemplos de equus/cavalo/horse, etc.], mas também, e muito mais importante, esta conceção de arbitrariedade leva Saussure a contestar a ideia de língua como uma nomenclatura em que as unidades se justapõem, e a concebê-la antes como uma estrutura em que se estabelecem relações: A primeira coisa que se destaca nesta organização são as solidariedades sintagmáticas: quase todas as unidades da língua dependem quer do que as enquadra na cadeia falada, quer das partes sucessivas de que elas se compõem. (Saussure, 1992: 214). Será esta arbitrariedade a que levará a combinar em português e em espanhol: português espanhol lâmpada fosca bombilla mate fotografia mate fotografia mate português espanhol prótese dentária prótesis dental fio dental hilo (seda) dental 1 «É precisamente neste capítulo da fraseologia, muito importante, que os dicionários correntes deixam mais a desejar. O mais celebrado de entre eles e o mais moderno dos grandes dicionários, o de Cândido de Figueiredo, é muito pobre em grupos fraseológicos, o que constitui um grave defeito, porque é nessas locuções que se imprime o chamado génio da língua. Como repositório de fraseologia, nada há que possa substituir entre nós o Dicionário Contemporâneo de Caldas Aulete.» (Lapa, 1984: 83). Álvaro Iriarte Sanromán Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 28 É esse “paralelismo” na organização léxico-semântica e sintática que, na Galiza, encontramos em tantos decalques do castelhano. Estamos aqui perante uma conceção das línguas como nomenclaturas em que as palavras são etiquetas que se aplicam às coisas previamente existentes. É a língua concebida apenas como um conjunto de etiquetas (palavras) que se combinam por meio de regras gramaticais: � + � / � + � � � � � �' + �' / �' + �' Vejamos alguns desses decalques do castelhano: el alto el fuego � � � � o alto o fogo (o cessar-fogo) celebrar una reunión � � � celebrar uma reunião (realizar/efetuar uma reunião) entablar una conversación entabuar uma conversa (encetar uma conversa) espantapájaros espanta-pássaros2 (espantalho) fecha de caducidad data de caducidade (prazo de validade) hacer la puñeta fazer a punheta (encher a cabeça) 2 A questão das unidades pluriverbais pouco tem a ver com a tradição ortográfica —cf., por exemplo, primeiro ministro (Vilela, s.v. salário) vs. primeiro-ministro (Vilela, s.v. reunir), caminho-de-ferro (Porto Editora) vs. caminho de ferro (Cândido) vs. estrada de ferro (Porto Editora e Aurélio), co-opositor vs. coocupante (Aurélio) vs. co-ocupante (Porto Editora); etc. De facto, a prática de grafar com hífen algumas formas compostas não passa de uma convenção puramente gráfica que parece não visar senão uma solução para o problema da lematização destes compostos (um caso evidente é a entrada bilhete-de-identidade, no Dicionário da Academia). Sobre o assunto, vd. Mathieu-Colas (1994), Catach (1981), Herculano de Carvalho (1979: 506-507, nota 9). À partida, a minha posição sobre o uso do hífen nos compostos resume-se a isto: � tendencialmente aglutinados….......................................................... tendencialmente disjuntos � prefix. e c. morfológicos -------------- compostos morfossintáticos ------------- compostos sintáticos* (contraindicação, extraescolar) (camião cisterna, amarelo canário) (primeiro ministro, castanho claro) *(salvo com adv. e prep.)Evitando, sempre que possível, o uso do hífen. Mas, lamentavelmente, o AO afasta-nos claramente de uma proposta como esta. O repto dos vocabulários ortográficos 29 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) hacer la vista gorda fazer a vista gorda (fazer vista grossa) hacer tiempo que... fazer tempo que (haver tempo que) fallo del juez falho do juiz (sentença do juiz) ingresar dinero ingressar dinheiro (depositar dinheiro) intereses bancarios interesses bancários (juros bancários) levantar la sesión levantar a sessão (encerrar a sessão) en la cuerda floja na corda frouxa (na corda bamba) el abajo firmante o abaixo assinante (o abaixo assinado) ostentar el cargo ostentar o cargo (ocupar um cargo) pagar dietas pagar dietas (pagar ajudas de custo) Qualquer dicionário bilingue, e de maneira especial o dicionário de espanhol-português não poderá limitar-se a fornecer apenas uma simples listagem das palavras existentes numa língua e o seu eventual equivalente na outra (ficando assim reduzidas as diferenças entre uma e outra língua apenas a questões de tipo gráfico ou pouco mais): alto = alto ingresar = ingressar fuego = fogo dinero = dinheiro celebrar = celebrar interés = interesse reunión = reunião bancario = bancário entablar = entabuar levantar = levantar conversación = conversação sesión = sessão espantar = espantar cuerda = corda pájaro = pássaro floja = frouxa fecha = data abajo = abaixo caducidad = caducidade firmante = assinante hacer = fazer ostentar = ostentar puñeta = punheta cargo = cargo vista = vista pagar = pagar gordo = gordo dietas = dietas tiempo = tempo venta = venda fallo = falho detalhe = detalhe juez = juiz menor = menor Álvaro Iriarte Sanromán Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 30 O problema coloca-se de maneira especial ao situarmo-nos na direção de síntese, codificação ou produção textual, atendendo a que os possibilidades combinatórias (usos léxico-sintático-semânticos) e os usos pragmáticos variam de língua para língua. Não é especialmente difícil descobrir que o sintagma português encerrar a sessão quer dizer em espanhol levantar la sesión. Da mesma maneira, ao procurarmos o significado do adjetivo bambo, que ocorre colocação3 , ou combinação, corda bamba, descobriremos facilmente que se trata do sintagma espanhol cuerda floja. Mas o que é que acontece quando um utilizador do dicionário espanhol-português quer produzir um texto em português e desconhece estas construções? A maior parte dos atuais dicionários pouco ou nada ajudarão. E não porque não forneçam informação sobre essa aceção concreta do lema bambo, mas porque normalmente essa informação é recolhida no artigo lexicográfico bambo, justamente o termo que o utilizador desconhece. Quer dizer, o utilizador desconhece qual é a palavra que se combina com corda para dizer em português “en la cuerda floja”. Não há regras na gramática do português que impeçam a construção de sintagmas como os decalques apresentados. É impossível estabelecer regras de comportamento sintático gerais para todos os frasemas ou para todas as colocações justamente porque estamos perante fenómenos que não são regulares. Estamos, pois, perante casos evidentes de combinatória léxica restrita. Do ponto de vista semântico e sintático, nada impediria construir um sintagma como “*na corda frouxa”, “#data de caducidade”4 ou “*ingressar dinheiro”, mas o uso consagrou as combinações na corda bamba, prazo de validade e depositar dinheiro. Aliás, incorporei propositadamente o exemplo “data de validade” por se tratar de uma combinação livre perfeitamente gramatical em português e usada noutros contextos. 3 O termo e o conceito de "colocação" é utilizado, a partir de meados de século, por diferentes correntes teóricas linguísticas assim como pela metalexicografia com dois sentidos diferentes: a) combinações frequentes, prováveis o usuais de palavras (nomeadamente substantivo + adjetivo e verbo + substantivo) e b) combinações de palavras aparentemente livres, geradas a partir das regras da língua, mas onde atua qualquer tipo de restrição lexical determinadas pela norma. Utilizamos aqui o termo e o conceito colocação tal como se entende na Teoria Sentido -Texto: numa colocação AB, pensemos por exemplo em ódio mortal, um dos seus elementos constituintes, A (ódio), é selecionado pelo falante por causa do seu significado, que é conservado intacto; mas o segundo elemento constituinte, B (mortal), não é selecionado livremente pelo falante, e significa ‘C’ (‘intenso’), diferente de ‘B’ (‘que causa ou pode causar a morte’). Fora da colocação AB, B (mortal) não não seria usado para exprimir ‘C’ (‘intenso’) (vd. Mel’cuk (1992) e Alonso Ramos (1993). 4 Com o cardinal (#) queremos indicar impropriedade pragmática. Outros exemplos de impropriedade pragmática: #A fruta está cheia de pisaduras (cf. La fruta está llena de magulladuras); #Cheio (verbo) [o depósito, numa bomba de gasolina] (Lleno (adjetivo); #Productos lácteos (por lacticínios); #Industrias lácteas (por Indústrias de lacticínios); #leite desnatado (por leite magro) O repto dos vocabulários ortográficos 31 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) Um bom tratamento lexicográfico destas palavras passa pela recolha das dife rentes possibilidades combinatórias de um vocábulo, ou, em palavras de um teórico da lexicografia, «las combinaciones específicas, relevantes, cotidianas que regularmente son empleadas para enunciar los acontecimientos típicos alrededor del vocábulo» (Irsula, 1992: 166). Assim, no caso da listagem anterior, o dicionário bilingue de espanhol- português deverá recolher, para além dos lexemas de (a), entre outras, as seguintes combinações: el alto el fuego o cessar-fogo celebrar una reunión realizar, efetuar, uma reunião entablar una conversación encetar uma conversa fecha de caducidad data de caducidade, prazo de validade hacer la puñeta encher a cabeça hacer la vista gorda fazer vista grossa hacer tiempo que... haver tempo que... fallo del juez sentença do juiz ingresar dinero depositar dinheiro intereses bancarios encerrar a sessão levantar la sesión juros bancários en la cuerda floja na corda bamba el abajo firmante o abaixo assinado ostentar el cargo ocupar um cargo pagar dietas pagar ajudas de custo venta al detalhe, venta al por menor venda a retalho, venda por miúdo Conclusão A unidade lexicográfica virá determinada tanto co-textualmente (quer dizer, pelo contexto linguístico) como pragmática e contextualmente. O sentido de uma palavra ou grupo de palavras poderá ser aclarado ou delimitado pelo universo do discurso ou marco de referência, pelo contexto ou pelas restantes unidades léxicas que, juntamente com o ela, conformam o sintagma. Em casos de línguas tão afins como o espanhol e o português, com um vocabulário muito semelhante, e até com regras gramaticais também muito próximas, a diferença entre ambas está justamente na combinatória léxica e no uso pragmático-contextual que se faz deste vocabulário “quase” comum. A informação sobre combinatória lexical é uma mais-valia importante em qualquer dicionário. Apresentaremos a seguir dois gráfico que, de alguma maneira, tentam quantificar o tratamento que alguns dicionários (monolingues e bilingues espanhol-português) dão à importante questão da combinatória lexical e que se pode resumir dizendo que o valor (aceção) da palavra vem dado também pela combinação da mesma com outras palavras. Álvaro Iriarte Sanromán Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 32 Porto Editora 90 Sopena 90 Arco/Livros 03 Everest 05 Porto Editora 08 Gráfico 1. Dicionários bilingues espanhol-português:combinatória lexical. 891 241 57 551 346 117 374 733 381 107 78 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 Aca de m ia Auré lio Cândid o C.A ulete C.Leito re s H ou aiss Lell o M ach ado M ich aeli s M ora is S Porto E d Unive rs al Gráfico 2. Dicionários monolingues: sub-entradas. Como podemos observar, no gráfico destaca-se um dicionário, o Dicioná- rio da Academia, um dos melhores dicionários portugueses no que se refere à combinatória lexical, fraseologia, exemplos e abonações. Isto, apesar de al- guém ter dito no seu dia que merecia ir directamente para o caixote do lixo. O Dicionário da Academia é uma excelente ferramenta para a codifica- ção em português. Para ler os clássicos, temos outras. O repto dos vocabulários ortográficos 33 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) Referências Dicionários Casteleiro, J. Malaca (coord.) (2001) Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Aca- demia das Ciências de Lisboa. [aqui: Academia]. Costa J. Almeida e A. Melo, A. Sampaio e (1998) Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. 8ª edição, revista e atualizada pelo Departamento de Dicionários da Porto Editora. Porto: Porto Editora. [aqui: Porto Editora]. Ferreira, A. Buarque de Holanda (1986): Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição, revista e aumentada, 20ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. [aqui: Aurélio]. Aulete, F. J. Caldas (1987): Dicionário da Língua Portuguesa Caldas Aulete. 5ª edição brasileira, revista, atualizada e aumentada por Hamílcar de Garcia e Antenor Nascentes. Rio de Janeiro: Editora Delta. [aqui: Caldas Aulete]. Vilela, M. (1991) Dicionário do Português Básico. Porto: Edições Asa. [aqui: Vilela]. 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Síntese curricular no Vol. 2 (2008) deste Boletim. 4(2011): 35-53 35 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) Sinonímia, conceptualização e variação social (Ou como os sinónimos revelam diferenças conceptuais e distâncias letais) Augusto Soares da Silva Resumo Este estudo procura evidenciar a natureza flexível da sinonímia e examinar o papel de fatores conceptuais e fatores sociais e suas correlações no aparecimento e na competi- ção de sinónimos. Na perspetiva da Linguística Cognitiva, argumenta-se que a emer- gência e a competição de sinónimos resultam quer de fatores de saliência conceptual quer de fatores de saliência social. Argumentar-se-á também que a competição entre sinónimos lança luz sobre a variação e a mudança linguísticas, incluindo processos de convergência e divergência entre variedades letais. Depois de revisitarmos a noção de sinonímia, ilustraremos estas duas hipóteses com dois estudos de caso. Palavras-chave Linguística Cognitiva, onomasiologia, prototipicidade, semântica lexical, sinonímia. Abstract This study tries to show the flexible nature of synonymy and to examine the role of conceptual factors and social factors and their correlation in the emergence and com- petition of synonyms. In the perspective of Cognitive Linguistics, it is argued that the emergence and competition of synonyms result either from factors of conceptual relevance or from factors of social relevance. It will also be argued that competition between synonyms throws light on linguistic variation and change, including processes of convergence and divergence between lectal varieties. After revisiting the idea of synonymy we shall illustrate these two hypotheses with two case studies. Key words Cognitive Linguistics, onomasiology, prototypicality, lexical semantics, synonymy. Sinonímia, conceptualização [...] Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 36 Ao Prof. Malaca Casteleiro, com afeto Introdução O objetivo deste estudo é evidenciar a natureza flexível da sinonímia, em conformidade com a própria flexibilidade do significado linguístico, e exami- nar o papel de fatores conceptuais e de fatores sociais e suas correlações no aparecimento e na competição de sinónimos em geral e da sinonímia entre variedades linguísticas letais em particular. Na perspetiva da Linguística Cognitiva (Geeraerts; Cuyckens, eds. 2007, para a visão de conjunto mais completa e autorizada) e, em particular, da teoria do protótipo (Geeraerts, 1985, 1997; Taylor, 1995) e da semântica lexical cognitiva (Cuyckens, Dirven; Taylor, 2003, para uma visão de conjunto), ocupamo-nos da contrapartida onomasiológica da polissemia, depois de termos estudado este último fenó- meno semasiológico igualmente nesta perspetiva (ver Silva, 2006a). Argumentaremos sobre duas hipóteses específicas acerca da sinonímia. Por um lado, a emergência e a competição de sinónimos resultam quer de fatores de saliência conceptual (saliência semasiológica ou prototipicidade e saliência ono- masiológica) quer de fatores de saliência social (prevalência sociolinguística, estilística ou pragmática). Crucialmente, a prototipicidade dos conceitos pode diferenciar conceptualmente sinónimos e pode também dar origem a sinónimos entre variedades letais. Por outro lado, a competição entre sinónimos lança luz sobre a variação e a mudança linguísticas, incluindo processos de convergência e divergência entre variedades letais e processos de estandardização. Ilustraremos estas duas hipóteses com dois estudos de caso: o desenvol- vimento diacrónico do verbo deixar e dos seus mais competidores sinónimos abandonar e permitir – uma extensão do nosso estudo sobre a semântica do verbo deixar (Silva, 1999, 2003) – e o desenvolvimento diacrónico de sinó- nimos denotacionais do vocabulário do futebol e do vocabulário do vestuário no português europeu e no português brasileiro nos últimos 60 anos – uma extensão do nosso estudo sobre convergência e divergência lexical entre as duas variedades nacionais do português (Silva, 2010a). Depois desta introdução, a segunda secção serve para examinar aspetos essenciais da noção de sinonímia. Ainda como revisitação, a terceira secção trata da distinção entre sinónimos e quase sinónimos. Na quarta secção, mostraremos como a prototipicidade pode funcionar como fator diferencia- dor de sinónimos. Na quinta secção, ocupar-nos-emos da sinonímia letal e mostraremos como os sinónimos podemrevelar processos de convergência e divergência entre variedades linguísticas nacionais. Finalizaremos o estudo com algumas conclusões e implicações. Augusto Soares da Silva 37 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) Revisitando a sinonímia A sinonímia é tradicionalmente entendida como o fenómeno segundo o qual duas ou mais formas linguísticas (tipicamente, dois ou mais itens lexicais) exprimem o mesmo significado. É um fenómeno frequente nas línguas e facil- mente reconhecido, como o comprovam os dicionários de sinónimos e os tesauros. Todavia, a afirmação ou a negação de um caso de sinonímia depende da própria definição de sinonímia. Se entendermos por sinonímia similaridade semântica ou identidade referencial, facilmente encontramos sinónimos em qualquer língua. Mas se entendermos por sinonímia, não somente identidade referencial, mas também identidade sociolinguística, estilística e contextual, isto é, identidade total, então dificilmente encontraremos sinónimos. A sinonímia não é apenas um fenómeno lexical, embora a sinonímia lexical seja o caso prototípico de equivalência semântica. Entendida como equivalên- cia semântica, a sinonímia é relevante também noutros domínios para além do léxico: na teoria gramatical, como base da alternância de construções; na sociolinguística, para a noção de ‘variável sociolinguística’; na tipologia, como base da comparação interlinguística; em linguística aplicada, como base da equivalência de tradução. Importa, pois, tomar o conceito de sinonímia a partir de uma perspetiva mais ampla do que a perspetiva tradicional e entendê-lo como equivalência semântica tanto de formas como de funções. A perspetiva tradicional da noção de sinonímia em semântica lexical é a do modelo estruturalista das relações lexicais, segundo o qual o significado de uma unidade linguística se define como o conjunto de relações paradigmáticas que essa unidade estabelece com outras unidades do sistema da língua (Lyons, 1963: 59; 1977). A sinonímia é assim entendida como uma relação de equiva- lência semântica entre itens lexicais do plano do sistema, sem ter em conta os planos referencial, pragmático e contextual. Ora, é necessário substituir esta noção tradicional tipicamente estruturalista da sinonímia por uma noção que não identifique a equivalência semântica a relações sistémicas de sentido, mas tenha em conta os aspetos enciclopédicos, referenciais e contextuais do signifi- cado, determinantes no estabelecimento de uma relação de equivalência semântica e na identificação da sinonímia. Abandonando o modelo das rela- ções lexicais e, particularmente, as suas assunções de uma estrutura sistémica estável de relações de sentido, então a noção de sinonímia torna-se mais flexí- vel e fluida, em conformidade com a flexibilidade do próprio significado (ver Silva, 2006b). É esta a perspetiva da abordagem cognitivo-funcional do signifi- cado, exemplarmente representada pela Semântica Cognitiva (ver Geeraerts; Cuyckens, eds., 2007; Geeraerts, 2010; Silva, 2006a). A sinonímia é a contrapartida onomasiológica da polissemia. Isto signifi- ca que vários dos aspetos típicos do fenómeno da polissemia, tal como tem sido estudada em Semântica Cognitiva (ver Silva, 1999; 2006a), podem ser Sinonímia, conceptualização [...] Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) 38 extrapolados para o estudo da sinonímia. Assim, o nível referencial tem que ser incluído na identificação da sinonímia, ao contrário do modelo estrutura- lista das relações lexicais. Com efeito, itens semanticamente equivalentes podem diferir no seu campo referencial de aplicação, em termos de diferen- ças contextuais, diferenças sintagmáticas ou até, como veremos adiante, diferenças de prototipicidade. Por outro lado, os vários critérios de sinonímia (intuitivos, referenciais e distribucionais) podem, tal como os diversos crité- rios de polissemia (também intuitivos, referenciais e distribucionais) (ver Geeraerts, 1993 e Silva, 2006a), não convergir e conduzir a resultados con- traditórios. Aquilo que é sinonímia intuitivamente e através de métodos experimentais pode não o ser referencial e/ou distribucionalmente. Na ver- dade, o que os falantes pensam que fazem com as palavras não coincide necessariamente com o que efetivamente fazem com elas. Um terceiro aspeto tem a ver com o facto de que equivalências e diferenciações de sentido que são relevantes num contexto podem deixar de o ser noutro contexto. Mais especificamente, uma equivalência de sentidos (sinonímia) pode ser estabe- lecida num nível semântico mais abstrato e deixar de o ser num nível mais específico, assim como uma diferenciação de sentidos (polissemia) pode ser estabelecida num nível semântico mais específico e deixar de o ser num nível mais abstrato. Na verdade, o significado toma a forma de uma ‘rede esque- mática’ (Langacker, 1987; Tuggy, 2003; Silva, 2006a), em que os sentidos podem ser construídos em termos mais esquemáticos e vagos no nível supe- rior da rede e em termos mais específicos no nível inferior da rede. Tal como a polissemia pode operar em diferentes níveis de esquematicidade, sendo para isso necessário puxar o significado tanto ‘para cima’ como ‘para baixo’ (Silva 2006a, 2010b), também a sinonímia pode funcionar em diferentes níveis de esquematicidade e também é necessário para a sua identificação puxar o significado tanto ‘para cima’ como ‘para baixo’. Segue-se destas observações que a sinonímia é um fenómeno mais flexível e contextual do que aparenta na conceção tradicional; que não há um padrão para a identificação da sinonímia, mas vários; que existem vários tipos de sinonímia, determinados por efeitos contextuais e por níveis gradativos das redes esquemáticas de significado; que a identificação da sinonímia deve ter sempre em conta o efeito do contexto, a flexibilidade do significado e a correla- ção entre vários métodos de observação da equivalência semântica. Obviamente que há questões em aberto na compreensão da sinonímia. Tal como para o fenómeno da polissemia (ver Silva, 2006a), como tratar a questão da equivalência de sentidos (correspondente à questão da diferen- ciação de sentidos na polissemia) e em que nível ou níveis se pode encontrar a sinonímia (tal como em que nível ou níveis se pode encontrar a polisse- mia)? Uma outra questão é saber se a uma diferença de forma corresponde Augusto Soares da Silva 39 Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763) sempre uma diferença de sentido ou função. Teorias cognitivas e funcionais da gramática, como a Gramática Cognitiva (Langacker, 1987, 1991, 2008) e a Gramática de Construções (Goldberg, 1995, 2006; Croft, 2001), assumem que a uma diferença de forma corresponde necessariamente uma diferença de significado, parecendo não reconhecer a sinonímia. No entanto, estas teorias gramaticais têm prestado uma atenção muito especial às diferentes perspetiva- ções conceptuais de uma mesma situação (ver Silva, 2008 a), gramaticalmente codificadas em construções alternativas necessariamente em relação a um ponto de equivalência semântica. Uma terceira questão é como identificar a sinonímia funcional ou sinonímia de construções (diferente da sinonímia lexi- cal) e como distinguir a sinonímia (mais a construcional do que a lexical, porque mais difícil de identificar aquela do que esta) determinada por fato- res sociais daquela que é determinada por fatores conceptuais1. Sinónimos e quase sinónimos Há dois tipos de variação onomasiológica que estão na base de dois tipos de sinónimos. De um lado, temos a variação onomasiológica que envolve dife- renças conceptuais, e a esta variação podem estar ligadas as relações de sinonímia, hiponímia ou outras. Neste caso, a sinonímia ocorre nos contextos em que conceitos semanticamente muito próximos designam a
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