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Metodologia Científica Caso 1 Objetivos de Aprendizagem 1. Definir evidência científica e explicar a importância da mesma na tomada de decisão médica; compreender metodologia científica, saúde baseada em evidências e sua importância na prática médica; 2. Diferenciar incidência de prevalência, definir estudo transversal e citar seus objetivos e limitações; 3. Associar o valor resultante da razão de prevalência com o risco da doença; discutir a significância estatística do valor da razão de prevalência associado ao intervalo de confiança. 6. Compreender prevalência e identificar estudos que possibilitam seu cálculo. Calcular prevalência e razão de prevalência. Interpretar os resultados da razão de prevalência. Aula 1 Introdução A disciplina de metodologia científica vai abordar dois grandes conceitos, “Metodologia Científica” e “Medicina Baseada em Evidências”. A MBE é a medicina baseada na experiência clínica do médico, nas melhores evidências científicas e nos valores pessoais dos pacientes. Método Científico O método científico é o passo a passo sistematizado para que se tenha a construção do conhecimento. É o conjunto de normas básicas que devem ser seguidas para a produção de conhecimentos que tem o rigor da ciência, por isso é um método usado para a pesquisa e comprovação de um determinado conteúdo. A partir da observação de um fenômeno que se quer compreender, surge uma pergunta acerca do fenômeno e, baseado nela, cria-se uma hipótese (deve ser bem elaborada e requer um conhecimento prévio do fenômeno que se quer compreender), realiza o experimento seguido pela análise dos dados coletados (aqui entra a estatística) e a construção da conclusão e de um conhecimento que pode ser reproduzido por outros pesquisadores. Evidências Científicas Evidências científicas são dados obtidos em uma pesquisa que apresentam capacidade de reprodutibilidade. A evidência, encontrada e interpretada a partir do método científico, é sempre passível de repetição por outros profissionais em locais diferentes de onde foi encontrada inicialmente. A metodologia científica fornece métodos para o desenvolvimento de evidências. Outras importantes disciplinas que estão intimamente relacionadas a evidências são a epidemiologia, a estatística e a informática. Com relação a hierarquia da evidência científica, quanto maior a análise estatística dos dados, maior o nível de evidência. É importante ressaltar que, mesmo estudos que estão na base da pirâmide, quando realizados com uma metodologia adequada, não devem ser descartados apenas por apresentarem um nível de evidência mais baixo. É importante usar evidências porque esse uso permite escolher e aplicar aquilo que é mais útil, permite tomar decisões baseadas em fatos ao invés de opiniões, melhora a aplicação de recursos, eleva a efetividade da prática clínica, diminui a chance de erros e ainda permite a investigação de dados que comprovem uma afirmação por meio da análise da forma como esses dados foram obtidos. A prática baseada em evidência não é um processo fácil. Deve-se formular uma pergunta, buscar as melhores evidências, avaliar criticamente essas evidências e só depois aplicar elas na prática e comparar o uso da evidência com outros métodos que já eram utilizados. Tipos de Estudos Os estudos descritivos são aqueles encontrados na base da pirâmide e que geralmente não se utilizam de métodos científicos e não apresentam análises estatísticas. Dentre os principais exemplos de estudos descritivos pode-se mencionar os relatos de caso e as revisões de literatura. Os estudos analíticos são aqueles que mais geram evidências científicas, e existem dois grupos de estudos analíticos, os estudos observacionais e os estudos intervencionais, que são aqueles que apresentam algum tipo de intervenção e podem ser estudos in vitro, estudos in vivo e ensaios clínicos. Os estudos observacionais são aqueles em que se coleta dados a partir da observação, podem ser transversais (se obtém dados em determinado momento, não exigindo acompanhamento) ou longitudinais (podem ser estudos de coorte ou caso controle, prospectivos ou retrospectivos) em que se obtém dados a partir de uma linha do tempo. *Outros estudos analíticos que se pode mencionar são as revisões sistemáticas (com ou sem metanálise). Aula 2 Introdução A tabela a seguir mostra o tipo de estudo segundo a presença de grupo controle, o acompanhamento no tempo e o tipo de intervenção realizada. Estudos Transversais Enquanto os estudos de coorte e de caso controle acompanham a população por um período de tempo, buscando a relação entre exposição e efeito, os estudos transversais se limitam a observar essa população em apenas um momento, o que permite que ele seja um estudo eficaz na avaliação de acurácia de testes diagnósticos e também no estudo das prevalências de doenças. Os estudos transversais não se preocupam com a relação causa-efeito. O estudo transversal pode ser feito em vários momentos diferentes, o que permite acompanhar a evolução da prevalência de determinada condição na população. Note que o que foi dito aqui se refere a fazer dois diferentes estudos em dois momentos diferentes (por exemplo um em janeiro de 2020 e outro em janeiro de 2021) e NÃO realizar um acompanhamento da população por um período de tempo (por exemplo de janeiro de 2020 até janeiro de 2021) uma vez que estudos transversais NÃO envolvem acompanhamento da amostra. A melhor analogia para se compreender o estudo transversal é imaginar que ele é uma foto de determinada condição de saúde em um momento específico. Por exemplo, “qual a prevalência de idosos em Presidente Prudente no ano de 2020?”. Note que para responder a essa pergunta, não é necessário um acompanhamento da população, apenas a coleta de dados e a realização do estudo. O estudo transversal, então, é aquele que tem a capacidade de avaliar serviços de saúde (permitindo melhores planejamentos) e permitir o monitoramento de tendências temporais de doenças ou fatores de risco. Delineamento do Estudo Primeiro se delimita a população alvo (tipo de indivíduos que se quer estudar) de acordo com a pergunta que se quer responder, depois se realiza a coleta de dados sobre a exposição a algum fator e qual o desfecho de cada indivíduo. Após a coleta de dados, o pesquisador pode dividir a amostra em quatro grupos, um com indivíduos expostos que apresentam o desfecho, outro com indivíduos expostos que não apresentam o desfecho, outro com indivíduos não expostos que apresentam o desfecho, e um último com indivíduos não expostos e que não apresentam o desfecho. Prevalência A prevalência é o número de casos de portadores de determinada condição em um limitado período de tempo. Nos estudos transversais se obtém a frequência de ocorrência dos eventos de saúde em uma população em determinado momento, dado esse que é uma porcentagem. Razão de Prevalências A razão entre duas prevalências (NÃO é dada em porcentagem, é como um índice) é o dado que permite criar uma estimativa do risco relativo (dá uma noção de probabilidade), por meio da divisão da prevalência entre expostos e não expostos. A razão de prevalências permite a comparação entre dois grupos e geralmente, na hora do cálculo, o maior número é o numerador e o menor o denominador. *Vale mencionar a existência da razão de chances (Odds Ratio) que pode aparecer nos estudos transversais, mas que oferece um valor sobreestimado de associação entre fator e doença. Quando se obtém uma razão de prevalências, o mais importante é interpretar esse dado. Um exemplo para facilitar a compreensão: Em um estudo sobre a prevalência de DSTs em meninos de rua, se encontrou que a prevalência em meninos que moravam na rua era de 24,8%, enquanto a prevalência entre meninos que apenas trabalhavam na rua era de 3,5%. Como já foi dito, a razão de prevalência é a divisão do número maior pelo menor, que vai resultar em 7, 1. Esse 7,1 pode ser interpretado como “entre os meninos moradores de rua a prevalência de DSTs é 7X maior que entre os meninos trabalhadores de rua” ou “para cada menino trabalhador de rua com DST se tem 7 meninos moradores de rua com DST”. Como são apresentados os resultados do cálculo de RP? Neste exemplo, percebe-se a divisão da tabela em análise bruta, que é a análise de toda a amostra, e a análise ajustada, que é a análise de uma parte da amostra de acordo com um critério que o pesquisador estabelece (como idade e classe econômica). Focando apenas na análise bruta, pode-se identificar duas variáveis, o número de consultas e a natureza do serviço de saúde. Neste estudo, buscou-se avaliar se alguma das variáveis foi um fator relevante para que as mulheres da amostra não buscassem a realização do exame citopatológico. Como interpretar os resultados? Observamos primeiro que o grupo de referência no cálculo da razão de prevalências (o que fica no denominador) é indicado pelo número 1, com isso, o grupo de referência dos cálculos das razões de prevalências para o número de consultas foi ≥5 (mulheres que realizaram 5 consultas ou mais) e o grupo de referência nos cálculos de razões de prevalências para a natureza do serviço de saúde foi o serviço privado. Considere o exemplo da comparação de mulheres que fizeram 1-2 consultas com as que fizeram ≥5. O resultado foi 1,0 (0,5; 1,9). O valor de 1,0 foi a razão de prevalências (prevalência de não realização de citopatológico entre as mulheres que consultaram de 1-2 vezes / prevalência entre as mulheres que consultaram 5 vezes) e (0,5; 1,9) é o intervalo de confiança para essa razão de prevalências. Esse intervalo (de 95% de confiança) apresenta os valores que a razão de prevalências poderia assumir em 95 das vezes, caso conseguíssemos reproduzir esse estudo 100 vezes O fato da razão de prevalência ter dado igual a 1 indica que a prevalência foi igual para os dois grupos. Por outro lado, a razão de prevalência entre as que não fizeram nenhuma consulta e as que consultaram 5 vezes foi 3,5 (2,0; 6,1). Isso indica que a prevalência de não realização do citopatológico entre as mulheres do primeiro grupo foi 3,5 vezes maior em relação ao segundo P Valor e Nível de Significância Na tabela, existe o valor p (ou p valor), que é um valor que mostra se determinada variável teve uma associação estatisticamente relevante com o desfecho ou não. Existe um valor chamado de nível de significância (chamado também de 𝛼), esse valor geralmente é de 5%, mas pode ser diferente de acordo com o interesse do pesquisador. O p valor obtido no estudo será comparado com esse nível de significância. Quando o p valor é MENOR que 𝛼 dizemos que a razão de prevalências observada para aquela variável é estatisticamente significativa. Observação Observe que sempre que p< 0,05 coincide de o IC não passar pelo 1. Da mesma forma, sempre que p> 0,05 o IC vai passar pelo 1. Com isso, quando p<0,05 (e o IC não passar pelo 1), isso vai indicar que existe diferença significativa para PELO MENOS um grupo da variável em questão, quando comparado com o grupo de referência. No caso da variável “número de consultas”, o p valor foi menor que 0,05. Ao olhar para os ICs das categorias da variável, vemos que o único que não passa pelo 1 foi o da comparação de “Nenhuma” com “≥ 5”, que era a categoria de referência. Então, para essa variável, a única razão de prevalências estatisticamente significativa foi essa. Agora observe que para a variável natureza do serviço de saúde, o p valor foi MAIOR que 0,05. Por isso, ao olhar para o IC da comparação ente sistema privado e público, vemos que este passa pelo 1. Então, para essa variável, não houve razão de prevalências estatisticamente significativa.